9. Tempestade
"O que fazer depois de passar o dia lendo artigos pro TCC e reclamando dos artigos?" Postar um capítulo novo, obviamente. Boa leitura.
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De vez em quando, a empresa onde a mãe de Laura trabalhava dava uma festa para promover alguma campanha. Dessa vez, Fernanda decidira levar a filha junto, com o pretexto de que ela precisava de companhia, mas, na verdade, estava cansada de ver a garota trancada no quarto o dia todo estudando para os vestibulares que não aconteceriam por meses.
Laura não odiou a festa, os amigos da mãe eram consideravelmente legais. A mãe estar bêbada, no entanto, a irritava demais. Se normalmente ela já implicava com tudo, quando bebia as reclamações aumentavam em trezentos por cento.
Fernanda falava com João, seu colega de trabalho, enquanto ele dirigia o carro rumo à casa delas. João não bebia, por isso ele sempre ia de carona com Fernanda para as festas, assim ela podia beber e ele levava o carro para a casa dele na volta. Era um ótimo amigo.
Laura ficou olhando a chuva pela janela, ouvindo aquele barulho parecido com o uivar de um lobo que o vento forte fazia. Não viam uma única pessoa na rua, mesmo se não fosse tão tarde, ninguém se atreveria a andar no meio do temporal.
Esse pensamento logo se provaria errôneo, como logo perceberiam. João parou em um sinal vermelho e eles ficaram esperando. Foi quando ela viu um rapaz alto, vestido todo de preto, atravessar a rua na frente deles, segurando uma jaqueta sobre a cabeça, tentando inutilmente se proteger. As gotas de chuva escorriam rapidamente pelo rosto e pelo pescoço tatuado.
-Guilherme?! - Laura falou em voz alta. A pergunta era para ela mesma, mas chamou a atenção da mãe, que parou de conversar com João.
-Você conhece aquele menino, Lau? - ela perguntou. - O que ele está fazendo aqui no meio dessa chuva?
-Anh... Conheço, ele é da minha turma. Foi lá em casa esses dias. Não sei por que ele está aqui, acho que ele mora perto da nossa casa - ela respondeu sem tirar o olhos do garoto.
Fernanda abriu a janela do carro, deixando várias gotas de chuva caírem nela e dentro do veículo.
-Ei, menino! - gritou. - Vem aqui - Guilherme parou de andar e Laura só conseguia pensar em como aquilo era exatamente o que um bandido ou sequestrador gritaria no meio da rua. - Como é o nome dele mesmo? Gustavo? - perguntou para a filha. - Gustavo, vem cá - repetiu mais alto.
-Guilherme - Laura corrigiu.
-Guilherme, saia dessa chuva. Sou a mãe da Laurinha.
Nunca mais deixar a mãe chegar perto de bebidas alcoólicas subiu para a primeira posição da lista de coisas a fazer de Laura. Ela fez uma careta antes de se obrigar a abrir sua janela também e enfiar a cabeça para fora.
-Anda logo, Guilherme - gritou.
Ao ouvir a voz dela, o rapaz correu até o carro e ela abriu a porta para ele entrar.
-Oi, Laurinha - ele disse, sorrindo, assim que João acelerou.
A careta dela aumentou ao sentir o cheiro forte de álcool vindo dele. Ótimo, agora tinha que lidar com dois bêbados. Ela ainda estava tentando entender por que ele tinha ido embora tão depressa no dia que fizeram os pães de mel.
Certo, ela desconfiava que fosse por causa do beijo no pé depois que ele enfaixara o corte. Até o momento que ele saiu da casa correndo, ela achara que era uma brincadeira estranha.
Desde aquele dia, ela estava tentando ser legal com ele, afinal tinha ficado lá para ajudá-la depois de praticamente expulsar os outros da casa por estarem atrapalhando. E porque fora um fofo com Davi. Algo dentro dela parecia não querer deixá-la fazer isso, como se estivesse programada para não gostar dele. E Guilherme não facilitava as coisas fazendo piadas idiotas e comentários sarcásticos o tempo todo.
