38. O preço do poder
MEIA HORA DEPOIS caminhavam pelo extenso gramado da propriedade, tentando ser mais furtivos que conseguiam. Emeline havia trocado de roupa, vestindo o uniforme roubado dos guardas, Giuseppe igualmente usava roupas escuras que costumeiramente usava. Nunca pensou que seriam tão úteis.
Alcançaram o mesmo pequeno portão que Emeline havia usado para sair da última vez que se encontrou com Nox. Giuseppe a encarou perplexo novamente e depois de passar pelo portão e se encontrarem na rua, se voltou para Emeline perguntou:
- Como sabia daquele portão? Nem mesmo eu tinha conhecimento dele.
- Não fui eu quem achou, foi o Nox. Passamos por ele da última vez que me buscou.
- Ele o quê? - Giuseppe praticamente berrou.
Emeline estacou no lugar e se voltou rapidamente para ele, tapando sua boca e olhando para os lados, procurando por alguém que pudesse tê-los descoberto. Não encontrando ninguém, se voltou para Giuseppe com irritação e ainda tapando sua boca, esbravejou baixinho:
- Quer que nos descubram? Fale mais baixo!
- Ah, me desculpe, lady sutileza. - Respondeu ele, segurando a mão de Emeline e a tirando de sua boca - Eu só fiquei surpreso em saber que um completo estranho invadiu minha propriedade e a tirou de lá bem debaixo dos olhos dos guardas.
- Pois bem, está claro que não está tão bem protegido então.
- E nunca me disse por quê?
Emeline ponderou por alguns segundos, encarou os dedos de Giuseppe, que continuavam envolvendo seu punho, embora os olhos dele estivessem fixos nela. Puxando a mão de volta, e dando de ombros, ela começou a caminhar pelas ruas escuras e para irritá-lo, respondeu:
- Não achei importante.
- Não achou importante? Deus, o que tem nessa sua cabecinha? Se ele entrou, qualquer um poderia ter entrado!
Suspirando, ela estacou no meio da rua e se aproximou até estar com o corpo praticamente colado ao dele, levantando os dedos para reforçar seus argumentos, começou:
- Em primeiro lugar, não é meu trabalho mantê-lo seguro, eu sou uma mera visita, isso é algo que seu chefe da guarda ou de segurança deveria saber. Em segundo lugar, se ele não sabe então ele é péssimo assegurando seu bem-estar. No entanto, se sabe, então por que não tomou providências? Em terceiro lugar, se eu contasse, o senhor sem sombra de dúvidas, mandaria fechar o portão, ou arrancá-lo, reforçar a segurança, sei lá que providência tomaria, mas teria nos prejudicado, não teríamos conseguido sair furtivamente e não estaríamos aqui agora tendo essa conversa.
Giuseppe permaneceu parado, sem dizer uma única sílaba, piscou diversas vezes parecendo confuso com tantos argumentos que haviam sido lançados contra si e questionando sua própria capacidade de raciocínio. Deixando os ombros caírem em sinal de derrota, continuou andando, enquanto respondia:
- Me lembre de nunca mais tentar vencê-la em uma discussão.
Com um sorriso vitorioso nos lábios, Emeline o seguiu e pelo resto do caminho permaneceram em silêncio, observando os arredores. Aparentemente não havia ninguém e Giuseppe nunca se sentiu tão livre como naquele momento. Enquanto caminhavam, levantou a cabeça e fechou os olhos, respirando fundo e permitindo que um vento gélido batesse contra o rosto. Sorriu aliviado pela primeira vez em meses, se sentia tão sufocado que aquele pequeno momento que estava vivendo se tornara precioso demais. Nunca saía sem escolta, nunca recebia muitas visitas, nunca saía do palácio ou do parlamento... nunca podia ter muitas pessoas se aproximando.
Era protegido como algo precioso e raro, e por vezes isso o isolava de todos, o deixava sozinho. Estava cercado de pessoas, mas estava só. Odiava cada centímetro do que se tornara sua vida, odiava toda a bajulação, toda a segurança e odiava até mesmo toda a riqueza da qual não usufruía metade, odiava principalmente ter perdido sua liberdade para escapadelas, odiava ter perdido os momentos com Cassandra... odiava tê-la perdido.
- Está muito calado. - Constatou Emeline, quebrando o silêncio - Algo o incomoda?
- Não. Só... me lembra quando saía para encontrar Cassandra.
- Sinto muito lembra-lo. Não queria que se consternasse.
