Capítulo 7

Depois de alguns minutos de silêncio ele resolveu começar:

-- Então, me conte sobre sua vida. O que aconteceu depois que chegou aqui? - Perguntou ele.

-- Bom, no começo não foi nada fácil me adaptar. Principalmente na escola, eu era motivo de chacota, mas não me importava. Me apelidaram de gringa, acredita nisso?

-- Gringa? - Perguntou ele rindo.

-- Pois é! Segundo eles meu sotaque era muito estranho.

-- Mas você ainda tem sotaque.

-- Você também.

-- Só que eu não vivo aqui há cinco anos.

-- Ai! - Disse ela com falso tom de rancor, colocando a mão no peito - Touché!

-- Isso você sabe falar em francês.

-- Todos sabem falar essa palavra!

Enquanto Nicolas ria ela continuou contando a história:

-- Levou o ano todo para deixarem de me chamar assim. Logo depois começaram a me chamar apenas de Belmonte.

-- Belmonte? Você inventou um sobrenome?

-- Não. Eles que inventaram sozinhos. Só sabiam que meu sobrenome começava com a letra B.

-- E ninguém suspeitou de quem você era?

-- Não. As únicas pessoas que sabiam quem eu era de fato, eram Amália e a diretora. Depois uma outra colega minha ficou sabendo, aí minha vida virou de ponta cabeça.

-- Como assim?

-- Ela me chantageou. Disse que contaria para a escola inteira se eu não fizesse o que ela pedia. E como meu desaparecimento era um fato recente, logo todos acreditariam, a fofoca chegaria nos jornais e de nada adiantaria eu ter me escondido.

-- Que maldade. E o que fez?

-- Eu acatei. - Respondeu ela dando de ombros.

-- Eu não acredito! Micaela Belmok cedendo a chantagens?

-- Não tinha saída. Fiz tudo o que ela pediu. Inclusive uma prova inteira no nome dela. E eu.... Fiquei de recuperação. Ela fez da minha vida um inferno.

-- Não é possível que você tenha deixado barato!

-- Mas é claro que não! Eu a flagrei aos amassos com o maior nerd da escola. E ela gritava aos quatro cantos que o odiava. Então filmei os dois e guardei o vídeo.

-- Estou até prevendo o que vem pela frente. O que fez?

-- Eu a chantageei de volta! Disse que a escola inteira saberia do seu caso.

Nicolas gargalhou e balançou a cabeça.

-- Você é inigualável, Micaela.

-- Eu sei. Eu infernizei ela. Fiz ela me dar seu lanche por uma semana.

-- E a deixou sem nada?

-- Claro que não! Dei uma maçã a ela. - Disse rindo - Depois fiz ela trazer um croissant bem quentinho.

-- Sua vingança foi baseada em comida somente?

-- Não, claro que não. Uma vez fiz ela pedir desculpas para uma garota que ela tinha humilhado algumas semanas antes, a escola inteira ouviu. Ela preferiu isso do que assumir o nerd.

-- No lugar dele eu ficaria muito nervoso.

-- E ele ficou, mas arrumou coisa melhor.

-- Não posso crer no que fez!

-- Isso porque ainda não disse qual foi minha cartada final.

-- Eu tenho até medo de saber.

-- Bom, foi brilhante por assim dizer. No ano seguinte seria nossa formatura, então ela se candidatou a rainha do baile. Eu a deixei fazer sua campanha o ano inteiro, gastar cada centavo em cartazes, panfletos, bolinhos e até compra de votos. Apenas observei ela.

-- Ela mudou a atitude depois da chantagem?

-- Mudou nada! Continuou humilhando as pessoas. E então quando o final do ano letivo chegou eu dei meu xeque mate.

-- O que fez? - Perguntou Nicolas chegando mais perto.

-- Mandei um e-mail para ela e disse para que ela desistisse da candidatura ou então eu iria liberar o vídeo.

-- Você não fez isso!

-- Fiz. - Concluiu ela triunfante.

-- E ela desistiu?

