〖 Ouvindo murmurinhos de trabalho


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Eu arranjei um novo amigo.

Isso mesmo, apesar de sempre ter adorado minha própria companhia, percebi que uma mudança de país pode proporcionar solidão até para o melhor amigo da solidão. Pois então, eu cheguei a conclusão que queria ter um colega de quarto para dividir meu apartamento aconchegante.

E não, eu não adotei uma criança e o meu novo parceiro sequer é humano. Apesar que, de alguma maneira, eu devo estar achando minha vida muito monótona à ponto de caçar responsabilidades teoricamente desnecessárias para mim. Mas eu fiz, e essa responsabilidade é uma tartaruga que agora se chama Crush.

Não teria outro nome, perdão. Sou um grande fã de Nemo. Eu até cogitei colocar o nome do filhote de "minha cria", para fazer jus ao pequenininho filhote da tartaruga do filme. No entanto, achei a forma que ele se comporta tão "de boa" com a vida, que Crush caiu bem (e eu posso ainda sim chamá-lo de minha cria, então tudo certo).

E enquanto eu ajusto todas as necessidades da tartaruga a qual adotei impulsivamente após Charlie me mostrar alguns filhotes que foram resgatados, e eu decidir que precisava levar aquela de olhos brilhantes em minha direção para casa, vou dizer tudo o que precisa caso queira ser um pai/mãe de pet tartaruga.

Meu pequeno Crush era uma tartaruguinha aquática e que não cresce muito, e basicamente eu comprei uma casa extremamente linda e adepta as suas necessidades, necessidades essas que incluem: precisa ter água para nadarem, e também terra para pisarem. E mais, fixado no aquário suficientemente espaçoso, uma iluminação amarelada que focava na parte terrestre do alojamento, pois elas necessitam muito desse tipo de luz.

Estava uma graça sua casinha com algumas pequenas palmeirinhas falsas que coloquei e o espaço para sua ração, eu não acrescentei tanta coisa. Esses bichinhos comiam literalmente tudo o que viam pela frente, então não quis correr o risco de ver Crush ingerindo decoração.

E antes de sair para mais uma rotina de trabalho, coloquei meu rosto próximo ao vidro da casa dele e observei a minha nova companhia nadando tranquilamente, aparentando estar satisfeito no novo lar. Não resisti em sorrir, parece ter gostado.

— Beba água e se comporte até eu voltar. — avisei, tendo a certeza que ele beberia uma boa quantidade pelo pouco que já lhe observei desde ontem. — Tenha um bom primeiro dia, parceirinho.

Hoje não era um dia qualquer de trabalho. Eu estava completando oficialmente uma semana desde a ocorrência na delegacia. Ser descredibilizado pelo delegado mexeu muito com o meu senso de justiça naquele dia, e eu poderia muito bem ter lidado mal levando em consideração que eu tinha mudado radicalmente de vida em prol da minha profissão.

Mas bastou respirar fundo, refletir e um papo sincero com o cuidador Jungkook naquele dia, que ao invés de enfraquecer, fiquei mais forte do que nunca.

Eu tinha um propósito, e justamente para esses tipos de desafios, que eu tinha vindo para cá. Em nenhum momento achei que pudesse ser fácil, e ainda bem que estou aqui para poder não desistir dessa situação. Queriam que eu investigasse e trouxesse mais provas? Pois eu iria.

Passei minha última semana em um estudo muito aprofundado sobre Auckland e os casos das baleias, porém hoje não seria um dia especial apenas por causa da minha primeira semana completa de trabalho, e sim porque outra situação precisaria de mim e eu estava ali, pronto e disposto.

Hoje seria a inspeção do caso de Charlie. Um caso tão importante para ela, pois se relacionava com o resgate de alguns golfinhos e outros animais marinhos que estavam sendo explorados em um aquário em Wellington. Um profissional aproveitaria que era um dos dias abertos para visitas, e daria uma olhada geral no local.

Queriam saber se não éramos da mesma laia do aquário a qual Charlie abriu a acusação, e eu mostraria junto a minha parceira que éramos super aptos a cuidar daqueles animais. Chega de sofrimento para eles.

Então aqui estou eu, aproveitando meu primeiro horário do dia para organizar algumas pesquisas particulares no laboratório antes que o convidado especial chegasse e eu precisasse lhe dar atenção.

Olhei pela última vez para aquele laudo a qual pedi uma cópia de Anthony nos últimos dias, e pude fazer várias anotações do que foi observado no corpo do grande animal marinho. Juntei todo o conteúdo e guardei no armário que agora eu tinha, para que pudesse ver com atenção mais tarde.

