13. Fantasma
QUANDO A SEXTA-FEIRA daquela semana chegou, Emeline se aventurou em tecer um plano do que faria naquela noite. Procurou por Caleb novamente e como sempre o encontrou fazendo a ronda pelo jardim. Se aproximou com um sorriso e foi logo inquirindo:
— O senhor virá ao baile amanhã?
— Ah, sem dúvida! Ficarei de vigia na porta. - Respondeu ele, com bom humor.
— É sério? Não participará?
— Eu sinto muito, senhorita Black...
— Emeline. - Corrigiu ela – Por favor, me chame de Emeline.
— Emeline... Eu sinto muito. Mas soldados não costumam ser convidados para festas da realeza, ao menos que seja para fazer guarda.
— Nem uma chance?
— Nem uma. E eu também não faço muita questão, esses bailes são cheios de aristocratas mesquinhos.
— Entendo. - Balbuciou ela, baixinho, entrelaçando os dedos.
— Ah, perdoe-me, a senhorita é exceção. Não quis ofendê-la.
— Tudo bem, eu entendo... de qualquer forma, nos veremos.
— Sim, senhorita.
Ela ergueu os olhos e lhe ofereceu um sorriso gentil, dizendo:
— Bom, preciso entrar então, Olívia deve estar à minha espera. Até mais ver, senhor Emor.
— Até, senhorita Black.
Ela se afastou rapidamente, deixando Caleb proferindo mil xingamentos contra si por ser tão estúpido e não pensar antes de falar.
Enquanto isso, Emeline tramava mil formas de sair naquela noite, provavelmente o cavaleiro apareceria novamente. Ela precisava ser furtiva, como fora da primeira vez... ou quase. De qualquer forma, tinha acrescentado uma capa para se proteger, na lista mental que fazia naquele momento, enquanto sua amiga rondava de um lado para o outro no quarto, à procura de um vestido perfeito para a noite seguinte.
— Está sequer me ouvindo, Emeline? - Bradou a voz de Olívia.
— Hã? Como?
— Estou pedindo sua opinião nesse vestido! No que está pensando?
— Hã... no vestido que irei usar. Ainda não arranjei um e, para ser sincera, nem sei que tenho um. - Mentiu ela.
— Ah, garanto que tem um, e se não tiver te empresto um meu.
— Fascinante. - Resmungou, ironicamente.
— O que disse?
— Eu? Nada! O que estava perguntando mesmo?
— Se esse branco – Disse Olívia colocando o vestido à frente do corpo – ou esse creme fica melhor. - Completou repetindo o mesmo gesto com outro vestido.
— Na verdade, acho que nenhum dos dois. Verde combina mais com você. Mas aquele verde claro com algumas gotas, ficaria divino.
— Ótima ideia, Emeline! Será esse mesmo! Agora vamos escolher o seu!
— Ah, não! Eu já sei com qual eu irei.
— Mas tão rápido?
— Sim, e será surpresa.
— Mas...
— Surpresa! - Cantarolou Emeline, já saindo do quarto.
A real questão era que ela queria sair o mais rápido possível do quarto da amiga, apenas para se trancar no seu e poder arrumar a roupa com a qual sairia mais tarde.
Emeline esperou ansiosa o jantar terminar, passou metade dele encarando Giuseppe, que mantinha um semblante sereno, como se não escapasse do palácio toda sexta-feira para ir, fazer sabe-se Deus o que, em algum bordel. Quando finalmente puderam se retirar, subiu praticamente correndo, alegando uma terrível dor de cabeça, e se trancou novamente, vestindo o vestido mais escuro que tinha, em seguida colocando a capa preta por cima. Quando arrumara as malas, antes de viajar, não sabia bem ao certo porquê colocara aquela capa, mas agora... viria muito bem a calhar.
Fez o mesmo procedimento da sexta anterior, rezando para que ninguém a descobrisse, e tomando mais cuidado dessa vez por onde andava. Não demorou muito para ouvir as batidas dos cascos sobre as pedras. Seguindo sempre pelas sombras, Emeline logo avistou o homem trajado de preto, ele andava calmamente, como se estivesse fazendo uma ronda, aquela noite estava calma. Em um instante ele estava bem à sua frente, e no instante seguinte havia sumido.
Emeline saiu do beco onde estava escondida e lentamente adentrou a rua, olhando para todos os lados, mas nem sinal daquele homem. A neblina baixa e escuridão também não ajudavam.
