〖 Ouvindo meus planos



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— Divino Chilli, bar e restaurante mexicano... — li em voz alta o grande letreiro colorido e muito bem trabalhado do estabelecimento. — Parece ser bom. Até que apostei bem, vai?

— Você já veio aqui antes? — Charlie me questionou, analisando o tal lugar antes de entrarmos.

— Nunca, mas já tinha passado aqui na frente uma vez em que estava procurando um cartório próximo pra autenticar meus documentos. — expliquei, ainda observando onde escolhi para ficarmos esse início de noite para falar de assuntos importantes. — Parece ser bom, vai?

— Pra sua sorte, gosto de comida apimentada. Vamos entrar logo, acho que vai nevar.

E de fato, o clima congelante indicava que poderíamos aguardar uma tempestade de neve à qualquer momento.

Apesar de que tive que escolher onde íamos às pressas, o ambiente interior daquele restaurante de fato nos impressionou. Naquele dia não muito lotado, eu me sentia de fato em uma grande experiência mexicana pela decoração e música temática. Pelo sorriso que Charlie me lançou, pela também estava impressionada.

— Preciso beber. Ali primeiro. — ela indicou, apontando para o bar super bem estruturado que tinha no canto do lugar. Tantos bancos vazios de frente a tantas bebidas, podíamos muito bem ficar ali para fazer companhia ao barman, mas não. Eu pelo menos queria privacidade para fazer o que realmente importa. — Avisou Jungkook que estaríamos aqui?

— Sim, ele logo deve chegar. Mas vamos bebendo. — a incentivei.

— Depois de perder um relatório que fiquei horas fazendo, talvez eu preciso de algo mais forte, sinceramente. Afinal, o que é mais algumas horas pra refazer, não é mesmo? — Charlie tentou brincar com a própria situação, mas sua expressão exausta de fato não trouxe tanta veracidade para o seu sorrisinho fraco.

— Não foi só culpa sua, o documento se perdeu na sala de Lena. — mostrei outro lado.

— Mesmo com isso, vou ter que fazer de qualquer forma. — respirou fundo, batucando os dedos sobre o balcão. — Tudo bem, pelo menos você auxiliou uma ótima inspeção para o meu caso. Obrigada, Jimin. Sei que não era responsabilidade sua.

— Sabe que não precisa agradecer. Na nossa profissão, quando se refere a ajudar, não existe ser o dono do caso ou não. É por uma causa única e justa. — para ser sincero, adoro Charlie, mas eu ajudaria em um caso mesmo que fosse alguém que eu super odiasse.

— Não posso discordar.

— Boa noite, pessoal! Tudo bem com vocês essa noite? — de repente essa voz que exalava simpatia se dirige a nós dois diretamente, e observamos agora um moço moreno do outro lado do balcão, nos atendendo. Ele tinha as mangas do traje estendidas até os cotovelos (provavelmente para fazer os drinks), seus cabelos eram perfeitamente arrumados em um topete nada exagerado e, bem, me senti acolhido mais ainda pelo estabelecimento desta maneira. — Digam, o que vão beber hoje? Conhecem os drinks da casa?

— Na verdade, não. É nossa primeira vez aqui. — Charlie o avisou. — Recomendações?

— Opa, na verdade, várias! Mas vocês podem escanear nosso CR CODE e ter acesso a todos os drinks no celular de vocês. — apontou para o desenho escaneável no balcão, em nossa frente. Nem percebi.

— Me sinto um homem das cavernas quando me pedem para checar o CR CODE, por que não me acostumo? É tão simples! — falei para mim mesmo enquanto focava a câmera do meu celular onde foi indicado, porém suficientemente alto para o barman rir do que eu disse.

— As vezes não tem problema ser tradicional, uma pena que nosso restaurante não está mais investimento em cardápios físicos para clientes como você, senhor...?

— Parker, por favor. Jimin Parker. — indiquei, mas já dividindo minha atenção na variedade de drinks que o estabelecimento deles oferecia no cardápio virtual. Sinceramente, não tenho nada em mente. Mostrei alguns para Charlie, mas seus lábios curvados me fizeram ver que ela também estava super em dúvida.

— Certo, Sr. Parker. Olha, do que vocês mais gostam? Porque eu tenho as dicas de ouro através dos que mais saem por aqui. Iriam gostar de experimentar. — sua fala nos interessou. — Temos Margarita com licor de limão, que os frequentadores adoram, e também temos uma das mais populares que é a Michelada. Basicamente é suco de limão com cerveja e sal nas bordas do copo, uma pitada de pimenta e pingos de tabasco, é muito boa! Experiência mexicana triunfal.

Certo, isso me impressionou nitidamente no olhar. Talvez eu já saiba o que eu queira.

