〖 Ouvindo algo ameaçador
[🐋]
— Biólogo Parker! Tudo bem? É uma honra tê-lo aqui pela praia de novo! Veio acompanhar as pescas do dia?
E aqui estava eu, novamente na cena do crime do último "encalhamento" que de encalhamento não teve nada. Interessante como sou insistente em certas cismas, não é? Pois é, saiba que é um dom.
Depois da primeira noite em alto-mar com o cuidador Jungkook, tivemos mais três noites seguidas fazendo tal patrulha noturna. Sem muito sucesso, tirando por uma coisa específica: há quatro dias atrás, tinha um outro barco em alto-mar no mesmo horário que a gente. Duas da manhã.
Aquilo obviamente nos intrigou, e fez com que eu pedisse para Jungkook que sutilmente fosse na direção deles. Mas como algo um tanto suspeito, conforme tentávamos nos aproximar, o barco se afastava até finalmente sumir de vez.
Achamos super estranho.
Nada demais aconteceu depois disso, e por mais que Jeon falasse que estava tudo bem e me apoiasse, admito que eu me sentia um monstro por tomar suas noites de sono. Principalmente sabendo que ele é o primeiro a abrir Ocean Care toda manhã.
E é por isso que fazia umas duas noites que eu tinha encerrado, até segunda ordem, nossos estudos e investigações próprias pela noite. Queria que ele descansasse, e sei que se soubesse que eu passaria a madrugada fazendo pesquisa em alto-mar, iria querer estar ali para me apoiar e oferecer seu cantinho.
Também cogitei alugar secretamente outro barco e continuar meus estudos por conta própria, mas de repente, me senti mal se ele descobrisse e se sentisse substituído. Por que eu me importava com esse tipo de detalhe diante um trabalho tão importante? Não faço ideia! Mas não quis que essa hipótese de magoá-lo acontecesse.
Bom, de qualquer forma, não tinha problema. Não é como se eu estivesse cancelando só por ele. Quatro noites em alto-mar e dois dias com aparições relevantes (a baleia machucada e o barco suspeito), acho que significava que pelo menos por uns dias eu precisava focar em outra coisa. Não podia de maneira alguma ficar estagnado levando em consideração que me esforcei e não obtive nada além dessas duas situações (não menosprezando, foram ótimas para a minha investigação).
Flinn, o idoso pescador daquela área o qual Jungkook me apresentou uma vez e aparentemente já foi seu chefe em muitos bicos pela praia, me reconheceu imediatamente assim que me aproximei dele e sua caixa de isopor com peixes.
— Sinto informar que ainda não estou aparecendo para algo diferente da minha pesquisa, foi mal! Eu realmente vou ficar lhe devendo um dia mais leve, Flinn. — lhe respondi assim que parei ao seu lado, observando o idoso separar provavelmente os seus melhores peixes para as vendas do dia. — Talvez eu apareça qualquer dia para comprar em seus dias de frutas.
— Os melões estão em uma boa época, viu? Não vai se arrepender.
Caramba, eu amo melões. No café da manhã com um iogurte natural, então? Não sou tão fitness, mas essa ideia me atrai bastante.
— Guarde os melhores para mim. — fiz meu pedido. — Flinn, eu vim aqui porque queria muito fazer umas perguntas pra você. Conhece essa praia mais do que ninguém, não consigo pensar em outra pessoa para arriscar nessas dúvidas.
— Mas é claro! Não é de hoje que ajudo a Ocean Care, qualquer coisa! O que precisa saber, doutor? — o senhor abandonou os peixes por um momento e pôs as mãos nos quadris, me dando total atenção.
— Então, a minha primeira pergunta vai ser extremamente específica. Mas eu preciso tentar.
— Manda bala.
— Quando estive aqui com Jungkook, no dia em que você comentou do encalhamento da baleia azul, assim que chegamos no local tinha três caras. Dois eram irmãos, muito simpáticos inclusive, mas tinha uma figura que eu fiquei intrigado. Talvez por ter sido meio mal educado? Provavelmente, mas algo além disso me intrigou.
— E como era essa tal figura?
— Ele era um barbado, loiro. Um mal encarado, se me permite dizer. Queria porque queria cuidar da retirada do cadáver da baleia, mesmo sem nem ter experiência no assunto. Sequer sabia que não podia ficar tocando no corpo, e só foi embora quando percebeu que não deixaríamos ele resolver aquilo.
