12. São João

Observando o diretor da escola se afastar da barraca de quentão, Guilherme desejou mais do que no resto da noite estar em casa ouvindo o álbum novo de sua banda favorita ao invés do sertanejo universitário que saía dos alto falantes que ele mesmo tinha alugado.

"Continue assim", o homem dissera, como se Guilherme esperasse algum tipo de aprovação vinda de Lopez.

Honestamente, só não tinha abandonado sua barraca ainda por causa de Laura. Ela aparecia de vez em quando com o tablet na mão, falando para ele quem tinha que ir para cada barraca naquele momento. E Guilherme só assentia, porque sabia que ela não estava realmente falando para ele - não sairia dali por mais meia hora - era o jeito dela de se organizar, pensando em voz alta. E também porque não se importava nem um pouco com os outros alunos nas barracas, só queria ir embora logo.

-Se a Virgínia não aparecer na barraca de doces em dois minutos eu vou matar ela, estou falando sério - Laura se aproximou mais uma vez.

-Não está não - Guilherme disse.

-A Emily me mandou mensagem - Laura falou, leu alguma coisa no tablet e ficou ainda mais brava. - Emily, só faz ela ir pra barraca, arraste se precisar - Laura falou para o celular, pressionando o dedo no botão de gravar. - Não ligo pro quão lindo ela acha que o Tadeu é. Se ela não aparecer logo o pessoal vai ficar bravo.

-Aqui, por conta da casa - ele encheu um copo de quentão e empurrou para ela.

-Álcool vai me ajudar muito a não matar ninguém hoje - disse, irônica.

-Esse não tem álcool, espertinha.

-Vou querer dois - alguém estendeu duas fichas do outro lado da barraca.

Guilherme se virou e pegou as fichas. Conhecia aquele rapaz, mas não da escola. Era um dos amigos de faculdade de Felipe, já tinha assistido várias lutas de Gui, que tinha quase certeza que o nome dele era Lucas.

-E aí, Gui? Trabalhando de barman agora? - ele riu.

-Pois é, cara - Gui pegou dois copos. - Não deixe seu diretor achar que você está vendendo drogas.

-O que? Cara, na próxima vez que a gente se ver você tem que me contar essa história. Falando nisso, quando vai ser a sua próxima luta? - Lucas perguntou.

-Que luta? - Laura se virou, de repente interessada na conversa dos dois.

-Nenhuma - Guilherme disse para ela e lançou um olhar irritado para Lucas.

-Sua namorada?

-Não - Guilherme entregou os copos de quentão. - Te vejo por aí, então?

Os dois trocaram um cumprimento e o rapaz saiu.

-Não acredito em você - ela negou com a cabeça. - Que tipo de luta? É por isso que você sempre tem um roxo novo?

Guilherme abriu um sorriso malicioso.

-Olha, Laura, por mais que eu fique feliz em saber que você fica analisando meu corpo por tempo suficiente pra perceber essas coisas, eu...

Felizmente, foi interrompido pela voz do diretor nos alto-falantes, chamando os alunos para a quadrilha.

-Você tá muito estressada. Vamos lá dançar - falou.

-Não podemos, Gui. Eu tenho que achar a Virgínia e você tem que cuidar da barraca.

-Todo mundo vai estar dançando ou assistindo, ninguém vai querer comprar nada agora. Você fica de olho aqui? - perguntou para a garota que estava vendendo as fichas e ela assentiu. - Vamos - ele deu a volta na barraca e estendeu a mão para Laura.

Assim que ela tocou a mão dele, Gui segurou firme e saiu correndo, arrastando-a pela multidão até aonde a fila de pessoas se formava para a dança. Sendo como era, Guilherme tinha nove anos na última vez que participara de uma quadrilha.

Ao contrário de Laura - que exibia seu vestido azul xadrez e tranças - ele não tinha se incomodado em vir "a caráter", a camisa xadrez preta por baixo do casaco tinha sido uma coincidência, talvez tivesse vestido-a inconscientemente. Mas já que estava aqui, amarrou o casaco na cintura e estendeu o braço para a garota.

Guilherme precisava trabalhar urgentemente nas suas habilidades de evitar confrontos. Sua técnica preferida - dizer "não é da sua conta" - não funcionava com Laura. Nas poucas vezes que tentara, recebera uma cara magoada em retorno, o que, para seu próprio espanto, o fizera se sentir mal.

