20. Um impasse

NO DIA SEGUINTE, Emeline foi surpreendida pela entrada brusca de Olívia em seu quarto. A moça parecia empolgada com algo, os olhos verdes pareciam mais brilhantes e demonstravam até mais vivacidade.

Emeline parou de escrever e levantou os olhos do papel por alguns instantes, mas não deixou a pena de lado, olhando por cima do ombro, perguntou a amiga:

— Posso saber o motivo de tal entusiasmo?

— Eu tive uma ideia. - Respondeu a ruiva, se sentando na cama – Mas preciso de sua opinião.

— Pois então diga, está me deixando curiosa com essa sua ideia estupenda.

— Tomei a liberdade de escrever e enviar uma carta ao senhor Baron, encomendando um quadro para a rainha. Acredita que fiz bem? Queria presenteá-la de algum modo, para agradecer o convite a hospitalidade, e como as pinturas dele estão ficando muito famosas...

Olívia continuou falando, mas Emeline já não escutava mais nada. Paralisou naquele instante e permaneceu encarando a parede, a pena ainda pendendo nos dedos. Um tremor tomou conta de seu corpo e ela só desejava ter ouvido errado.

Como sua amiga encomendara um quadro de Mason Baron? E pior ainda, como ela poderia se livrar daquilo?

Sem dúvida Archie receberia a carta em seu nome, ou melhor dizendo, em nome de seu pseudônimo, mas ele era discreto o bastante para não violar qualquer correspondência, com certeza deixaria guardada até que ela voltasse. O que faria agora? Como pintar um quadro em segredo em um lugar tão movimentado?

Pior, Olívia estaria colada nela o tempo todo!

— Emeline, está me ouvindo? - Bradou Olívia.

— Hã? - Se sobressaltou ela, dessa vez largando a pena e se voltando totalmente para a amiga – Tem certeza, Olívia?

— Claro! Por que a pergunta?

— É que... bom, correspondências demoram a chegar, além disso, ele deve demandar um bom tempo para criar a pintura. Tem ainda o tempo para a encomenda chegar até aqui... não sei se chegaria a tempo. Logo voltaremos.

— Ah, mas eu já pensei nisso! Usei o selo da família real e a carta terá prioridade.

— Usou o selo da família real?

— Na verdade, foi a princesa. Comentei com ela esse meu desejo de presentear a rainha, e ela me disse que a mãe adora quadros, então logo depois que escrevi ela mesma selou a carta.

Santo Deus, aquilo só piorava!

Emeline permanecia estática, encarando a amiga com os olhos arregalados, as mãos cruzadas sobre o colo, evitando que Olívia percebesse seu tremor e nervosismo. Mas a ruiva pareceu notar que havia algo errado, pois o sorriso desapareceu gradualmente de seu rosto e deu lugar a uma expressão preocupada.

— Não acha que é uma boa ideia?

— Não!... Quer dizer, sim! Uma ótima ideia, e tenho certeza que o senhor Baron ficará muito honrado de ter sido escolhido para presentear a rainha de Vienere com uma de suas obras.

— E talvez seja uma ótima oportunidade para ele! - Completou Olívia, se levantando e caminhando agitada pelo quarto, com sua alegria habitual renovada – Imagine só ele ser reconhecido em outro país. É um artista em ascensão.

— É, concordo.

Emeline suspirou e se virou novamente para a parede. Agora deveria pensar em como se livraria daquela situação, a fama de Mason Baron só aumentava e já estava saindo de controle. Temia que a qualquer momento pudesse ser descoberta.

— Parece tensa. O que está aprontando, Emie?

Olívia se aproximou e espiou por cima do ombro da amiga a lista gravada no papel. Na verdade, parecia que estava no início, afinal só continham dois nomes até então. Caleb Emor e Graham Thorn.

— Estou fazendo uma lista de suspeitos de quem seja o cavaleiro, ou como chamam, Nox Nocture.

— E acredita mesmo que um desses dois possa ser ele?

Emeline se voltou para a amiga novamente, dessa vez segurando o papel nas mãos, ainda analisando os nomes escritos ali. Suas sobrancelhas quase se uniam e um vinco profundo surgiu entre elas. Os olhos dourados estavam atentos aos escritos ali, como se tentassem desvendar um grande mistério apenas observando aquelas letras.

