30. Um ato de bravura
ACORDOU NO OUTRO DIA, sobressaltada as com batidas impacientes em sua porta. Se levantou preguiçosamente e caminhou lentamente em direção à porta. Abriu uma pequena fresta, apenas para ver quem estava ali, mas acabou se deparando com a expressão extremamente irritada de Olívia, o que era raro ver em sua face, e Emeline sabia muito bem o motivo de sua amiga estar daquela forma.
Lentamente abriu a porta e deixou que Olívia passasse como um furacão por ela. A ruiva parou no meio da antessala e mirou os olhos verdes, austeros em Emeline, não esperou que sua amiga pronunciasse uma sílaba sequer e logo disparou:
— Pode me dizer exatamente o que se passa em sua mente? Ficou maluca?
— Eu posso explicar, Olívia...
— Eu não quero explicações, quero que tome juízo, Emeline. Quando me disse que queria investigar sobre essa lenda e esse tal cavaleiro...
— Nox. – Interrompeu Emeline.
— Que seja! Pensei que seria apenas um passa tempo, alguma diversão para não ficar ociosa ou se sentisse enfadonha. Mas você saiu com esse homem, no meio da madrugada! Faz ideia de como é perigoso?
— Nox não me faria mal, Olívia. Ele jamais faria.
— E sequer o conhece? Sabe quem ele é para ter tanta confiança assim?
Emeline abaixou a cabeça e começou a entrelaçar os dedos nervosamente, enquanto murmurava:
— Não, não sei quem ele é de fato.
— Por Deus! – Esbravejou Olívia, jogando os braços para o alto e andando agitada de um lado para o outro – Perdeu o juízo? Logo você, Emie, que é sempre tão racional!
— Mas eu estou sendo racional!
— Saindo com um desconhecido? Sozinha? Mentindo?
Somente naquele momento Emeline notou o tom de tristeza na voz e Olívia, ela não estava nervosa daquela forma somente por irritação, mas por decepção também, o que só fez o sentimento de culpa aumentar. Desde pequenas elas compartilhavam tudo, juraram não esconder nada uma da outra e ali estava Emeline quebrando uma promessa que fizera na infância. Não poderia se sentir mais miserável.
O pior era saber que Olívia nunca mais teria tanta confiança nela como um dia já teve. Mentira para a única pessoa que sempre fora totalmente franca com ela.
Suspirando, Emeline caminhou para o divã e se sentou, ainda entrelaçando os dedos, nervosa.
— Me desculpe, Oli, eu... temi que se te contasse você me condenaria. Eu jamais quis magoá-la.
— Mas o fez mesmo assim.
— Eu sei, eu só... queria fazer algo bom. Algo que pudesse mudar a realidade das pessoas, que pudesse ajudar, que fosse importante. Então quando descobri que a verdadeira intenção de Nox era somente proteger as pessoas do mal que está rondando essa cidade, eu não pensei duas vezes em me dispor a fazer algo também.... A vida toda vivi presa, Olívia, não pude fazer nada de útil em minha vida. Apenas ser mostrada por meus pais como uma ótima candidata para ser esposa e isso me soa tão frívolo! Eu quero fazer algo importante.
A raiva e indignação que Olívia sentia se dissipou quando viu sua amiga tão abatida como naquele momento. Emeline nunca se contentou com coisas pequenas, nunca teve os mesmos interesses que outras moças ou até mesmo aprovou o modo como eram expostas como joias a serem compradas. E Olívia a entendia, naquele momento percebeu que Emeline avistou uma oportunidade que realmente a interessava e que talvez fizesse a diferença e agarrou com todas as forças, ignorando qualquer perigo que pudesse correr.
Outros poderiam denominar tal atitude como insensatez, Olívia pensava ser um grande ato de bravura.
Caminhou na direção da amiga e se sentou ao seu lado, por alguns segundos manteve o silêncio, mas logo segurou a mãos de Emeline e com a outra ergueu sua cabeça, mirando seus olhos e disse:
— Você não precisa fazer nenhum ato grande ou arriscado para fazer a diferença e ajudar, Emie. Já faz isso diariamente na vida das pessoas, apenas não percebe. Você faz uma grande diferença nos meus dias, me salva do enfado todas as vezes. – Ao ver o sorriso se abrir no rosto da amiga, junto de algumas lágrimas que escorriam, Olívia completou – Eu só estou preocupada, não quero perder minha melhor e única amiga.