— Eu acho que sei de quem você está falando... — conforme eu acrescentava informações sobre o tal sujeito, sua mente pareceu clarear aos poucos. Tocava no próprio queixo, provavelmente forçando a memória sobre aquele dia. — Quando vi a situação da baleia encalhada, tinha realmente um loiro barbado por lá, no meio de umas cinco pessoas. Esses irmãos que você está falando são Teddy e Carl, eles tem uma mercearia aqui próximo, são gente boa demais da conta!
— Esse sujeito lhe é familiar, assim como os dois irmãos, Flinn?
— Pra ser sincero, antes daquele dia, nunca tinha o visto em toda a minha vida. — respondeu expontâneo. — Não faço ideia de quem seja, se não fosse por ter visto ele. Nem falou comigo, doutor, estava no telefone quando vi a situação e falei com Teddy e Carl.
— Você acha que os dois irmãos poderiam me ajudar mais sobre? Quem sabe o conheçam?
— Você pode tentar. Assim como eu, estão há tempos pela área! Mercearia herdada pelo pai.
E não demorou muito para eu estar na mercearia, ou pode-se dizer tesouro da família McQueen como os irmãos preferiram me apresentar de forma empolgada, colhendo informação com as duas figuras que estavam presentes naquele dia.
— Ele disse que estava acostumado a resgatar baleias encalhadas, que não era a primeira vez que presenciava aquilo. E por mais que a gente não conhecesse ele, acreditamos, né? Fazer o quê! Era o único disposto a ajudar na situação. — Teddy contava, detrás do balcão ao lado do irmão bigodudo.
— Não que a gente nunca tivesse visto uma baleia encalhada, né? Acontece muito. Mas dificilmente ficamos em uma situação em que somos os primeiros a ter que pedir ajuda. Se ele dizia que entendia, então tá bom. Mas aí vocês chegaram, e com a Ocean Care a gente ficou mais tranquilo. Tá uma loucura essa situação ultimamente, viu? — Carl complementou.
— Sorte que aquela praia não tem muito banhista, é mais quiosques e vendas em geral. E mesmo que fosse, com esse inverno infernal, dificilmente alguém estaria na beira do mar. Ainda bem, né?! Santo Deus. — Teddy exclamou.
Fora esses depoimentos que foram de grande importância, não consegui mais nada. Nem uma placa de carro, nem uma referência a mais sobre a identidade desse homem, nada. Mas não posso ser injusto com meu progresso, eram informações muito específicas para um biólogo marinho que está precisando fazer uma investigação por conta própria, sem um pingo de ajuda da polícia.
Muito pelo contrário, um biólogo marinho que está precisando provar para a polícia que merece ajuda dos investigadores da área ambiental em um crime. Mas tudo bem, já aceitei essa circunstância.
Depois de me despedir dos irmãos, eu não tive muito o que fazer. Simplesmente saí pelos comércios próximos da praia, perguntando para os comerciantes se conheciam algum cara com as características físicas do meu suspeito e se tinha muitos barcos que passavam a noite em alto-mar um tanto próximos da superfície. As respostas foram cem por cento não para a primeira, e para a segunda, chutaram pescadores ou turistas passeando.
Devo ter falado com uns sete donos de negócios locais além de Teddy e Carl, e depois, cessei aquilo.
Chegaram tartarugas novatas resgatadas de um aquário abusivo na Flórida, e claro que eu estava em Ocean Care à tempo de receber esses lindos seres. Droga, eu amo minha profissão. Sou obcecado em fazer parte disso.
— Novidades do caso? Falando assim, parecemos realmente policiais. — Charlie me questionou enquanto abandonávamos o espaço das novas tartarugas, caminhando juntos tranquilamente em direção ao nosso laboratório. Eu precisei rir da sua fala porque era tristemente verdade.
— Bom, além do que te atualizei das noites em alto-mar, conservei com várias pessoas na praia e parece que ninguém conhece aquele cara esquisito e mal educado. O que é estranho, porque Jungkook falou que naquela praia, a maioria se conhece. Isso me faz pensar que ele não é daquela área. — expliquei, encabulado.
— Que merda. — a loira murmurou. — Jimin, sei que está muito empenhado em conseguir juntar as provas e sabe que estou com você, mas está se sobrecarregando muito com isso! Me sinto até culpada de não te ajudar tanto.