- Muito pelo contrário, está me fazendo bem. Nunca me senti melhor. - Respondeu ele, voltando o olhar na direção de Emeline e deixando um pequeno sorriso cruzar seus lábios - Estou experimentando pela primeira vez em muito tempo a sensação de liberdade, antes me sentia preso, amarrado. Como um pássaro em uma gaiola. E agora aqui fora... sem ninguém ao redor... ah, Deus, como isso é bom!
- Nunca imaginei que se sentisse tão sufocado.
- Me sinto cativo. Pode até parecer uma comparação ridícula, mas se excluir todo o conforto e os serviços prestativos que recebo, não estou muito longe de viver como um prisioneiro, um criminoso.
- A diferença é que prisioneiros não têm tanto poder como o senhor.
- O poder vem com um preço, senhorita. E costuma ser caro.
Emeline percebeu Giuseppe erguer a cabeça e encarar o céu estrelado, naquele momento parecendo um sonhador. Ela não sabia dizer se estava sonhando de alguma forma, ou vendo coisas fora do comum, mas poderia jurar que naquele momento viu a lua refletir na imensidão negra dos olhos de Giuseppe e por alguns míseros segundos, aquelas írises pareceram se tornar uma pequena constelação, com estrelas salpicadas ali e aqui.
Piscou aturdida, e quando o encarou novamente, aquela bela visão havia se desfeito, talvez sua imaginação tivesse ido longe demais. Tentando disfarçar, tornou a perguntar:
- O senhor pagaria para não ter poder então?
- Pagaria. O quanto fosse, pagaria para ser apenas mais um anônimo, invisível.
- Ser anônimo não quer dizer estar invisível. Nox, por exemplo, é um anônimo, ninguém sabe quem é, mas não é invisível.
Giuseppe abaixou a cabeça e encarou Emeline com um olhar divertido, enquanto respondia:
- É um anônimo visível.
Deixando uma risada divertida escapar, ela respondeu:
- Sem dúvidas. Talvez o anônimo mais procurado do país.
- Mas que falta de sorte.
Enquanto conversavam e se divertiam, não perceberam que já se aproximavam da cidade, somente quando a luz de um candeeiro iluminou os cabelos escuros de Emeline, Giuseppe desviou os olhos e encarou o conjunto de casas à sua frente.
- Chegamos. - Constatou - Temos de tomar mais cuidado a partir de agora, aqui costumam ficar alguns guardas, principalmente porque reforcei a segurança.
- Notei isso das outras vezes que vim.
Giuseppe estacou pouco antes de entrarem em outra rua e puxou Emeline gentilmente pelo braço, a virando de frente para si.
- Escute, Emeline, se me reconhecerem quero que siga sem mim. Eu irei distraí-los e você seguirá até encontrar essa sala subterrânea que está no mapa.
Emeline piscou surpresa, o encarando com desconfiança.
- Me deixará sozinha?
- Sei que sabe perfeitamente cuidar de si mesma.
- Sou.
- Pois bem. Além disso, já saiu outras vezes e creio que seu amigo a encontrará de alguma forma.
- Como pode saber que Nox virá ao meu encontro?
- Ora, todas as vezes que saiu ele te encontrou, não?
- Sim. - Respondeu ela, apoiando o queixo na mão e desviando os olhos - De alguma forma ele parece sempre vir até mim.
- Acho que o atrai.
Giuseppe retomou a caminhada, sendo seguido por Emeline, enquanto olhavam ao redor. Tirando o mapa do bolso, ele o desdobrou cuidadosamente e o encarou por alguns segundos, levantando a cabeça em seguida e olhando ao redor, procurando se orientar.
Apoiou o papel em uma parede próxima e apontou um determinado lugar, mostrando para Emeline.
- Estamos aqui, creio que não falta muito para chegarmos, mas o problema é passar pelos guardas.
- Daremos um jeito, mas agora não podemos perder tempo, precisamos traçar uma rota mais rápida.
Ele abaixou o mapa e o dobrou novamente, mas dessa vez não o colocou no bolso, apenas agarrou a mão de Emeline e a puxou, voltando a caminhar.
- Acho que conheço uma, venha comigo.
Tudo estava silencioso demais, apenas alguns grilos cantavam e o vento gélido por vezes se fazia ecoar ao passar por becos mais apertados. Seus calçados as vezes também ecoavam quando batiam contra os paralelepípedos, mas não pareceu despertar a desconfiança de alguns guardas que passavam ali.