Me retirei do laboratório e já pude ver uma movimentação em Ocean Care que particularmente só existia em dias abertos para visitas.

Até cruzei os braços e fiquei olhando aos arredores, admirando os estudantes escutando atentamente cuidadores como Stewart e alguns outros que eu ainda não pude conversar direito, explicando simpaticamente tudo à respeito dos animais presentes (claro, suficientemente distantes para não estressar os coitados em seus alojamentos).

Eu me orgulhava em pensar que muitos daqueles estudantes iam para áreas como a minha, me fez lembrar meus dezenove anos super dedicados e carentes de qualquer aprendizado sobre a área. Descobri muito cedo meu amor por biologia, só não sabia que mergulharia tanto nessa imensidão que era a minha profissão.

Estava distraído olhando, até que meus olhos encontraram a figura de Charlie em um canto do local, com braços cruzados e expressão séria. Demorei uns segundos para perceber que ela olhava com uma expressão muito rígida para um local específico, e inconsequente, eu quis procurar o que ela tanto via.

Até que a cena destoada que prendia sua atenção, acabou chamando a minha também: era o Doutor Anthony conversando discretamente com uma moça. E bom, na verdade tenho certeza que a intenção era ser discreto, mas qualquer um que prendesse o olhar neles, perceberia que uma pequena discussão acontecia ali.

Até estranhei, ele parecia super constrangido e tentando encerrar o que quer que fosse aquele assunto, mas a moça de cabelos castanhos escuros, muito estilosa e super linda parecia um tanto alterada. Talvez não o suficiente para fazer um tumulto ou algo do tipo, mas o suficiente para envergonhar o doutor.

Não sei o que estava acontecendo, mas eu o entendo. Meu trabalho sempre foi muito importante para mim, então se alguém viesse discutir comigo no meu ambiente profissional, eu certamente ficaria muito constrangido. Não gosto dessas coisas, e na minha opinião, para quase tudo tem horário e local (mas isso é só minha opinião mesmo).

De qualquer forma, depois de flagrar essa situação, logo me desloquei até estar ao lado de Charlie.

— Sabe, sei que pareço ser barraqueiro... Mas a verdade é que se aquilo acontecesse comigo, eu ficaria super tímido. — cheguei comentando tal coisa, e minha parceira de trabalho até tentou disfarçar inicialmente para onde estava olhando. Mexeu no cabelo, ajustou o casaco verde, mas não adiantou muito, minha fala deixou super claro que eu também compartilhei daquela cena.

— Bom, pois é... — ela respondeu e tornou a olhar naquela direção, suspirando fundo. — Não faço ideia do que estejam conversando, e realmente, eu também ficaria sem jeito.

— Quem é essa moça? — a curiosidade foi maior do que eu, mas também foi para puxar papo com Charlie. Sinceramente, a forma que sua atenção estava presa naquela situação me interessou bem mais do que a própria briguinha distante daqueles dois. — Nunca a vi por aqui. Alguma colega de trabalho que eu deveria conhecer?

— Fica tranquilo, passa longe disso. — ela até riu fraco. — Aquela é só a ex-noiva do Anthony. Ou atual noiva, não sei mais. — deu os ombros e eu arqueei uma das sobrancelhas.

— Ex? — indaguei, observando o tal "casal" de longe. — Não sou o melhor no assunto, mas eu não perderia tempo discutindo com uma ex no trabalho. O que há entre eles?

— Esse é o grande mistério, pra ser bem sincera. — a loira deu uma risada sem graça, e através da sua forma de falar percebi que ela tinha muito a dizer sobre o assunto. Mesmo que não quisesse parecer isso. — Eles eram noivos e terminaram, mas o tanto de vezes que ela vem por aqui atrás dele, você também teria as suas dúvidas. Mas quem sou eu pra ficar me metendo, não é mesmo? Não quero parecer fofoqueira pra você, Jimin.

Eu tinha uma desconfiança muito grande dos sentimentos de Charlie por Anthony, o que me faz ter um choque do caramba com essa nova informação de ex do doutor. Sempre fui ótimo em analisar minhas amizades, e sei que tem algo aí.

— Não te acho fofoqueira, afinal, fui eu quem perguntei. — esclareci, tentando fazer ela se sentir mais à vontade comigo. Eu não a julgaria por nada desse tipo, na verdade. — Mas e aí, ela é gente boa?

Eu acabei travando o Windows da mente dela, com certeza, porque a resposta saiu só após gaguejar algumas vezes procurando palavras:

— Ela é muito linda! — enfim disse algo, e nisso podemos concordar. — E-Eu meio a acho muito estilosa, e... e também... ela parece ser bem... bem...

— Charlie, você sabe que não precisa elogia-la, né?

