Capítulo 43

Nos dias seguintes Nicolas se recuperou bem e logo estava em casa. Fez questão de assinar o contrato de união dos dois países rapidamente, e assim que o primeiro ministro e ele assinaram, foram, juntamente com Micaela, para uma reunião onde reorganizariam o Parlamento.

Alguns dias antes da cerimônia, Micaela estava na sala de estar olhando pela janela alguma coisa lá fora. Nicolas chegou devagar atrás dela e perguntou:

-- O que está olhando?

-- Ai que susto! - Disse ela se sobressaltando.

-- Me desculpe, não queria te assustar.

Ela analisou o marido mais uma vez, ele ainda estava machucado, a tipoia no braço. E seu coração se apertou um pouco.

-- Ainda não me disse o que estava olhando.

-- Na verdade nada, eu só estava divagando.

-- E estava pensando em quê?

Micaela deu um suspiro cansado e olhou para Nicolas diretamente.

-- Eu não estou pronta, Nicolas.

-- Para quê?

-- Para ser rainha. Eu não conheço o que eles discutem em um parlamento, fiquei cinco anos fora, eu não tenho a mínima noção...

-- Micaela, não existe ninguém mais preparado que você para assumir. Eles podem ter estudado, mas você viveu o que as pessoas vivem, você sabe as necessidades da população.

-- Mas não sei na teoria o que fazer.

-- Saber na prática é melhor que teoria, e para isso eu estou aqui. Não precisa e não irá fazer isso sozinha.

-- Obrigada. - Disse ela o abraçando.

-- Sabe que pode contar comigo. E acho que tenho algo que pode te acalmar um pouco.

-- O que é?

-- Mandei trazer algo.... Ou melhor, alguém que você deve estar com muita saudade e ele de você.

-- Quem é?

-- Por que não vai lá fora conferir?

Micaela saiu em disparada para o jardim e logo avistou a surpresa de Nicolas.... Lá estava o cavalo de pelagem amarela e crina preta. Mais uma vez ela saiu em disparada rumo ao animal, gritando:

-- Heros!

O animal empinou e relinchou ao vê-la chegar tão perto, com muita cautela ela tentou acalmar Heros, dizendo:

-- Calma, garoto! Sou eu. Um pouquinho diferente, mas ainda sou eu.

Nicolas observava a cena, um pouco preocupado com o que viria, mas Thomas que acabara de chegar foi logo dizendo:

-- Fica tranquilo, Nicolas. Ela sabe o que está fazendo. Heros jamais a machucaria.

Aos poucos o cavalo foi se acalmando e logo reconheceu Micaela, que alisava a crina do velho amigo para depois o abraçar de forma nostálgica.

-- Nunca mais vamos nos separar.

Micaela ficou cavalgando pelo resto do dia, ora trotando, ora em uma corrida mais rápida e por mais que Nicolas gritasse para ela ir devagar de nada adiantava. Ela adorava sentir aquele vento no rosto, e sua confiança em Heros era maior do que seu medo.

No dia seguinte, Nicolas chegou em casa e o investigador, que ele contratara para descobrir quem era o culpado dos dois atentados e as mortes suspeitas dos parlamentares, o estava esperando no escritório.

Ele se sentou na poltrona atrás da mesa e o homem logo entregou uma pasta cheia de papéis e fotografias para ele. Quando terminou de ler o relatório, Nicolas franziu o cenho de incredulidade, depois olhou para o investigador e disse:

-- Não pode ser! Isso deve estar errado, ele não pode ter feito tudo isso. Eu confiei minha família a ele!

-- Geralmente eu não costumo errar, senhor Lambertini. Faço muito bem meu trabalho, mas se quiser posso olhar novamente todos os dados que coletei e fazer um novo relatório. Mas acredito que o resultado será o mesmo. Analisei os mínimos detalhes.

Nicolas ponderou por alguns segundos, depois passando a mão pela testa respondeu:

-- Não será necessário. Depositarei seu pagamento hoje mesmo. Muito obrigado pelo serviço.

-- Eu que agradeço, senhor. Sempre às ordens.

O homem saiu e Nicolas logo pediu que chamassem Hugo ao seu escritório. Enquanto esperava, ele tirou a tipoia no braço e o movimentou levemente. Depois ficou aguardando Hugo chegar.

Quando adentrou o escritório, Hugo se deparou com Nicolas em um comportamento um tanto atípico. A cabeça estava apoiada na base da mão direita que se fechava em punho, o indicador batia levemente na têmpora e os olhos estavam fechados. Ainda assim ele percebeu sua presença.