Sem sequer perceber a aproximação, ela sentiu uma presença atrás de si, parecia poderosa, intimidadora e ela quase podia sentir a respiração pesada dele batendo em seus cabelos. Tentando manter a respiração acelerada sob controle, ela se virou rapidamente, se deparando com a imensidão negra daqueles olhos, um olhar tão gelado quanto a própria noite que os rondava.
Emeline deu passos hesitantes para trás, enquanto ele avançava silenciosamente, sem jamais tirar os olhos dela.
— Q-quem é você? - Gaguejou ela. E quando ele não respondeu, ela mudou a frase – O-o que é você?
Como ele poderia se mover tão rápido? Como podia andar tão silenciosamente que suas botas não produzissem nenhum ruído contra os paralelepípedos?
— Vai me machucar?
Ele apenas negou lentamente com a cabeça e aproximou mais o corpo dela, que estava encostada na parede da casa mais próxima. Lentamente ele inclinou a cabeça para o lado e a abaixou até encostar no pescoço de Emeline e ali inspirar profundamente seu perfume.
— O-o que quer de mim?
Ele se afastou rapidamente e comprimiu um pouco os olhos, indicando que tinha aberto um sorriso por baixo da máscara. Sem dar sequer uma palavra, ele lhe deu as costas, sumindo logo em seguida nas sombras.
Emeline demorou alguns minutos para se recuperar.
O que ele queria afinal? Assustá-la? Tinha feito um excelente trabalho. Ela não sabia explicar por que ainda estava ali procurando por ele. E se o procurava, então por que ficou com medo?
Era tudo contraditório, tão contraditório que beirava o ridículo.
Sendo assim, ela respirou fundo uma vez mais e voltou pela rua de onde havia saído. Chegando perto de onde a carruagem real estava parada, se escondeu em um beco e vez ou outra vigiava, verificando se Giuseppe não saía daquela casa que havia entrado há pelo menos uma hora.
Estava espionando, colocando apelas a cabeça para fora do beco, quando uma mão forte envolveu sua cintura, enquanto outra tapava sua boca. Aquele homem a levantou do chão e sequer esboçou alguma reação, enquanto ela se debatia, tentando se soltar. Foi só quando ouviu aquela voz familiar rende ao ouvido, que parou de lutar:
— Shhh, se acalme, sou eu.
Ele a pôs no chão e Emeline se virou rapidamente, encarando Giuseppe, parado à sua frente, com uma expressão de descontentamento em seu rosto.
— Por que fez isso? Tem noção de como me assustou? - Bradou ela.
— Poderia ser qualquer um no meu lugar! E por acaso posso saber o que está fazendo aqui?
— Não, não pode. - Respondeu ela, cruzando os braços.
— Está me vigiando? Como fez da última vez?
Emeline arfou, abrindo a boca e logo rebateu:
— Mas eu não...
— Me seguiu sim. Achou que eu não ia reparar? É por isso que me desaprova?
— Você não é o certo para Olívia.
— E o que é certo para ela? Quem é certo? Ela te disse?
Ela não tinha uma resposta para aquilo, talvez estivesse se intrometendo demais na vida da amiga. Talvez tivesse exagerado, quando tudo o que ela queria fazer era protegê-la. Ela suspirou, consternada, e então respondeu:
— Não, ela não me disse.
— Então pare de ficar querendo resolver a vida dela. Eu entendo que quer protegê-la, e acho isso admirável..., mas não tenho nada com Olívia e se tivesse algo não faria nada do que estou fazendo. Posso parecer um imbecil, mas respeito compromissos. Agora vamos embora, não pode ficar aqui sozinha.
— Eu sei cuidar de mim!
— E eu não tenho a menor dúvida disso, mas que tipo de pessoa, que tipo de homem seria eu se a deixasse sozinha aqui? - Bradou ele, elevando um pouco a voz – Por favor, Emeline, não complique a situação. Vamos embora.
Ele saiu caminhando despreocupadamente do beco, enquanto ela permanecia parada. Sem ação.
Emeline. Ele a chamara pelo nome de batismo pela primeira vez.
Antes de sair definitivamente dali, Giuseppe parou e a olhou por cima do ombro, um convite silencioso para segui-lo. Sendo assim, ela forçou seus pés a andarem de encontro a ele e entrarem na carruagem, quando ele abriu a porta para ela. Assim que também entrou e a porta foi fechada, Giuseppe tirou o manto negro que usava e a encarou fixamente por alguns segundos. O maxilar estava trincado e os ombros tensos, o que parecia deixa-lo maior.
— Tem noção do que acabou de cometer?
— Já disse que sei cuidar de mim. - Respondeu ela, cruzando os braços e virando o rosto, olhando pela janela da carruagem, que já se encontrava em movimento.
