54. Tragam o bom doutor
QUANDO ACORDOU pela manhã a primeira coisa que viu foi Graham sentado ao seu lado, encarando o jardim através da porta de vidro aberta. Seus olhos arderam quando a luz do sol incidiu sobre eles, a cabeça doeu e a perna latejou quando ele se mexeu.
Percebendo que ele havia acordado Graham se levantou e o encarou preocupado, por incrível que parecesse os cabelos loiros do valete estavam desarrumados naquela manhã.
- Como está se sentindo? - Perguntou.
- Melhor do que ontem, mas minha perna está doendo como o inferno. - Olhando ao redor e constatando a falta de alguém, inquiriu - Onde está Emeline?
- Acabou de descer para o café da manhã, não queria despertar suspeitas.
- E que horas são?
- Cedo. Por isso precisamos pensar em uma forma de leva-lo de volta ao seu quarto e aproveitar que por enquanto poucas pessoas circulam.
Giuseppe observou bem o amigo, percebeu o quanto ele estava agitado, era fato que todos os dias ele era daquela forma, mas daquela vez era diferente, parecia beirar a aflição. Abaixando os olhos, notou que seu curativo parecia ter sido trocado recentemente, embora estivesse um pouco manchado, talvez tenha sido aquilo que deixara Graham alerta, o fato de ainda sangrar, mesmo que fosse pouco.
- Eu ficarei bem, não se preocupe. - Disse, tentando o tranquilizar.
- Não tenho dúvidas quanto a isso, mas precisamos agir rápido para que possamos chamar um médico rápido também. Eu e a senhorita Black limpamos seu ferimento e trocamos o curativo hoje pela manhã, mas assim que tiramos os panos sujos voltou a sangrar. Precisa que um médico costure isso e feche definitivamente.
- Tem razão, mas como vou justificar a presença de um médico para fechar um ferimento como esse? Como vou explicar o fato de não conseguir sequer caminhar, Denis com toda certeza saberá que me atingiram na noite passada, irá desconfiar.
Graham suspirou, já cansado, mas com toda a paciência que tinha dentro de si, respondeu com sua habitual voz inalterada:
- Irei acobertá-lo como sempre se preciso, mas agora precisamos sair. Estava apenas o esperando acordar.
Giuseppe ponderou por alguns segundos, mas se ajeitou sobre o colchão e fazendo movimentos cuidadosos, colocou uma perna para fora da cama. Olhando para Graham, pediu:
- Então me ajude aqui, sim?
- Primeiro troque suas roupas, lhe trouxe uma calça mais larga para que possa vestir. - Respondeu o valete lhe estendendo uma calça escura.
- Obrigado, Graham.
Com a competência de sempre, Graham ajudou Giuseppe a se vestir, tomando extremo cuidado quando o tecido da calça roçou no ferimento, o ajudou a colocar uma camisa limpa também e quando estava devidamente vestido, o escorou até que ele se acomodasse em uma poltrona perto da cama, para que o valete retirasse os lençóis sujos e substituísse por outros limpos que já estavam ali.
Aquilo não era seu trabalho, mas Graham era tão competente no que fazia, que muitas vezes iria além de suas funções. Quando terminou de arrumar tudo, se voltou para Giuseppe e com expectativa, perguntou:
- Podemos ir?
- Sim, mas precisará me ajudar a chegar até meu quarto.
- Claro. Espere apenas um minuto, irei me certificar de que não há ninguém no corredor. - Rapidamente ele foi até a porta, a abrindo o suficiente para colocar a cabeça para fora do quarto e olhar para os dois lados, verificando que por enquanto ninguém passava, voltou até Giuseppe e o ajudou a se erguer, dizendo - Vamos, essa é nossa oportunidade, temos que ser rápidos.
- Está exigindo um pouquinho demais de mim, Graham.
