43. Meus inimigos são seus inimigos

PASSOU O DIA seguinte inteiro se sentindo pesarosa e mal, em partes porque mal dormira durante a noite. Durante o tempo que esteve junto de sua amiga, Olívia lhe questionara o motivo de seu péssimo humor naquele dia, como havia prometido não mentir mais, Emeline lhe relatou tudo, ocultando apenas o fato das suspeitas de Nox acerca do primeiro ministro.

- Se quer minha sincera opinião, Emie, acho que seu amigo está certo. - Dissera Olívia - Não é uma luta sua, talvez já esteja ficando perigoso demais.

- Eu sei me cuidar, Olívia!

- E eu não discordo e nem duvido disso, mas pense, se descobrirem que está envolvida nisso tem muito mais a perder do que sua honra. Pode ir presa, gerar um conflito internacional, imagine só! Estamos em terras estrangeiras.

Emeline desviou os olhos, ponderando as palavras da amiga por alguns segundos, seu orgulho se recusava a desistir de tudo, mas sua razão implorava para que ela fosse prudente e apenas daquela vez ouvisse o que as pessoas lhe diziam.

- Talvez tenha razão, Oli.

Olívia abriu um sorriso afável e tomou a mão de Emeline entre as suas, dizendo:

- Você foi e é muito corajosa, minha amiga. E não precisa provar isso para ninguém, simplesmente é!

Emeline retribuiu o sorriso e abraçando a amiga, respondeu:

- Obrigada! O que seria de mim sem você ao meu lado?

- Provavelmente faria muito mais loucuras.

A risada tomou conta de ambas, dispersando o constrangimento que havia no ambiente. Logo, a conversa tomou outro rumo, era direcionada principalmente ao baile da noite anterior e de como Olívia se sentira quando Graham lhe dissera que queria realmente cortejá-la.

Pela tarde, acabou encontrando Giuseppe no corredor de seu escritório, aparentemente ele passara praticamente o dia todo ocupado e só saíra naquela hora. Ignorando os guardas ali presentes, ele se aproximou rapidamente de Emeline e parou próximo o suficiente para que ela escutasse quando ele sussurrou:

- Já leu sua carta?

- Já sim, ontem à noite mesmo.

- E o que ele lhe disse?

Emeline sabia que era muito provável que Nox lhe tivesse dito o mesmo que disse a Giuseppe, mas ali estava ele, querendo ouvir a versão dela. Seus olhos estavam repletos de expectativa, ao mesmo tempo em que ele parecia inquieto com alguma coisa.

Por fim, Emeline remexeu suas saias e limpou uma sujeira invisível dali antes de responder:

- Disse-me que encontrou mais alguns galpões e que tentaria avisar as autoridades. Disse também que o primeiro ministro estava envolvido e que provavelmente é ele quem está por trás de tudo.

Aquela última frase pareceu deixar Giuseppe incomodado, ou algo parecido, seus lábios finos de comprimiram levemente e os olhos se desviaram para um canto do corredor, enquanto guardava as mãos dentro dos bolsos da calça escura.

- Ele me disse isso também. - Respondeu com voz baixa.

- E não acredita, não é mesmo?

- A verdade é que não sei no que acreditar.

- Acredito que deva deixar suas conclusões anteriores, tentar enxergar de uma perspectiva diferente, talvez assim veja fatos novos. Eu não posso acusar o primeiro ministro de nada, poderia ser tomado como muito tendencioso da minha parte, levando em consideração a noite anterior.

- O que aconteceu não foi culpa sua.

- Não acredito que as pessoas pensarão da mesma forma caso o primeiro ministro resolva me expor... de qualquer forma, não poderei fazer mais nada. Nox pediu que eu me afastasse.

Giuseppe permaneceu alguns segundos em silêncio, apenas observando os olhos claros de Emeline, que em nenhum segundo sequer se desviaram do seu, ou pareceram revelar vitimização. Ela estava segura, serena, embora duvidasse que estivesse resignada com aquela decisão.

- Acredito que seja a decisão mais acertada, não é bom que fique se arriscando.

- Sabe qual é o problema dos senhores? Sempre me subestimam.

- Ninguém está a subestimando, Emeline.

- Não é o que parece.

Sem esperar por uma resposta ou gerar alguma oportunidade para discussão, Emeline se virou e continuou seu caminho pelo corredor, Giuseppe não tentou ir atrás dela, pois sabia que ela precisava ficar sozinha, sabia que ainda estaria ressentida e tentar convencê-la de que continuar no meio daquilo era arriscado demais só serviria para deixa-la mais irritada.

Emeline agradeceu a sabedoria de Giuseppe em deixa-la seguir sozinha, ao que parecia ele já começava a conhece-la mais profundamente. Estaria satisfeita com isso se não encontrasse Denis rumando justamente para o lugar de onde ela havia saído, por muito pouco teria se esbarrado nele.

Paralisou por alguns segundos, enquanto ele a encarava de cima, os cabelos castanhos começavam a ficar grisalhos nas têmporas, os olhos pequenos e escuros, por alguns míseros segundos lhe pareceram familiares. A expressão austera que carregava logo se desfez dando lugar a algo mais dúbio, os lábios se esticaram lentamente para os lábios, mas era visível que não era por diversão, era um sentimento mais oculto, talvez até perverso.

- Senhorita Black. - Cumprimentou ele, com uma mesura elegante.

Emeline demorou alguns segundos para reagir, enquanto tentava acalmar seu coração descompassado, mas por fim, abriu um sorriso forçado e correspondeu o cumprimento, se inclinando levemente e respondendo:

- Senhor primeiro ministro.

- Parece apressada. Ou quem sabe assustada.