— Sabe se cuidar? Você vagueia de madrugada, sozinha, por ruas que você não conhece, e diz que sabe se cuidar?
— Agora se importa?
— É claro que me importo! Se acontecesse algo com você iria ser um desastre. Você está sob meus cuidados, na minha casa, no meu país. Se o pior acontecesse seu governo poderia muito bem hostilizar o meu e seria um tremendo caos para os dois países.
— Se trata só disso? Política?
Giuseppe inclinou o corpo para frente, em um movimento tão rápido que Emeline só percebeu quando ele já estava perto demais de seu rosto, observando cada traço dela.
— Se trata, da sua segurança, sob minha proteção. - Respondeu ele, quase num sussurro.
Emeline permaneceu encostada contra a parede da carruagem, encarava o rosto de Giuseppe tão rente ao seu, de forma assustada, a respiração acelerada e de repente tudo o que ela queria fazer era saltar da carruagem, mesmo que estivesse em movimento.
Escorregou para o lado, a fim de se afastar e respondeu baixinho:
— Eu só queria encontrar com o cavaleiro que falam.
Giuseppe bufou em frustração e voltou para seu lugar, passando a mão pelos fios escuros.
— Novamente essa história ridícula? - Vociferou.
— Não é uma história, é real! Eu o vi.
— Deve ser apenas um palhaço fantasiado tentando impressionar ou assustar as pessoas.
— Ele só quer ajudar!
— Ajudar? Desde quando vestir uma fantasia ridícula e sair saltitando por aí é ajudar?
— Ele quer tirar malfeitores da rua.
— Isso é trabalho para a polícia. - Bradou Giuseppe, elevando a voz – Ele deu sorte, até agora, de não encontrar alguém tão habilidoso com uma arma para matá-lo. Sabe o que acontece se o pegarem?
Emeline hesitou por alguns segundos, não queria pensar no que poderia acontecer. Na verdade, ela ignorava aquela parte, pois no fundo sabia que também era contra a lei bancar o justiceiro. E não sabia porque, mas começava a se preocupar com o destino daquele homem. Ainda vacilante, ela sussurrou:
— O... o que acontece?
— Ele será enforcado. Julgado como qualquer um desses delinquentes e se a senhorita quer saber, estou a um passo de mandar caçá-lo.
— Não pode fazer isso!
— Posso, posso colocar a polícia inteira atrás dele se quiser. E não falta muito para isso, ele já me irritou o suficiente com essa história.
— ... Isso é cruel.
— E o que ele faz é o quê? Aliás, por que se importa tanto com esse homem? Por que o defende tanto e parece conhecê-lo tão bem?
— Não o conheço.
— Então não pode afirmar que ele é bom.
— Tampouco ruim. - Rebateu ela, de pronto. Ficou alguns segundos calada antes de acrescentar – E se não for... um homem. Digo, se não for um ser humano.
Giuseppe emitiu uma risada desgostosa e meio decepcionado, respondeu:
— Por Deus! A senhorita acredita mesmo nisso?
— Não sei, há muitos mistérios por aí.
— Não seja tão facilmente impressionável, senhorita Black.
Emeline nada mais disse, apenas dirigiu um olhar rude para Giuseppe e cruzou os braços, indignada com aquilo. Pelo resto da curta viagem, não falou mais nada, evitou a todo custo olhar para ele, mesmo sabendo que Giuseppe e encarava diretamente. Quando chegaram ao palácio, ela sequer esperou a porta da carruagem ser aberta, a abriu por si mesma e saltou, caminhando apressadamente para dentro do lugar, sem dar atenção a Giuseppe, que vinha logo atrás, acompanhando os passos apressados dela.
Subiu as escadas correndo, tendo a convicção que ele continuava atrás dela, e pouco antes de entrar em seu quarto, pôde ouvir a voz dele ressoar no corredor:
— Não darei uma palavra sobre essa noite se esquecer essa baboseira toda, senhorita Emeline.
Ela parou com a mão na maçaneta, controlando a respiração pesada. Permaneceu por alguns segundos encarando a porta, tentando se acalmar, até se voltar para ele e proferir:
— Não irei esquecer, majestade. Tampouco deixar de dar razão a ele ou apoia-lo, ao menos alguém está fazendo algo para manter as ruas seguras.
Sem esperar por uma réplica, ela adentrou o quarto e fechou a porta com força. Giuseppe permaneceu por alguns segundos parado no corredor, sem saber ao certo como agir. Ele não queria parecer grosseiro, não queria parecer rude e muito menos um tirano, no entanto... lá estava ele novamente. Tinha se tornado um hábito agir daquela forma com as pessoas.
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