57. O valete

QUANDO ACORDOU no dia seguinte, Giuseppe teve a certeza de que estava atrasado, já podia ouvir o barulho dos jardineiros e empregados do lado de fora, o sol estava alto no céu e seu estômago doía imensamente, o que indicava muito tempo sem comer. A princípio estranhou a falta de Graham naquela manhã, ele sempre o acordava e deixava as roupas prontas para ele vestir, naquele dia foi diferente. Não havia nenhuma roupa, tampouco algum sinal de que Graham estivera ali.

Até pensaria que seu valete o deixara dormir mais tempo por conta do cansaço, mas a passagem dele por ali seria visível, tudo estaria na mais perfeita ordem, isso se ele não trocasse as coisas de lugar, mas o quarto de Giuseppe permanecia do mesmo jeito que a noite anterior.

Talvez Graham também estivesse atrasado.

Sabendo que não teria ajuda, se levantou sozinho, buscando amparo da bengala para se erguer e caminhar pelo quarto, a perna doía menos naquele dia e já conseguia caminhar com mais estabilidade, porém, teve de fazer seu curativo sozinho com o que havia sido deixado ali.

Sem nenhum auxílio teve um pouco mais de dificuldade para se vestir e descer a escada, mas nada que demandasse tanto esforço. Tomou o desjejum sozinho, já que todos já haviam sido servidos, era até estranho fazer aquela refeição sozinho, sentia falta da conversa que sua irmã tinha com Olívia e Emeline, elas sempre tinham algum assunto para tratar.

E por falar em Emeline, estava sentindo falta da presença dela, de conversarem apenas pelo olhar quando estavam na frente de outras pessoas, de trocarem carícias. A última vez que a havia visto fora na manhã anterior e brevemente no funeral de Henry, desde então se sentia cansado demais e em partes pensava que estava sendo negligente.

Quando enfim terminou de comer se levantou e tentou procurar por Graham novamente, seu sumiço já estava o incomodando e o preocupando, procuraria por Emeline depois que o encontrasse. Aquele comportamento era muito atípico do valete.

Procurou pela casa toda, mas não viu sequer sua sombra. Questionou todos os empregados que via, mas a resposta era sempre a mesma, ninguém o havia visto. Quando encontrou Caleb pelo caminho, se aproximou rapidamente e uma nova tentativa de informações.

- Senhor Emor, viu Graham?

- Não, senhor. Ele não pôs os pés aqui hoje.

- Tem certeza?

- Sim, sempre chego junto com ele pela manhã, hoje ele estranhamente não apareceu, até mesmo pensei que o senhor o houvesse enviado para uma missão especial.

A preocupação de Giuseppe apenas aumentava a cada falta de informação, e de repente a sensação de que algo ruim estava acontecendo apenas aumentou, não era apenas um ínfimo sentimento mais, agora era uma constatação.

- Não. - Respondeu, depois de muito ponderar - Não pedi que ele fizesse nada.

- Algum problema, senhor? - Questionou Giácomo se aproximando.

- Graham. Não apareceu até agora, estou preocupado.

- Se quiser posso pedir para alguns guardas irem até a casa dele. Apenas para verificar se ele está lá.

- Faça isso, por favor. Espero que ele esteja bem.

Dessa vez foi Caleb que tomou a frente, dizendo:

- Eu mesmo posso me encarregar de ir até a casa dele, levarei mais uns três comigo... por segurança.

Giuseppe não conseguia pensar em mais nada, apenas acenou com a cabeça e se afastou, com o coração apertado apenas de imaginar as possibilidades.

- Me avisem assim que voltarem.

Caminhou aleatoriamente pelos corredores, sem ter destino certo. Não queria voltar para seu quarto, pois sabia que não encontraria a figura de seu amigo lá, e isso apenas aumentaria sua angústia. Seu escritório o deixaria igualmente sufocado e apesar de todos aqueles cômodos ao seu redor, sentia que aquele lugar estava vazio.

Procurando por um consolo, foi em direção ao quarto de Emeline. Quando estava quase chegando à porta, escutou a voz dela junto de Olívia, estavam paradas em frente ao quarto da ruiva, parecendo combinar algo para mais tarde. Giuseppe acabou se escondendo atrás de uma parede, esperando que elas terminassem a conversa e Emeline passasse caminhando tranquilamente até seu quarto, alheia ao corredor onde ele se escondia.