O valete passou o braço direito de Giuseppe por seu ombro e com o seu braço esquerdo circundou a cintura do amigo, dando apoio suficiente para que ele não forçasse a perna machucada. Começaram a caminhar devagar a princípio, mas assim que alcançaram o corredor, os passos mancos de Giuseppe se tornaram um pouco mais rápidos, se esforçava o quanto podia para conseguir chegar rapidamente ao seu quarto. Tiveram de parar algumas vezes, para que ele descansasse a perna que parecia pegar fogo, com a dor latejante correndo por toda sua extensão, mas logo ele respirava fundo e acenava para Graham, sinalizando que poderiam voltar a caminhar.
Giuseppe suspirou aliviado quando finalmente abriu a porta de seu quarto e o adentrou, estando em segurança. Se escorou na lareira, que estava mais próxima, descasando por mais alguns instantes.
- Como chegou tão cedo? - Questionou, assim que Graham também se acomodou em uma cadeira próxima.
- Voltei ontem pela noite mesmo, não quis esperar até que amanhecesse para voltar. E pelo que vejo foi a melhor decisão, a senhorita Black me procurou assim que os primeiros raios de sol surgiram.
- Sequer percebi quando ela saiu.
- Estava em um sono profundo quando cheguei ao quarto dela, creio que a exaustão o atingiu. Aliás, teve muita sorte de tê-la ao seu lado, cuidando do ferimento. Se não fosse por ela, provavelmente teria sangrado mais e só Deus sabe o que poderia ter acontecido.
- Emeline me salvou. - Constatou ele, se desencostando da lareira e estendendo o braço para Graham o ajudar novamente - É por isso que resolvi tomar uma decisão de vez.
- Que seria...?
- A pedi em casamento.
Graham paralisou ao lado dele, um sorriso surgiu em seus lábios e em meio a sua empolgação, ele retirou seu braço da cintura de Giuseppe, justamente quando este apoiava sua perna ferida no chão. Tudo ocorreu tão rapidamente que ele mal percebeu, Giuseppe arregalou os olhos, se desequilibrando, enquanto bradava:
- Não, Graham, não me solte!
O valete até tentou segurá-lo novamente, mas já era tarde, Giuseppe desabou no chão, levando junto um cesto com atiçadores de lenha que ficavam acomodados ali. O impacto foi tão forte que daquela vez ele não conseguiu segurar o grito de dor que ecoou de sua garganta. Provavelmente metade da casa tinha escutado.
Giuseppe permaneceu no chão, segurando a perna com as mãos e esbravejando coisas que Graham preferiria esquecer, correu para perto do amigo e se abaixou, examinando o ferimento ao mesmo tempo que a porta se abria e um guarda aparecia preocupado sob o batente. O homem de uniforme escuro encarou os dois, demorando seu olhar em Graham, parecendo suspeitar de algo. Giuseppe percebendo que os pensamentos do guarda iriam por um lado turvo, tratou de esclarecer assim que recuperou a voz.
- Eu me acidentei, foi apenas isso, não se preocupe.
- Chame um médico. - Acrescentou Graham, segurando um dos atiçadores e mostrando ao guarda - E precisamos que seja urgente.
O aguarda arregalou um pouco os olhos ao perceber o que Graham segurava, mas acenou com a cabeça e rapidamente se retirou enquanto outro assumia seu lugar e adentrava o quarto, ajudando Graham a levantar Giuseppe e o acomodarem sobre a cama.
- Peça que chamem o doutor Thanatos Arenhart. - Pediu Giuseppe ao guarda.
Graham o encarou parecendo um pouco contrariado, mas esperou até o guarda sair do quarto para questionar:
- Irá chamar Arenhart?
- Algum problema?
- Um médico que tem o nome do deus da morte... é no mínimo irônico.
- E se deixará influenciar apenas por mitos? É tão real quanto Nox Nocture.
Graham acabou dando de ombros e logo desviou do assunto, sabia que nada faria Giuseppe mudar de ideia, embora ele soubesse que seu amigo não aprovava muito o doutor Arenhart, principalmente pela conduta que ele muitas vezes apresentava.
- Bom, pelo menos agora arranjamos alguma desculpa para seu ferimento.
Ele se dedicou a juntar os atiçadores espalhados onde Giuseppe havia caído e os organizar novamente no certo.
