5
Jane manteve a cabeça baixa conforme a criada vestia em seu corpo um dos muitos vestidos que Mary deixara para trás, ela não sabia quantas vezes a irmã mais velha usara aquela peça, mas não se importava. A jovem sempre pegava os vestidos antigos das mais velhas. Peças de vestimenta que apenas usava quando havia estranhos na residência que queriam vê-la.
Os dois dias desde a visita do noivo haviam se passado e naquela manhã o conde ordenou que vestissem nela algo que a fizesse parecer a filha de um nobre. Depois de vestida, a jovem caminhou escada abaixo segurando as saias do vestido.
Os dois dias de solidão foram difíceis, Jane havia tido diversas crises silenciosas e a cada passo em direção a propriedade do noivo, mais ela parecia se sentir nervosa, as mãos começavam a suar e o coração acelerava. Jane não se lembrava de ficar tão nervosa assim antes. O Sr. Harris não era exatamente o que ela esperava de um homem com quem o pai a casaria.
Quando o rapaz segurou sua mão, sentiu tantos calos nas palmas que se perguntou se o homem era um exímio guerreiro, ou se ele tinha tantos calos por torturar escravos. O segundo pensamento fez a jovem estremecer.
— Finalmente chegou. Aprece-se, estamos atrasados — o pai lhe disse quando ela se aproximou.
Um dos servos a ajudou a subir na carruagem e Jane começou a contar mentalmente, números sempre a acalmavam. Números e histórias.
Ela não se lembrava há quanto tempo não saía da propriedade do pai, durante o percurso até os portões, a moça evitou olhar para o lago. Evitou até mesmo erguer os olhos para o homem que estava sentado a sua frente, Jane nunca compreendeu a forma como o pai a olhava. Sempre havia desprezo ou cautela no olhar do homem, especialmente quando a filha não estava usando as roupas iguais às de uma criada.
Assim que atravessaram os portões, Jane observou a paisagem pela janela. Não havia nada que pudesse apreciar mais que as cores que via naquele caminho. Ela adorava cores e sempre ponderava sobre os tons que poderia misturar para chegar ao necessário. Tudo que a jovem sabia a respeito de cores, ela aprendera em um dos muitos livros que lera, já que ela jamais pôde ter uma educação como a das irmãs.
— Se não souber como se portar a mesa, então melhor que você não coma ou beba coisa alguma. Não me humilhe diante dessas pessoas — o conde instruiu e Jane assentiu sem encará-lo.
Mais alguns longos minutos se passaram, o conde parecia inquieto pelo que Jane conseguia ver pelo canto dos olhos. Ela permanecia encarando a paisagem e respirando, o mais fundo que conseguia com o espartilho, para manter a calma.
Assim que chegaram à propriedade dos Harris, Jane admirou a mistura de cores das plantas no jardim, ela sabia que por ser fim de verão, aquilo não duraria muito, mas ainda conseguiu admirar a paisagem. A casa que era pouco menor que a do conde, à primeira vista, parecia impressionantemente acolhedora.
Todos os pensamentos gentis e calorosos desapareceram de sua mente quando a jovem avistou o rapaz que saía da casa. Archie Harris aguardou a carruagem e quando o conde desceu o rapaz lhe estendeu a mão para ajudá-la a descer.
A jovem observou a mão estendida e o sorriso no rosto do homem que a oferecia. Ela levou apenas um instante para segurar a mão, com as luvas que usava, Jane o impediu de sentir quão frias e escorregadias suas mãos estavam. Ao pisar no chão, ela soltou a mão do rapaz que a ajudou e assentiu em agradecimento.
— A senhorita se sente melhor? — o Sr. Harris indagou e ela aquiesceu sem encará-lo.
Ao estar lado a lado com o conde, Jane notou o quanto que aquele rapaz era maior e mais ameaçador que o pai e controlou o corpo para esconder o tremor que a percorreu.
— Vamos entrar — convidou a viúva Harris.
— Sua propriedade parece muito boa — elogiou o conde.
— Archie fez algumas reformas desde que meu marido se foi, ele tem se esforçado muito para garantir nosso conforto — ela respondeu.
Ao passarem pela porta da frente, Jane observou o corredor que se estendia. Havia vasos com flores frescas, pinturas de família nas paredes e diversos tapetes em tons de magenta. O piso de madeira estava impecavelmente limpo e as janelas de vidro pareciam ter sido polidas pouco antes de sua chegada.
O Conde caminhou ao lado dos anfitriões e a jovem permanecia um passo atrás atenta a todos os detalhes, desde os castiçais prateados das paredes ao piso. Ao entrarem numa sala de chás, Jane se sentou ao lado da Sra. Harris que tratou de ela mesma lhe servir uma boa xícara de chá.
— A Srta. Williams parece muito bem hoje — elogiou a senhora e Jane tentou sorrir, mas havia tanto tempo que não sorria que a tentativa lhe resultou em um sorriso de canto.
O conde logo começou a beber o chá parecendo não saborear muito a bebida. Jane observou a forma descuidada como o futuro marido segurava a xícara, ele não parecia se importar com a etiqueta que ela pouco aprendeu na infância.
Por não conseguir falar, o pai jamais permitiu que ela fosse educada apropriadamente, tudo que a jovem sabia, aprendeu ao observar as irmãs mais velhas à mesa. Então ela segurou a xícara como vira as irmãs fazer tantas vezes e a levou aos lábios. Apesar de não encarar o pai ou o noivo, Jane conseguia sentir os olhos dos dois sobre si.
A Sra. Harris perguntou se ela gostou do chá recebendo um aceno positivo em resposta.
— Me deem licença um momento — pediu a senhora conforme ia até uma mesa a um canto da sala.
Ela retornou trazendo consigo uma pena, tinta e uma folha de papel, Jane a encarou curiosa e a senhora sorriu gentilmente.
— Assim poderemos manter alguma conversa — explicou.
A Srta. Williams não precisava encarar o pai para saber que o mesmo odiava aquela situação, o conde jamais permitiu que ela usasse o papel na sua frente para dizer o que pensava. Ignorando a repreensão nos olhos do pai, ela rabiscou algumas palavras no papel e o ergueu para a dona da casa com as palavras:
Eu adorei a sua propriedade, as cores no seu jardim são lindas.
— Eu agradeço querida, mas devo dizer que tudo isso foi um trabalho de Archie e de minha filha. Elizabeth se casou e já não vive mais aqui, mas sempre que vem, ela verifica os jardins para ter certeza de que estamos cuidando de tudo.
— Há algum interesse seu que devemos cuidar com antecedência? — o Sr. Harris inquiriu.
Jane o olhou nos olhos apenas por um instante, antes de baixar os olhos para o papel e rabiscar:
Espero que o senhor tenha livros que nunca li, já li os da casa de meu pai duas vezes.
O rapaz sorriu ao ler as palavras e ergueu os olhos para encará-la.
— Nós temos uma biblioteca muito boa. Meu pai adorava livros — contou.
O conde mudou o rumo da conversa falando sobre os preparativos para o casamento e a Sra. Harris logo se viu entretida com a conversa. O Sr. Harris aceitou o pedido do conde de que a cerimônia fosse simples e com poucos convidados. Jane se perguntou se o rapaz estava envergonhado de estar se casando com uma mulher como ela.
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