Com um movimento ágil, ele agarrou o cotovelo dela e a trouxe para perto, enlaçando sua cintura. Emeline soltou um arfar assustado, mas acabou abrindo um sorriso ao ver o sorriso travesso que ele lhe abria.

- Venha comigo. - Sussurrou ele, a arrastando pela mão até um dos quartos desocupados.

Emeline seguia seus passos rapidamente, reparando o quanto ele ainda mancava muito, apesar de usar a bengala de amparo. Na verdade, ela suspeitava de que ele sequer deveria estar caminhando daquele jeito.

- Não deveria estar em repouso? - Questionou ela, assim que adentraram o quarto.

- Não quero ficar no meu quarto.

Ele se sentou em um divã que ficava na antessala e a puxou até que se sentasse em seu colo, sobre a perna boa, suspendeu as pernas dela e as pousou lentamente sobre a perna ferida, descansando os pés dela sobre o estofado. Se recostou no encosto, enquanto seu braço direito passava pelas costas dela, a sustentando.

- Eu não deveria estar sentada em seu colo.

- A quero perto de mim. - Respondeu analisando cada traço dela, pousando os dedos delicadamente sobre a bochecha dela - Faz tempo que não a vejo.

- Nos vimos ontem!

- Não foi o suficiente.

Notando como o olhar de Giuseppe parecia angustiado e o modo como os olhos dele passeavam por seu rosto, parecendo gravar cada detalhe, ela segurou a mão dele entrelaçou seus dedos.

- O que realmente aconteceu? - Questionou - Parece aflito.

Só então ele pareceu despertar de um transe, piscou os olhos incontáveis vezes e abaixou a cabeça, puxando sua mão de volta e esfregando o rosto. Ainda deliberou alguns segundos, antes de voltar os olhos para ela e responder:

- Graham. Ele... ele não apareceu hoje.

- Bem que estranhei a falta de movimentação dele hoje pela manhã. - Resmungou ela, parecendo arquitetar algo.

- Ninguém o viu desde ontem. Ele não iria desaparecer assim, Graham não iria a lugar algum sem me avisar.

- Acha que pode ter acontecido algo?

Giuseppe deixou o ar que prendia escapar de seus pulmões, se sentindo derrotado e mais cansado ainda, ao que parece a noite de sono não ajudara em nada.

- Eu não sei e sinceramente tenho medo de pensar. Ele havia me dito ontem que recebeu uma carta dizendo que sua mãe estava doente...

- Será que ele não foi visita-la? É óbvio que um filho se preocuparia.

- Mesmo que resolvesse ir visita-la no último instante, Emeline, ele arranjaria uma maneira de me avisar porque sabe que eu me preocuparia. Além disso, ele confessou que a letra na carta não era de seu pai, nem de sua mãe.

- Isso é estranho.

- Muito. Ele acha que alguém está tentando afastá-lo daqui.

Emeline afastou ligeiramente, para fitar Giuseppe devidamente, um arrepio percorreu todo o corpo dela, acabou sentindo a mesma sensação de angústia que ele sentia. Ficou alguns segundos em silêncio, sem saber o que dizer, as palavras estavam enroscadas na garganta.

- Acha que de alguma forma o forçaram a se afastar? Que o responsável por isso é o...

- Ainda não posso afirmar nada, mas de uma coisa eu tenho certeza, se Denis ousar encostar em Graham, eu vou fazê-lo se arrepender amargamente. Eu já aturei mais do que deveria e só estou inerte ainda por você, mas não vou suportar mais, Emeline!

Tomando o rosto dele entre suas mãos, o acariciou levemente e fixou os olhos no dele, procurando acalmá-lo.

- Tudo bem, se acalme, por favor. Graham é inteligente, ele não deixaria que lhe fizessem nada, se por ventura algo assim aconteceu, tenho certeza de que ele percebeu antes e só está prezando por sua segurança.

- Ele já teria entrado em contato.

- Talvez ele só não teve oportunidade, não vamos pensar no pior.

Pela primeira vez naquele dia, Giuseppe deixou transparecer verdadeiramente sua angústia, seus olhos se encheram de lágrimas e a postura sempre ereta se curvou levemente, o tirando de seu aspecto sempre majestoso.

- Não posso perder Graham, não posso perder meu amigo. Já perdi Henry e não pude fazer nada por ele, não posso deixar... não posso perde-lo.

- E não vai! - Respondeu ela, distribuindo beijos pelo rosto dele - Você não vai perde-lo.