— Tá bem, você me convenceu. Vou querer o último que mencionou. — já me mostrei decidindo, até guardando o celular em seu bolso.

— Boa escolha, viu? — ele elogiou, apontando para mim. — E a senhorita?

— Vamos lá, vou cair também nessa propagação. Traga o mesmo pra mim e separa uma cerveja porque o dia foi longo. — Charlie pediu, sorrindo de canto.

— É pra já! Um momento. — ele nem foi muito longe, apenas caminhou o suficiente para bater no ombro de seu parceiro e passar nosso pedido de drinks para começar a ser feito. Tranquilamente, e quem sabe até aproveitando a falta de alto movimento, tornou a descansar seus braços no balcão, próximo de nós. — Já está sendo feito. Então, vieram por recomendação de alguém?

— Jimin apenas é um homem muito observador, e passou aqui pela frente recentemente. — a loira ao meu lado respondeu.

— Exato, e bom, precisávamos de um lugar para beber enquanto falávamos de trabalho, então... — dei os ombros. — Aqui parecia ideal.

— Que ótimo! Não vão se arrepender. — garantiu. — Divino Chilli é um lugar ideal para tomar um drink, comer uma comida mexicana e bater um papo... Espero que realmente gostem do nosso espaço! — acabei sorrindo para ele. — À propósito, sou Dominic, gerente do lugar. — estendeu a mão, primeiro em minha direção. Minha feição não escondeu a surpresa dele não ser barman, e sim o coordenador daquilo tudo. Apenas estendi minha mão em um cumprimento rápido, lhe dando espaço para logo fazer o mesmo com Charlie ao meu lado. — Mas podem me chamar de Nic.

— Charlie. — a loira se apresentou, enfim. — Parabéns pela gerência. O lugar é bem legal, não é Jimin?

— Bastante, daqui a pouco vamos fazer pedido de petiscos para provar o cardápio completo, só estamos esperando mais um amigo de trabalho.

— Sem problemas, e obrigado... — sorriu fraco. — Divino Chilli na verdade é do meu tio que morou um tempo no México, e acabou tendo muito sucesso em investir nisso tudo. Existem três franquias aqui em Nova Zelândia, e eu administro essa nova de Auckland.

— Ah, então abriram recentemente? — questionei, curioso.

— Sim, faz uns cinco meses. Recente comparado as outras duas franquias na capital e em Queenstown, na ilha sul do país. — explicou, de bom gosto. — Para o pouco tempo que tem, já está caindo bastante no gosto dos moradores ao redor. Está sendo ótimo.

— Que bom... Fico feliz que está indo bem. — respondi, um tanto integrado naquela conversa.

— Seus drinks, senhores! — o parceiro do tal Nic enfim retornou, colocando as bebidas rosas e muito bem apresentadas na nossa frente. Até fumaça saía daquilo, e eu nunca soube como fazem isso. — E a cerveja que pediram. — colocou a garrafa ao lado.

— Uau... — eu e a loira falamos quase juntos, não esperamos nem mais um segundo para sugar um pouco da nossa tal Michelada. — Ok, Charlie, nota de um a dez. — pedi a avaliação da minha parceira, fazendo Nic rir e olhá-la razoavelmente ansioso.

— Não gosto de dar poder para os outros se gabarem, mas parabéns Nic, é ótimo. Provavelmente vou pedir mais, além de lindo.

— Compartilho da mesma opinião. — eu disse, e pude perceber a forma que ele ficou satisfeito com um sorrisinho de canto.

— Obrigado, pessoal. O feedback de vocês é muito importante.

— Quê isso! Disponha, agora com licença que vamos nos acomodar em uma mesa. Temos muito o que trabalhar. — Charlie avisou, já se retirando do bar com seu drink e cerveja na mão e indo na frente para achar uma mesa boa para sentarmos.

— Eita, que parecem cheios de coisas pra fazer... Fiquei até curioso para saber o trabalho de vocês. — Nic acabou falando, enquanto eu ajustava minhas coisas na bolsa de trabalho e pegava meu drink em mãos.

— Biólogos marinhos. — respondi educadamente.

— Sério? Biólogos marinhos? Nossa... — ele riu, impressionado. — Não conheço tanto à fundo, mas parece ser importante.

— De fato, é importante. Bom, nem tanto para o ser humano, mas em demasia para eles. — ele assentiu algumas vezes parecendo compreender o que eu dizia. — Enfim, até mais, Nic.

— Até, Jimin! Qualquer coisa, é só apertar o botão da mesa que um garçom irá até vocês. — ele deu a dica que eu achei super útil.

— Pode deixar.

