6. Igualdade
Quando tinha oito anos, o pai de Laura morreu. Descobriram a doença em estágio avançado e ele teve apenas mais um mês depois da visita ao médico.
A raiva do destino, que tirara o pai dela tão cedo, fez com que Laura passasse por uma fase rebelde.
A primeira professora que a repreendeu na vida foi a tia Marta. Ela foi compreensiva no começo, mas quando Laura jogou todas as tintas de um coleguinha no chão e na mochila dele durante o intervalo, semanas depois, a mulher não foi tão tolerante. Não querer emprestar as tintas não era razão para ela se comportar daquele jeito. "Fui bondosa com você, Laura, e estamos todos muito tristes pelo que aconteceu, mas o fato de ter perdido o pai não torna você o centro do universo", ela dissera.
Tia Marta tinha se desculpado mil vezes, mas as palavras dela ainda estavam frescas na memória da garota.
A aula de educação física nunca fora a preferida de Laura, mas, agora que tinha dezessete anos, tinha parado de reclamar e só fazia o que a professora mandava, afinal precisava passar naquela matéria.
A turma do 3º B estava espalhada pela quadra da escola, fazendo os alongamentos pedidos.
-Olha essa postura, Carla - gritou a mulher. - Guilherme, você parece um bicho preguiça, colabora com a tia.
A professora de educação física era a favorita de quase todos eles, era um daqueles professores que fazem piadas e falam de sua vida para os alunos como se não fosse nada demais, o que realmente não devia ser. Era tão de bem com a vida que nem Guilherme conseguia tirá-la do sério.
-Deve ser porque eu não tô nem um pouco a fim de ficar nessa aula - ele respondeu lá do fundo e os colegas caíram no riso.
-E eu, por acaso, perguntei? - a professora riu também e caminhou até o garoto. - Não quero saber de corpo mole, meu anjo. Estica esses braços.
-Ele podia pelo menos tentar - Laura resmungou para Bart, ao lado dela.
-Não se preocupa com ele, Lau. Nunca deve ter feito um exercício físico fora da escola durante a vida toda - o garoto negou com a cabeça.
Cecília se virou para eles, trocou um olhar com Laura e as duas olharam para trás. A professora observava Guilherme fazer os alongamentos de perto, os poucos centímetros que a camiseta dele tinha levantado deixavam o abdômen definido à mostra. As duas meninas se olharam novamente e riram.
Cecília abraçou Bart de lado e apertou suas bochechas.
-Meu bebê inocente e precioso - falou, deixando-o mais confuso ainda.
-Bartizinho, nem Apolo conseguiria um corpo daqueles sem se exercitar fora da escola - Laura abriu um sorriso malicioso.
-Vocês duas falam disso sempre, é?
-Todas as quartas - Cecília o apertou mais uma vez e soltou. - Usamos rosa e falamos de meninos.
-Quem iria imaginar - ele olhou de uma para a outra com expressão de falsa surpresa.
-Estamos no ano do vestibular, mas não estamos mortas - Laura sorriu. - Ainda.
Os três riram, talvez um pouco alto demais, já que chamaram a atenção da professora.
-Algo que os Três Espiões Demais queiram compartilhar com a gente? - a mulher perguntou.
Laura levou um segundo para perceber que era com eles e seu coração parou por um segundo com o susto.
-Não - ela disse baixo, encarando o chão e sentindo as bochechas esquentarem. Sempre que um professor chamava sua atenção, ela se lembrava da tia Marta.
-Esse trio só me dá trabalho - a professora negou com a cabeça. - Que bom que vamos fazer uma atividade em dupla agora - ela bateu palmas, de repente animada. - Laura, quero você aqui com o meu parça Gui. E sem fazer essa cara.
Laura caminhou lentamente até o garoto, a professora voltou para o frente da turma.
-Não sabia que você fofocava no meio da aula, pão de mel - Guilherme tinha no rosto o sorriso sarcástico que Laura estava começando a odiar.
-Pão de mel? - ela perguntou, ignorando a primeira parte.
-Só seu namorado pode te chamar assim?
Laura revirou os olhos, deveria ter imaginado que tinha a ver com aquela besteira com Bart no dia da reunião.
-Exato. O que significa que ninguém pode me chamar assim - falou e estendeu as mãos pra ele para fazer o exercício que a professora mandava.
-Que horas eu devo chegar na sua casa? - ele mudou de assunto e segurou as mãos dela.
Quando se levantara de manhã, não imaginava que em algumas horas estaria de mãos dadas com um garoto, - que não fosse Bart - ainda mais com Gui. Ok, era parte do exercício, mas ela não pôde deixar de notar que as mãos dele eram quentes, bem maiores que as dela. Enquanto a professora contava até vinte, eles seguravam um ao outro para não caírem para trás. Devia ser impressão, mas ela tinha a sensação de conseguir sentir o sangue circulando pelo corpo dele.
-O mais cedo possível. Marquei às duas pra dar tempo de todo mundo almoçar, mas quanto antes melhor - eles se afastaram no final da contagem. Laura sabia o quanto adolescentes eram capazes de enrolar e não terminariam nunca se não começassem rápido.
-Estarei lá às duas.
-Só não se atrase - ela deu de ombros e fez sinal para ele se virar para o próximo exercício.
Laura soltou os braços dele e se virou de costas para que ele pudesse segurar os dela. Ela tinha uma altura mediana, mas Guilherme era alto, por isso a tarefa era muito mais fácil para ele.
-Jamais deixaria vossa alteza me esperando - ele disse, estava tão perto que ela conseguiu sentir o ar saindo de sua boca. - Vai ter alguém em casa? Talvez eu até chegue mais cedo.
Ela não pretendia admitir, mas a proximidade a deixara arrepiada. E, como sempre, Guilherme tinha que dizer uma coisa completamente idiota para trazê-la de volta à realidade.
Laura se virou para trás rapidamente, com a cabeça levantada para poder encará-lo. Poucos centímetros separavam os rostos deles e a expressão surpresa no rosto de Guilherme era impagável.
-Vai ter sim. Meu irmão. Você pode limpar a baba dele enquanto eu preparo o almoço - ela disse e se afastou.
Os dois ficaram em silêncio depois disso. Uns dez minutos depois, a professora mandou escolherem algum esporte para jogar - vôlei ganhou - e revezarem os times até o final da aula.
Laura conseguiu enrolar e só jogou por uns cinco minutos. A manhã demorou para acabar, a garota poderia jurar que dois dias inteiros tinham se passado até poder colocar o material na mochila e se levantar da cadeira. Bart e Cecília se aproximaram dela com sorrisos suspeitos no rosto.
-Não vamos almoçar na sua casa, amiga - Cecília disse.
-Por que não, Ceci? - ela perguntou.
-Quero tomar um banho, tô toda suada.
-E meus pais querem que eu almoce em casa - disse Bart.
Laura pensou em argumentar que Cecília tinha roupas na casa dela, mas resolveu deixar quieto. Aquilo soava como uma desculpa esfarrapada e ela não estava a fim de discutir. Sempre suspeitara que Bart e Ceci tinham uma queda um pelo outro, só esperava que não começassem a excluí-la.
-Tudo bem, vejo vocês às duas - ela acenou em despedida e foi embora.
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