14. Plano
Nem eu acredito que estou atualizando com menos de um mês de intervalo entre um capítulo e outro. Agora vai!
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Boa leitura...
Laura apertou a jaqueta em torno do corpo e bateu na porta. Ninguém veio abrir e Guilherme não respondia suas mensagens, então ela entrou assim mesmo. A porta estava destrancada, ainda que fosse quase meia-noite.
Ela caminhou lentamente pela casa, procurando algum sinal do rapaz. Ele soara tão estranho no telefone que ela viera o mais rápido possível, logo depois de gritar nomes e dizer que estavam responsáveis pela limpeza da escola.
-Boa noite - disse para o irmão de Guilherme. Um homem de quase trinta anos sentado no balcão de uma cozinha era uma cena estranha para ela, mas conseguiu disfarçar.
-Tão previsível - ela achou ter ouvido, mas apenas forçou um sorriso e caminhou em direção aos quartos.
Ela bateu na porta do quarto de Guilherme, ouviu um ruído que assumiu vir dele e entrou.
-O que era tão secreto que você não podia falar pelo telefone? - o sorriso forçado aumentou.
Guilherme se virou para ela e não disse nada. O cenário em que se encontrava deixava claro que a situação era grave. Primeiro ela viu os olhos inchados, em seguida o nariz vermelho e o líquido quente escorrendo lentamente pela mão dele e manchava o lençol enquanto ele não fazia nada para estancar o sangramento.
-...Onde? - ela perguntou olhando para o machucado.
Ele entendeu a que ela se referia. Laura andou até a cômoda que o garoto apontou com a mão boa e vasculhou as gavetas até encontrar o kit de primeiros socorros. Enquanto procurava, pensava na melhor maneira de perguntar como ele conseguira fazer aquilo. Será que tinha encontrado um líder de gangue no caminho para casa? A teoria foi rapidamente descartada, afinal ela não conseguia pensar em nenhum motivo envolvendo gangues que explicasse a mão ferida e o rosto de choro.
-Levanta - ela pediu e estendeu a mão. Guiou Guilherme até o banheiro, abriu a torneira e deixou a água corrente limpar o sangue. De volta ao quarto, eles se sentaram na cama e Laura começou a abrir a caixinha branca. - Me conta.
Cada palavra que saía da boca dele soava mais absurda que a anterior. Nenhuma de suas teorias chegara aos pés de quão ruim a vida real podia ser. Ela sabia o quanto ele amava a sobrinha e estranhava que aquela tivesse sido a única coisa que tinha feito, ainda mais porque Miguel parecia muito saudável, com exceção do fígado. O que quer que Miguel tivesse contra Gui, devia ser grande.
-Talvez a gente devesse ir pro hospital. Ainda tá sangrando um pouquinho - ela falou.
-Eu vou ficar bem - ele disse e pegou a faixa na caixinha.
-O que foi? - Laura segurou o ar dentro dos pulmões por segundo extra, involuntariamente, antes de continuar. - O que ele vai fazer se você tentar pará-lo?
Guilherme demorou alguns segundos para começar a falar.
-Eu luto - ele soltou um suspiro e jogou a cabeça para trás. E explicou sobre as lutas ilegais, as apostas, que aconteciam no prédio de Felipe, como pagavam as contas e tinham impedido várias vezes que ficassem sem luz porque o irmão gastara o dinheiro com bebidas e outras coisas fúteis. Contou a ela sobre o pai e suas lições de moral e como tudo parecia inútil agora. Também falou de como o diretor o pegara recebendo o dinheiro das apostas e assumira que estava traficando drogas.
Laura tinha terminado de enfaixar a mão dele rápido, mas não soltou enquanto ouvia aquilo tudo. Não queria julgar, sentia que não deveria. A história das lutas soava errada, mas ele tinha ótimos argumentos.
No meio de um milhão de pensamentos, um se destacou. Aquilo explicava muita coisa sobre ele. Racionalmente, ela sabia que haviam outras possíveis soluções, que ele podia ter pedido ajuda a alguém para lidar com a situação. Contudo Laura se lembrou de não julgá-lo pelo que ela conhecia do mundo e suas experiências. Não era como se não tivesse problemas na vida, no entanto o que parecia óbvio e certo para ela podia ser arriscado e depender de muita sorte para os outros. Naquele momento ela queria focar apenas em ajudar no que pudesse no meio daquela situação horrível.