Charlie já estava acomodada em uma mesa de canto com quatro lugares, e eu me sentei em sua frente, a observando tomar a Michelada como quem bebe água. Queria rir, mas eu não tinha moral, provavelmente daqui há uns minutos eu estaria da mesma maneira porque aquilo era muito bom.

— Você devia ter chamado Anthony para estar aqui com a gente agora. — eu a lembrei dessa possibilidade, e tudo o que vi foi uma Charlie sem muitas reações.

— Não sei se seria muito uma boa ideia. Com Melissa indo atrás dele hoje cedo e eles brigando, não queria dar abertura para mais dor de cabeça.

— Eu entendo. — tomei um gole da minha bebida. — Mesmo ele tendo problemas com ex, ela não pode atrapalhar a vida profissional dele. E ele fez parte da autópsia da baleia.

— Bom, eu concordo mais que tudo. Mas fazer o quê? — analisei suas reações, e através disso, decidi que não ia insistir no assunto de Anthony. Não porque ela não concordava comigo, mas porque talvez fosse só lhe colocar para baixo à toa.

É claro que ela gostava de Anthony, e eu não precisava trazer ainda o assunto à tona para já ter percebido isso. No tempo dela, e da vontade dela.

— Então, sobre o caso... — a loira iniciou o assunto, dando total atenção à ele. — No que chegou à conclusão? Digo, o que pretende fazer pra levar mais provas para o delegado Steve? Olha, talvez pudéssemos contratar algum profissional particular para reunir isso...

A sua pergunta me incentivou em enfim largar minha bebida mexicana, e abrir a pasta com papelada que eu tinha. Coloquei sobre a mesa as cópias da autópsia da baleia que tanto analisei ao longo dos últimos dias, e espalhei algumas anotações minhas apenas para complementar minha explicação clara e objetiva:

— Eu vou atrás pessoalmente de cada uma.

Ela arqueou uma sobrancelha, de forma curiosa.

— Certo, como exatamente?

— Eu tenho o principal que é a localidade de onde provavelmente eles iniciam a maioria das caças, então eu decidi que vou "à campo" — expliquei, mais decidido que tudo. — Vou para o oceano, começando pela noite de amanhã.

— Amanhã? Espera. — ela até retirou os óculos do rosto por um momento. — Jimin, não tô dizendo que é uma péssima ideia ir à campo. Mas amanhã? Digo... Você não sabe exatamente se vai flagrar algo. Não acha que pode acabar se desgastando à toa?

— Eu não preciso flagrar alguma coisa necessariamente, eu só quero ter a oportunidade de achar mínimas provas. E é nas praias que acontece, Charlie. Eu não ligo de ter uma "noite perdida" por falta de provas, sei que em casa eu vou estar muito distante do que precisamos.

— Eu sei, mas-

— Charlie, eles não vão nos ajudar. — a relembrei, porque sei que ela estava preocupada. — Eles não vão levar uma acusação como caça às baleias e de um biólogo novo no país, à sério. Se eu não colocar a cara a tapa, vão literalmente ignorar nossa ida à delegacia. E isso só vai continuar acontecendo, só vamos acabar aguardando o próximo crime.

A loira se pôs pensativa por uns instantes, até que deu os ombros e acabou murmurando:

— E isso se eles vacilarem de não levar o corpo a tempo, como da última vez. — ponderou mais um tempo e suspirou. — Tem razão, não ir atrás é mais perda de tempo.

— Eu vou ficar bem. — tentei passar confiança. — Não se preocupe, e outra! Não precisa queimar neurônios porque estou no mar pela noite, eu preciso de você queimando neurônios tentando contato com a policial ambiental, mesmo que o delegado esteja impedindo.

— Olha, sei que nossa profissão nos obriga a amigar com a solidão. Mas ficar no mar pela noite, completamente sozinho... — negou algumas vezes, rindo desacreditada. — Você se supera, Jimin.

Acabei dando uma risada, levando em seguida meu drink até meus lábios. Se minha mãe estivesse viva e ouvindo isso, ela diria: Puff! Previsível. Quando que Jimin não está com a cara em suas pesquisas?

Saudades, mãe. Preocupada igual Charlie, mas ela me incentivaria a ir, não deixando de mandar eu levar um lanche reforçado. E claro que conselho de mãe vale ouro.

— Boa noite, perdi alguma coisa? — repentinamente uma terceira voz um tanto conhecida se fez presente na conversa, especificamente atrás de mim. Nem me dei ao trabalho de virar-se, só por saber exatamente quem estava ali mesmo sem ele ter se acomodado ainda em qualquer lugar vazio.

— Perdeu, Jimin pretende passar a noite em alto mar, sozinho. — Charlie me dedurou e bebericou seu drink,  fazendo-me lançar um olhar falsamente traído para ela.

— Não conte dessa forma como se eu tivesse fazendo um tipo de loucura. — rebati.