-- Entre, Hugo. Feche a porta, por favor.

Nicolas estava em uma calma fora do comum e quando se virou para o primo, algo em seu olhar assustou Hugo. Parecia nervoso a ponto de explodir e gritar, mas a frieza em sua expressão deixava bem claro o que aconteceria se isso se concretizasse.

-- Queria falar comigo, Nicolas?

-- Sim, tenho boas notícias. Descobri o responsável pelo atentado contra Micaela e contra mim.

-- Ah, descobriu? - Hugo parecia um pouco surpreso ao fazer a pergunta.

-- Sim. Pedi a um investigador que cuidasse disso. Então ele me trouxe o resultado hoje. - Respondeu Nicolas batendo na pasta à sua frente.

-- Que bom. Então agora poderá prender o canalha.

Nicolas não respondeu e continuou encarando o primo com um olhar quase assassino, por fim perguntou:

-- Como consegue ser tão dissimulado?

-- Eu não entendi o que quer dizer com isso.

O outro deu uma risada irônica e disse:

-- Pare de joguinhos, Hugo, isso só me irrita.

-- Nicolas, você não está pensando que eu fiz tudo isso, está?

-- Não, não estou pensando. Estou afirmando. Tenho provas disso.

Hugo se irritou e elevou o tom de voz.

-- Como pode pensar uma coisa assim de mim? Esse investigador é um inútil, só tomou seu tempo, dinheiro e te trouxe uma informação qualquer. E você ingênuo caiu nessa.

-- Não zombe da minha inteligência, Hugo.

-- Como pode acreditar numa baboseira dessas? Em quem acreditará? Em um qualquer que apareceu com alguns resultados idiotas e que você nem conhece, ou em seu primo com quem conviveu a vida toda?

-- E como você pode ser tão burro a ponto de usar o mesmo nome falso que seu pai usava para ir nas boates? Você comprou a arma, que usou contra mim, com o mesmo nome inventado pelo seu pai, e achou que poderia sair impune!

Um silêncio recaiu sobre a sala e a expressão de Hugo mudou, o semblante sempre bom, e ingênuo se tornou maléfico e assassino. Um sorriso de deboche se formou em seus lábios e ele respondeu:

-- Muito bem, Nicolas. Me pegou.

-- Finalmente sua máscara caiu. - Disse Nicolas se levantando e aproximando do primo que não recuara - Como pode fazer tudo isso? Eu confiei minha vida, minha família, a empresa a você, e me apunhala pelas costas assim? O que foi que eu te fiz?

-- Nasceu. Eu poderia ter tudo, Nicolas. Tudo mesmo, se você não ficasse no meu caminho.

-- Foi tudo por ganância, não é mesmo?

-- De início eu até me contentava em ser apenas um parlamentar. Claro que eu vivia como um príncipe também, mas não era da mesma forma que você. Afinal, o sucessor era você. - Respondeu Hugo andando pela sala - Ganhava bem, tinha uma boa vida, mas aí veio a notícia de que Micaela estava viva, e você se casaria com ela. Sendo assim o acordo de anos atrás poderia voltar e os dois países se uniriam. O que me garantiria que eu não perderia minha posição no parlamento?

-- E achou que eu iria te expulsar? Te deixar desamparado?

-- Eu não me surpreenderia, considerando como seu pai era!

O sangue de Nicolas ferveu e ele foi em direção a Hugo, gritando:

-- Não tem moral para falar do meu pai! Você matou todos os que me apoiavam, os melhores funcionários que já tive se demitiram por medo, você fez de tudo para me destruir, seu desgraçado.

-- E mataria e faria tudo de novo! Você sempre teve tudo. Por que não eu?

-- Como eu fui cego!

-- Foi. Foi um grande idiota ingênuo.

-- E você nem pra ter mira para me matar, teve. - Respondeu Nicolas debochado.

-- Eu posso dar um jeito nisso. E depois de morto, eu poderia cuidar do primeiro ministro e da sua família, Gregory ainda não tem idade para assumir, logo eu sou o próximo. Agora estou pensando.... O que farei a respeito de Micaela...?

Nicolas estava perto o suficiente para acertar um soco no rosto de Hugo.

-- Não se atreva a tocar nela novamente! - Berrou - Você a machucou. Não irá se aproximar de nenhum deles!