— Eu sei... — suspirou, meio perdida no que falar. — Eu só não quero criar uma rivalidade feminina gratuita, sabe? E... E eu sinto que as coisas que eu tenho em mente são irrelevantes.

— Tudo bem, você não precisa falar. — a relaxei. — Só não se sinta uma malvada só porque pode não gostar de alguém. A vida é assim, se você não se sente inteiramente confortável perto dela, deve ter motivos.

Por um momento Charlie pareceu se torturar se falava algo ou não, mas no final das contas pareceu se sentir confortável comigo... Pois começou:

— Sei que não tenho nada a ver com a relação deles, não deveria ser da minha conta se eles estão juntos ou ainda são apenas ex noivos com problemas. Mas me incomoda muito o fato de ela ainda vir aqui atrás dele sempre, constantemente brigarem, ter um ciúmes enorme dele... E eu já ter flagrado ela flertando com os cuidadores daqui quando ele não está por perto.

Eita!

— Nossa... é uma situação bem chata mesmo.

— Não é?! — ela aproveitou que eu tinha me engajado, e se soltou a exclamação. — O cuidador Jungkook está de prova, ela vive dando em cima especialmente dele quando Anthony está distante.

— Oh... Nossa, por que o Anthony aceita essas coisas?

— Jimin, é o que eu me pergunto todos os dias. Sinceramente. — a forma que ela negou algumas vezes e ficou momentaneamente aérea me fez olhá-la de maneira solidária, por alguma razão. Se eu tinha desconfianças sobre os sentimentos de Charlie, queria dizer que ela apenas achava que sabia disfarçar, porque certas coisas estão escancaradas na sua expressão.

Eu estava refletindo quando de repente levei um baita susto ao notar uma figura protagonista da conversa que eu estava tendo, agora ao meu lado. Consegui disfarçar o espanto pela agilidade que ela estava ali conosco, mas admito que fiquei encarando seu rosto inegavelmente bonito me olhando, curiosa.

— Você é novo por aqui, não é? — a moça que estava momentos atrás discutindo com Anthony agora me questionava, com um sorrisinho fraco. O doutor não estava mais junto à ela, mesmo assim a mulher continuou por ali com as mãos nos bolsos, interessada na companhia que Charlie tinha no momento (eu).

— Sou sim. Jimin Parker, novo biólogo. Estou aqui há uma semana. — me apresentei cordialmente, lhe lançando um sorriso singelo e simpático de volta.

— Nossa... Que bacana. Charlie pelo visto finalmente tem um novo parceiro de laboratório além de Elena. E dessa vez um cara. — a mulher morena exclamou impressionada. — É uma ótima notícia, não? Logo você que passa muito tempo sozinha com seus estudos, Charlie. A propósito, sou Melissa. Melissa Bell. — estendeu a mão em minha direção, e eu a cumprimentei educadamente e com zero falsidade.

Eu realmente estava disposto a conhecê-la, então fui verdadeiro em meus sorrisos e expressões.

— Prazer. — falei.

— Se deu bem, Charlie. Agora tem um parceiro de trabalho super gatinho! Ganhou na loteria. — e novamente, ela insistiu nesse papo e pude ver Charlie mostrando o sorriso mais forçado da fase da terra. E de alguma forma, eu entendia.

— Obrigado pelo elogio... Mas eu e Charlie somos apenas amigos. — fiz questão de dizer, tentando quebrar um pouco o clima não muito bom que se plantou ali.

— Eu sei, eu sei... Só quis dizer que ela tem sorte! A gente nunca sabe o futuro, não é mesmo, Charlie? — Melissa deu continuidade ao seu raciocínio, enquanto encarava firmemente a loira ao meu lado. Charlie em geral era uma mulher muito segura das coisas que falava, mas agora, ela parecia um pouco desconfortável. — Bom, é um prazer te conhecer, Jimin. De verdade.

— O prazer é todo meu, Melissa. Vou te ver bastante por aqui? — perguntei.

— As vezes venho aqui quando preciso pegar alguma coisa com Anthony, tipo o carro dele ou algo assim. — me explicou. — Somos ex um do outro, mas sabe como é pós separação, não é? Ainda existem muitos bens que é tanto meu, quanto dele.

Não, não sei como é estar na rotina de ex. Mas vou seguir a narrativa:

— Entendo. Deve ser meio chato as vezes, né?

— Ah, não, não! — Melissa logo negou, e riu. — A gente se acostuma, sabe? É quase como se fôssemos um casal em um relacionamento aberto. — ela comparou, rindo.

— Acho que estou entendo... — ri sem graça, para disfarçar o fato de eu me sentir burro porque teoricamente não entendo. Mas no fundo, compreendi o que estava rolando. Muito confuso? Sei que sim. Perdão.