— Ok, certo, pelo visto perdi muita coisa...  — Jungkook se intrometeu, com um tom divertido. Logo pude ver sua imagem despojada e sorridente quando o cuidador se acomodou no assento ao lado do meu.

Antes de qualquer coisa, ele colocou um drink super atrativo em nossa mesa, enquanto com a outra mão, segurava o que parecia ser o seu por já não estar cheio. Isso atraiu minha curiosidade para a bebida.

— Margarita com licor de limão. Fiquei sabendo através do bar que vocês foram de Michelada. — enfim explicou. — Nada mais justo do que experimentar o que pedi pra mim, não?

— Eu tô bem, depois desse aqui, preciso de umas cervejas. — Charlie abriu mão da oferta de Jeon, checando seus e-mails atentamente em seu celular.

— Sendo assim... Todo seu. — Jungkook empurrou mais a bebida igual a sua para próximo de mim, e apenas relaxou o cotovelo sobre a mesa, esperando que eu prove.

— Está tão bom assim pra você querer que eu comece a misturar bebida? — questionei em um tom leve, porém eu já estava levando o copo até a minha boca após isso.

— Não pense que estou querendo te embebedar, doutor. É só um drink, que você gostou aparentemente.

— Certo, é bom! Tenho que admitir. Prove esse... — empurrei a minha Michelada em sua direção, vendo que ele logo pegou para tomar um gole, curioso.

— Uau... Os drinks mexicanos estão me surpreendendo. Ótima escolha de local.

— É, eu meio que não tinha frequentado ainda... — cocei a nuca. — Só parecia um lugar legal de conhecer, ainda bem que foi.

Analisei a sua satisfação enquanto tomava mais goles da bebida alcoólica, e ao mesmo tempo não tirava os olhos dos meus. Sabe aquele tipo de pessoa que te transmite uma confiança clara só pela maneira que te olha?

É engraçado porque eu super acredito que alguém possa sim mentir olhando bem no fundo dos seus olhos, mas ao era assim que eu me sentia com aquele cuidador. Ele tinha o poder de transformar qualquer momento sério em algo minimamente mais leve.

Eu curtia muito pessoas assim, lembrava meu irmão mais velho. Ele sempre foi do tipo que, da forma implicante de irmão, se esforçava bastante para deixar meus momentos mais tranquilos. Especialmente depois que nosso pai morreu. Admito que quando ele se mudou para San Diego após casar, senti falta da presença dele, mas fiquei muito feliz pelas suas conquistas. Meus sobrinhos foram a melhor coisa que Joshua fez na vida dele.

— Desculpa atrasar seja lá o que for... — a voz de Charlie quebrou nossa troca de olhar e nos fez focar nela. Até fiquei meio perdido pelo o que ela falou pela possível interpretação equivocada. — Mas eu queria saber se você realmente não quer companhia nisso, Jimin.

— Charlie, não precisa se preocupar. Eu vou contratar um barco como fiz no primeiro dia, vai ser tranquilo. — dei os ombros, confiante. — Como eu disse, se eu não achar atividades suspeitas, ao menos consigo ter um tempo conectado ao mar e estudando através dos aparelhos que captam os movimentos lá de baixo. Minha pesquisa ainda é sobre isso, afinal.

— Bom, isso... realmente. — ela teve que concordar. — Então, vai contratar aquele mesmo moço que fez no primeiro dia na cidade?

— Então, talvez sim. Eu-

— Ele não vai precisar. — Jungkook, que estava atento na conversa o tempo todo enquanto bebia, disse repentinamente. Nossos olhares logo foram para ele. — Tem o meu barco, não precisa alugar um.

— Jungkook, mas você dorme lá. — relembrei.

— Então, sobre isso... Eu gostaria de ir com você. — o cuidador anunciou, certo no que dizia. — Eu conheço aquela praia mais que qualquer um, e talvez eu possa ser útil para qualquer coisa que precise. Além de poder ser uma companhia, mas isso se você se sentir confortável. Não quero parecer invasivo.

— Eu acho uma ótima ideia. — a loira em minha frente disse. — Jungkook realmente já trabalhou muito naquela praia com os pescadores. É uma boa!

— Jungkook, eu adoraria a sua companhia, esse não é o problema. — me prontifiquei em dizer para ele. — Mas assim como eu disse pra Charlie, não precisa fazer isso. Eu quem inventei em ir porque sinto que é o melhor que posso fazer agora, e eu consigo um barco também tranquilamente. Não é tão carro assim por noite, sabe? Eu tenho sob controle.

— Eu sei que tem, sobre isso não tenho dúvidas. — ele respondeu-me. — Quero ir com você porque disse que adoraria minha companhia e eu gostaria muito de estar ali para te ajudar no que precisasse. Nem que em algum momento você só precise que eu dirija o barco, te deixe sozinho estudando e cale a boca.