— Sabe que tô fazendo porque quero.
— Eu sei! Mas olha, você definitivamente está mergulhado nisso há dias. — ela me segurou pelos ombros, fazendo pararmos no meio do caminho do laboratório. Olhou firme nos meus olhos. — Tira o dia de folga, que eu faço algumas pesquisas hoje. Deixa eu tentar encontrar algo que nos ajude nisso.
— Eu não preciso parar pra você fazer as pesquisas, eu posso até te ajudar. O que acha?
— Eu acho mega torturante te ver perdendo a cabeça porque não tira a mente disso um segundo sequer. — apesar do seu tom divertido, ela falava super sério. — Por favor, deixa comigo hoje. Me senti meio culpada por não ir nos estudos em alto-mar com você.
— Sem necessidade, eu quem te disse que estava tudo sob controle. Só deixei Jungkook ir porque o barco era dele.
— Mas como esse homem é cabeça dura... — negando e de braços cruzados, ela resmungou. — Doutor marrento, somos um time. Ok? — senti seu toque em meu ombro. — Sei que é muito acostumado a se afundar no trabalho sozinho e não posso nem te julgar, já fiz isso diversas vezes. Mas aqui, nós fazendo as coisas juntos. Somos parceiros de laboratório, me deixa fazer minha parte também. Desde que você chegou aqui, já me ajudou em casos que nem tinha a obrigação. Eu tô com você, e tô pelo nosso trabalho.
Apenas fiquei lhe olhando por um tempo, abaixando meu olhar algumas vezes após a bronca. Eu sabia que podia ser bem cabeça dura algumas vezes para não atrapalhar os outros, mas quer saber? Que merda, Charlie tinha razão. Ela se importava também, e o mínimo que eu posso fazer é deixar minha parceria fazer o trabalho dela também.
Por mais que a pesquisa das baleias seja exclusivamente minha e o motivo de eu vim para Auckland, Charlie não deixa de ser uma bióloga inteligentíssima que tem muito a acrescentar nessa investigação por conta própria. Ela conhecia a cidade há mais tempo que eu, afinal.
— Tá, mas só porque eu sei que gosta de fazer pesquisa sozinha... — falei, demonstrando que cedi. — E você tem cara de quem mesmo sendo gente boa, me devoraria vivo se eu interrompesse seus momentos de silêncio pesquisando. Tenho amor à vida.
Ela riu, com uma postura um pouco mais relaxada depois que deixei minha marra de lado.
— Talvez você esteja certo.
— Normalmente não me dou dias de folga, não faço ideia do que fazer. Não quero julgamentos seus se eu decidir só ficar em casa pesquisando também. — deixei claro, tornando a caminhar junto à ela. — Eu vi você revirando os olhos! — acusei.
— Qual é, Jimin! Você ainda tem tanto pra conhecer da cidade desde que chegou. Por que não visita os teleféricos na montanha que esquiam, no Norte da cidade? Ou sei lá... Conhece algumas outras praias locais. Tenho umas muito boas pra te recomendar! — ela parecia animada só de pensar em alguns locais, mas uma opção chamou mais minha atenção.
— Teleféricos? — fiquei interessado. — A vista para a Montanha deve ser linda.
— Bom, e é. Uma vez eu fui lá com Anthony, foi bem legal. — arqueei a sobrancelha, analisando seu tom de voz nostálgico ao contar.
— E não vão mais?
— Ah, meio que não sobra muito tempo. — essa foi sua justificativa. — Quando ele noivou com Melissa, passou a ficar bem ocupado. E depois da separação, tudo muito conturbado. Nosso ponto de encontro se tornou o trabalho mesmo, como no início.
— Então quer dizer que vocês costumavam sair juntos uma época...
— Como amigos, Jimin. Não pensa bobagem.
— E eu falei que não? — ela olhou para a minha cara debochada e me deu um empurrão no braço. — Ai!
— Não tente me cercar com meios dizeres! — a loira riu fraco. — Anthony e eu sempre fomos bons amigos e pronto. Prezo muito pela nossa amizade, ele é alguém bom demais para não se ter por perto. Nunca valeu a pena perder ele.
Ironicamente, ela parecia dizer isso mais para si mesmo do que para mim. Mas quem sou eu para me meter nos sentimentos dos outros, não é mesmo?