- Cair em cima de um atiçador? Quem é o tolo que faz isso? - Debochou Giuseppe.
- Você. - Respondeu Graham, naturalmente. E quando recebeu um olhar reprovador do amigo, completou - Tem alguma outra ideia?
Giuseppe comprimiu os lábios, ainda relutante com aquela ideia, mas naquele momento não tinha nenhuma outra que pudesse ser melhor. Derrotado, ele suspirou e balançou a cabeça concordando. Tentando ignorar a dor latente que o deixava cada vez mais mal-humorado, se remexeu impaciente ajeitando a postura.
Seu humor melhorou consideravelmente quando avistou sua mãe parada à porta de seu quarto, seguida de Emeline, Olivia e Beatrice. Valerie, no entanto, era a que mais parecia alarmada, mas ainda assim permaneceu parada na porta, parecendo esperar que Giuseppe a deixasse entrar.
- Pode se aproximar, mamãe.
Valerie não precisou de outro incentivo e rapidamente o alcançou, no entanto, ao ver o sangue que coloria sua roupa e agora voltava a escorrer, ela estacou no lugar e cravou o olhar no líquido rubro.
- Céus, como isso foi acontecer?!
- Foi um acidente. Acabei me desequilibrando e caindo em cima de um atiçador de brasa.
Emeline tinha adentrado o quarto junto das outras duas, mas diferente de Valerie não haviam se aproximado. Ela buscou o rosto de Graham, fazendo uma pergunta silenciosa com os olhos, o rapaz, no entanto, apenas deu de ombros e continuou quieto no canto em que estava. Emeline precisou abaixar a cabeça e colocar a mão na frente dos lábios que insistiam em se esticar em um sorriso. A situação não era cômica, mas não poderia dizer o mesmo da desculpa que os dois haviam arranjado.
Enquanto Valerie enchia Giuseppe de perguntas alguns guardas se aproximaram da porta, sendo acompanhados de um homem alto e esguio, os ombros eram largos, dando a ligeira impressão de que era um pouco maior do que os homens que o escoltavam. O fraque e o lenço eram bem alinhados, assim como o colete escuro que usava, os cabelos escuros e ondulados estavam um pouco desalinhados, mas combinavam perfeitamente com sua pele oliva. Ele mirou os olhos astutos em Giuseppe, passando depois a encarar os outros presentes ali, demorando-se um pouco mais em Olívia.
Por fim, ele pigarreou e abriu um sorriso simpático, dizendo com a voz levemente rouca:
- Vim o mais rápido que pude.
- Graças aos céus chegou, doutor. Giuseppe está sangrando muito! - Disse Valerie, se dirigindo na direção do médico e abrindo caminho para que ele se aproximasse.
O homem fez uma reverência cumprimentando Valerie e depois se voltou para Giuseppe, repetindo o gesto. Ainda com um sorriso ele se voltou para a mulher e a tranquilizou:
- Não se preocupe, majestade, cuidarei disso.
- Obrigada.
Se afastando, Valerie fez questão de levar as outras moças dali junto consigo e quando Graham se preparava para sair também, a voz de Thanatos reverberou novamente o chamando:
- Senhor Thorn, há algum gim ou uísque por aqui?
Graham deliberou por alguns segundos, mas acabou se aproximando ao responder:
- Creio que somente no escritório particular.
O médico sequer lhe dirigiu o olhar, já se encontrava ajoelhado, abrindo a valise que havia apoiado no chão e vasculhava dentro dela.
- Ótimo, traga uma garrafa inteira.
O valete buscou o olhar de Giuseppe, que apenas acenou com a cabeça, e logo depois saiu apressadamente do quarto, deixando apenas o médico e os guardas no cômodo. Parecendo ter encontrado o que procurava, Thanatos ergueu o tronco, mas ainda estava de joelhos ao lado da cama, quando se aproximou de Giuseppe, dizendo:
- Terei que cortar sua calça, majestade.
- Não precisa me tratar com formalidade, Arenhart.
