33. Manipulação e condescendência

EMELINE DEVOLVIA OS LIVROS na estante da biblioteca, organizando tudo o que havia retirado naqueles minutos que estava ali, quando foi surpreendida com a presença de Valerie a observando. A sobrancelha escura arqueada demonstrava certo desprezo, mas o sorriso zombeteiro demonstrava outra coisa, ela nada disse por alguns instantes, apenas caminhou por ali, correndo dos dedos pelos móveis e vez ou outra observando Emeline novamente. A situação já se tornava incômoda quando a voz da rainha soou:

— Diga-me, senhorita Black, costuma frequentar muito bibliotecas?

Encaixando mais um livro na prateleira, ela titubeou um pouco antes de responder:

— Por vezes sim, gosto muito de ler.

— E sair de sua cama durante a madrugada?

— Poucas vezes, na verdade, quase nunca.

— Seu tornozelo está melhor ou ainda precisa de ajuda?

Um arrepio percorreu a espinha de Emeline naquele momento. Ela sabia. Valerie sabia que ela estivera com Giuseppe ali na noite anterior. Será que teria os visto saindo enquanto ele a carregava no colo? Ou teria escutado atrás da porta? Ou talvez estivesse apenas blefando, nesse caso, deveria ser mais astuta que ela.

— Meu tornozelo está perfeitamente bem, obrigada.

— Que bom. Porque acabou o lesionando ao sair de seu quarto pela madrugada... não?

Se virando lentamente para a mulher, Emeline cruzou as mãos à frente do corpo e inquiriu:

— Costuma interrogar a todos, majestade?

— Não, só quem tem alguma pretensão com meu filho.

— Eu não tenho pretensão alguma.

— Pensa que me engana?

— De forma alguma, majestade. Na verdade, como todo o meu respeito, penso que se se enganou sozinha.

— Com quem pensa que está falando, sua insolente? - Esbravejou Valerie, avançando bruscamente na direção de Emeline.

— Me desculpe, majestade, não quis parecer rude.

— Não se desculpe por isso, mas sim por tentar tomar um lugar que não é seu!

— Não estou tentando tomar nenhum lugar.

— Pois não é o que parece. - Valerie tornou o tom da voz mais branda e suspirou ao completar - Só estou dizendo isso para seu próprio bem, ainda que não acredite. Giuseppe não se atém a compromissos, ele... procura apenas diversão e é claro que não aprovo esse comportamento dele, mas infelizmente, isso é algo em que ele se parece com o pai. Talvez tenha pensado que a senhorita é mais acessível...

— Eu não sou mais acessível. - Cortou Emeline, se sentindo extremamente ofendida.

— Então mostre isso a ele. Sinto muito, minha queria, mas foi Olívia que escolhi para Giuseppe cortejar e se ele não a escolher, tampouco será você a escolhida.

Aquela última frase colocou um nó na garganta de Emeline, não conseguiria nem mesmo engolir direito depois do que ouviu, os olhos começaram a arder ao tentar conter as lágrimas e ela sequer sabia porque se sentira tão atingida daquela forma. Era certo que Valerie dizia aquilo simplesmente porque queria que Giuseppe se casasse com Olívia e talvez porque seu ego não permitiria que ele se interessasse por Emeline, filha de um visconde. Infelizmente, em questão de títulos, seu pai não poderia ser comparado com o duque, pai de Olívia, consequentemente ambas não poderiam ser comparadas também. E aquilo causava uma certa revolta em Emeline, pensar que as pessoas se deixavam influenciar pela força de títulos e posses...

Mas ao mesmo tempo se questionava se não havia um fundo de verdade nas palavras de Valerie, ela conhecia o filho, sabia muito bem o que ele era capaz de fazer e até mesmo a própria Emeline sabia. A imagem dele entrando em um estabelecimento duvidoso ainda estava fresca em sua memória. Não queria ser apenas usada.

Balançando a cabeça lentamente para dispersar os pensamentos, ela inspirou fundo e ergueu o queixo, mantendo o contato visual com a rainha e respondendo com convicção na voz:

— Não estou aqui para isso.

— É bom que não esteja.

Valerie ainda permaneceu a encarando por alguns segundos, para depois sair lentamente da biblioteca com seus passos mal sendo ouvidos, e ainda que ela não estivesse mais presente no ambiente, suas palavras pareciam ecoar nas paredes e voltarem a atingir Emeline. Ela ainda demorou alguns segundos para reagir e só voltou a si quando um soluço escapou de sua garganta, levou a mão ao rosto e o percebeu molhado, encontrando outra lágrima já escorrendo. Odiou aquilo, odiava chorar, odiava deixar as pessoas a abalarem de forma que se sentisse fraca. Rapidamente enxugou o rosto e limpou as mãos no vestido, respirou fundo e pegou um livro na estante, caminhando para fora da biblioteca e tentando deixar tudo o que ouviu para trás.

