3. Olhos dourados
COMO PREVIRA, MAIS TARDE NAQUELA MESMA NOITE, pouco antes de se recolherem Valerie o abordou. Bateu delicadamente na porta do escritório, onde ele analisava alguns papéis, e entrou. Ainda permaneceu parada em frente à escrivaninha, o encarando com receio. Não era preciso ir muito longe para saber o que ela estava pensando.
- Já sei sobre o que a senhora veio falar. - Começou ele - Sinto muito, minha mãe, não pretendo mudar de ideia.
- Filho, eu também não gosto dessa ideia, mas entenda que se ela não debutar esse ano começarão e especular várias coisas. E mesmo que sejamos a realeza, o nome de Beatrice pode ficar manchado, a vida não é fácil para nós mulheres como é para vocês. As pessoas não perdoam, Giuseppe.
- Eu entendo, mamãe... Mas a senhora quer mesmo sacrificar a felicidade de sua filha, apenas para satisfazer a mesquinhez da sociedade? Quer colocar esse peso sobre ela, mesmo sabendo que Beatrice não está bem? Ela pode muito bem debutar esse ano e sequer conseguir um pretendente, ou pior, pode conseguir um interesseiro que a tratará mal para resto da vida. Mesmo que ela seja alguém importante, sabe muito bem como são os homens.
- Não, eu não quero isso para ela. - Respondeu Valerie, abaixando a cabeça - Eu só me preocupo com Beatrice.
- Sei que se preocupa com ela, ou com o que falarão dela. Mas sabe que posso resolver isso. Posso fingir que a proibi de ser apresentada esse ano em respeito ao luto, assim não a julgarão. Ela precisa estar bem primeiro.
- Se acha que essa seria a solução... Então não irei contra.
- Assim será feito então. - Giuseppe sorriu e voltou a analisar os papéis - Se era só isso que a senhora tinha a dizer, preciso voltar para esses documentos.
- Não irá descansar? Já está tarde.
- Isso aqui não pode ser deixado para depois.
- Preciso que esteja apresentável amanhã, Giuseppe. E que separe a tarde de amanhã para estar conosco.
Ele parou de ler aquelas pequenas letras e voltou os olhos na direção da mãe, que o encarava com altivez. Levantou a cabeça lentamente e deixando a pena de lado, inquiriu:
- Conosco quem?
- Eu, Beatrice, a senhorita Denkworth e sua dama de companhia.
- Quem é a senhorita Denkworth?
- A filha de uma antiga amiga, convidei-a para passar algumas semanas conosco.
Giuseppe soltou um riso anasalado e balançou a cabeça negativamente, dizendo:
- Sei o que a senhora está tentando fazer. Não tente me enganar.
- Olívia é uma boa moça, Giuseppe! Filha do duque de Courtier, vai deixar a importantíssima temporada em Londres, apenas para vir para cá.
- Ela está deixando país porque quer, e se enganando quanto ao que encontrará aqui. Não vou cortejá-la.
- Não estou pedindo que se case com ela, Giuseppe, peço apenas que conheça a moça.
Ele apertou a ponte do nariz e suspirou pesadamente, fechou os olhos, permanecendo um tempo naquela posição antes de se voltar para a mãe e responder:
- Tudo bem. Irei conhecer a moça, mas não crie expectativas em cima disso, é apenas formalidade.
- Já é alguma coisa... Com licença, irei para meus aposentos, e não se esqueça de estar aqui amanhã perto da hora do almoço. A chegada da senhorita Denkworth está marcada para essa hora.
- Tudo bem.
- Boa noite, filho.
- Boa noite, mamãe.
Como havia prometido, na hora do almoço Giuseppe se prontificou a acompanhar as damas no almoço. Não iriam sair do palácio para receber as senhoritas, mas ele achou que talvez se estivesse na porta quando a carruagem estacionasse, a senhorita Denkworth se sentisse intimidada por sua presença, quem sabe assim desse meia volta ali mesmo. Sim, as vezes ele podia ser cruel.
Quando a carruagem se aproximava pela enorme estrada de cascalho, que ligava os portões de entrada à casa, Valerie se adiantou para o fim da escadaria, esperando que os cavalos parassem à sua frente.
Quando o cocheiro desceu e abriu a porta da carruagem, Giuseppe conteve a vontade de correr dali, olhou distraidamente o relógio sem, na verdade, conferir as horas, o colocou de volta no bolso e encarou a mão enluvada que se apoiava na mão que o cocheiro estendia. Um corpo curvilíneo, marcado pelo vestido verde claro, desceu os degraus e pousou no cascalho, levemente. Os olhos castanhos claros, talvez um tom de mel, dourado, encontraram os de Giuseppe imediatamente, a boca rosada se contraiu levemente e quando a moça fez uma reverência elegante, um cacho castanho, que emoldurava o rosto por baixo do chapéu, pendeu para frente.
