34. Eu não sou Nox Nocture

DEPOIS QUE TODOS terminaram de comer, Emeline subiu juntamente com Olívia para o quarto. Escolhia um vestido para a amiga ir ao piquenique quando a ruiva ciciou:

- Emie, está tudo bem com você?

- Está sim. Por que a pergunta?

- Está tão calada! E percebi certa tensão entre você e a rainha.

- Não houve tensão alguma, Olívia. - Respondeu, se voltando para a amiga, e desviando do assunto completou - Esse vestido amarelo ficará perfeito.

- Ainda me sinto um pouco culpada em deixá-la para trás.

- Não se sinta, eu ficarei bem. Irei pesquisar mais algumas coisas sobre as docas, talvez consiga mais informações.

- É por isso que me sinto culpada! Quem deveria estar com o senhor Lambertini é você. E eu sei que ele ficou bem descontente em ter de me acompanhar...

- Não é bem assim, Olívia.

- É sim, sem dúvidas ele prefere mil vezes você.

Olívia abriu um sorriso jocoso e deu um leve empurrão em Emeline, que se continha para não começar a rir. Olívia tinha o dom de tornar uma conversa séria mais leve e agradável de se ter.

- Mas isso não acontecerá, então quero que aproveitem bem o piquenique.

Resignada, Olívia se vestiu como a ajuda da amiga e logo desceu novamente, encontrando Giuseppe parado no saguão, mantendo o olhar distante da escada, ousava dizer que até mesmo seus pensamentos estavam distantes. Os ombros estavam levemente caídos, o tirando de sua postura imponente tão habitual, as mãos escondidas atrás do corpo, vez ou outra piscava lentamente, o único sinal de que alguma presença dele realmente continuava ali. Só despertou do devaneio quando Graham pigarreou ao seu lado, o fazendo voltar o olhar para Olívia, que havia parado diante dele, tão constrangida com a situação quanto qualquer outro presente naquela sala. Trocou um olhar rápido com Emeline, que se já encaminhava para a biblioteca novamente e sem muitas opções, forçou um sorriso e estendeu o braço para a ruiva. Graham os acompanhou para fora, segurando um grande cesto com comidas e, em partes, pesaroso por deixar Emeline para trás.

Ela, no entanto, não se abalava em ficar sozinha, na verdade, naquele momento até preferia que assim fosse. Precisava de um momento apenas para si, não para encher sua cabeça com palavras infames que foram ditas, mas para se ocupar de outras coisas, para se distrair.

Por isso, assim que adentrou a biblioteca, tirou vários livros das prateleiras e retomou sua pesquisa, quanto mais se aprofundava nas palavras, mais esquecia tudo ao seu redor, até se deparar com o livro da história de Nox. Ela havia esquecido dele ali na noite em que Giuseppe a levara para o quarto. Suspirou cansada, percebendo que mais uma vez seus pensamentos se voltaram para ele. Balançou a cabeça para clarear os pensamentos e com os dedos finos tocou a capa verde do livro, ainda percorreu os entalhes dourados antes de abri-lo e começar a ler a história.

Parte da história ela já sabia, ainda assim leu novamente, se dedicando a conhecer a perspectiva de outra pessoa sobre Nox, realmente aquelas linhas estavam repletas de crenças, como Giuseppe havia dito sobre Henry, mas em momento algum se tornou fatigante. Muito pelo contrário, era esclarecedor conhecer a visão de outra pessoa.

Ali não era somente a história contada, também haviam relatos e mais relatos, teorias e até algumas gravuras, Emeline se questionava como aquele homem conseguira colher tantos fatos.

- Giuseppe realmente tem razão em dizer o quanto a senhorita é diligente.

Emeline se sobressaltou, colocando a mão sobre o peito e se virando rapidamente, se deparando com Graham parado à porta da biblioteca com um prato e uma garrafa nas mãos.

- Posso? - Pediu ele, apontando para a mesa, onde ela se encontrava.

- Claro. - Emeline piscou rapidamente, tentando varrer seu estarrecimento - Se não se importa que eu pergunte... o que faz aqui?

Graham se aproximou rapidamente e estendeu uma pequena toalha sobre a mesa, que até então Emeline não percebera que ele carregava, deitou sobre ela o prato com alguns bolinhos e sanduíches e a garrafa. Caminhou para um canto na biblioteca e pegou um copo, que ficava no aparador ali perto, se voltou para perto de Emeline e serviu um pouco de vinho, embora soubesse que aquele não era o recipiente adequado para o líquido. Se sentou ao lado dela em uma cadeira e só então respondeu:

- Giuseppe pediu para que eu viesse lhe fazer companhia.

- Não precisa se incomodar, senhor Thorn...

- Graham. Me chame de Graham, por favor.