- São somente questões pessoais, senhor... se me permite, preciso ir.

Novamente Emeline fez uma mesura e se apressou a se afastar quando Denis lhe concedeu espaço, porém, paralisou quando a voz dele reverberou novamente atrás de si:

- Mande lembranças minhas a seu amigo.

Ficou tentada a se virar e confrontá-lo, mas sabia que se o fizesse apenas pioraria sua situação, dessa forma, inspirou profundamente e apenas recolheu suas saias, retomando sua caminhada para longe dali. Pensou em se refugiar no jardim, onde poderia ao menos ter um pouco de privacidade, mas pouco antes de sair pela porta da frente, encontrou Caleb adentrando a grande sala principal.

- Senhor Emor, há quanto tempo não o vejo! - Bradou se aproximando, e involuntariamente se sentindo um pouco mais segura com outra pessoa por perto.

- Algumas questões pessoais. - Respondeu ele, com seu costumeiro bom humor e sorriso - Como tem estado, senhorita Black?

- Muito bem, obrigada. O que aconteceu com seu olho?

Caleb arregalou um pouco os olhos e com os dedos tocou o local arroxeado logo abaixo do olho esquerdo, parecendo ter se esquecido do ferimento. Emeline estava intrigada, ele era sempre tão misterioso, sumira por dias e agora simplesmente aparecia com o olho ferido. Não que a vida dele lhe fosse de interesse, mas nunca vira Caleb tão desalinhado como estava naquele dia, as grandes olheiras abaixo dos olhos podiam revelar noites mal dormidas e não ajudavam em nada em sua aparência.

- Ah... apenas um contratempo, fui descuidado.

Novamente sendo evasivo.

- Entendo.

- E a senhorita? Parecia apressada.

- Apenas estava indo para o jardim. Quero ficar o mais longe possível daqui. - A última frase ela proferiu mais para si mesma, causando certo estranhamento em Caleb,

- Há algum problema que eu possa ajudar?

- Ah, não! Não é nada, somente coisas minhas. Não gosto muito de ficar no mesmo ambiente que o primeiro ministro e nem devo, por isso estou parecendo uma fugitiva.

A risadinha que escapou dos lábios de Emeline apenas evidenciava seu nervosismo e urgência em sair dali, até pensou que Caleb riria de seu comportamento, mas não. A única reação que veio foi sua voz grave soando:

- Também não confio muito nele. Não me parece muito sincero em seus gestos.

Os olhos castanhos dele pareciam um pouco mais escuros quando cravaram justamente no corredor que levava ao escritório, o maxilar estava tenso e os pensamentos pareciam um pouco distantes, no entanto, Caleb rapidamente expulsou aquela atitude estranha e voltou com seu costumeiro sorriso na direção de Emeline.

- Por que não confia nele, senhor Emor?

- Acreditaria se eu dissesse que é algo mais intuitivo?

- Ora, que sou eu para duvidar da intuição de alguém?

Novamente um sorriso apareceu no rosto de ambos e oferecendo um braço para Emeline, Caleb retomou:

- Me permite acompanha-la até a porta, senhorita?

- Mas é claro.

Encaixando o braço no do guarda, Emeline caminhou com ele até a porta de entrada, onde vislumbrou a enorme propriedade, cercada por seu jardim. Alguns empregados trabalhavam ali, no meio das flores, enquanto os guardas faziam a ronda, a brisa fresca da tarde que adentrara soprou trazendo o perfume natural que ali habitava. Por alguns segundos, Emeline se permitiu fechar os olhos e inspirar fundo, desfrutando do bom momento. Ao abrir os olhos, se separou de Caleb e inesperadamente se voltou para ele, perguntando:

- Posso te fazer uma pergunta, senhor Emor? Soa mais como um conselho, na verdade.

- Claro. Se eu puder lhe ser útil...

- Se o senhor ajudasse uma pessoa, e essa pessoa simplesmente dissesse para que se afastasse e negasse sua ajuda... acataria o pedido?

Ele franziu o cenho por alguns segundos, parecendo pensar em uma resposta adequada para aquela questão, mas nada muito sábio lhe vinha à mente. Acabou dando de ombros, quando respondeu:

- Bom, se essa pessoa pedisse meu afastamento por questão de segurança, eu certamente faria o que pediu.

- Mas acha justo? Mesmo sabendo que essa pessoa precisa sim de ajuda e que não pode fazer tudo sozinha?

- Se a pessoa pediu meu afastamento pensando no meu bem-estar, significa que sabe que está fazendo e que a situação não é mais favorável.

- É tão injusto!

- Não é questão de justiça, senhorita Black, mas sim de segurança. Se refere ao seu amigo Nox Nocture? - Quando Emeline pensou em abrir a boca para questionar, Caleb tomou a frente e completou - Não é tão difícil de saber. A senhorita me questionou muito sobre a lenda, semanas depois ouvi dizer que uma moça o ajudava. Acredito que somente a senhorita seja tão destemida a tal ponto.

- Pode haver outras mulheres tão destemidas quanto eu.

- Sim. Mas a quem mais está ajudando que pediu que se afastasse por ser perigoso demais? - Sem obter uma resposta da moça, ele apenas riu e balançou a cabeça - Foi o que imaginei. Não é errado, senhorita Black, mas tome cuidado ao se encontrar com o cavaleiro, os inimigos dele são seus inimigos também.

Emeline até pensaria em uma boa resposta para dar a Caleb, se Giácomo não tivesse passado por ali e chamado a atenção do guarda por estar parado e fora de seu posto. Por fim, ele apenas abriu um tímido sorriso para ela e com uma mesura se despediu, partindo rapidamente dali e a deixando sozinha novamente.

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