Ele se importava com a garota, mais do que achava seguro ou gostaria de admitir. O maior exemplo disso é que estava aqui, pronto para dançar na frente da escola toda por causa dela, tudo para que se divertisse um pouco na festa que tinha organizado e, claro, para evitar a discussão enorme que teriam se ela descobrisse sobre as lutas ilegais no porão de Felipe.

-Se alguma coisa explodir vai ser culpa sua - Laura falou.

-Nada vai explodir - ele riu.

A música começou a tocar e a coreografia também. Eles não tinham ido a nenhum dos ensaios, já que não pretendiam participar, mas estavam fazendo um bom trabalho imitando os outros. Depois de pular cobras invisíveis e desviar de pontes quebradas imaginárias, seguraram as mãos para passar pelo túnel.

-Agora eu quero ver todo mundo aproveitando o baile, nada de moleza - a voz da professora de educação física ordenou.

Os pares desmancharam a fila, cada um dançando como bem queria, pelo que Guilherme entendeu. Ele trocou um olhar com Laura e deu de ombros, colocou uma mão na cintura dela e segurou a mão dela com a outra. Ele a guiou, balançando de um lado para o outro na pior demonstração de dança que aquela escola já tinha visto.

Laura não conseguia parar de rir, podia ser visualmente horrível, mas era a coisa mais divertida que fizera naquela noite, esqueceu até das barracas e dos colegas preguiçosos.

Guilherme soltou a cintura dela para que pudesse dar um giro e a puxou de volta. Um outro casal animadinho esbarrou em Guilherme e o empurrou para a frente, fazendo com que ficasse mais próximo de Laura do que estivera antes, mais próximo do que nunca, na verdade e os dois pararam de dançar.

Os olhares deles se encontraram, os sorrisos diminuindo devagar enquanto se encaravam. Guilherme não pensou muito, sabia o que queria fazer e seu subconsciente não parecia fazer a menor questão de esconder isso dele. Seus neurônios estavam, inclusive, empenhados em convencê-lo a ceder e ele não pretendia lutar. Se abaixou e a beijou.

Laura não se afastou, ele sentiu os dedos e as pontas das unhas dela em seu rosto. Por alguns segundos, esqueceu de onde estavam e o que deveriam estar fazendo, se importando ainda menos com o que as pessoas em volta estavam pensando. Isso até a professora Carmem resolver anunciar para a escola toda nos alto-falantes.

-É disso que eu estou falando, meu povo! - falou no microfone com seu falso sotaque caipira. - Gosto de quem aproveita o baile pra dar uns beijinhos - ela riu.

Guilherme e Laura se separaram, ele riu envergonhado e ela olhou em volta antes de esconder o rosto no peito dele.

-Mas pelo visto o diretor não gosta, minha gente! - a professora continuou falando, o sotaque cada vez pior. - Se preparem para a despedida.

-Bom... Com certeza as aulas de educação física vão ser diferentes agora - Laura falou, segurando o braço dele na fila.

-Você está absolutamente certa, pão de mel - eles começaram a andar e acenar para a plateia.


* * *


-Lau, preciso falar contigo - Cecília surgiu do nada assim que puseram os pés fora da pista de dança improvisada.

-Ceci, se for...

-É sobre a pescaria, vem logo - Cecília puxou a mão dela.

-Já volto - Laura gritou.

Guilherme encostou num pilar e cruzou os braços. Observou Laura e Cecília falando e gesticulando a alguns metros dele por alguns minutos. Sentiu o celular vibrando no bolso da calça e pegou o aparelho. Atendeu a ligação e colocou o celular no ouvido.

-Tio Gui? - Mel chamou. - Por que você não atendeu antes? - perguntou ela, a voz mais baixa que o normal mas isso não era tudo. Ele reconhecia a voz de choro da sobrinha.

-Mel, tá tudo bem? - ele começou a andar na direção de Laura.

-Você pode vir pra casa, Gui?

-Melissa, o que aconteceu? - ele colocou a mão no ombro de Laura. - Eu tenho que ir, é a Mel.

Laura percebeu a seriedade do assunto assim que viu a expressão alarmada dele.

-Eu tô com medo de ficar aqui. Você pode vir logo?

-O que aconteceu? - Laura perguntou, preocupada.

-Eu não sei. Você consegue achar alguém pra ficar no meu lugar?

-Não se preocupa. Vai.

-Eu te ligo quando chegar lá - ele falou e saiu andando o mais rápido possível sem correr no meio das pessoas. - Já chego aí, tá bom? - falou para a sobrinha.

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