Acabamos rindo espontaneamente, e eu achei muito legal a forma que ele estava sendo prestativo.

— Sério, Jimin... — senti seu dedo tocar discretamente no meu em cima da mesa. — Não precisa alugar nenhum barco, estou à sua disposição nesse lance tão importante.

Pensei por um momento.

— Mesmo que eu queira aceitar sua companhia valiosa... Talvez não seja só uma noite que eu vá para o mar, Jungkook. Não quero que precise ir quando eu bem entender, além da sua privacidade.

— Jimin, é só algumas noites. — esclareceu, olhando nos meus olhos. — Isso não vai roubar minha vida e muito menos minha privacidade. Fora que isso tudo o que está acontecendo é sobre meu trabalho também, se você me deu oportunidade de estar aqui escutando seus planejamentos, eu quero ajudar mais que tudo. Me deixa te dar uma força, você não atrapalha nada.

Tirei uns instantes para refletir mais à respeito. Eu só não queria abusar da boa vontade ele, mas é inegável que a ajuda de quem tem o próprio barco e conhece aquela praia supostamente cena de crime na palma da sua mão, é super útil.

Talvez Jungkook pudesse tirar muitas das dúvidas as quais eu preciso para conseguir as provas. Eu não queria perder tempo, sabia que estava acontecendo um crime que não estava sendo levado à sério.

Eu não posso ter vindo para Auckland justamente para criar uma pesquisa que ajude as baleias, vê-las morrer e simplesmente esperar a justiça nunca acreditar em mim, de braços cruzados.

— Tudo bem. — movido a isso, essa foi a minha resposta para o cuidador. Lancei um olhar para Charlie, apenas para perceber que ela realmente apoiava essa ideia. — Você tá certo. Aceito sua ajuda, Jungkook, se realmente não for abusar da sua boa vontade.

— Você não abusa sendo um motivo tão importante quanto esse, doutor.

Sorri agradecido para a sua expressão compreensiva. Após aquilo, os assuntos de trabalho não finalizaram em um passe de mágica. Passamos um bom tempo bebendo enquanto eu apresentava algumas teorias de supostos horários de ataques e reconhecimento do corpo das baleias traficadas.

Eram teóricas meio loucas, mas que adentraram muito nas circunstâncias que estou acompanhando. Uma coisa era real: as baleias que chegaram a serem encontradas, foram as que o abate foram mal sucedidos. Elas de fato encalharam, mas porque foram machucadas horas antes de sua morte próximo da praia.

Enquanto muitas outras foram de fato um cercamento bem sucedido, com uma equipe. Tão bem sucedido que, à essa altura, suas partes já estão sendo vendidas de maneira ilegal pelo mundo e isso embrulhou meu estômago só de pensar.

Charlie e Jungkook viram lógica nas minhas teorias, por mais que elas trouxessem uma assustadora grandiosidade para a situação, e ficaram tão enojados quanto eu. Eu tinha a plena certeza que estava lidando com um esquema grande, e se eu estiver certo, sei que eu não tenho muito espaço de investigação na situação. Mas o que eu puder fazer para trazer provas para a polícia e dar um fim nisso, farei.

— Bom, quase dez da noite. — Charlie checou em seu celular após pagarmos nossas despesas. — Depois desse choque de realidade para o que está acontecendo logo aqui na nossa cidade, eu preciso me despedir. Infelizmente um relatório do zero me espera para entregar amanhã. — eu imagino como estava sua mente, eu mesmo teria que me reinventar se tivesse que fazer um relatório nesse horário após tantas informações que consumimos uns com os outros naquela mesa.

A acompanhamos até o lado de fora e a aguardamos adentrar em seu carro devidamente em segurança.

— Até amanhã então. — nos disse com a janela do carro aperta para se despedir da gente. — Me desejem sorte com o relatório.

— Tem certeza que está bem pra dirigir até sua casa? — Jungkook precisou perguntar devido aos drinks que consumimos.

— Estou ótima, não se preocupem. Não moro longe e vou devagar. — nos tranquilizou. — Além de que, minha tia Ruby mora comigo e ela faz um chá milagroso para ansiedade. Vou precisar. — lembrou da informação, sorrindo fraco. Ela não estava bêbada, porém mais leve com certeza estava.

— Uau, me lembre de provar esse chá qualquer dia desses. — acabei falando. Todo tipo de calmante é bem vindo na vida adulta.

— Marcado. — apontou para mim, despojadamente. — Boa noite, gente. Até amanhã!

