Para o norte
"Se quer uma vida nova, vá para o norte. É o que a Mei Mei me disse."
Alucinante.
Era a única palavra que Gojo conseguia pensar para descrever aquele sentimento que cobria seu corpo, arrastando suas tripas e dobrando seu coração para fora do peito, tal como um origami fino. Era pouco mais que seis da manhã, segundo o relógio digital da cabeceira, e em tempos normais ele jamais estaria acordado, sozinho, suado e com rastros salgados, do que um dia foram lágrimas, pelo rosto.
Mas naquela madrugada, algo o perturbou em seus sonhos.
Gojo não sabia a razão da tristeza e do arrependimento brilhando em seu peito, esmagando seus órgãos e se alojando no próprio torso como uma lamina afiada. Ele apenas podia se lembrar de um par de olhos pequenos, escuros e maliciosos, mas que ainda assim eram tão familiares que doíam em seu peito.
Olhos esses que ele não conhecia, ou ao menos, achou não conhecer naquele momento.
Pelas brechas da cortina branca, Gojo assistiu os pequenos flocos de neve caírem. Era o começo do inverno, o frio tinha começado de forma rigorosa e bem mais cedo do que o normal, como se anunciasse que algo havia mudado seus planos.
Como um novo dia em outra vida.
Satoru, mais adiantado para o trabalho do que gostaria, decidiu que era uma boa hora para agir. Seu dia tinha começado, o trabalho de professor de ensino médio o esperava, junto de uma tonelada de problemas com os coordenadores do colégio de Kyoto.
O que não melhorou, não após gastar tanto tempo olhando para dentro do seu guarda-roupa, vagando em seus pensamentos e na sensação de ter perdido algo que não deveria, só para então acordar para realidade e ver que tinha dispensado mais de trinta minutos em uma tarefa simples.
Satoru então tinha vestido suas roupas, pegado seu material de trabalho, junto a mochila, e partido como alguém parcialmente atrasado pelas ruas gélidas, torcendo para que algum café estivesse aberto e ele pudesse comer algo no trajeto para a escola de Kyoto.
Para a felicidade do albino, uma cafeteria brilhava em meio aos outros estabelecimentos fechados.
Inverno de sonhos, Gojo leu as letras caprichosas antes de empurrar a porta de vidro e escutar o tilintar dos sinos. Um garoto de cabelos em formato de cuia, castanhos escuros e olhos sonolentos estava atrás do balcão, seu crachá tinha escrito em letras confusas o nome "Haibara".
Com um cumprimento simples, Gojo fez o seu pedido. Um café forte e qualquer outra coisa que o sustentasse até o meio da manhã. Haibara sorriu educadamente, perguntando o nome do albino para colocar no pedido e em seguida sugerindo que ele se sentasse, para logo depois sumir cozinha adentro. Gojo olhou ao redor, poucas mesas estavam ocupadas naquele horário, apenas um casal que parecia não ter dormido bem e uma jovem de cabelos escuros e escorridos, ambos ocupavam as mesas mais próximas, fazendo com que o albino caminhasse para o lado mais afastado do balcão e sentasse na mesa mais distante.
Não foi uma longa espera, algo entre dez a quinze minutos até que alguém o chamasse ao balcão. Com pressa, o albino caminhou até o local com a atenção em seus bolsos, à procura da carteira, e ao achá-la, puxou-a para fora, abrindo e pegando do seu interior uma nota mal dobrada.
- Satoru? Ah, esse é um nome legal. - Uma voz melodiosa soou em frente ao platinado, chamando sua atenção.
E então, o coração de Gojo não pertencia mais a si mesmo. Seus olhos esbarraram no olhar estreito e tranquilo do atendente, fazendo com que lágrimas borbulhantes enchessem as linhas d'água e seu rosto caísse em sofrimento.
Memórias piscaram em sua mente. Eram suas? Memórias de outra vida, de um sorriso amado e um amor indeterminado.
Satoru
Satoru
Satoru
"Você foi o meu primeiro e o único"
As mãos do albino tremeram. Gojo não sabia o que era o rapaz a sua frente, mas sua alma - aquela coisa penosa e imaterial - dizia que era ele. Que era seu. Que tinha voltado.
Gojo fungou levemente, toda a dor e arrependimento que tinha sido jogado em seus ombros desde que havia acordado estava magicamente sumindo.
- Ele ficaria legal gravado em uma aliança no seu dedo - o professor respondeu, piscando os cílios e esticando o corpo em direção ao moreno.
O atendente gargalhou.
E a alma de Gojo tinha voltado para casa com aquele som.
Depois de pagar e ir embora com o pedido, Gojo continuou voltando. Nos intervalos das aulas, dia após dia, ia à cafeteria Inverno de sonhos, apenas para ver Geto Suguru e lhe lançar cantadas toscas.
No terceiro dia, a nota fiscal do pedido tinha algo mais escrito.
Quando acabar o expediente, ligue-me e poderemos sair.
Satoru sorriu genuinamente, vendo os números e a letra cuidadosa em tinta vermelha. Ao conferir os números mais uma vez, o albino esbarrou na data.
24 de dezembro.
Então tudo tinha voltado para o lugar.
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