Não iria se abater, não iria permitir que ninguém a machucasse, tampouco se lamentar. As pessoas só te atingem se lhes derem uma brecha e Emeline não estava nem um pouco disposta a isso.

Antes de seguir para o quarto, passou pelo de Olívia e a encontrou conversando com Beatrice, acabou se juntando a elas tentando parecer o mais natural possível. Poderia facilmente se intitular uma boa atriz se sua amiga não percebesse que havia algo errado, no entanto, Olívia era discreta o suficiente para não inquirir diretamente... pelo menos não na frente da princesa.

Permaneceram conversando até o almoço ser servido. Emeline não possuía disposição alguma para a socialização, mas não deixaria que isso fosse percebido, muito menos por Valerie.

Era a primeira vez que encontrava Giuseppe desde manhã, evitou encará-lo diretamente, embora o olhar dele estivesse fixo nela. Um pequeno sorriso desenhava seus lábios e ele sinceramente não entendia, nem podia controlar, mas ao ver que não era correspondido e que Emeline manteve o olhar baixo durante todo o almoço, uma certa decepção tomou conta de si.

Encarou sua mãe, que continuava a comer tranquilamente e agia como se nada tivesse acontecido. Não queria desconfiar de Valerie, não pensava que ela seria capaz de algo, então logo concluiu que talvez Emeline estivesse arrependida, ou talvez mortificada.

— Poderia passear com a senhorita Denkworth hoje, meu filho. - Articulou Valerie.

Giuseppe permaneceu em silêncio por alguns segundos, até por fim sorrir e voltar a comer, antes de responder:

— Eu sinto muito. Ainda preciso voltar para algumas reuniões e...

— Não se preocupe, já conversei com o primeiro ministro. Disse que estão o sobrecarregando muito e que precisa de um pouco de distração, então ele me disse que pode ficar descansado, ele cuidará de tudo.

Ele permaneceu atônico, encarando sua mãe, e no fundo se sentindo extremamente incomodado com a intrusão dela em sua vida. Ultimamente ela andava mais controladora que o comum e isso o deixava extremamente irritado, no entanto, nunca dizia nada e ali estava o resultado de sua condescendência. Tentando disfarçar seu descontentamento, ele respirou fundo e se forçou a abrir um sorriso.

— Eu agradeço o esforço, mamãe. Bom, como não há mais nada que fazer creio que podemos passear um pouco.

— Ótimo! Vocês podem organizar um piquenique, o senhor Thorn poderá acompanhá-los, não?

— Mas... e quanto a Emeline? - Questionou Olívia, encarando a amiga de forma preocupada.

Valerie torceu a boca em oposição e voltou sua atenção para a comida, propondo:

— Ela poderia se distrair com os livros, afinal ela gosta de bibliotecas, não é mesmo?

— Mamãe! - Ralhou Giuseppe, soltando os talheres no prato e os fazendo tilintar.

Calmamente Valerie voltou o olhar na direção do filho com cinismo brilhando nos olhos azuis e um sorriso zombeteiro nos lábios.

— Insinuei algo errado, Giuseppe?

O coração de Emeline começou a bater mais forte e daquela vez ela encarou Giuseppe, rogando a todos os santos para que ele permanecesse calado e não dissesse nada comprometedor, se antes Valerie desconfiava de algo, com aquela reação dele ela praticamente teve sua confirmação. Bastava uma palavra dele para que tudo desmoronasse. O olhar escuro dele pousou sobre Emeline brevemente, antes de engolir em seco e responder mais brandamente:

— Não. Mas elas estão sempre juntas, Em... a senhorita Black é dama de companhia da senhorita Denkworth.

— Ora, mas não há como se conhecerem se a senhorita Black sempre estiver no encalço, Graham é mais discreto.

— Não se preocupem comigo. - Se intrometeu Emeline, mantendo o tom de voz obstinado – A rainha de fato tem razão e eu amo ler, então ficarei bem.

O sorriso de Valerie aumentou, enquanto ela limpava a boca com o guardanapo e voltava sua atenção na direção do filho.

— Então está tudo acertado. Pedirei para que preparem algo para vocês levarem.

Se levantando de sua cadeira, ela lançou um sorriso para todos ali e se retirou rapidamente deixando os que restaram atônitos, principalmente Beatrice, que encarou o irmão sem entender nada, enquanto ele balançava a cabeça e coçava os olhos em um claro sinal de impaciência. Até queria ir atrás de sua mãe, mas estava tão indisposto a discussões que acabou desistindo da ideia. 

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