— Foi bom te ver, Melissa... — quem falou dessa vez foi Charlie, recuperando sua presença e se posicionando ao meu lado. — Agora preciso do Jimin porque o inspetor que vamos acompanhar chegou.

— Ah, certo. Não vou mais atrapalhar vocês! — ajustou a sua bolsa nos ombros, e seu olhar de repente captou algo distante. Escutei ela fazendo algum tipo de "U" com os lábios, ou algum som parecido. — Agora se me dão licença, eu acho que vi o cuidador Jungkook ali distante. Acho que vou falar com ele, não é? Não estou fazendo nada. — ela riu e deu os ombros, logo se retirando dali.

Não tive muito tempo nem de ver Jungkook distante, porque logo Charlie me puxou para o lado oposto apressadamente, até estarmos próximo do alojamento dos pinguins. A loira suspirou aliviada na minha frente.

— Você está bem? — tive que perguntar, olhando o seu rosto mais relaxado.

— Estou sim, estou sim.

— O inspetor realmente chegou?

— Oh, claro que não! Eu só precisava sair dali urgente. — ela admitiu, sem escrúpulos diferente da última vez, e por isso acabei rindo sutilmente.

— Sabe? Ela é divertida. — com os braços cruzados, eu precisei admitir.

— Ai... Sim, ela é. Bastante. — Charlie concordou, soltando seu cabelo por um momento para prendê-lo novamente de uma maneira melhor. — Eu só... Me sinto sufocada pela forma que ela vive me empurrando interesses amorosos. — revirou os olhos.

— Ah... Isso realmente foi chato. Ela por acaso...?

— Sente ciúmes de mim com Anthony? Que bom que ficou claro pra você também e eu não sou louca.

— Em contrapartida, ela deixa bem nítido os flertes dela. — apontei esse lado que me chamou atenção, e Charlie riu fraco.

— Ela literalmente só não deve ter flertado com você, porque priorizou te empurrar pra mim. O sonho dela deve ser me ver namorando. — Charlie resmungou, respirando fundo. — Não vejo problema dela flertar com os outros, eu até acho legal e admirável. Só não entendo porque ela tem ciúmes de Anthony e continua tratando ele como se fossem noivos ainda. Sei que não é da minha conta, eu só... Não entendo.

Eu notei que ela estava meio afetada ao falar sobre isso, e literalmente só se sentiu confortável para desabafar quando Melissa estava bem distante. De alguma forma, eu me comovi com minha parceria de trabalho.

— Sabe, mesmo que ela quisesse que você namorasse comigo pra se livrar de você, isso vamos ficar devendo por motivos muito além de sermos só amigos... — de forma descontraída, eu resolvi iniciar ganhando sua atenção. Até que contei algo o qual eu não falava muito para as pessoas ao meu redor, mas senti que esse era o momento ideal para isso: — É que eu sou gay.

O que posso dizer? Eu não definiria a reação de Charlie como unicamente surpresa. A forma que seu humor mudou drasticamente e em seu lábio começou a nascer um fraco sorriso, me passou a sensação de segurança e satisfação por eu ter compartilhado aquele fato pessoal meu com ela, a qual era apenas uma colega de trabalho minha e eu não tinha teoricamente obrigação de passar informações sobre minha vida à parte.

Sou gay, e com um toque de timidez. Não por vergonha de quem sou, porque tenho muito orgulho, mas porque tudo o que envolve minha vida pessoal e não profissional, eu naturalmente me torno mais reservado.

Eu sempre quis que meu profissionalismo fosse o traço mais marcante da minha personalidade, são muitos anos de dedicação que passei e que ainda quero passar. Não gostaria muito de ser resumido a algo como minha sexualidade ou qualquer outra coisa que deveria ser normal para os outros. Deveria claramente ser natural.

Você olha para uma pessoa, e ela pode ter qualquer tipo de aparência ou qualquer tipo de sexualidade, não sei. Isso no fundo jamais importaria para você julgar ou deixar de julgar ela.

Deveríamos ser marcantes pelas coisas que fazemos. Imagina uma pessoa trabalhar e estudar muito, e só por causa da sexualidade dela, ser resumida como "aquele gay", "aquela lésbica" ou até mesmo a famosa frase preconceituosa "Aquele confuso"? Deve ser extremamente frustrante.

— Bom, não vou dizer que já desconfiava porque não ficava pensando muito à respeito da sua vida particular. — foi o que Charlie falou à primeiro momento, um pouco mais relaxada comparado ao assunto de Melissa. — Mas obrigada por ter confiado em mim, Jimin. Isso é muito legal, me sinto merecedora de alguma forma.