Giuseppe sabia que já estavam próximos das docas, conseguia até mesmo avistar o rio ao longe e o cais vazio. Se voltou para Emeline e apontou, sussurrando:
- Já estamos quase chegando, só precisamos passar pela praça central e encontrar uma rua mais isolada, por ela é mais fácil acessar a pequena ladeira que dá acesso as docas.
- Mas não acredito que vá haver uma entrada justamente nas docas.
- Não, mas nessa mesma ladeira, pouco antes de terminar, existem duas entradas, uma à direita e outra à esquerda, em ambas entradas verá grandes galpões, a entrada deve ser por um deles.
- Não viu qual no mapa?
- Ainda não.
Emeline revirou os olhos e suspirou, estendeu a mão pedindo o mapa e resmungou:
- Francamente, ia esperar até quando para ver?
- Até chegar mais próximo. - Respondeu ele, lhe entregando o papel.
- E correr o risco de ser pego parado em frente aos galpões bisbilhotando?
- Não pensei nessa questão.
- Claro que não pensou! O que faria sem mim?
- Seria pego.
Emeline ergueu os olhos, se deparando com o sorriso jocoso de Giuseppe, enquanto ele mantinha as mãos nos bolsos. No entanto, não teve tempo de reagir, o sorriso desapareceu do rosto dele quando ouviu vozes se aproximando, rapidamente ele a segurou pelo braço e a arrastou para um canto mais escuro da parede, colando seu corpo ao dela e a encobrindo com o sobretudo preto.
Não a encarou diretamente, permaneceu imóvel, encarando seu lado esquerdo e observando os guardas passarem sem os notar. Mas Emeline estava sem reação, de frente àquela parede de músculos, praticamente colados ao seu rosto, a proximidade de Giuseppe a fazia se sentir um pouco mais quente e ela não sabia dizer se aquele calor provinha dela mesma ou de Giuseppe. O cheiro um pouco amadeirado que ele exalava a deixava embevecida e podia jurar que sentiu até mesmo cheiro de livro. Giuseppe cheirava a livros e cera. Para ela não havia melhor cheiro.
Foi tirada do torpor quando ele se afastou, a deixando com uma sensação de frio, depois que os corpos se desencostaram. Novamente Giuseppe segurou sua mão e voltou a caminhar, mas ao dobrar uma esquina se depararam com mais um grupo de guardas. Giuseppe rapidamente reagiu, empurrando Emeline, a escondendo atrás de uma parede para que não fosse vista, enquanto ele encarava os guardas, que o encaravam de volta surpresos.
Embora o tivessem reconhecido, estavam tão intrigados que demoraram para reagir. O que parecia no comando se aproximou lentamente, com o cenho franzido e olhando ao redor.
- Majestade? Está sozinho?
Giuseppe pigarreou e se aproximou, consequentemente evitando que Emeline fosse vista.
- Eu... dei uma escapadela, precisava respirar. - Respondeu.
- Mas é perigoso! Há um maníaco à solta, poderia ter sido atingido ou levado.
Emeline revirou os olhos ao ouvir aquilo e bufou contrariada. A fama de Nox era pior do que pensava, ele não fazia nada e as pessoas simplesmente o pintavam como um monstro... bom, talvez ele fizesse algumas coisas, mas aquilo já era uma hipérbole.
- Não creio que seja assim, afinal ainda estou a salvo. - Argumentou Giuseppe.
- Talvez tenha dado sorte. Vou pedir para o levarem de volta, dessa vez terá escolta.
- Não! Hã... quer dizer... eu preciso do meu valete, ele não dormiu no palácio hoje e mora por aqui.
- Mas precisa a essa hora?
- Algum problema?
- Não, senhor. Posso acompanha-lo, se quiser.
Giuseppe estava ganhando tempo, Emeline sabia disso, sabia também que deveria sair dali o mais rápido possível e fazer o que ele havia lhe pedido, mas por algum motivo se recusava a abandoná-lo. Se é que poderia nomear aquilo de abandono, ele não estaria sozinho.
"Olá, meus amores! Hoje o capítulo foi um pouco mais curtinho e pode até parecer que terminou sem muita conexão, porém, precisei fazer esse corte ou o capítulo ficaria muito grande.
Semana que vem teremos a continuação. Acham que Emeline conseguirá achar as salas subterrâneas? O que ela poderá encontrar lá? Façam suas apostas e me digam aqui o que acham.
Não esqueçam da estrelinha, dos comentários e se gostam da história compartilhem com seus amigos. Obrigada por lerem até aqui e até a próxima!"
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