Suspirando, encarou Olívia e respondeu:

— Ainda não sei, são apenas suspeitas.

— E por que suspeita dos dois?

— Eles estavam agindo muito estranhamente ontem no baile. O senhor Emor saiu em determinado momento e não voltei a vê-lo novamente, parecia apressado em sair dali, quase como se estivesse escondendo algo.

— E... e o senhor Thorn? - Perguntou Olívia, abaixando os olhos e brincando com as saias.

A morena se calou por alguns momentos, ponderando se deveria ou não contar o que havia visto na noite anterior. Concluiu que conseguiria pensar melhor se conversasse com alguém, então que esse alguém fosse Olívia, que não a julgaria.

— Serei sincera, Oli, vi o cavaleiro ontem.

— Onde?!

Olívia parecia realmente surpresa, arregalou os olhos e levantou rapidamente a cabeça, focando toda sua atenção em Emeline.

— Aqui. Durante o baile. Ele estava no jardim e ficou alguns segundos me encarando, e quando saí para encontrá-lo, havia desaparecido.

— Saiu para encontrá-lo?

— Eu estava curiosa! Tenho muitas questões para esclarecer.... Foi então que me deparei com o senhor Thorn, ele estava com uma atitude muito suspeita. As botas estavam sujas e estava um pouco desalinhado.

Olívia balançou a cabeça freneticamente e praticamente avançou sobre Emeline, dizendo:

— Não! O senhor Thorn jamais seria esse cavaleiro. Ele não faria isso.

— Como pode ter tanta certeza, Olívia? Mal o conhece, e ele sumiu de repente do baile também...

— Ele estava comigo!

— Como é? - Bradou Emeline arregalando os olhos – Estavam sozinhos?

— Em partes. - Olívia abaixou a cabeça e começou a trançar os dedos nervosamente - Estávamos conversando e como havia muitas pessoas ao redor, nos afastamos um pouco para tomar um ar. Não era a pretensão ir tão longe, mas quando percebemos tínhamos caminhado demais e paramos no jardim.

— Jardim?! Alguém os viu?

— Não tenho certeza. Mas ele não fez nada, foi muito respeitoso e me trouxe de volta.

Emeline não conseguia esconder a surpresa, sua amiga jamais havia feito algo tão audaz, sempre foi muito racional e fazia questão de seguir todas as regras. No entanto, Emeline não a condenava, Olívia precisava ser autêntica ao menos uma vez na vida, e pelo que podia notar o senhor Thorn conseguira com que ela agisse como realmente era. Isso significava que sua amiga realmente havia se afeiçoado ao rapaz, o rubor em suas bochechas acentuava tal fato.

— Realmente gosta dele, não é? - Perguntou Emeline, com voz mais branda e um sorriso banhando o rosto.

— Ainda não posso afirmar... quer dizer, ele é um verdadeiro cavalheiro. Me tratou muito bem. É atencioso, gentil e muito cordial, sabe muito bem conversar sobre os mais diversos assuntos e não somente coisas tão monótonas nas quais já sabemos o que falarão. Pela primeira vez um homem não subestimou minha inteligência, Emie. Ele parecia realmente interessado em me ouvir, me senti tão bem com ele.

Emeline não pôde evitar que seu sorriso se alargasse ao ver a felicidade da amiga. Era isso que ela desejava para Olívia, que fosse feliz e que encontrasse um cavalheiro que a valorizasse como merecia, e Graham parecia ser o rapaz certo para isso.

Desejava que não fosse somente alguma prosápia da parte dele, apenas para conquistar Olívia, mas pelo pouco que conheceu de sua personalidade, imaginava que de certo ele estava sendo verdadeiro.

— Acha que depois disso ele iniciará um cortejo?

— Eu não sei. - Dessa vez o semblante de Olívia entristeceu, ela se levantou e caminhou preocupada pelo quarto – Ele comentou que o próprio rei o encorajou a me convidar para dançar. E não sei se te contei, mas na minha dança com o rei... digo, com o senhor Lambertini, ele esclareceu toda a situação. Disse que nunca pensou em iniciar um cortejo, mas que tudo não passou de ideia de sua mãe.