— Não precisa agradecer. — lancei um sorriso simpático em direção a ela, feliz porque ela estava mais leve. Repentinamente seu celular começou a tocar, e a loira logo tirou do bolso para checar e em seguida colocou no ouvido.

— Elena, oi. — respondeu na chamada, o que me fez olhá-la interessado sobre o que a gerente poderia estar querendo. — Como assim não está achando? Eu lembro que coloquei na sua mesa assim que cheguei. Será que não misturou com outras papeladas? Não posso sair daqui agora, o inspetor pode chegar a qualquer momento...

— Charlie... — chamei-a baixinho, e mesmo sem saber do que se tratava, avisei: — O que tiver que resolver, pode ir lá. Se ele chegar antes de você, eu me garanto. Confia em mim.

Ela me lançou um olhar pensativo, mas no final percebi confiança em sua postura. Confiança essa que ela logo externou quando respondeu a Elena na chamada:

— Estou indo aí. Jimin consegue iniciar os trabalhos por aqui sozinho. — e desligou a chamada assim que aparentemente recebeu um agradecimento. — É só um relatório perdido, mas importante. Pretendo logo voltar. Boa sorte qualquer coisa. — tocou rapidamente em meu ombro como sinal de apoio, antes de sumir de minha vista pela pressa.

Sei muito da minha própria competência e que uma inspeção não é nada que eu já não tenha feito várias e várias vezes, mas acho que por se tratar de uma causa ambiental de Charlie há uns bons meses, sinto a necessidade de me cobrar mais.

E como se a vida quisesse me colocar em jogo, uns cinco minutos depois que Charlie vazou dali, consegui enxergar de longe um homem de meia idade e calvo no meio dos estudantes que estavam em visitas. Sua prancheta e olhar curioso sobre tudo deixou mais do que claro para mim quem era, e que não custava me aproximar para iniciar logo aquilo.

— Sr. Millers? — o chamei, ganhando sua atenção e análise. Ele assentiu, confirmando. — Muito prazer, sou Jimin Parker, um dos biólogos da Ocean Care. — estendi minha mão educadamente, e logo recebi seu cumprimento.

— Muito prazer, Sr. Parker. Dei uma olhada ao redor, e parece comparecer bastante gente em dias de visita. — ele iniciou um diálogo casual, já apontando suas observações do ambiente.

— Ah, sim. Especialmente turmas de faculdade de biologia, medicina veterinária e dentre outras... — confirmei, ajustando meu óculos no rosto enquanto começávamos a caminhar ao lado um do outro. — As visitas são pagas, com o objetivo apenas de manter o local e os funcionários que trabalhavam. Menos nós biólogos, recebemos por fora pelas nossas pesquisas.

— Fascinante.

— Posso ser seu guia na tour pelo local? — ofereci.

— Claro, obrigado. Será muito útil.

Conduzir ele pela Ocean Care foi algo super tranquilo de fazer. Aproveitei que Stewart e alguns outros cuidadores davam breves explicações para as turmas de visitantes e mostrei o quanto o trabalho era dinâmico, porém seguro para os animais. Não existia aproximações e contatos maiores, justamente para eles não se estressarem ou correrem o risco de falta de cuidado e maus tratos.

Expliquei sobre como funcionava a liberação dos animais assim que o tratamento estava completo, provando o quanto nosso ambiente era sim apenas um centro de reabilitação marinha. O objetivo maior sendo devolver os animais em boas condições para o lar, e ficando apenas aqueles que foram abandonados muito cedo e nunca conseguiram se acostumar com o mar novamente (o que eram casos raros, como Risadinha).

Tudo o que fazíamos para tirar bom proveito para a nossa parte, era apenas usar esse tempinho junto aos animais para estudar os seus costumes e a sua saúde, em prol de objetivos que os beneficiariam sempre. Tive que me esforçar para conter um sorriso grande quando Sr. Millers achou de fato os animais muito bem cuidados e o ambiente de Ocean Care com zero cara de puro entretenimento.

O inspetor também adorou a base de nosso local ser montada praticamente dentro do oceano de tão próximo, afinal, aquilo nos dava aproveitamento de uma parte dessa água para a liberação parcelada dos animais marinhos.

— Sr. Parker, não gosto de entregar nenhuma conclusão das minhas inspeções com antecedência, mas é inevitável que o local seja apropriado e cumpre tudo o que alegaram. — o homem falou após a nossa tour prolongada, a qual ainda não tivemos a presença de Charlie, e assim resolvemos parar por um momento próximo do alojamento de alguns lobos-marinhos. — Acho que pelo andar da carruagem, vão conseguir em breve a transferência daqueles animais. Não tem muito o que atrapalhe.