-- No começo ela relutou. Quebrou meu celular e disse que eu estava blefando. Mas aí mandei um link para seus amigos mais próximos, e quando eles abriram lá estava o vídeo. Depois é obvio que retirei o vídeo. Mas os amigos dela quiseram saber a verdade e a pressionam. Então mandei um novo e-mail dando a ela uma semana para tirar os cartazes da escola ou então.... Aí sim ela tirou.

-- E eu achando que você era maldosa comigo!

-- Só sou maldosa com quem merece. E o que fiz serviu de algo bom pelo menos. Deu a outra menina a possibilidade de se tornar rainha do baile, uma menina que quase não aparecia, quase ninguém a notava. E é isso o que acho justo! Não uma pessoa popular ser a vencedora. Outras pessoas também têm de ser destaque.

-- Então, você foi uma espécie de justiceira?

-- Por assim dizer!

-- E qual é o nome da azarada que resolveu te enfrentar?

-- Paula Montes.

Os olhos de Nicolas se arregalaram e ele começou a rir desenfreadamente.

-- Qual a graça? - Perguntou Micaela.

-- Me desculpe. Mas parece que foi ela quem deu o xeque mate. Foi ela que me disse que você estava aqui. Estou negociando com o pai dela.

Micaela ficou paralisada por alguns instantes. Não sabia o que fazer, se chorava ou se ria. Por fim disse:

-- Ela ainda conseguiu se vingar de mim. Desgraçada!

-- Não pode ter sido tão ruim eu te encontrar!

-- Não. Mas não vai ficar assim! Ah, não vai mesmo!

-- Tem tanto ódio assim dela?

-- Não, mas existe um sentimento de que eu seja sempre a última a fazer a jogada.

-- E assim o ciclo nunca acaba!

-- Mas me fala de você. O que aconteceu nesses cinco anos?

-- Bom, creio que a maior novidade seja que agora tenho um irmão.

-- O quê?! Como assim?

-- Um pouco depois que você sumiu minha mãe descobriu que estava grávida. Gregory tem quatro anos. - Respondeu ele com tom orgulhoso na voz.

-- Eu não creio! E como ele é?

-- Bom, fisicamente minha mãe diz que sou eu em miniatura. Em questão de personalidade.... Ele é terrível. - Suspirou - Sinceramente não sei o que faço com ele, tem mania de se jogar em cima dos outros!

Micaela gargalhou alto e quando puxou o ar o barulho que fez foi de uma foca que parecia engasgada. Ela logo interrompeu o riso colocando a mão na boca enquanto Nicolas caía na gargalhada.

-- Não vejo problema na sua risada. - Disse ele.

Ela relaxou e continuou:

-- Seus pais devem estar muito felizes, não é?

Nicolas ficou sério de repente. Seus olhos se encheram de lágrimas e angústia. Ele tentou disfarçar secando-os com a mão e dando um sorriso, mas Micaela percebeu.

-- O que aconteceu? - Perguntou ela.

-- Nada. - Respondeu ele tentando parecer descontraído.

-- Nicolas, eu te conheço. Aconteceu alguma coisa.

Ele suspirou fundo e pensou que não seria de todo mal falar para ela, afinal ele precisava desabafar com alguém. Começou, então a falar:

-- Meu pai está doente. Muito doente.

-- Eu não acredito! Sinto muito. Quando descobriram?

-- Há mais ou menos um ano. Mas a doença avançou muito rápido, e ele já não tem muita força. Por isso eu assumi todos os seus compromissos, inclusive cuidar do Gregory. Claro que meu pai fica frustrado por não poder corresponder às brincadeiras dos meu irmão, ele não tem mais disposição para ficar correndo pela casa. Sendo assim acaba sobrando para mim....

-- Fazer o papel de pai. - Completou ela penalizada.

Ele balançou a cabeça afirmativamente e aquele sorriso estampado no rosto demonstrava ao mesmo tempo tristeza e um certo orgulho. Certamente do menino.

-- Eu não me queixo disso. - Continuou ele - Gregory trouxe muita alegria para aquela casa. E eu.... Estou sentindo tanta falta dele! Ele faz minha mãe me ligar todo dia para falar comigo.

-- Ele deve ter muita admiração por você!

-- Eu espero que sim.

Nicolas mal terminou de falar e seu celular começou a tocar, ao ver de quem era a ligação o sorriso se ampliou.