— Eita, que a frase foi forte agora...
— E por que você não convida alguém pra ir com você? Sei lá, tipo o Jungkook. Vocês parecem bem amigos agora. — ela sugeriu, nitidamente tentando tirar o foco do assunto. Mas decidi "cair" na dela.
— É, ele tem sido uma boa companhia e olha que você sabe que eu não sou a pessoa mais sociável do mundo. Talvez eu chame, se ele tiver disponível. — dei os ombros. — Será que eu incomodo ele? Já suguei o tempo dele o suficiente naquelas pesquisas.
— Deixa de enrolação. Chama logo! Ir para pontos turísticos sozinho não tem graça. E olha que eu gosto de estar sozinha. — ela aconselhou. — Bom, vou dar um feedback da acomodação das tartarugas para Lena. E o senhor, vai ficar longe de pesquisas pelo menos por algumas horas! Esse problemão fica só comigo até segunda ordem.
Ela nem me deu tempo de concordar ou discordar, só seguiu caminho. E sozinho eu neguei com a cabeça e ri baixinho. As vezes fico achando que Charlie é minha versão feminina em alguns aspectos.
Bom, agora sozinho. O que me restou? Eu só tenho mais algumas horas de trabalho, e olhando ao redor e não tendo a mínima ideia da localização de quem estava procurando, decidi usar pela primeira vez um privilégio de contato que obtive há algumas noites atrás.
Eu:
Esse por acaso é o contato do Risadinha?
Preciso muito falar com ele!!! 🦭
[enviado às 16:45]
Cuidador Jeon 🦭:
Ele não se encontra, mas o substituto dele pode ser uma ótima opção para conversar. Olá, Jimin 😄
[enviado às 16:45]
Eu:
Não creio, você escreve todo certinho por mensagem kakakak que fofo, cuidador
[enviado às 16:46]
Cuidador Jeon 🦭:
Obrigado?? 😅
Achei que nunca fosse me chamar desde que anotei meu número em seu celular na nossa última noite de pesquisa, para caso precisasse de mim
[enviado às 16:46]
Eu:
Você esperou eu mandar mensagem?
[enviado às 16:46]
Cuidador Jeon🦭:
Ansiosamente.
Quer dizer, por favor, não leia
isso de forma estranha. 🙏🏻
[enviado às 16:47]
Eu:
kkkkkkkkkk
Fica tranquilo
soou meio fofo até 😄
[enviado às 16:47]
Cuidador Jeon 🦭:
Que bom... 😅
Você precisa de mim? Pensando em retornar para as pesquisas noturnas no mar?
[enviado às 16:48]
Eu:
Na verdade eu queria te fazer um convite.
Charlie vai cuidar das pesquisas hoje e
me sugeriu conhecer os teleféricos nas Montanhas.
E eu pensei em irmos juntos...
Se não tiver muito ocupado, claro
[enviado às 16:48]
Cuidador Jeon 🦭:
Não vou estar! Estou 100% livre.
Fico feliz que queira conhecer os teleféricos, a vista é muito linda. Vai se apaixonar mais por Auckland.
[enviado às 16:48]
Eu:
Eu consigo até imaginar! fiz
uma pesquisa nesse instante,
as fotos do Google são incríveis :))
[enviado às 16:53]
Cuidador Jeon 🦭:
Pessoalmente é melhor 😉
Então, te encontro onde e que horas?
[enviado às 16:53]
Eu:
Pode me encontrar na saída principal, às sete? Quero respeitar o tempo em
que você fecha tudo da Ocean Care ^^
[enviado às 16:54]
Eu:
Sete horas te encontro lá na frente, então.
[enviado às 16:54]
[Você reagiu com "❤️" a essa mensagem]
[🐋]
— Obrigado por ter me convidado, Jimin. — estávamos próximos de um letreiro brilhante enorme, que sinalizava onde estávamos chegando depois uma boa caminhada tranquila. — E fico feliz que esteja indo espairecer um pouco...
Você merece tirar a mente de tudo.
— É, digamos que Charlie praticamente me obrigou. — comentei, rindo fraco. — O que me alivia é saber que é por uma boa causa, ela quer fazer pesquisas hoje. Quero mostrar que apesar de ansioso, não sou egoísta de querer fazer tudo sozinho e quero mostrar que a ajuda dela com certeza é importante.