- Apenas quis trata-lo de forma correta. Não quero dar motivos para seus guardas com feições nada agradáveis me levarem arrastado para algum lugar fétido. Quando foram me chamar, praticamente me arrastaram da cama e ao chegar só faltou me pedirem para tirar a roupa.
- Em primeiro lugar, eu jamais permitiria que o tratassem mal. Em segundo, não pedi que o arrastassem de sua cama. Em terceiro, eles sempre fazem uma revista em visitas.
- Não confio muito nessa última afirmação, ouvi um deles me dizer que meu nome desperta desconfiança. - Giuseppe ergueu uma sobrancelha, mas nada disse, então Thanatos logo voltou ao seu trabalho, pegando uma tesoura, mas ao se aproximar mais ele parou pensativo, encarando a calça manchada - Não deveria ter alguma fenda no tecido? Pelo que me disseram havia caído em cima de um atiçador de brasas.
Thanatos tentava conter o sorriso de diversão que insistia em aparecer em seus lábios, Giuseppe sabia que ele ainda estava receoso em ser verdadeiro na frente dos guardas e o tratar com a mesma liberdade que tinham antes que ele assumisse o reinado. Por isso, dispensou os guardas e ainda que receosos eles saíram, deixando os dois a sós.
Assim que o médico terminou de cortar a calça, ciente de que sua pergunta anterior não seria respondida, ele parou alguns segundos, estranhando o curativo que haviam feito.
- Não sabia que já haviam feito um curativo. - Constatou.
- Foi para estancar o sangramento.
Thanatos apenas ergueu os olhos, sem acreditar em uma palavra que Giuseppe dizia, mas prosseguiu, abrindo o curativo e examinando o ferimento. A expressão de estranheza voltando ao rosto. Por fim, pegou alguns panos limpos e voltou a limpar o sangue que escorria, embebeu alguns algodões em soluções e se pôs a limpar o local.
- Está com esse ferimento desde a noite, não é mesmo?
- Como pode saber?
- Por favor, eu sou médico! Quer enganar logo a mim? Estou vendo sangue seco ao redor do ferimento e outras coisas, que não cabem agora eu explicar, que indicam que o ferimento é recente, mas não tão recente para que tenha sido feito pela manhã. O formato da perfuração também não condiz com a ponta de um atiçador.
- Eu o chamei justamente por saber que é discreto o suficiente, Thanatos.
O médico o encarou por alguns segundos, sem saber o que pensar sobre aquilo, mas acabou voltando para seu trabalho, suspirando e balançando a cabeça.
- Eu sabia que mais cedo ou mais tarde seria esfaqueado por algum marido, só me admira saber que alguém tenha sido louco o suficiente de atentar justamente contra você. Se eu fosse casado, ficaria lisonjeado de que o rei escolhesse minha mulher para ser sua amante, significaria que tenho bom gosto.
Giuseppe tentou se manter sério diante da sinceridade de Thanatos, mas falhou miseravelmente e acabou gargalhando com a imaginação fértil do amigo. Sentira falta do bom humor daquele inglês.
- Está me dizendo que gostaria de ser traído desde que sua esposa hipotética o traísse comigo?
- Quer honra maior que essa? Ainda pediria para ela engravidar, ganharíamos uma boa pensão pela criança hipotética.
- Guardarei essa informação e jamais me aproximarei de qualquer mulher que venha a ter, Thanatos.
- Não se preocupe, jamais terei alguma.
- Bom... eu dizia o mesmo.
Quando Arenhart ergueu a cabeça surpreso, pronto para questioná-lo, Graham adentrou o quarto com uma garrafa de líquido âmbar dentro. Parou há alguns centímetros da cama e encarou o médico que ainda estava estupefato. Se recuperando do torpor inicial, Thanatos se voltou para o valete e o instruiu:
- Ótimo. Agora dê o uísque para Giuseppe, faça-o beber o máximo que conseguir.
- Mas ele ficará bêbado.
Puxando uma agulha de dentro da valise e se preparando para esterilizá-la, Thanatos se voltou para Graham e respondeu:
- Essa é a intenção.