Involuntariamente, Giuseppe deu um passo à frente, mas parou quando outra moça saltou da carruagem, seus cabelos ruivos se agitaram com a brisa fresca e os olhos verdes se arregalaram um pouco ao perceber Valerie tão perto. Fez a mesma reverência que a moça anterior e foi recebida com um sorriso e grande alegria por parte da rainha.
- Senhorita Denkworth, é um prazer recebê-la. Seja bem vinda. - Disse Valerie.
- O prazer e a honra é toda minha, majestade. Fico muito feliz pelo convite.
- E eu fico feliz que tenha aceitado. Permita-me apresentar minha filha Beatrice, e o rei, meu filho Giuseppe.
Beatrice cumprimentou as moças e também foi saudada com a mesma reverência. Giuseppe, por sua vez, apenas piscou, recobrando a consciência e se aproximando devagar das moças. Então a senhorita Denkworth era a ruiva e não a morena de belos olhos, que agora se encontrava atrás da moça.
- É um prazer conhecê-las. - Disse ele, fazendo uma mesura elegante.
- Permitam-me apresentar minha dama de companhia e amiga. - Disse Olívia, arrastando a morena para seu lado - Essa é a senhorita Emeline Black, filha do visconde de Ashworth.
A moça nada disse, apenas abaixou os olhos e fez outra reverência, enquanto Valerie a observava.
- Podemos entrar? O almoço já será servido. - Disse.
Giuseppe fez questão de esperar todas entrarem na frente e praticamente se arrastou até a sala que seria servido o almoço. Teve de segurar o riso quando viu a senhorita Black olhar cada centímetro do enorme corredor pintado de cinza azulado, parecia que ela nunca tinha visto nada como aquilo. Os bustos esculpidos em mármore, os enormes quadros pendurados nas paredes, as grandes janelas adornadas por cortinas douradas, e até mesmo os lustres que pendiam do teto bem acima de suas cabeças. Tudo aquilo parecia demais para ela.
Quando se acomodaram em seus lugares, ele não fez questão de socializar, apenas apoiou que a senhorita Black se juntasse a eles na mesa, e continuou sua refeição, sem interagir na conversa que vez ou outra, sua mãe a senhorita Dankworth tinham.
De vez em quando ele lançava olhares discretos para a ruiva, analisando a moça que sua mãe achava adequada para ser sua esposa. Ela era realmente bonita, o vestido roxo a valorizava, era polida e delicada, tudo que qualquer homem desejaria, mas não Giuseppe... Ele não conseguiu enxergar autenticidade na moça, não havia espontaneidade alguma e ele sabia que não era culpa dela. Olívia Denkworth havia sido criada para ser uma perfeita dama. Mas sua dama de companhia... Nela havia algo diferente.
Apesar de apresentar os mesmos modos que sua amiga, seus olhos revelavam outra coisa. Revelavam algo selvagem, tempestuoso... Forte. Giuseppe por várias vezes se perdeu em suas feições, não conseguia parar de encará-la, havia algo interessante em Emeline.
Ela, por sua vez, percebeu o quanto ele a encarava diretamente, tentou disfarçar fingindo não se dar conta, mas o rubor em suas bochechas a denunciava. Por fim, ela o encarou de volta e abriu um leve sorriso, os olhos cor de mel contrastando com os fios escuros de seus cabelos.
Giuseppe não fez menção de esboçar um sorriso de volta, continuou a encarando, com os olhos escuros se tornando cada vez mais soturnos.
- Meu filho. - Chamou sua mãe, o tirando do transe e o fazendo se voltar para ela - Ficará conosco essa tarde?
- Não. - Respondeu ele, voltando a encarar a comida - Tenho afazeres, provavelmente só iremos nos ver no jantar.
- Não pode deixar esses afazeres apenas por hoje? Para que possa conhecer melhor a senhorita Denkworth, apresentá-la ao palácio, ela acabou de chegar.
- Sinto muito, não poderei. Teremos muito tempo para nos conhecermos e creio que há várias pessoas que podem lhe apresentar o palácio. Beatrice poderia fazer isso, ela precisa de amigas.
A menina ergueu os olhos para o irmão, claramente desconfortável de ter aquela tarefa incumbida para si quando tantos empregados poderiam fazer. Ultimamente Beatrice se limitava a ficar em seu próprio canto, sem muitas companhias. Mesmo assim, ela forçou um sorriso e disse:
- Se quiserem posso fazer isso.
- Oh, não se incomode, alteza. Não quero gerar transtornos. - Se adiantou Olívia.
- Não será transtorno algum, creio que estou precisando de um pouco de ar também. Só espero que não se importe com os guardas.
- Não será problema algum.
Se contentando com essa resposta, todos resolveram voltar para suas refeições.
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