- Tem certeza?

- A senhorita já chama meu patrão pelo nome, nada mais justo que me chame também.

Emeline sentiu o rosto esquentar, podia apostar que estava vermelha como um pimentão, os olhos se arregalaram e se desviaram para a comida brevemente.

- Ele lhe conta tudo mesmo, não é? - Resmungou mortificada.

Graham deixou escapar uma risada antes de empurrar o prato na direção dela e responder:

- Além de meu patrão ele é meu melhor amigo. O conheço há muito tempo.

- Quanto?

- Tempo o suficiente para garantir que ele nunca se importou tanto com uma pessoa como se importa com a senhorita.

Emeline já levava a mão ao prato com os petiscos, mas ao ouvir aquela sentença parou a meio caminho. Não ousou encarar Graham, permaneceu com os olhos cravados na própria mão, que começou a tremer levemente, o coração retumbou no peito e involuntariamente os lábios ameaçaram se esticar em um sorriso. No entanto, reprimiu o sorriso e questionou, enquanto pegava um sanduíche:

- Como pode saber?

- Já lhe disse, eu o conheço há muito tempo. O vi agir dessa forma apenas com minha irmã.

O tom de voz de Graham abaixou consideravelmente ao proferir a última frase e lentamente Emeline voltou os olhos na direção dele, já pensava que poderiam saltar das órbitas de tanto que tinham se arregalado em tão pouco tempo. Ela mastigou lentamente duas vezes, mas não se contentou e pouco se importou em falar de boca cheia quando perguntou:

- Cassandra? Ela era sua irmã?

Ele levantou a cabeça vagarosamente, fazendo alguns fios dourados se desprenderem do penteado que antes estava intacto, os olhos escuros se desviaram ligeiramente para o livro que ela tinha nas mãos. Confirmando com a cabeça, ele também pegou um bolinho e o enfiou na boca.

- Era. Era sim. Por isso ele me trouxe para trabalhar aqui depois... depois que ela se foi. Giuseppe ficou com a consciência pesada e quis de alguma forma ajudar.

- Eu sinto muito.

- Obrigado. - Respondeu ele, com um sorriso - Mas acredite quando digo que Giuseppe realmente se importa com a senhorita. Eu não estou a par do que aconteceu e o motivo de seu afastamento, mas ele está bem perturbado com isso.

- Ele te enviou aqui para arrancar informação de mim, não é?

Graham novamente riu e concordou com a cabeça, aparentemente Emeline já estava conhecendo Giuseppe mais profundamente.

- Também. Mas me mandou principalmente porque não quer que fique aqui sozinha.

- E te mandou para ficar sozinho comigo? - Inquiriu ela, elevando uma sobrancelha ironicamente - Muito astuto.

- Deixei a porta aberta se isso a perturba. Assim quem passar no corredor nos verá e nenhum de nós dois será comprometido, ou pelo menos a senhorita.

Satisfeita com as perguntas respondidas, Emeline acenou com a cabeça e pegou mais um bolinho, dessa vez se servindo com um pouco de vinho, oferecendo para Graham, que recusou. Tentou voltar a focar nos livros, mas era praticamente impossível com Graham ali, embora ele não fizesse ruído algum. Quando se levantou e vagou pelo meio das prateleiras, Emeline mal escutara seus passos, era discreto e ligeiro como um gato e embora parecesse aéreo na maior parte do tempo, seus olhos escuros demonstravam que ele sabia mais do que transparecia.

Se sentindo inquieta com o repentino silêncio que se apoderou do lugar, Emeline se remexeu na cadeira e perguntou:

- Já perdeu alguém, senhor... Graham? Além de sua irmã?

- Não. - Respondeu ele, aparecendo de repente e se sentando ao lado dela novamente.

Emeline queria não se assustar toda vez que ele aparecia, mas Graham tinha uma capacidade incrível de surgir do nada, igual a... igual a Nox. Ela ficou estarrecida por alguns segundos diante do pensamento, estava cada vez mais confusa e já considerava a ideia de desistir de tentar descobrir quem ele era, mas sua obstinação não a permitia isso. Pigarreando, ela recobrou a compostura e voltou a inquirir:

- E acha que a perda de alguém é justificativa suficiente para uma vingança?

Graham apoiou os cotovelos sobre a mesa e ergueu uma sobrancelha, com o olhar distante, parecendo pensativo. Por fim, voltou o olhar confuso para Emeline e indagou:

- Por que essa pergunta tão repentina?

- Estou apenas tentando entender ele. - Respondeu ela, erguendo o livro.

- Bom... acho que nesse caso é justificável. Segundo a história foram mortes muito injustas. Depende do ponto de vista, para quem sofre sempre parecerá um ato fundamentado.