Giuseppe estendeu a mão para a garrafa quando percebeu a hesitação de Graham, e somente assim o valete cedeu e permaneceu ao lado da cama, observando o médico esterilizar a agulha e preparar algumas soluções, enquanto Giuseppe entornava de uma única vez metade daquela garrafa. E ele sequer havia feito o desjejum.
- Está pronto? - Perguntou Thanatos, se voltando para Giuseppe.
Ele apenas acenou positivamente com a cabeça, entregando a garrafa de volta para Graham, e limpando a boca com a manga da camisa. Se ajeitou melhor sobre o colchão e os travesseiros e inspirou profundamente.
Giuseppe até pensou que estava preparado, mas ao sentir a agulha perfurar sua pele reprimiu um grito de dor e se contorceu levemente, fechando os olhos, como se ao não ver como estava sendo costurado também pudesse evitar de sentir a dor.
Mas quando Thanatos passou a agulha por dentro da pele mais uma vez, Giuseppe se sobressaltou, esbravejando:
- Isso dói como o inferno!
- Pare de ser resmungão, ainda mal comecei. - Retorquiu o médico.
- Que o diabo o carregue, Thanatos, eu o odeio!
Lentamente, o médico ergueu a cabeça e com expressão monótona disse:
- Ah, uma nova forma de enviar as pessoas para o inferno! Não adianta me xingar, nem me mandar para lá, o diabo mesmo que me enviou para lhe fazer pagar por dormir com a mulher alheia.
- Eu não dormi com nenhuma mulher alheia, inferno! - Berrou Giuseppe, em resposta.
Cansado daquela discussão, Thanatos se voltou para Graham, que ainda estava ao lado, segurando a garrafa de uísque.
- Dê mais um pouco a ele.
- O quê? Mas ele já bebeu metade! Irá ficar bêbado.
- Eu já disse que essa é a intensão. Quero ele tão bêbado que não vai sentir a agulha passando pela pele. - Diante da hesitação de Graham, Thanatos completou - Não confia em mim?
- Claro que não. Olha o nome que tem! E ainda vem com essa de que o diabo te enviou. Vai matá-lo com tanto álcool.
Já irritado, Thanatos tomou a garrafa das mãos de Graham e empurrou na direção de Giuseppe, esbravejando:
- Tome tudo. E não se atreva a abrir a boca mais uma única vez ou então a costurarei também.
Giuseppe novamente entornou tudo de uma vez, enquanto Thanatos o aguardava terminar. Quando Giuseppe finalmente tomou tudo, ergueu a cabeça, estendendo a garrafa para Graham, e sentiu uma leve tontura o atingir. Talvez não deve ter tomado o uísque tão rapidamente. Voltou a se jogar sobre o colchão, ainda sentindo uma dor insuportável quando médico voltou a passar a agulha por sua pele, no entanto, logo começou a sentir as mãos e os pés dormentes, pouco depois a sensação se estendeu por todo seu corpo, o fazendo se sentir um pouco mais letárgico. Aquilo fez a sutura se tornar um pouco mais suportável.
Fechou os olhos e só percebeu que já havia acabado quando Thanatos levantou a cabeça e se voltou para a valise, tirando outra ferramenta de dentro.
- Está se sentindo bem? - Perguntou o médico.
- Um pouco zonzo e fraco.
- É claro que se sentiria assim, sequer comeu e já bebeu uma garrafa inteira de uísque. - Resmungou Graham, com os braços cruzados, em um canto do quarto.
- Queria que eu o costurasse enquanto estava lúcido para que ele sentisse mais dor?
- Ele está em jejum! Como pode incentivá-lo a ingerir álcool quando acabou de acordar?
- Então eu deveria deixá-lo sangrar mais, enquanto esperava ele se alimentar e só então tratar o ferimento?
Graham desistiu de discutir e apenas balançou a cabeça, parecendo indignado, soltando o ar com força. O que só fez um sorriso vitorioso surgir nos lábios de Thanatos.
- Foi o que imaginei. - Respondeu ele.
- Já acabaram com a discussão? - Resmungou Giuseppe, ainda mantendo os olhos fechados.