Acenamos e a observamos sair com o seu carro até que o veículo enfim sumisse no final da rua, fazendo-me então me voltar para o outro parceiro de trabalho que eu ainda tinha ali por dentro. Jungkook apenas me observava com as mãos nos bolsos do casaco grosso, então eu precisei ser o primeiro a falar:

— Bom, agora quem vai se despedir sou eu. Obrigado por ter vindo, Jungkook. Apesar dos assuntos meio tensos, — franzi a expressão ao lembrar. — tenho certeza que foram muito necessários. E beber enquanto conversávamos sobre tudo até que ajudou a ser menos sobrecarregado. Posso estar enganado mas, para mim, foi assim.

— E eu concordo com você. — respondeu simplista. — É estranho pensar nessas coisas acontecendo aqui em Auckland. Pra ser sincero, acho que nunca enfrentei problemas desse tipo desde que a vida me encaminhou para esses animais.

— É admirável a forma que você se importa muito além da sua função. — precisei elogiar, realmente achando lindo aquilo.

— Ah, eu agradeço a sua admirável, doutor... Mas ela não precisa ser por isso. Cuido desses animais para que eles voltem seguros para o mar, mesmo que eu nunca tenha cuidado de uma baleia-azul. Acho que me importar é o mínimo. — falou tranquilamente. — Mas se você quiser me achar admirável por outras coisas, estou aceitando de braços abertos.

Dei uma risada ao escutá-lo.

Outras coisas tipo o quê, cuidador Jeon? — cruzei os braços, esperando sua resposta.

— Isso fica à seu critério.

— Você ama falar coisas insinuativas para não se comprometer, né? Mesmo com apenas uma semana, já saquei você.

— O que posso fazer? — deu os ombros. — É mais seguro.

— Seguro... — repeti a palavra que ele escolheu usar. — Certo, seguro. Entendi, a vida adulta requer segurança.

— Exatamente. Esse é o espírito. — acabei sendo contagiado pelo seu sorrisinho torto.

— Não quero te atrasar para o seu descanso. — trouxe de volta o assunto sobre ir embora. Não porque não queria mais a sua companhia, mas já era suficientemente tarde para segurá-lo mais tempo por ali. — Pode ir, eu moro aqui próximo.

— Posso te acompanhar até sua casa? Auckland não costuma ser uma cidade perigosa, mas eu adoraria te fazer companhia mais tempo. — Jungkook ofereceu, cordialmente.

— Acho melhor não... — já comecei dando uns passos para trás.

— Por que? Não precisa se preocupar em me atrasar para descansar, como disse. Eu estou firme e forte! — comentou, divertido.

— Não é isso...

— Então... O que-

— Jungkook, eu disse que não!

Pela primeira vez desde que o conheci, minha voz alterada e minha expressão relutante fizeram o clima ficar inegavelmente estranho e pesado entre a nós, em questão de segundos. Movido a esse pensamento e a sua feição surpresa e assustada, eu comecei com o meu tique de ajustar meu óculos no rosto e respirar um pouco mais pesado, à ponto do clima frio deixar pequenas fumaças saírem de minhas narinas. Instantes depois fechei os olhos, arrependido.

— Jungkook, eu... Foi mal. — passei as mãos no rosto por baixo do óculos. — Eu...

— Ei. — com muito esforço pela vergonha, foquei meu olhar nele pelo chamado sereno. — Não precisa ficar assim, tá tudo bem. Eu quem tenho que me desculpar, não sei o que deu em mim, não devia ter forçado a barra. — a forma que ele estava sendo compreensivo me fazia sentir mais arrependido. — Prometo que isso não vai se repetir. Até amanhã, Jimin, cuidado voltando.

Ele lançou um sorriso de canto para mim, mas logo se apressou em dar as costas e começar a sua caminhada para o rumo de Ocean Care. E enquanto isso eu fiquei ali, travado e sem qualquer movimentação para ir embora também. Ironicamente, ele podia seguir pelo mesmo caminho que eu para a sua rota, mas percebi que iria atravessar apenas para ir do outro lado e me dar meu espaço pessoal.

Minha cara definitivamente não era a das melhores e eu acabei suspirando profundamente, incomodado. Mordi o cantinho da minha unha enquanto de repente a inquietação me corroeu por inteiro, fazendo várias coisas aleatórias se passarem pela minha cabeça.

Cheguei a virar de costas para ir de uma vez para casa, porém no terceiro passo eu desisti de lutar contra o que meu instinto pedia e quando dei por mim, já estava:

— Jungkook! — bastou uns passos mais acelerados para conseguir alcançá-lo antes que estivesse realmente longe. Gritei pelo seu nome por não estar tão próximo assim, mas foi o suficiente para que o cuidador desacelerar sua caminhada e virar para me ver ali.

— Jimin? — mostrou uma expressão surpresa. — Tá tudo bem? Precisa de algo?