— Não irá perder. – Respondeu Emeline, enxugando as lágrimas – Prometo que vou tomar cuidado.
— Promete não me esconder mais nada também.
— Prometo.
— Ótimo, fico mais tranquila assim.
Emeline hesitou por alguns segundos, deliberando se deveria contar sobre seu "encontro" que teria com Giuseppe mais tarde, além do pseudônimo de Mason Baron.
— Então... já que prometi que tenho que ser sincera, preciso te contar mais duas coisas.
— Há mais segredos, Emeline? – Bradou Olívia, plantando as mãos na cintura.
— Não estão relacionados ao Nox, não se preocupe... pelo menos uma dessas coisas não está diretamente relacionada.
— Estou ouvindo.
— Bom, sabe o quadro que encomendou do senhor Mason Baron?
— Sim, estou esperando a resposta.
— Eu já tenho uma resposta para você.
Emeline se levantou e caminhou na direção da cama, se abaixando e puxando o quadro que havia escondido ali na noite anterior. Voltou para perto de Olívia e o mostrou, esperando pela reação da amiga, que só sabia encarar a pintura atônita.
— Mason Baron é apenas um pseudônimo, uma farsa. Na realidade, sou eu quem faz as pinturas e só uso esse nome para que não seja censurada.
Lentamente Olívia se aproximou do quadro e com os dedos leves tocou onde a tinta já havia secado. Ainda estava estarrecida, mas ainda assim conseguiu achar sua voz para dizer:
— Emie, é lindo!
— Obrigada!
— Não acredito que você é Mason Baron! Você é uma artista famosa. Eu tenho uma amiga artista famosa!
— Errado, o senhor Baron é um artista famoso, eu sou apenas uma jovem dama da sociedade. – Ironizou Emeline, rindo do próprio comentário.
— Ah, eu tenho tanto orgulho de você.
Olívia não se conteve e abraçou a amiga a apertando tanto que poderia tê-la esmagado. E Emeline se sentiu tão bem com aquele abraço, que acabou deixando a tela de lado e retribuindo o abraço. Os sorrisos no rosto de ambas demonstravam o quanto estavam contentes com a reconciliação, e o quanto se importavam uma com a outra.
— Mas me prometa que não comentará isso com ninguém. – Pediu Emeline, se afastando.
— Prometo que guardarei esse segredo com a minha vida!
— Não seja exagerada, Oli!
— Tudo bem, mas então me diga qual era a segunda coisa que tinha para me dizer.
— A segunda?
— Sim, disse que havia duas coisas que precisava me revelar.
Emeline andou agitada pelo quarto por alguns segundos, até se voltar para Olívia e suspirar, tentando tomar coragem para contar.
— Bom, Giuseppe pediu minha ajuda.
— Hum... Giuseppe? Já está o chamando pelo nome de batismo? – Provocou Olívia, com uma expressão conspiratória.
— Olívia, pode parar de fantasiar?
— Não estou fantasiando, estou apenas surpresa e ao mesmo tempo contente que tenha algum tipo de intimidade com o rei.
— Não temos nenhum tipo de intimidade!
— Não é o que parece. – Cantarolou.
Emeline bufou contrariada e cruzou os braços, se virando de costas para Olívia e resmungando:
— Não dá para conversar com você de forma madura.
— Ah, não, Emie! Termine de me contar.
Olívia correu para perto da amiga e segurando seus braços, praticamente implorou com um olhar pidonho, sem conseguir disfarçar o sorrisinho que insistia em cortar seus lábios.
— Você sempre enxerga coisas onde não há, Olívia!
— Tudo bem, prometo que não direi mais nada. Apenas termine de me contar. No que o rei pediu sua ajuda?
Emeline a olhou de soslaio e descruzou os braços, caminhou até a janela e a abriu, enquanto dizia:
— Pediu que eu o ajudasse a encontrar alguns projetos sobre a construção das docas da cidade. Disse que tinha alguns livros na biblioteca, mas que sozinho não conseguiria procurar em todos.