-O que estava fazendo na rua, filho? - João perguntou.
-Estava na casa de um amigo - Guilherme respondeu. - Não vimos o tempo passar.
Laura ficou quieta, resolveu que deixar a pouca bateria que o celular ainda tinha depois da festa para uma emergência não valia a pena e pegou o aparelho. De algum jeito, a conversa deles chegou em como Fernanda fazia um pudim maravilhoso e Guilherme precisava experimentar.
-Guilherme precisa provar aquele pudim, está uma maravilha - disse a mãe de Laura, animada demais. - João, deixa a gente em casa.
-Mãe, ele precisa ir pra casa dele, não pra nossa - Laura tentou protestar.
-Não me quer na sua casa? - Guilherme perguntou. Por um segundo a garota realmente acreditou que estivesse magoado.
-Bobagem. Está tarde e com essa chuva... Nossa casa está mais perto.
E ao final dessa bela frase, João estacionou o carro na frente da casa delas. Fernanda desceu correndo e foi abrir o portão. A mulher só não ficou encharcada porque a filha usou o controle que ficava no carro, ela não tinha nem achado a chave antes de sair.
Laura pegou suas coisas, se despediu de João, abriu a porta do carro, gritou "vem" para Guilherme e saiu correndo para dentro da casa, sentindo as gotas de chuva geladas caírem em seu corpo. Antes de sair de casa mais cedo, ninguém teria adivinhado que o clima mudaria tão drasticamente, ou teriam colocado um guarda-chuva no veículo.
Do lado de dentro, a temperatura ainda era baixa, mas, pelo menos, não havia água caindo violentamente. Ela pegou a chave e uma sombrinha que mantinham perto da porta de entrada e foi trancar o portão. Não importa onde você more, não é seguro deixar um portão aberto depois das duas da manhã no Brasil.
Quando voltou, encontrou a mãe segurando os sapatos de salto na mão, olhando para Guilherme, que estava sentado na frente de pudim.
-Uma delícia, dona Fernanda - ele elogiou.
-Que bom que gostou, querido - Fernanda sorriu, claramente orgulhosa. - Laurinha, eu vou tomar um banho e dormir.
Ah, claro, obrigada, mãe, Laura pensou observando-a dar as costas e se afastar.
Laura deixou os sapatos no canto do cômodo e foi até o banheiro pegou seu removedor de maquiagem, um algodão e uma toalha no armário.
-Toma - entregou a toalha para Guilherme e foi até o espelho pendurado na parede para limpar o rosto.
Ela sentia o vestido gelado com a água da chuva contra sua pele, talvez devesse ter pegado outra toalha.
-Então voltamos à fase em que você me trata como lixo? - Guilherme perguntou com a voz arrastada típica de gente bêbada.
Laura se virou e eles se encararam, por alguns segundos ninguém disse nada, só se ouvia o som de trovões e da chuva lá fora. Laura olhou pela janela, aquela tempestade não ia parar tão cedo.
-Só pra você não dizer que não sou legal, vou te deixar tomar um banho quentinho - disse com falsa animação, se virou novamente para o espelho e colocou mais demaquilante no algodão.
-Obrigado, mas não quero sua ajuda - ele disse. - Na verdade, não precisa nem olhar pra minha cara, eu tô indo - Laura sentiu a toalha acertar sua cabeça.
-Ei, ei, ei - ela se levantou do sofá e correu para a frente da porta. - Não vou te deixar sair no meio de uma tempestade e ser morto por um raio. Ou pegar uma pneumonia. Vai tomar banho logo e para de molhar meu chão - ela jogou a toalha de volta para ele.
-Tá preocupada comigo, Laurinha? - ele sorriu.