— Ele te disse isso?

— Sim, mas foi muito gentil. Disse que nunca quis alimentar qualquer anseio de minha parte e que se sentia até culpado por deixar a rainha nos envolver nisso, e somente por isso não me sinto com o coração pesado por me sentir melhor na companhia do senhor Thorn, mas...

— Mas...? - Encorajou Emeline.

— Meus pais estão esperando que eu volte com um anel de noivado do rei. - Completou ela com a voz baixa – E só por isso permitiram que eu viesse. Se... se eventualmente o senhor Thorn der continuidade ao cortejo e talvez der um passo adiante... voltarei comprometida com alguém que não detém mais do que um título de valete de um rei.

— Olívia...

— Eu não me importo com isso, Emie. Por favor, não pense que sou leviana, eu jamais me deixaria influenciar por títulos, eu me importo com o caráter e com a forma que sou tratada, mas meus pais.... Em especial papai, ele jamais admitiria isso.

— Não pode deixar que sua vida seja toda planejada por eles, Olívia!

— Esse é o revés, sempre foi assim! Eu nunca tive a opção de escolha, Emeline, essa foi a primeira vez que tomei decisões por mim mesma e agora estou com tanto medo dessa escolha ser arrancada de mim! Ao mesmo tempo, temo estar sendo precipitada e ter feito uma má escolha permitindo tanta aproximação. Ah, por que as coisas precisam ser assim?

— Também não entendo. - Respondeu Emeline, abraçando a amiga – Mas deve saber que tudo se acerta um dia, minha amiga. E se o senhor Thorn se aproximou de você, correspondeu a essa abertura que você permitiu, então quer dizer que sua decisão não foi de todo ruim, não é mesmo? - Ela soltou Olívia, mas ainda permaneceu segurando seus braços e a olhando fixamente – Vai dar tudo certo.

— Obrigada!

Se contentando com o sorriso que tinha posto no rosto de Olívia, Emeline voltou a se sentar na cadeira em frente à pequena escrivaninha e tomou novamente a pena entre os dedos.

— Mas e quanto a você e o senhor Lambertini? - Continuou Olívia, rondando pelo quarto.

Emeline levantou a cabeça, mas permaneceu encarando a parede, pela segunda vez temendo que tivesse sido descoberta.

Será que Olívia descobrira sobre o encontro noturno na biblioteca? Ou sobre o beijo roubado? Seria um completo caos.

— O que tem eu e ele?

— Ora, eu observei vocês durante a valsa. Pareciam se entender bem.

— Não nos entendemos nada. Está equivocada.

— Eu acho que ele te olha de um jeito especial.

— De onde tirou tamanho disparate?

— Eu observo mais do que aparento, Emie. - Respondeu Olívia, quase com um sorriso na voz.

— Está precisando aprimorar suas observações então. Eu não aprovo o rei, tampouco ele me aprova ou gosta de mim.

Olívia apoiou as mãos nos ombros de Emeline e se aproximou de seu ouvido, dizendo:

— Pois eu penso que ele gosta.

A moça deu uma risadinha e saiu saltitando pelo quarto, como uma criança serelepe que havia descoberto algum segredo de adulto.

— Olívia! - Disparou Emeline, dessa vez se virando e encarando a amiga – Se, por ventura, isso fosse verdade deveria se sentir ofendida e não entusiasmada com isso.

— Ora, e por que não?

— Você veio até aqui como candidata a pretendente... ou algo assim.

— E eu não ficaria empolgada por que minha melhor amiga despertou o interesse de um rei? Não sou invejosa e tampouco mesquinha.

— Eu não despertei o interesse dele.

— Despertou sim! Ou então ele não lhe dirigiria o olhar todas as vezes que estão próximos.

— Já parou para pensar que ele me encara simplesmente porque tem olhos?

— Que a todo momento estão focados na senhorita!

— Você e sua capacidade de romantizar tudo, Olívia.

— Ora, melhor do que ser uma resmungona pessimista.

Emeline apenas balançou a cabeça e voltou a sua lista de suspeitos, que naquele momento havia perdido todo o sentido. Só conseguia pensar em como resolveria a situação do quadro encomendado por Olívia. 

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