Com um suspiro, Giuseppe acabou concordando e fazendo um instante de silêncio, pensando consigo mesmo o que deveria fazer. Ansiava pela volta dos guardas trazendo notícias de Graham e temia que não fossem boas. A cada minuto que passava, ficava mais angustiado, ele tinha muita consideração pelo amigo e o fato de Graham simplesmente sumir o deixava aterrorizado. Cassandra já havia pago por algo por culpa dele, não poderia permitir que o irmão dela também pagasse.

Saiu de seus devaneios quando viu Emeline se encolher em seu colo e acariciar a barriga fazendo uma careta descontente. Inconscientemente os pensamentos dele se voltaram para o ferimento que ela havia sofrido tempos atrás. Será que voltara a se abrir? Será que havia pego uma infecção ou algo assim?

- O que está sentindo? - Perguntou.

- É uma dor incômoda aqui embaixo. Creio que minhas regras estejam próximas, é comum que aconteça.

Soltando o ar, aliviado, ele se inclinou sobre a barriga dela e depositou vários beijos leves, deixando Emeline estarrecida.

- O que está fazendo? - Questionou ela.

- Te distraindo para que não sinta mais dor.

Sorrindo, ela passou a mão pela nuca de Giuseppe e trouxe seus lábios de encontro aos dela, percebendo o quanto ele estava muito mais afetado do que imaginava e o quanto ele precisava daquele beijo, precisava senti-la.

Acabou resmungando contrariada quando ele se afastou, interrompendo o beijo, e virando a cabeça em direção à janela. Lentamente a escorregou de suas pernas e a deixou sentada sobre o divã para enfim se levantar e conferir que lá fora os guardas enviados para a casa de Graham haviam voltado. Se voltando para Emeline, disse com certa pressa na voz.

- Eles voltaram. Talvez tenham notícias.

Saíram apressados do quarto, Emeline nunca viu Giuseppe caminhar tão rápido daquele jeito, embora estivesse ferido. Era como se ele ignorasse completamente a dor.

Quando chegaram ao salão principal, Giacomo já estava ali conversando com seus subordinados e com uma expressão desgostosa em seu rosto, Caleb não estava melhor do que ele, e particularmente parecia perturbado. Quando viram Giuseppe se aproximando, todos ficaram em silêncio, encarando uns aos outros como se esperassem para ver quem tomaria a frente.

Giuseppe também permaneceu parado, encarando os outros em expectativa.

- E então... o encontraram?

Giácomo olhou para Caleb, como se lhe desse a tarefa de responder. A princípio o guarda pareceu desconcertado, mas deu um passo à frente, pigarreando e procurando as melhores palavras.

- Eu temo que as notícias não lhe agradem, senhor. Mas fui até a casa indicada junto de mais três homens e não encontramos nada, a porta ainda está trancada e olhando pela janela notei que está tudo na mais perfeita ordem. O senhorio que mora ao lado disse que geralmente escuta o senhor Thorn chegando em casa, porém, na noite passada ele não ouviu nenhuma movimentação.

Por precaução, Emeline havia parado alguns metros para trás, apenas para ouvir o que diziam, mas desejou desesperadamente estar ao lado de Giuseppe quando o viu perder o equilíbrio e cambalear um pouco.

Aquela notícia havia sido como um soco no estômago, lhe tirou o ar e o equilíbrio. Ele abriu a boca, tentando articular alguma palavra, mas nada saía, estava sem reação, a respiração falhou e simplesmente não conseguia puxar o ar. Graham. Seu melhor amigo, havia simplesmente desaparecido.

Depois de permanecer longos segundos em silêncio, estático, Giuseppe assumiu um ar austero e se dirigindo a Caleb pediu:

- Chame o chefe de polícia até aqui. Quero todos atrás de Graham. - Se voltou para Giácomo e completou - O senhor e eu vamos para minha sala, precisamos traçar algumas estratégias também.

- Sim, senhor.

Quando todos estavam se dispersando, Giuseppe caminhou para seu escritório acompanhado do homem que solicitara e antes de sumir pelo corredor, encarou Emeline de relance, apenas para ter certeza de que pelo menos ela ainda permanecia ali.

Emeline, por sua vez, abriu um sorriso consolador para ele e esperou até que estivesse sozinha para subir novamente os degraus da escada. Deveria dar a notícia a Olívia, embora se questionasse se era aconselhável.

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