Hugo revidou com um outro soco, jogando Nicolas para trás e respondeu:

-- É melhor nem tentar me enfrentar, sabe que não tem chance.

Novamente o sangue ferveu e Nicolas foi para cima do primo, eles trocavam socos e quebravam tudo o que viam pela frente, quando Micaela adentrou o escritório, assustada.

-- Pelo amor de Deus! O que está havendo?

-- Saia daqui, Micaela - Gritou Nicolas sem soltar Hugo.

Ela tentou segurar Nicolas por trás e afastá-lo do outro, mas sem querer ele acabou a jogando para trás, quando se virou para socorre-la, Hugo se aproveitou da situação e passou o braço pelo pescoço de Nicolas o arrastando para trás.

Micaela ajudou o marido, acertando o nariz do outro com um forte soco. Quando se viu de frente com Nicolas novamente Hugo se aproveitou de seu ferimento e acertou o mesmo lugar onde a bala um dia esteve. O outro gritou de dor, levando um outro acerto na boca do estômago e caindo de joelhos no chão. Micaela até tentou socorrer Nicolas, mas Hugo entrou na frente e foi andando em sua direção, enquanto ela recuava até encostar as costas na mesa. Ele apertou suas bochechas com uma das mãos e aproximou o rosto do dela.

-- E você? Eu tentei te livrar disso. Mas você é muito mais teimosa do que pensei.

-- Hugo, pare, por favor. Você enlouqueceu! - Respondeu ela virando o rosto que ainda era apertado por ele.

-- Não, não enlouqueci. Só escondi de você quem eu era.... E você é tão bonita!

Enquanto ele falava, ela tateava com a mão a mesa atrás de si, à procura de algo que pudesse usar para se livrar dele. Hugo ainda continuou:

-- Você nunca percebeu, não é? Eu sempre te amei. Mesmo antes de desaparecer, eu te amava. Não suportaria vê-la casada com Nicolas. Se não poderia ser minha, não seria dele, isso iria doer sim, mas nenhum dos dois a teria. Não deve se preocupar, ainda podemos concertar isso.

Quando ela achou o peso de papel, levantou a mão e o acertou na cabeça ao mesmo tempo em que Nicolas o puxava para trás e o lançava contra a enorme estante que estava atrás deles. Os homens continuaram trocando socos, quando Hugo empurrou Nicolas contra a mesma estante o fazendo bater a nuca em uma quina no móvel. No mesmo instante sua cabeça latejou e o mundo girou ao redor, sendo assim ele não conseguiu estabilidade para se manter em pé e acabou caindo novamente.

Micaela via que a situação não era favorável para o marido, então contornou a escrivaninha e abriu uma gaveta, pegando uma pistola que Nicolas escondera ali. Apontou para as costas de Hugo que se aproximava de Nicolas mais uma vez.

-- Não se atreva a encostar nele. - Gritou ela.

Calmamente Hugo deu meia volta e ainda com aquele olhar diabólico respondeu:

-- Você não teria coragem.

-- Não duvide de mim. Portanto se afaste de Nicolas.

-- Não irá conseguir. Está tremendo.

Hugo tinha razão, Micaela tremia tanto que precisou usar a mão esquerda para apoiar a direita e deter ao menos um pouco a tremedeira.

-- Garanto que melhor que você ela será. - Respondeu Nicolas debochado, ainda no chão.

-- Cala a boca! - Bradou Hugo se voltando para o primo e o chutando com força.

Micaela não pôde admitir aquilo mais, Hugo não iria ferir Nicolas novamente. Portanto ela puxou o gatilho, mesmo sem mirar. O tiro não acertou Hugo, mas pegou de raspão em sua perna.

Ele urrou de dor e novamente dirigiu o olhar para ela, Hugo perdera o controle de vez e avançou na direção de Micaela com fúria, gritando:

-- Sua desgraçada!

No entanto ele não chegou tão perto dela, pois Nicolas já havia se recuperado e agarrou o primo por trás, passando o braço ao redor de seu pescoço da mesma forma que Hugo fizera com ele há poucos minutos. Ele acertou a parte posterior dos joelhos de Hugo o fazendo ceder no chão e apertou ainda mais o braço ao redor do seu pescoço, dizendo:

-- Você nunca mais chegará perto dela.

Micaela vendo que o marido estava prestes a fazer uma besteira, resolveu intervir:

-- Nicolas, pelo amor de Deus, não!