— Preciso. — e tomando coragem, por um motivo muito particular, acabei pedindo: — Queria que você me acompanhasse até em casa, você pode?

— Jimin, aquilo não foi nada... Tá tudo bem, sério. — Jeon até acabou rindo fraco, provavelmente achando que minha motivação de ir até ele foi apenas a culpa pela forma que falei. — Pode ir para casa tranquilo, eu não estou chateado e nem nada. Bobagem.

— Eu sei que está tudo bem porque você é uma pessoa extremamente compreensiva, e isso não há dúvidas. Mas eu estou pedindo para que você me acompanhasse porque eu quero mesmo.

— Jimin...

— É sério, Jungkook. Eu juro. — tentei transparecer minha sinceridade através do olhar e da firmeza nas palavras. — Eu... eu realmente quero que você me acompanhe. Sua companhia é agradável e de longe invasiva, por isso que estou pedindo. Por favor.

Seu olhar relutante me fitou por um tempo, como se tentasse verificar se de fato estava tudo bem mesmo.

Minutos se passaram e ali estava eu e ele, caminhando ao lado um do outro tranquilamente na direção da minha casa pelas ruas iluminadas e cobertas de neve daquela noite. Jungkook obviamente apenas seguia meu fluxo, acompanhando-me calado.

Esse silêncio chato entre nós dois só teve fim quando respirei fundo e decidi que era eu quem deveria tomar iniciativa para algo naquela circunstância.

— Quando eu tinha catorze anos, aconteceu uma situação meio marcante para mim e minha família. Foi um grande engano, na verdade. Mas um engano que resultou em muitas sequelas. — comecei, atraindo sua atenção e tentando contar aquilo com a maior naturalidade que eu conseguisse. — Tinha um cara devendo dinheiro para uns agiotas, e por ele não ter a grana... Sabe como é, né? Tentou despistá-los a todo custo.

Até que eu estava indo muito bem para um assunto tão chato como esse, mesmo que já fizesse tempos.

— Bom, acontece que esses caras não desistiram muito fácil como qualquer agiota da pesada e uma informação acabou os levando até minha casa uma noite, e eles invadiram. — contei, em seguida esclarecendo a explicação: — O nome do cara que estava devendo eles era o mesmo do meu pai, por isso a invasão. Nesse dia minha mãe tava de plantão como enfermeira e eu dormi na casa de um amigo, e bom, meu pai não morreu esse dia. Mas ele levou um tiro próximo ao peito antes que os caras percebessem que ele não era quem procuravam.

Franzi o cenho ao lembrar que enquanto isso acontecia naquele dia, eu provavelmente dormia. Isso só foi deixar de me torturar quando amadureci, passei a adolescência inteira me martirizando.

— Felizmente meu irmão mais velho, Joshua, estava em casa nesse dia. Ele logo conseguiu socorrer meu pai e levá-lo no médico, onde ele ficou internado por um tempo porque a saúde ele nunca foi uma das melhores, sabe? E esse tiro próximo do coração não ajudou muita coisa, por isso só tivemos mais uns três  meses e pouco com ele depois disso.

— Sinto muito, Jimin.

— Obrigado... Tá tudo bem, dos catorze até os vinte e seis a gente já aprende a lidar. — sorri fraco, algo quase imperceptível. — Bom, mas enfim, eu não te contei isso só pra compartilhar uma história gratuitamente deprê com você. Dias depois da invasão, descobrimos que um colega do meu pai que morava umas duas quadras da gente, foi quem deu o nosso endereço para os caras. Não propositalmente, mas por causa da confusão dos nomes, ele achou que eram somente amigos procurando o endereço do meu pai para visitá-lo. Sr. King, o nome desse senhor.

Hoje ele já é bem idoso e não o incrimino mais, mas passei a minha adolescência toda o culpando mentalmente na mesma proporção que culpava a mim mesmo por não estar em minha casa no dia.

— Acontece que desde então, eu, minha mãe e meu irmão tínhamos criado essa mania de não sair contanto abertamente onde moramos. Só pra quem confiamos. — compartilhei o desfecho de toda a minha narrativa, vendo-o ainda me encarar com o mesmo interesse desde a primeira palavra que eu disse sobre o assunto. — Sabe, quem sou eu para diagnosticar, mas eu não chamaria de trauma. Não somos loucos em relação à isso, só nos tornamos mais precavidos e reclusos sobre. — dei os ombros. — Meu irmão vive atualmente em San Diego e ensina isso para os meus sobrinhos, e minha mãe até o último dia de vida dela também foi assim.

Uma memória fofa invadiu minha cabeça e eu sorri sozinho, mas compartilhando com o cuidador:

— De repente lembrei dela, há alguns meses atrás quando ainda estava viva e antes de eu vir pra cá, brigando comigo porque tive que colocar na ficha do hospital nosso endereço.