— Fico feliz em ouvir isso, Sr. Millers.

— É engraçado, você me conduziu muito bem, mas eu tinha anotado outro nome que me conduziria... — ele ajustou os óculos redondos no rosto, tentando procurar o tal nome que eu já sabia.

— É, sim... Bióloga Charlie. — ele me olhou e balançou o dedo em minha direção, sinalizando que acertei o nome que se passava vagamente pela sua mente. — Ela é a bióloga oficial que abriu o caso, minha parceira de trabalho. Ela ia estar aqui, mas precisou correr para resolver outra coisa, espero que eu tenha suprido suas dúvidas, Sr. Millers.

— Ah, não tem problema. E você? Está há quanto tempo atuando aqui?

— Entrei faz uma semana, na verdade. — a forma que levantou sua sobrancelha alegou surpresa. Não é como se eu quisesse chegar nesse tópico, mas não iria mentir nessa circunstância. — Fui transferido da Califórnia pra uma pesquisa sobre baleias-azuis, por isso estou atuando aqui.

— Fascinante... Parece ser importante. — apontou impressionado. — Mas vem cá, qual a possibilidade de também terem te vendido uma visão desse lugar, e na verdade não funcionar dessa forma? — repentinamente, ele levantou tal questão curiosa. — O que mais existe por aí são pessoas que acham que vão entrar em bons ambientes de trabalho, mas acaba não sendo. Não concorda?

Não era uma questão tão intimidante, na verdade. Tinha um lado dele até descontraído se observasse com atenção, no entanto, óbvio que eu não queria parecer um leigo perdido por ali.

Sim, sei que entrei na Ocean Care há muito pouco tempo, mas eu sempre fui muito bom em saber quando me meto em furadas. E até agora, a única furada que tive não tem a ver com o meu local de atuação, e sim, com a delegacia local.

— Acredito que essa possibilidade seria baixa, senhor. — apontei, tentando parecer calmo e confiante. — Já atuei em muitos lugares antes de chegar até aqui, e Ocean Care só tem me impressionado quanto ao empenho e proposta. É um ótimo ambiente de estudos pelos cuidados que eles tem com os animais, eu certamente nem estaria aqui se visse qualquer coisa estranha. Principalmente por ser novato, lhe digo: eu tranquilamente criticaria.

Após me analisar por um momento, Sr. Millers apenas assentiu algumas vezes.

— Certo. Bom, encerro minha inspeção por aqui. — informou, guardando sua caneta no bolso a qual usou para fazer anotações. — Agradeço pelo tempo, Sr. Parker.

— Eu quem agradeço.

E sem deixar de continuar observando aos arredores, ele foi se distanciando em direção a saída e eu apenas continuei lhe fitando de longe. Espontaneamente respirei fundo quando o perdi de vista, com uma sensação de missão cumprida.

Acredito que Charlie pode ter mil problemas, mas esse caso não será mais um deles. Ele pareceu sincero quanto aos elogios.

— Sabe, teve um momento que quase me envolvi... — tive forças para conter um pulo de susto assim que escutei uma voz conhecida soar atrás de mim. E quando virei-me encabulado, notei que o cuidador que estava junto aos lobos-marinhos era simplesmente Jungkook. — Mas achei melhor deixar você fazer o que sabe fazer bem. E eu estava certo, quem te assistisse, diria que vc atua aqui há anos.

— Com licença, mas para você mencionar em me assistir, está observando aí há quanto tempo, cuidador Jungkook? — cruzei os braços, e apesar da pequena cobrança de satisfação, minha voz estava super descontraída.

— Você acha que eu acompanhei todo o seu passeio com o inspetor? — ele tirou as luvas que usava, deixando-as de lado. — Pode ficar tranquilo que eu não poderia, mesmo se quisesse. Estava terminando de limpar a bagunça desses engraçadinhos, depois de guiar uma turma de biologia.

— E como foi? — puxei assunto, curioso.

— Ah, até que interessante. Curiosos como sempre. — eu assenti como quem dizia que acreditava. Lembrei dos meus tempos de faculdade, os estudos em campo eram a melhor parte. — E como foi a inspeção?

— Ah, foi tranquila. Eu tirei de letra.

— Eu percebi. — o cuidador sorriu fraco.

— Quando você disse que quase se intrometeu, eu imagino de qual parte do diálogo você esteja falando. — Jungkook parecia ser muito empenhado e familiarizado com o que faziam pelos animais por aqui, e para quem trabalha no lugar há tempos, ouvir insinuações de maus tratos deve ser chato realmente. Até para alguém calmo como ele.