- O único que estava discutindo era o senhor Thorn, que queria me ensinar a ser médico.
Quando Graham abriu a boca para contestar, Giuseppe o interrompeu, pedindo:
- Pode pedir para trazerem algo para eu comer, por favor, Graham?
O loiro ainda permaneceu alguns segundos, encarando o médico com uma expressão desconfiada, mas acabou concordando com a cabeça e saindo silenciosamente do quarto. Poucos segundos depois que ele saiu, os dois guardas que antes haviam saído, entraram no quarto e ali permaneceram encarando os dois restantes.
- Nossa, seu valete não confia mesmo em mim. - Resmungou Thanatos.
- Por que diz isso?
- Ele pediu para os guardas entrarem.
Giuseppe ergueu a cabeça, o suficiente para encarar os dois homens ainda parados ali, voltou a se deitar, com um sorriso no rosto, dizendo:
- Não culpe Graham ele é apenas cuidadoso.
- Até demais, eu diria. - Notando a moça que havia acabado de chegar e estava parada à porta, com olhar preocupado, Thanatos voltou para Giuseppe, perguntando - Quem é a moça que seduziu dessa vez?
Daquela vez Giuseppe sequer conseguiu erguer a cabeça, temia que se fizesse mais um único movimento, colocaria todo o álcool ingerido para fora, mas abriu um pouco os olhos, localizando Emeline parada ali, esperando o momento certo para entrar. O sorriso voltou aos lábios, enquanto ele esticava o braço a chamando.
- É minha noiva.
Os olhos de Thanatos se arregalaram tanto que provavelmente poderia ter saltado das órbitas, parou alguns segundos, segurando um frasco e um pedaço de algodão nas mãos, depois piscou aturdido e baixinho balbuciou:
- Ah, então é por isso... santo Deus, é mais grave que pensei, está apaixonado.
- Não é tão ruim quanto você faz parecer.
- Não, é muito pior. Quase a morte. Sinto muito, meu amigo, não tenho um tratamento para isso.
Thanatos se calou assim que Emeline parou ao lado da cama, se sentando sobre ela e levando a mão até os cabelos de Giuseppe.
- Como está se sentindo? - Perguntou ela.
- Melhor agora. - Respondeu Giuseppe, abrindo brevemente os olhos e a encarando.
O médico apenas observou os dois com atenção, mas acabou voltando para sua tarefa de limpar o ferimento novamente, para depois aplicar cataplasma e enfaixar novamente, tomando extremo cuidado com a sutura. Sequer se atentou a conversa dos dois, ou pelo menos a conversa que tentavam ter, o uísque provocara uma letargia em Giuseppe, de modo que sua fala parecesse cada vez mais arrastada.
Só ergueu a cabeça de seu trabalho quando ouviu os passos de Graham se aproximando, o valete tinha uma bandeja nas mãos, contendo alguns pães, frutas e chá.
Giuseppe não comeu metade daquilo.
Thanatos ainda permaneceu alguns minutos no quarto, mesmo que já tivesse acabado de cuidar de Giuseppe e já tivesse juntado todos os seus materiais, aquela atitude só demonstrava o quanto ele era cuidadoso com os pacientes. Só se deu por satisfeito quando Giuseppe deixou a comida de lado e se aconchegou mais em sua cama, que haviam limpado, e concordou em descansar. Antes de partir, deixou algumas recomendações e medicamentos que deveriam ser usados nos próximos dias, e assim que ele deixou o quarto, Graham suspirou aliviado, sequer percebera que segurava o ar.
Percebendo que Giuseppe estava praticamente dormindo, Emeline se levantou da cama, com movimentos cuidadosos e o cobriu. Ainda permaneceu o encarando por alguns segundos, até se voltar para Graham e dizer:
- Acho melhor o deixarmos descansar por enquanto.
- Tem razão, provavelmente dormirá o resto do dia.
Saíram devagar do quarto e Emeline ainda hesitou um pouco na porta, lançando um último olhar para ele, pouco antes de sair e fechar delicadamente a porta atrás de si
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