- O senhor faria isso?

Ele se inclinou levemente na direção de Emeline, estreitando os olhos e pela primeira vez na vida parecendo intimidador, ainda que um sorriso zombeteiro teimasse em fazer seus lábios finos se esticarem.

- Está tentando achar razões para que eu seja Nox Nocture, senhorita Black?

- É o senhor?

- Com todo respeito, se eu fosse não lhe contaria.

- Se não fosse negaria sem titubear.

O sorriso dele se alargou e Graham balançou a cabeça em concordância e afastou.

- A senhorita seria muito boa interrogando as pessoas. Mas não... eu não sou Nox Nocture.

- Negou só depois que seus argumentos acabaram.

- Bom, tome isso como a senhorita quiser.

- Não está ajudando.

- Eu sei.

Ele voltou a percorrer a biblioteca silenciosamente, enquanto Emeline tentava se concentrar novamente, embora seus pensamentos fossem uma miríade e ela estivesse indignada com a resposta de Graham. Ou no caso, sua falta de resposta.

Mas aquilo não era o único motivo de seu incômodo, se remexeu na cadeira novamente e suspirou, tentando chamar a atenção do valete e percebendo que não havia surtido efeito pigarreou mais vezes do que podia, o que resultou em um desconforto em sua garganta. Graham só poderia estar fazendo aquilo de propósito.

- Está tudo bem, senhorita? - Perguntou ele, finalmente.

- Ah... sim. É só um pequeno inconveniente.

- E esse inconveniente tem relação com minhas respostas?

- Também. Mas também tem relação com sua falta de atitude.

Emeline o encarou de soslaio e abriu um sorriso divertido ao ver confusão estampada no rosto dele e certo constrangimento, se misturando com o rubor de suas bochechas.

- Mas o que eu fiz? Ou melhor, o que eu não fiz?

- Não se aproximou de Olívia, não a cortejou.

- Mas... -m-mas... eu não posso.

- Ora, mas por quê? - Perguntou ela, fingindo irritação e plantando as mãos na cintura.

- Ela veio aqui justamente para...

- Ah, pode parar! Eu também já estou sabendo que Giuseppe desfez todo o mal-entendido. Ele também me conta algumas coisinhas.

- Aquele larápio! - Resmungou Graham, abaixando a cabeça - Veja bem, senhorita Black...

- Emeline.

Graham a encarou com certa irritação banhando o rosto por ser interrompido tantas vezes, enquanto Emeline estampava seu melhor sorriso escarnecedor, mas ele tratou de esconder a expressão desgostosa quando voltou a falar:

- Eu não posso porque a senhorita Denkworth é uma dama, enquanto eu sou apenas um... um pária. E antes que diga algo, não estou afundado em auto piedade, sou apenas realista.

- Não... eu diria que é cego mesmo. - Respondeu ela, batucando o indicador contra o queixo e encarando o teto, parecendo pensativa.

Graham não poderia estar mais indignado, e embora fosse orientado e não transparecer seus sentimentos era quase impossível fazê-lo diante de Emeline.

- Por Deus, Giuseppe e a senhorita realmente se merecem.

Emeline saltitou na cadeira e se pôs de pé, encarando Graham com expectativa, quem não a conhecesse diria que ela realmente parecia empolgada como uma criança que acabara de ganhar um doce, no entanto, o valete sabia muito bem que aquela expressão vitoriosa no rosto da moça se fazia justamente para provoca-lo.

- Uh! Então quer dizer que os senhores já conversaram sobre isso? - Perguntou ela.

Graham permaneceu calado, sem saber o que dizer e com medo de deixar algo mais lhe escapar, ele não sabia exatamente como, mas Emeline tinha o dom de fazer as pessoas falarem justamente o que ela precisava e queria. E isso, ele sabia, era perigoso.

Para recobrar a postura, ele desprendeu os olhos dela e pigarreou, pegou um bolinho no prato que ela havia abandonado e procurou um canto bem longe no qual pudesse se acomodar, dizendo:

- Me lembre de recomendá-la ao capitão da polícia. Garanto que seria ótima em interrogatórios.

- Não respondeu minha pergunta.

- E se me permite, nem irei. Tenho medo do que possa arrancar de mim da próxima vez.

Emeline não estava contente com a resposta, mas resolveu aceitar mesmo assim. Não conseguiu esconder a risadinha que escapou de seus lábios por conseguir deixar Graham constrangido. Começava a considerar a ideia de investir em uma carreira investigativa, o que, sem dúvidas, seria o terror de sua mãe.

Se acomodando na cadeira novamente, voltou para os livros e as anotações que fizera, dessa vez não se permitiu distrair, nem mesmo quando via Graham se mexer impaciente no canto por permanecer tanto tempo parado.

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