— Pois é... — coçou a nuca. — Esse não sabe de nada. Mas não só isso, ele também insinuou que você fosse fácil de ser enganado. Nem preciso de um mês te conhecendo pra saber que isso é um absurdo, doutor.

— Quer parar de puxar meu saco? — acabei rindo, um tanto constrangido. Quer dizer, eu gosto do fato de Jungkook me respeitar e admirar muito como profissional, mas isso fazia um grande mal para o meu ego! Ele deveria ter cuidado, se eu perco minha humildade, a culpa é dele.

— Falar a verdade agora é puxar saco? Entendi. — ele se divertiu as minhas custas. — Pelo visto, vou ter que começar a mentir pra você, só pra fazer média.

— Você é impressionante. — eu precisei até revirar os olhos em meio de sorrisos para ter algum tipo de reação com aquilo. — Obrigado, Jungkook. Obrigado mesmo por respeitar meu profissionalismo, é que... — me coloquei à pensar por um momento, suspirei e continuei: — Eu não sei, mesmo reconhecendo que estou aqui há pouco tempo, sinto uma grande confiança no trabalho que é feito. Uma semana é tão pouco assim pra esse tipo de conclusão?

Jungkook curvou os lábios e acabou dando os ombros, mas tinha uma resposta na ponta da língua:

— Não precisa ser uma conclusão. Você vai descobrir que tipo de trabalho é feito todos os dias, ainda tem muito pelo o que brigar em Auckland, doutor. Especialmente aqui, em Ocean Care.

Refleti um pouco sobre seu conselho e acabei assentindo, concordando com as palavras que foram ditas que me pareciam acolhedoras. Eu já falei isso antes? O fato de Jungkook ter sempre falas que me fazem sentir confortável? O dom do dizer, isso é algo que nem todos tem.

— Certo. Você tem razão. — falei conclusivo e com um sorrisinho fraco no rosto. E para não continuar naquele papo tão sobre mim, porque percebi recentemente que na maioria das vezes em que conversamos o tópico sempre sou eu e me sinto meio egoísta por isso, mudei de assunto para a primeira coisa descontraída que lembrei: — Bom, hoje conheci Melissa.

— Ah... — ele acabou rindo, enquanto saia de vez do alojamento em que estava organizando e pôde ficar mais próximo de mim. — Ela é uma figura.

— Fiquei sabendo que você tem toda a atenção dela, se é que me entende. — ele ficou até sem jeito desviando o olhar, mas continuou achando graça do assunto. — Só pra deixar claro, cuidador, ela mesmo me falou isso.

— Pois é. É bobagem dela.

— Ela é linda, por sinal.

— E noiva. — ele complementou, como se eu tivesse esquecido de algo extremamente importante (e concordo).

Ex-noiva. — corrigi.

— Uma ex-noiva que vem aqui justamente por causa do ex, que por acabo é um colega de trabalho. Não vai me dizer que achou isso tranquilo, Parker? Logo você.

— Ei, ei... O que quer dizer com logo eu? Se explique agora, engraçadinho. — exigi.

— Ah, não sei. Você me soa como uma pessoa bem monogâmica, posso estar muito errado. Me corrija qualquer coisa.

— Jungkook, a forma que você usa conversas casuais pra descobrir mais da minha vida pessoal é fenomenal. — disse, cerrando os olhos em sua direção.

A sutileza dele me impressiona, e pior que não estou sendo irônico, ele é muito esperto com as palavras. Se eu fosse um pouquinho mais avoado, não sacaria suas tentativas que foram confirmadas agora através de sorrisos tortos.

— Foi mal, minha intenção nunca é ser invasivo. — o moreno defendeu-se. — Apesar de que, acho que podemos dizer que somos amigos também. Colegas de papo pelo menos, vai? Talvez amigos eu tenha forçado a barra.

— Primeiro, você não é invasivo. Na verdade, eu me espanto como você é a única pessoa que consegue ter interesse na minha vida pessoal e eu não acho invasivo. — estava desacreditado comigo mesmo refletindo sobre. — Se fosse outra pessoa com essas tentativas, eu com certeza criaria uma barreira muito rápido.

— Isso quer dizer que sou bom de conversa?

— Preciso dizer que sim.

— Quer dizer que estou fazendo certo, então. Valeu pelo feedback.

De repente uma terceira figura se fez presente na portinha do alojamento em que Jungkook estava, e era simplesmente Risadinha. Apesar dele ser muito parecido com seus amiguinhos marinhos, o reconheci pela famosa mão em frente a boca e simulação de risada em nossa direção. Aquilo certamente fez com que eu e Jungkook ríssemos também.

— Pelo visto fizemos algo bem engraçado. — comentei, ainda olhando para a figura que continuava a dar umas "risadinhas" para a gente.