-- Falando nele.... - Disse - Espero que não se importe, é uma chamada de vídeo.

-- Ah, claro que não! Fique à vontade.

Ele atendeu o celular e o colocou a frente do rosto.

-- Olá!

-- Oi, meu filho! Como está? - Perguntou Suzana do outro lado.

-- Estou bem e vocês?

-- Estamos bem. Onde está?

-- No restaurante, estou jantando.

-- Ah, me desculpe atrapalhar! Eu ligo outra hora.

-- Não, não. - Interrompeu Micaela se precipitando para o lado de Nicolas para falar com Suzana - Eu não me importo com isso. Podem conversar o quanto quiserem!

-- Micaela! - Bradou a mulher - Nicolas me contou sobre você! Como está linda! Como vai?

-- Obrigada, a senhora está ótima também. Eu vou bem e a senhora?

-- Estou bem, graças a Deus.

Nesse instante surgiu o topo de uma pequena cabeça, com uma cabeleira preta muito familiar para Micaela.

-- Com quem falando, mamãe? É com o Nick? - Soou uma vozinha.

-- Sim, querido.

Logo o resto que estava escondido surgiu na tela, Gregory se empoleirou no colo da mãe gritando:

-- Nick! Quando volta?

-- Quando eu terminar meus afazeres, Gregory. - Respondeu ele.

Assim que o menino viu Micaela, se retraiu de vergonha no colo da mãe. Ele era impressionantemente parecido com Nicolas, os mesmos cabelos pretos, lisos e cheios e os mesmos olhos castanhos. A diferença era que Gregory possuía bochechas gorduchas.

Ela encarou Nicolas e perguntou:

-- Tem certeza que é seu irmão e não seu filho?

Ele gargalhou e respondeu:

-- Absoluta. - E olhando para o celular completou - Gregory, essa é Micaela, comprimente ela.

-- Oi. - Disse o menino.

-- Olá, como vai, Gregory?

-- Bem.... E você?

-- Estou muito bem. Não precisa ficar com vergonha, eu sou uma boa pessoa!

Ao ouvir essa frase ele se sentiu mais confortável e se soltou:

-- O que você e o Nick tão fazendo?

-- Estamos jantando. - Respondeu Nicolas.

-- Você vai casar com meu irmão?

-- Gregory! - Censurou sua mãe.

Micaela riu e respondeu ao mesmo tempo que Nicolas corava violentamente:

-- Somos apenas bons amigos, Gregory.

-- Ah! Achei que ia ganhar um imãozinho!

-- Querido, quando Nicolas tiver um filho ele será seu sobrinho, não seu irmão. Além disso, Deus nos livre de ter mais uma criança com você. Já faz bagunça o suficiente por duas. - Disse Suzana.

-- Ela é bonita! - Cochichou Gregory para a mãe.

-- Ei, ei! Tira o olho, mocinho. Você é muito novo para isso! - Respondeu Nicolas.

-- Ela vai voltar com você, Nick?

Os dois se encararam por um momento, constrangidos. Enfim Micaela respondeu:

-- Um dia, quem sabe posso visita-los.

-- Ah.... - Disse o menino meio tristonho - Nick, pecisa voltar logo. O papai pecisa de você!

-- Aconteceu alguma coisa? - Perguntou Nicolas preocupado.

-- Não, querido, não aconteceu nada. Gregory está exagerando.

-- Mãe, não esconda nada de mim!

-- Não estou escondendo, filho. Agora vá terminar seu jantar, já atrapalhamos demais e seu irmão precisa ir para a cama.

-- Não quelo dormir agora!

-- Mas vai.

-- Mãe....

-- Boa noite, Nicolas. Foi um prazer revê-la, Micaela.

-- O prazer foi meu!

Suzana desligou o celular deixando o filho sem entender muita coisa. Ele encarou Micaela, que se sentava de volta no lugar e disse:

-- Ela está escondendo algo de mim.

-- Tem certeza?

-- Tenho. Ela sempre desvia do assunto. Aconteceu alguma coisa. Vou ligar para ela mais tarde.

-- Se precisar de algo.... - Ela não terminou a frase, sabia que ele entenderia.

-- Obrigado!

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