— Muito legal da sua parte, doutor. Mas essa não deveria ser sua única motivação... — Jungkook comentou. — Eu também amo meu trabalho, mas preciso sempre ter a saúde mental em dia para não acabar tendo um *burnout qualquer hora.
— Não é a primeira vez que me recomendam isso... — pontuei sua sugestão. — Prometo que vou tentar relaxa hoje, tá bem? Afinal, isso é um passeio. Tô realmente empolgado. Obrigado por ter vindo, aliás. Como morador da cidade há anos, certeza que já deve ter vindo aqui milhares de vezes... Nem sei se pra você ainda é tão empolgante assim essa programação.
— Tá brincando? Eu adoro o teleférico. Mas as poucas vezes que vim aqui estava substituindo uma amiga de Jeff como guia turístico. Há uns dois anos atrás. — Jungkook contou, nostálgico através do olhar.
— Você não vem aqui há dois anos, e quando veio, estava trabalhando? — indaguei, um pouco chocado.
— Pois é, parece quase um absurdo pra tamanha beleza. — ele deu os ombros, seguido de uma risadinha fraca. — Fazer o quê... Auckland é linda, mas infelizmente apreciar os pontos belos desse lugar não pagava minha contas.
— Você e sua áurea trabalhadora me impressionam cada vez mais, cuidador Jeon. — precisei exclamar, lhe arrancando uma risada.
— Bom, se ser trabalhador te impressiona, então acabei no caminho certo. Gosto de saber que te impressiono.
Esses momentos. Esses vagos momentos em que eu me flagrava cerrando os olhos para o cuidador Jeon e me questionando se eu estava louco ou o que ouvi soava como um flerte. Isso me pegava de um jeito, porque mesmo que nossa confiabilidade seja tão natural, ele ainda era do meu trabalho.
E eu nunca misturei esse tipo de coisa, como água não se mistura com óleo. Lutei muito para ser levado à sério, e as pessoas sempre tem a impressão que ser gay significa flertar com todo homem que aparece pela frente. Mas quem me conhece, sabe perfeitamente que esse medíocre preconceito não me define (ao mesmo tempo que eu acho que um cara gay tem o direito de ser assim, e essa sua característica não ser vinculada à sua sexualidade).
Bom, no fim das contas, deve ser por isso que na maioria das vezes que eu tinha essa sensação entre eu e Jungkook, eu acabava apenas rindo e empurrando seu ombro, como quem procurava diversão naquilo.
— Você e suas frases aleatórias... — neguei algumas vezes, logo voltando minha atenção para a bancada de ingressos do teleférico que felizmente estava sem nenhuma fila, apesar de que tinha muitas famílias prontas para um bom passeio essa noite, no meio de toda essa neve. — Muita gente esquia pela tarde? — perguntei para Jeon, ao observar grupos de amigos descendo das montanhas com seus esquis e roupas apropriadas. Tinha anoitecido, fazia sentido terem encerrado as atividades.
— Sim, existem campeonatos de esqui anuais. Normalmente tem muitos competidores, treinam bastante pelas tardes.
— Que legal... Sabe, eu acho o frio daqui mais rígido do que lá na Califórnia. Não é uma reclamação, longe disso, e sim uma observação. Eu até que gosto, por mais que seja um inverno monstruoso. — ri fraco.
— Como era lá, Jimin? — de repente, ele perguntou em um tom curioso enquanto esperávamos pacientemente nossa vez na fila.
— Califórnia? Bom, eu gostava. — comecei a lembrar de toda minha vida crescendo por lá, até nostálgico de alguma maneira. — Mas como toda capital, Los Angeles era sempre uma loucura. Não é perfeito como propagam, mas eu estava muito familiarizado. Tem seus lados bons, principalmente profissionalmente falando.
— Uau... Eu sempre quis conhecer alguns lugares fora de Nova Zelândia. — seu tom sonhador captou a minha atenção. — Califórnia, Nova York, México, Brasil... Só que mais pra conhecer mesmo, sabe? Eu gosto daqui. Auckland é especial pra mim.
— Nossa... Você falando assim, me dá a impressão que um dia você precisa fazer um mochilão por vários lugares. Você provavelmente iria gostar. — sugeri.