Percebi que ele sorriu junto comigo.

— Bom... — ao notar onde estávamos, parei meus passos e virei de frente para o moreno, abrindo os braços para apresentar. — É aqui! É nesse prédio que eu moro, cuidador. — tentei trazer um tom mais leve enquanto ele observava o residencial que sinalizei.

— Agora entendi porque te vi chegando muitas vezes bem cedo essa semana... — ele comentou, enquanto ainda analisava. — Falou sério quando comentou sobre seu apartamento ser bem perto da Ocean Care.

— Pois é... — esfreguei minhas mãos, com o objetivo de esquentá-las mais. — Por que ficar tão longe, se me mudei justamente pra viver para o meu trabalho? Quando Lena me mostrou esse apê, achei perfeita a localidade.

— Imagino. — sorriu fraco, mas nitidamente outra coisa ainda prendia sua curiosidade: — Por que decidiu me mostrar onde você morava?

Hm, eis a pergunta. Curvei os lábios e respirei fundo, porque de alguma forma eu estaria respondendo para mim também.

— Porque mesmo que eu ainda não tenha longos meses te conhecendo, é curioso, eu acho que confio em você. — meu olhar ficou meio confuso pensando sobre isso. — Já faz uns anos que eu me tornei uma pessoa com um ciclo de amizades menor, por escolha mesmo. Acho que isso foi um dos motivos que não tive medo de me mudar para um lugar onde eu não conhecesse um ser humano sequer praticamente.

— Fico feliz que confie em mim, Jimin. Apesar de que, se não confiasse, eu entenderia perfeitamente. Principalmente depois das coisas que me contou, mesmo que eu não queira trazer à tona esses assuntos delicados pra você.

— Bom, como eu disse... — dei os ombros. — Eu já aprendi a fazer não ser mais um assunto delicado, só chato mesmo. Ninguém merece histórias tristes.

— Pra ser sincero, tudo o que vem de você passa muito longe de ser chato pra mim. — aquela sua resposta me fez lhe encarar, sem muita reação. — Com todo respeito, claro. — estendeu as mãos em sinal de rendição, e aquilo me arrancou uma risada.

— Certo, cuidador Jeon. Entendi. Bom, acho que vou te liberar. Tenho um novo colega de quarto que realmente espero que esteja com saudades de mim. — contei enquanto já procurava a chave do meu apartamento na minha bolsa de trabalho.

— Não quero ser intrometido, mas fiquei curioso.

— Ele é incrível, é pequeno e verde. O nome dele é Crush, a tartaruga.

— Charlie te fez adotar uma das tartaruguinhas resgatadas? — ele deu uma risada, provavelmente por dentro de todo o resgate dos filhotes.

— Ela é boa em convencer as pessoas e eu precisava ser minimamente sociável. Juntamos o útil ao agradável. — contrapus.

— Não sei se o Crush pode ser sua referência de ser sociável, você alimenta ele e fornece um lar... É golpe baixo. Claro que ele vai ser seu amigo. — Jungkook implicou.

— Eu odeio monstruosamente que você tem razão. — expressei minha indignação dando um soquinho nada agressivo em seu peito. — Boa noite, Sr. Jeon. Até amanhã, teremos um longo dia.

— Até amanhã, biólogo Jimin. Descanse, você ainda tem muita justiça à fazer por essa cidade.

Acabei rindo antes de dar as costas para ir em direção ao meu prédio. Eu jurava que me sentiria estranho no exato momento em que eu contasse tudo aquilo da minha vida para Jungkook, mas não. Eu estava tranquilamente leve e bem.

— Jimin. — escutei sua voz me chamando quando estava prestes a sumir na entrada do residencial. Sua feição serena de sempre me fitou por um tempo antes de falar o que queria. — É uma honra ser alguém que você confia.



[N/A]:

Olá, amores! Sei que demorei para atualizar, mas tudo foi culpa de outras histórias 😅

Não era para Ouvindo o Oceano logo no início ter atualizações tão longas assim, mas acabou que se desenvolveu. Espero que não esteja cansativo!

Gente, não coloquei foto do Dominic (Nick) porque a magia da leitura de personagens originais é as vezes deixar a imaginação rolar mesmo + a descrição da autora, pensei que poderiam preferir. Maaaas! Se vocês quiserem, podem pedir que no próximo capítulo eu coloco foto do Gerente do Divino Chilli 🌮🍹

Até o próximo capítulo que também será bem interessante, então prometo voltar o
mais rápido possível!

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Coloca a hashtag #RisadinhaDoOceano que eu acompanho 🥰 Espero que estejam
gostando da história!

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