— O que foi, amigão? Somos engraçados juntos? — o cuidador tirou satisfação, e para a minha surpresa, o animal assentiu umas três vezes. — É, né? Seu sacana.

— Sei que pode ter sido qualquer cuidador que tenha ensinado esse tipo de coisa pra ele, mas por que tenho a maior certeza do mundo que foi você? É inegável desde o primeiro dia.

— Porque você está certo. — mas é claro que foi ele. — Menos as risadas. Isso aí ele aprendeu vendo os outros, juro. — esclareceu.

Isso era... tão a cara dele. Era interessante pensar que, através de Charlie, fiquei sabendo que foi Jungkook quem resgatou Risadinha quando filhote. Ele se perdeu da mãe através de correntezas, e por nunca ter tido contato com ela, se acostumou com o lugar quando foi resgatado. Ele tinha machucados, então foi recolhido, tratado e criado enquanto filhote.

No entanto Risadinha nunca mais conseguiu ir embora devidamente depois de adulto, em todos os dias de tentativas de liberações, ele não se afastava. Continuava aqui. Foi praticamente adotado, principalmente por Jungkook, o seu salvador. Foi uma história um tanto fofa de saber, apesar de ser extremamente comum nesse meio.

Certamente Stewart ou qualquer outro cuidador, tem histórias parecidas. É o que fazem.

— Bom, não quero te atrapalhar e nem tomar seu tempo. — Jungkook acabou dizendo. — Vou ver se tem alguma turma que ainda precise de explicações durante o dia. Se precisar pra qualquer coisa, estou por aqui.

Eu sorri fraco como confirmação e o observei dar as costas e caminhar tranquilamente para longe.

Enquanto assistia sua partida, eu não sei o que deu em mim. Algo sobre a parte em que ele comentou de sermos amigos ou "colegas de papo" ficou ecoando na minha mente, e me fez agir na emoção:

— Jungkook!

Nem precisei gritar uma segunda vez, ele parou e virou em minha direção.

— Depois do expediente estava pensando em chamar Charlie para tomar uns drinks em um bar aqui próximo. Bem, não vou mentir, eu queria falar um pouco sobre certas coisas que tenho em mente à respeito da caça às baleias. Preciso de opiniões. — comentei o que se passou pela minha mente. — Será que você não gostaria de ir com a gente?

Ajustei o óculos em meu rosto, observando sua expressão sutilmente surpresa.

— Jimin, eu adoraria. Mas não quero que se sinta na obrigação de me incluir nisso só porque descobrimos juntos no dia. Sei que não sou biólogo, então... — me confortou, humildemente.

— Mas eu não te incluo nessa situação por educação, te incluo porque acho que você merece saber e nos ajudaria muito. Eu justamente só descobri porque você me levou na praia nesse dia pra me dar uma base de estudo na cidade. — expliquei, tentando demonstrar a confiança que eu sentia sobre o que falava. — Você cuida desses animais todos os dias, Jungkook. Faz parte tanto quanto a gente. E querendo ou não, já está dentro da situação desde o primeiro contato da descoberta. Se tem algo, você pode ajudar a descobrir e impedir.

Sua expressão pensativa acabou resultando em um sorriso de canto no final.

— Pode me dizer qual o bar? Preciso fazer algo no final do expediente, mas é coisa rápida. Encontro vocês lá?

Eu sorri fraco e assenti algumas vezes.

Agora eu só preciso pensar em um bar que eu já tenha visto, porque a ideia foi tão aleatória que eu nem tive tempo de analisar. Mas não pense que eu não tenho tantas coisas loucas vagando pela minha cabeça sobre a situação da caça às baleias! Porque sobre isso, tenho muito à dizer.

Aquele delegado de uma figa que me aguarde. Por causa dele, até investigar crime virou parte do meu trabalho, ele vai ver só!


[N/A]:

Melissa Bell



A demora para atualizar tem uma explicação:
livro físico de uma das minhas obras sugando tudo de mim! Então perdão.

De qualquer forma, estou feliz por ter atualizado essa obra que está só no início 💙
Tem tanto para acontecer.

Perguntinha: toda vez que entrar personagem novo, não fica confuso não, né? Pensei que dessa maneira, de introduzir a imagem somente
quando ele entra, torna mais fácil memorizar do que colocar tudo no início 😅

Já fiz assim com uma obra minha, e quando fui reler o elenco, me veio a frase na cabeça: como é que eu vou lembrar desse povo todo, hein? Jesus.
Então acredito que aos poucos fique bem melhor, mas me digam por aqui.

Até o prox cap que não irá demorar
pois já estou finalizando ✨

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