— Mochilão... — repetiu o que eu falei. — É, acredito que seria isso. Seria massa demais! Imagina o tanto de cultura que tem pra conhecer por aí?
— Isso é verdade... — refleti sobre. — Não vou mentir, acho que compartilho um pouco dessas suas vontades. Principalmente falando como biólogo, o tanto de coisa que não deve ter para estudar pelo mundo, né? Você mencionou Brasil, por exemplo. Que experiência incrível deve ser conhecer a Floresta Amazônica. Deve ser a meta de quase todo biólogo pelo mundo inteiro. — de repente, era eu quem estava soando mais sonhador do que eu pretendia.
— Um dia ainda vamos juntos, então. — cuidador Jeon bateu o martelo e deu os ombros simplista, com um tom tão confiante que eu precisei dar uma risadinha. Parecia até um anúncio.
— Isso é um convite pro futuro? Uma promessa? Ou o quê?
— Tudo isso, se você quiser. — respondeu, com um sorrisinho de canto. — A vida pode nos surpreender muito ainda, doutor Parker. Muito.
— Ah, é? — arqueei a sobrancelha. — Então vamos deixar essa vida surpreender, cuidador. Vamos deixar.
Foi só o tempo dele lançar um sorriso um tanto bonito em minha direção, que chegou nosso momento de pegar nossos ingressos. Tudo fluiu muito rápido após isso, tanto que uns dez minutos depois no máximo estávamos adentrando um dos teleféricos, somente nós dois.
Nos acomodamos nos assentos presentes, de frente um para o outro. E eu não parava de fitar a vista ao redor através das barreiras transparentes, por mais que nenhuma movimentação estivesse sendo feita ainda. Era pura ansiedade para um momento descontraído que eu dificilmente tinha em minha vida.
E então, aquilo começou a se movimentar, nos subindo lentamente para alcançarmos cada vez mais uma visão ampla de tudo: da montanha coberta de neve, das pessoas, do pôr-do-sol faltando muito pouco para desaparecer e até mesmo de iluminações de pontos da cidade. De repente, eu só conseguia sentir pela primeira vez que eu estava tendo um contato mais humanizado com Auckland, e menos profissional.
Desde que cheguei, poucas foram minhas programações focadas em conhecer o lugar que agora eu tenho que chamar de casa. A primeira foi com Jungkook nos quiosques na praia e a segunda foi com ele e Charlie, no restaurante mexicano que super virou referência para mim.
Mas com exceção desses dois dias, percebi que todas as minhas saídas pela cidade foram em prol de trabalho ou de sobrevivência (mercado, coisas para o apartamento e etc). Então, colocar minhas mãos no vidro e ter aquela vista maravilhosa, me fez respirar fundo e me sentir muito feliz e acolhido.
— Bem-vindo à Auckland, Jimin. Espero que esse lugar possa te abraçar tanto quanto me abraçou quando precisei. — essa foi a voz serena de Jungkook, que logo fez seu rosto simpático ganhar minha atenção. — Que aqui possa ser muito além do que "o lugar que te transferiram pra fazer sua pesquisa sobre baleias".
Mudanças radicais não são fáceis, sendo desejada ou não. Largar tudo o que conhece por causa de um objetivo, escolhendo muitas das vezes se sentir sozinho e se cobrando muito, era algo que pesava em alguns momentos. Mas fazer o quê? Sei que foi o certo para mim.
Desde que meus pais faleceram, e com meu irmão morando longe, estar naquela grande casa sozinho já não era mais confortável há muito tempo. Naquele cenário em que minha vida estava, eu provavelmente estaria topando quase qualquer desafio.
No fundo, bem lá no fundo, essa mudança com objetivo profissional também era um pouco de mim tentando achar um novo caminho. Um novo desafio, uma nova rotina a qual eu realmente gostasse e me acolhesse. Era eu tentando me encaixar em algum lugar do mundo novamente.
Espero conseguir.
— Obrigado por ter me acolhido desde o primeiro dia e por sempre se preocupar se estou me sentindo em casa, ou não. Você nunca teve essa obrigação, mas de forma intrigante sempre fez isso. — precisei dizer o que estava em minha mente.
— Não é intrigante, é inevitável. — deu os ombros, explicando tranquilamente. — Eu acho que faria isso por qualquer um, na verdade. Sei como é se sentir sozinho e enfrentar mudanças radicais. Mas, não vou mentir... Você, Jimin.