-Como você acha que ela está? - ele perguntou.
Laura ergueu o rosto para olhá-lo, Gui abriu a boca para falar alguma coisa mas nada saiu. A testa estava franzida de preocupação e a pele ao redor dos olhos dele estava inchada e vermelha. As íris pareciam quase negras. Lágrimas surgiram no canto dos olhos escorrerem pela bochecha deles antes que ela pensasse numa resposta. Laura o abraçou, como se assim pudesse protegê-lo, apesar de ser bem menor e não haver nenhum perigo ali, e passou a mão pelos cabelos dele. Era a primeira vez que o via assim, tão frágil.
-Vai ficar tudo bem - ela sussurrou. - Não é culpa sua.
Ela continuou abraçando Guilherme por alguns minutos, até ele se acalmar.
-Eu não consigo olhar pra ela agora, sabendo que não posso tirá-la daqui - ele falou, se afastando, a voz meio rouca.
-Quer que eu vá falar com ela? - perguntou e ele assentiu.
Ela saiu do quarto e caminhou até o fim do corredor.
-Mel? É a Laura. Posso entrar?
Alguns segundos depois a menina abriu a porta e abraçou Laura, enterrou a cabeça na barriga dela e não disse nada.
-Eu sinto muito, meu amor - ela sussurrou. - Vamos conversar, tá? - ela entrou no quarto com a menina e se sentaram frente a frente na cama. - Você quer me falar algo sobre o que aconteceu, Mel?
Ela negou com a cabeça.
-Quer perguntar alguma coisa?
Ela negou de novo.
-Tudo bem. Mas se mudar de ideia eu estou aqui. A qualquer hora. Entendeu?
-Entendi - Mel assentiu devagar.
-Não precisamos falar disso até que você queira. Mas saiba que nada do que seu pai disse ou fez é culpa sua... e o Gui te ama muito. E eu também amo você. E aquilo não vai acontecer de novo. Você fez a coisa certa ligando para ele - ela disse, tentando decifrar a expressão da menina.
-O tio Gui tá bem? Ele brigou com o meu pai?
-Tá sim - Laura sorriu. Naquele caso, mentir era a melhor opção. - Desde que você fique bem, ele também vai estar.
-Laurinha?
-Sim?
-Você pode dormir aqui?
Laura pensou por um minuto. Não queria deixar Mel sozinha e Gui, ao contrário do que ela dissera, não estava nada bem. Eles precisavam dela e uma possível discussão com a mãe não parecia grande coisa comparada com os últimos minutos de sua noite.
-Posso sim. Só vou precisar de duas coisas. Ligar pra minha mãe avisando... e o seu bicho de pelúcia mais fofo pra dormir comigo - apertou de leve o nariz de Mel, fazendo a menina abrir um sorrisinho. - Já volto - levantou o celular.
Encostada na parede do corredor, Laura ligou para a mãe e disse que Mel tinha tido um pesadelo horrível e não queria deixá-la ir embora. Foi necessário lembrar das várias vezes em que a filha fora responsável até Fernanda deixá-la ficar.
Ela e Melissa se espremeram na cama, cada uma abraçando um bicho de pelúcia e ficaram em silêncio. Laura ficou encarando a parede iluminada pela luz arroxeada do abajur por um bom tempo depois que a respiração de Mel ficou pesada, até ter certeza que ela não acordaria se ela se levantasse.
Era tarde quando ela se levantou, colocou as botas com que fora à festa junina perto da parede e caminhou de volta ao quarto de Guilherme. Ele estava acordado, rabiscando num caderno.
-Oi - ela disse baixinho.
-Você ainda está aqui? Ela tá bem? Achei que já tivesse ido pra casa. Vamos, eu te levo - ele se levantou.
Ela balançou a cabeça.
-Falei pra minha mãe que ia dormir aqui. A Mel tá melhor, a gente até conversou sobre a aula de canto que ela vai ter na escola antes dela cair no sono, mas...
-Mas o que? - Gui perguntou, preocupado.
-Eu não posso dormir de verdade assim - ela apontou para o vestido xadrez que estava usando. - Você pode me emprestar um pijama?
-Claro - ele relaxou os ombros e foi até o guarda-roupas. Procurou um pouco e entregou um shorts e uma camiseta azul marinho para ela. - Obrigado.