— E quando irão fazer isso?
— Não faço ideia, ele não me disse mais nada. Talvez um pouco mais tarde quando não houver tantas pessoas por perto.
— E vai se encontrar sozinha com ele? – Se espantou Olívia.
— Não creio que ele irá querer se encontrar sozinho comigo.
Emeline estava tão entretida buscando por um vestido em seu guarda roupa que sequer deu atenção a sua última fala, muito menos a expressão surpresa que Olívia carregava.
— Então, você quer ficar sozinha com ele?
A morena abaixou rapidamente um vestido que segurava à frente do corpo e se voltou para Olívia, totalmente indignada com a sentença da amiga.
— Eu não disse isso.
— Foi o que me pareceu.
— Eu já pedi que parasse de fantasiar, Olívia.
— Ora, eu não estou fantasiando. Até penso que estão se entendendo melhor! E creio que ele a aprecie.
— Ele não aprecia ninguém além de si mesmo.
— Posso até não ser especialista em amor, Emeline, mas garanto que sobre olhares eu entendo. – Disse Olívia, rodeando a amiga e parando ao seu lado sussurrou em seu ouvido – E ele te olha de uma maneira diferente.
Soltando uma risadinha, Olívia se afastou rapidamente e por pouco não foi atingida pela almofada que Emeline atirou contra ela, claramente fingindo indignação, embora um sorriso também se desenhasse em seus lábios.
— É impossível conversar com você sem que um romance seja citado, Olívia.
— E o que posso fazer eu se sou uma romântica incorrigível? Agora vamos, escolha seu vestido e te ajudarei a se arrumar para se encontrar com seu príncipe encantado... ou melhor dizendo, rei encantado.
Dessa vez Emeline gargalhou sem conseguir se conter e acabou cedendo.
Durante o café da manhã não trocaram muitas palavras, ela evitava encarar Giuseppe, mas vez ou outra, seus olhos escapavam na direção do homem, que estava concentrado no jornal que lia. Sua postura austera havia retornado e ele sequer dava resquícios de encará-la. Emeline não soube explicar o porquê aquilo a chateou de alguma forma, e quando pensou que ele sequer lhe daria atenção, o flagrou com os olhos fixos nela por alguns instantes, enquanto um pequeno sorriso era esboçado. Logo ele voltou para o jornal, tentando disfarçar.
Emeline esperou que todos terminassem a refeição e saíssem da sala para ficar de tocaia, esperando apenas que Giuseppe aparecesse, ele não havia dito que horário usariam para iniciarem as pesquisas, e era certo que ela nunca foi muito boa em esperar.
Ao vê-lo cruzar o grande saguão, em direção à porta de entrada, o interpelou pelo caminho, perguntando:
— Então, quando começaremos a pesquisar?
Giuseppe se voltou rapidamente em sua direção, as sobrancelhas arqueadas como se realmente estivesse surpreso em vê-la ali, as mãos foram escondidas dentro do bolso da calça, enquanto ele respondia:
— Creio que quanto mais tarde melhor. De madrugada de preferência, assim não correremos o risco de alguém perceber. Não quero que saibam o que estou fazendo.
— Mas... pela madrugada não terá ninguém pela casa.
Ele inclinou a cabeça para o lado e franziu o cenho, como se não houvesse entendido aquele argumento de Emeline.
— Essa é a intenção.
— Pensei que fossemos começar agora.
— Eu ainda tenho muito afazeres e provavelmente passarei o dia fora de casa. Não se preocupe, eu não a atacarei no meio da madrugada, quero apenas sua ajuda.
— Tudo bem então. – Respondeu ela, deixando os ombros caírem.
— Te espero na biblioteca.
Com uma piscadela ele partiu apressado, a deixando sem entender o porquê daquele último gesto.
Emeline tentou distrair a mente pelo resto do dia com coisas triviais, pela primeira vez passeou com Olívia pela cidade, fizeram compras e até frequentaram um restaurante, mas nenhuma daquelas atividades foi o suficiente para arrancar a ansiedade que a consumia. Nutria uma certa empolgação em explorar aqueles livros. Poderia encontrar tanta coisa! Porém, quanto mais desejava que as horas corressem, mais elas pareciam se arrastar.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top