— Eu...?
Ele pareceu pensar bastante antes de falar, até mesmo chegou a rir sozinho. Provavelmente do próprio pensamento.
— Espero que não soe estranho, mas você tem algo que fisga a pessoa. Faz ela querer estar sempre perto de você.
Aquilo me pegou de surpresa e fiquei até sem reação, porque não, definitivamente não.
— Você tá viajando... — ri de nervoso, ajeitando os meus óculos que sempre caíam um pouco do meu rosto. — Eu não sou tão cativante e interessante à esse ponto, tenho a plena certeza. Ai, ai... Só você mesmo, Jeon. — neguei algumas vezes. Sem jeito era meu sobrenome nesse instante.
— Não? — seu tom era surpreso. — Então esse privilégio de ser fisgado pela sua companhia sou só eu quem desfruto? Acho difícil, doutor.
— Eu apostaria que sim! Só você. Definitivamente.
— Puff! Sorte a minha, então.
— Meu Deus, você vai me deixar vermelho desse jeito! — coloquei minhas mãos nas minhas bochechas, enquanto escutava sua risada alta. — Você costuma elogiar tanto assim as pessoas?
— Talvez sim, talvez não. — deu os ombros, pareceu pensativo de verdade. — Nunca notei. Mas eu tento ser sincero.
— Okey, Senhor Sincero... Vou engolir suas respostas. — e nesse clima leve e descontraído entre a gente, eu não perco tempo em voltar a apreciar aquela vista. Mesmo escurecendo, tudo continuava muito lindo.
Quando descemos do teleférico, eu estava encantado. Não parava de comentar cada ponto que observei lá de cima, sabendo que estava sendo extremamente repetitivo pois lá no topo ainda, eu já falava de cada uma dessas coisas. Mas Jungkook interagia como se eu estivesse comentando pela primeira vez, então me sentia seguro em continuar empolgado enquanto caminhávamos entre algumas pessoas e pisávamos naquele tanto de neve acumulada no chão e em todos os lados.
— ... Foi surreal! Parecia que a gente tava voando. Eu gostei demais, sério. — eu estava mais falante que o normal, até mesmo estranhei. Eu não costumava ser tão... assim.
— Você iria amar assistir as competições de esqui, então. Na verdade, você adoraria esquiar. Devíamos vir qualquer dia. — Jeon recomendou. — Ei, vou pegar um pouco de vinho quente que vende naquela banca ali, você quer? É perfeito pra esse clima.
— Humm, eu acho que vou querer, hein?
— Tô gostando de te ver assim... Mais leve e curtindo. — ele acabou dizendo, assentindo algumas vezes. — Continue assim! Já volto. — apontou o indicador para mim antes de sair em direção ao local que tinha mostrado, que apesar de ser possível ver de longe, ele teve que se afastar consideravelmente.
E bom, eu fiquei por ali simplesmente porque onde estávamos tinha um poste o qual eu pude me apoiar para tirar meu celular do bolso.
Não consegui resistir contra o instinto de abrir meu aplicativo de mensagens só para verificar se não tinha alguma mensagem de Charlie precisando de mim, ou algo assim. Não, nadinha. Mas o que chamou minha atenção foi uma mensagem do meu melhor amigo, Taehyung, e do meu irmão mais velho.
Taehyung:
Espero que esse seu sumiço desde que se mudou
seja pq a vida por aí esteja muito boa 🕵️♀️
[enviado às 20:47]
Irmão 🤍:
Esqueceu que tem irmão?
Podemos estar longe mas continuo sendo um irmão preocupado com você, azedinho
[enviado às 20:34]
Quando éramos crianças, eu costumava ser mais raivosinho e implicante, então meu irmão começou a me chamar de azedinho. Também era uma forma de homenagear o meu tipo de bala favorito, que sempre íamos no mercado pegar. E mesmo que depois de adolescente eu não fosse mais assim, tão temperamental, o apelido afetivo continuou.
Eu também tinha um apelido pra ele: zangão. Ele costumava ser tão protetor e chato que parecia uma abelha irritante zanzando ao seu redor. Costumava ter ciúmes até mesmo de nossa mãe conversando com qualquer homem, e em uma forma de lhe criticar, comecei a lhe chamar assim. Hoje ele é mais tranquilo, afinal, sua esposa não gosta tanto de invasão de espaço pessoal (serviu muito pra ele). Mas como qualquer memória afetiva, o apelido também ficou.