Ainda segurando a pistola tentou tirar o braço dele do pescoço do primo, mas ele sequer se movia, muito menos a olhava. Estava cego de raiva e o olhar de assassino estava ali, era óbvio que naquela hora ele faria de tudo. Os seguranças chegaram e tentaram intervir, mas Micaela os parou. Qualquer movimento deles poderia incentivar Nicolas a acabar com aquilo de vez.

-- Nicolas, olha pra mim. - Pediu.

E quando ele não atendeu ao pedido, ela repetiu:

-- Olhe para mim, por favor.... Nick.

Ela nunca o chamava pelo apelido, a não ser que a situação fosse realmente grave, ou quando ela queria lhe chamar a atenção, sendo assim ele ergueu os olhos e ela começou a falar:

-- Por favor, solte-o.

-- Ele te machucou. Tentou me matar.

-- Eu sei, mas não pague na mesma moeda. Você não é um assassino, Nick, não faça algo que vá se arrepender mais tarde. Você não é como ele.

Nicolas nada respondeu e quando Micaela viu que Hugo já começava a ficar roxo, resolveu apelar:

-- Por favor, solte-o. Tem noção do que pode acontecer? Não pode ser preso, não pode me deixar aqui sozinha!

Ao ouvir isso ele relaxou um pouco o braço, mas ainda segurava o outro com força. Encarou Micaela se fixando naqueles olhos azuis que imploravam para ele não fazer nenhuma besteira. Por fim, ele soltou Hugo que caiu no chão tossindo e puxando o ar com força. Micaela correu na direção de Nicolas e o abraçou com força enquanto ele pedia aos seguranças:

-- Tirem esse desgraçado daqui. Chamem a polícia e o segurem até eles chegarem.

Quando ficaram sozinhos, Nicolas abraçou forte Micaela e ficaram ali, naquela sala destruída, por longos minutos.

Ele se desprendeu dela, que ainda tremia, e tomando pistola de sua mão e colocando em uma cadeira que havia ido para perto dele, disse:

-- Me dê isso. Como sabia onde eu tinha deixado a pistola?

-- Você não é muito bom em esconder coisas. - Ambos riram e ela completou - Foi ele, não foi? Ele fez tudo aquilo?

-- Foi. Filho da....

-- Eu sabia que não faria nenhuma besteira. - Interrompeu ela tentando o acalmar.

-- Não teria tanta certeza. Se não fosse você talvez eu tivesse feito. Eu queria mata-lo, não suportei o ver te tocando.

-- Você não é como ele, Nicolas.

-- Ainda bem. - Disse ele e se sentou na poltrona, acariciando o ombro esquerdo - Não creio que fui tão idiota!

-- Você não foi idiota. Ele era seu primo, cresceu com ele é natural que confiasse. O ombro está doendo, não é?

-- Um pouco.

Ela retirou seu paletó e constatou que não havia nenhuma mancha de sangue ali, mas olhando bem para Nicolas, o sangue escorria em demasia pelo nariz e pela boca.

-- Por sorte os pontos não abriram, mas temos que cuidar desses machucados.... E tirar essa camisa. - Respondeu ela ao ver a camisa de Nicolas manchada de sangue.

-- Depois cuidamos disso. Ele te machucou? - Perguntou ele pegando a mão de Micaela e constatando que estava um pouco vermelha.

-- Não. Eu estou bem.

-- Me desculpe.

-- Pelo quê?

-- Eu te empurrei....

-- Não. Não foi sua culpa, foi no calor do momento.

-- Mas eu não te machuquei?

-- Não! Fique tranquilo.

-- Obrigado.

Laura, Heitor, Susana e Thomas que estavam fora da casa, chegaram ao mesmo tempo na sala.

-- O que aconteceu aqui? - Perguntou Susana.

-- Uma longa história, mãe.

-- Então comece a contar.

-- Hugo, foi o responsável por tudo que aconteceu. Inclusive os atentados.

-- O quê? Hugo? Não, meu filho.... Talvez você tenha se enganado, ele....

-- Mãe, o investigador trouxe tudo para mim. Eu também não quis acreditar, mas.... Foi ele.

-- Meu Deus! O que deu nele?

-- Hugo era ganancioso, mãe. Nós é que não percebemos, ele enganou a todos.

-- Ao menos agora sabemos quem foi o desgraçado. - Comentou Thomas que obviamente também estava irado - Podemos ficar mais tranquilos, não incomodará mais.

-- Não mesmo. - Disse Nicolas com convicção.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top