Laura apertou os olhos, irritada. É claro que estava, mas não queria estar. Na verdade, a maneira como pronunciava as palavras lentamente por causa do álcool só servia para irritá-la ainda mais.
-Olha, Guilherme...
-Eu não posso - ele a interrompeu. - A Mel vai ficar preocupada.
Ah, ótimo. Agora Laura também tinha que se preocupar com as namoradas dele.
-Liga pra ela e avisa que vai dormir aqui. Não é como se eu fosse te deixar ficar no meu quarto...
-Não posso ligar para ela desse jeito - ele apontou para si mesmo, o que não fazia sentido, já que ela não o veria pela ligação, mas Laura entendeu que se referia ao fato de estar bêbado.
-Me dá seu celular, então - ela pediu. - Você toma banho e eu ligo pra ela.
A moça se encostou na parede e procurou na lista de contatos por alguém chamada "Mel". Era o único contato com um emoji na frente, uma carinha mostrando a língua. Laura deu de ombros e clicou no botão com um desenho de telefone.
-Oi, Gui - uma voz infantil atendeu.
-Anh... Eu queria falar com a Melissa? - Laura falou, soando mais como uma pergunta do que a afirmação pretendida.
-Sou eu. Quem é você? Por que tá com o celular do Gui? Ele tá bem? - a menina perguntou assustada.
-Calma - Laura pediu.
Ela não estava esperando que a tal de Mel - a quem Gui já tinha mencionado antes e ela fingira não se importar - fosse uma criança, o que só deixava tudo mais confuso ainda.
-Meu nome é Laura, eu estudo com ele. Ele tá bem, só vai ter que dormir na minha casa porque tá chovendo muito. Ele queria que você soubesse. O que é estranho porque tenho quase certeza que você é uma criança e deveria estar dormindo.
-Às vezes eu fico acordada esperando ele chegar - ela explicou. - Você é a namorada dele?
Direta. Laura riu e negou. Disse que ela podia dormir porque Gui estava seguro e se despediu.
-Tá bom, então - Mel falou. - Mas eu já gosto muito mais de você do que da Aline. Tchau, Laura - e desligou.
Quem era Aline? Laura terminou de tirar a maquiagem e foi para o quarto da mãe, pegou uma calça e uma camiseta no guarda-roupa e um lençol e uma manta na cômoda e saiu devagar, com cuidado para não fazer barulho.
Ela estendeu o lençol no sofá e colocou a manta embaixo do celular de Guilherme na mesinha de centro. Foi até o próprio quarto e pegou um dos travesseiros para colocar junto com as outras coisas.
Laura pendurou as roupas na maçaneta da porta do banheiro e avisou Guilherme que estavam lá. Deixou o celular carregando e foi para a cozinha, pensou em fazer um café mas sabia que não dormiria se ingerisse cafeína agora, então acabou fazendo um chá. Depois de uma discussão consigo mesma, decidiu que seria rude não fazer para o garoto também. Acabou deixando uma xícara e uma garrafa d'água - para a ressaca - ao lado da manta antes de ir para o quarto.
Ela esperou um pouco depois que ouviu o chuveiro ser desligado e a porta do banheiro ser aberta antes de ir tomar banho. A luz da sala estava apagada quando ela passou.
A água quente agia como um calmante no corpo dela, estava completamente relaxada quando colocou o pijama roxo antes de sair do banheiro. Laura fazia uma lista mental do que tinha que fazer no dia seguinte quando uma voz sussurrando seu nome a fez pular em direção à parede.
-O que foi? - ela sussurrou de volta para Guilherme, que felizmente estava deitado e não tinha visto a cena.
-Você fez chá pra mim.
-Eu... fiz - ela se aproximou e viu que ele estava de olhos fechados.
-Obrigado - ele disse.
Laura caminhou de volta para seu quarto e se deitou, tentando não pensar em como o rosto de Guilherme era diferente quando estava quase dormindo. Vulnerável.
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