Eu estava prestes à respondê-lo, quando de repente senti um baque forte contra o meu corpo, me assustando. Olhei para cima e avistei um homem, ou pelo menos vestígios de um, pois o mesmo estava completamente encapuzado, de óculos escuros e máscara preta no rosto.
Esperei uns instantes com a expectativa dele se desculpar pelo tombo contra o meu corpo, afinal, acidentes acontecem. Mas a minha expressão começou a se tornar mais tensa quando percebi sua mão agora firme no meu braço que segurava o celular.
— O que tá fazendo? Me solta. — tentei puxar meu braço de seu aperto, mas foi um ato falho. Ele me puxou de volta para si, e até com mais violência do que eu esperava. — Eu vou-
— Se você gritar, sua morte vai ser rápida. — aquela voz grossa e totalmente desconhecida falou friamente perto do meu ouvido. Com a respiração acelerada, eu puxe enxergar uma faca sendo acobertada pelas suas roupas escuras e muito próxima de minha cintura. — Só escuta o que eu vou falar, bem quietinho.
— O que você quer comigo? — foi o que consegui indagar em um tom desesperado e com minha respiração completamente descontrolada. Cheguei a olhar meio afobado para os lados, com a esperança de alguém estar achando aquela interação estranha, mas para o meu azar, ninguém parecia ligar tanto a ponto de dar atenção ao que estava rolando ali. — É dinheiro que você quer? Porque eu-
— Você vai parar com essa sua pesquisa e essa investigação ridícula sobre as baleias-azuis de Auckland. Você chegou ontem, doutor, não sabe de nada que está rolando e muito menos com quem está se metendo. Isso tudo é briga de cachorro grande, então se não quiser se dar muito mal no futuro, segue a tua vida e procura algo mais útil pra fazer nesse seu trabalhinho desgraçado. O aviso foi dado.
A cada palavra que meu ouvido captava de forma lerda pelo pavor, tirava mais da minha capacidade de me mover ou até mesmo dizer qualquer coisa.
— Larga ele agora. — uma terceira voz muito conhecida por mim foi ouvida de trás do homem camuflado. E quando ele olhou de canto e percebeu a presença de Jungkook ali, ao invés de continuar a ameaça, ele escolheu me segurar pelos ombros e simplesmente me lançar contra o corpo de Jungkook. — Filho da p...
Senti o corpo de Jungkook lutar por uns instantes contra a vontade de correr atrás do encapuzado que meteu no pé com toda a velocidade. Mas por me sentir em seus braços, ele acabou cedendo nitidamente com a maior frustração do mundo, mas virou sua atenção para mim.
— Jimin?! Jimin, você tá bem? Ele te machucou?
— Eu... tô. Acho que tô. — eu estava ótimo fisicamente, e certamente minhas reações não estavam nada parecidas com desespero mais. Tudo isso porque o choque do que aconteceu e ouvi ainda tomava conta do meu corpo.
A verdade é que eu estaria menos congelado se aquilo tivesse sido um assalto ou algo do tipo. Não, foi muito, muito pior. E eu ainda estava tentando processar.
— Fica aqui. Eu vou atrás dele! Não deve ter ido muito longe.
E por mais que o meu lado sensato e esperançoso, bem lá no fundo, soubesse que aquilo seria o mais estratégico a se fazer naquele momento para futuras atitudes sobre aquilo, ainda sim eu fiz o que meu coração acelerado pediu no momento:
— Não vai! — lhe impedi, segurando-o pelo braço. — Ele já deve ter ido muito longe. Você se esforçaria à toa, fica aqui comigo, por favor.
Percebi o cuidador analisando-me com cuidado, e notei que não precisou de muito para que ele assentisse algumas vezes.
— Tá bem, eu fico. Eu fico com você.
Seja lá o que tenha sido exatamente aquilo que aconteceu, uma coisa era certa: eu ainda precisava de uns bons minutos para processar com a devida esperteza.
[N/A]:
Esse "dia" na história ainda não acabou, próximo capítulo teremos o cuidador acompanhando o doutor até em casa após esse susto inesperado.
*Burnout: É um disturbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente
o excesso de trabalho.
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