-Eu vou tomar um banho - ela avisou. - E, quando eu terminar, nós vamos conversar.
* * *
-Eu realmente acho que nós devíamos ir à delegacia - Laura fechou a porta. Sentou na ponta da cama de Guilherme e puxou metade do cabelo para secar com a toalha - É a palavra dele contra a de vocês.
-Não. Na melhor das hipóteses eles vão mandar ela pra um orfanato qualquer onde ninguém liga pra ela.
-Mas você não acha que é pior deixar ela aqui com esse maluco?
-Não, Laura - ele disse num tom defensivo e encolheu as pernas para perto do peito. - Aqui eu posso cuidar dela, não vou deixar nada do tipo acontecer de novo.
A garota respirou fundo, considerando. Tinha pensado nisso durante o banho e falar com a polícia parecia a melhor opção, mas ela sabia que Guilherme estava decidido, ele não ia mudar de ideia.
-Tá bom. Não vamos na delegacia. Mas ela não pode ficar sozinha nessa casa, nem por um segundo. Se ela não estiver com você, vai estar comigo. De acordo? - ela repartiu o cabelo em três partes e começou a trançar enquanto falava.
-De acordo.
-Se algo assim acontecer de novo eu vou estar na porta da delegacia antes que você possa dizer a palavra judô.
Guilherme assentiu.
-Vamos procurar um psicólogo pra ela. Um que atenda de graça - ela acrescentou antes que ele pudesse falar alguma coisa. - Você tem um plano?
-Plano? Que tipo de plano? Algo além de não quebrar a cara do Miguel?
-Um plano de verdade. Você faz dezoito anos em dois meses, não é? O que vai fazer?
-...Arrumar dinheiro? - falou, inseguro.
-Isso também - Laura suspirou. - Assim que você for maior de idade vamos arrumar um advogado, denunciar seu irmão e pedir a guarda da sua sobrinha.
-Lau, isso vai custar muito caro, eu não tenho tanto dinheiro assim.
-A gente não pode deixar uma criança viver com medo, Gui. Você me pediu pra não falar pra polícia. Essa é minha condição, não vou denunciar o babaca do seu irmão por dois meses, até termos certeza que você pode cuidar dela.
-Não sei... Nada é tão simples assim, tenho certeza que algo vai dar errado.
-Se der, a gente resolve. Você tem algum dinheiro guardado? - ela colocou as pernas em cima da cama.
-Tenho, mas não é muito.
-Tudo bem - ela parou um pouco para pensar. - Tenho certeza que minha mãe paga o advogado se explicarmos a situação, ela vai querer o Miguel tão longe da Mel quanto possível. Mas é melhor garantir...
-Posso arrumar mais lutas - ele falou. A maneira como as palavras saíram de sua boca fez com que Laura pensasse que ele estava ansioso para ter o nariz quebrado por um cara viciado em Whey.
-Não estou dizendo que concordo com esse método, mas... Não consigo pensar em um jeito melhor. Só não morra apanhando, ok?
-Sim, senhora.
-Mais uma coisa - ela levantou o indicador.
-Você quer uma folha pra anotar?
-Eu estou tentando ajudar, seu idiota - ela jogou uma camiseta que estava em cima da cama nele, um sorrisinho escapando. Estava feliz por ele estar bem o suficiente para ser sarcástico.
-Você tem que arrumar um trabalho. Um de verdade, dar voadoras nas pessoas ilegalmente não conta. Eles vão querer saber se você consegue sustentá-la.
-E você pensou nisso tudo agora?
-O que posso fazer? Sou um gênio - ela disse.
-É sim - ele negou com a cabeça. - Você devia descansar agora. Quer dormir aqui?
Laura ficou em silêncio e levantou as sobrancelhas.
-Eu vou dormir no sofá! - ele explicou.
-Falei pra Mel que ia dormir com ela - ela se levantou sorrindo - e é isso que eu vou fazer.
Laura voltou para o quarto de Mel e a encontrou encolhida no canto. Pegou o celular e respondeu algumas mensagens de Cecília, a maioria contando quem tinha ou não ajudado na limpeza e organização da escola, algumas reclamando que Bart tinha passado a festa toda com os meninos e as últimas eram um conjunto do nome dela repetidas vezes e a frase "é verdade que você beijou o Gui?". Ela não respondeu essas, agradeceu a amiga pela ajuda e desligou o celular antes de se virar e dormir.
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