Capítulo 4
No outro dia ele a observou sair correndo da faculdade, com uma expressão de desespero no rosto, aquilo por um certo motivo o deixou alarmado. Quando o viu os ombros de Micaela caíram e um certo cansaço se abateu sobre ela.
-- Você não vai desistir, não é, Nicolas?
-- Não.
-- Olha só, hoje estou sem tempo para discutir, preciso ir para casa e depois ir correndo para o serviço. - Dizendo isso ela começou a caminhar.
-- Por quê? - Perguntou ele a acompanhando.
-- Esqueci minha roupa, não posso trabalhar com esse trapo velho. Tenho que trocar de roupa.
-- Eu te levo.
-- Ah, Nicolas....
-- Me deixa te ajudar. Pelo menos uma vez.
Ela suspirou vencida e respondeu:
-- Tudo bem, mas só porque preciso me apressar.
Entraram no carro e Micaela foi explicando o caminho. Em vinte minutos estava em frente a uma casa cinza e branca, de dois andares, com grades brancas e um jardim diminuto.
Ela saltou do carro rapidamente enquanto ele ficaria esperando por ela no carro, mas para a surpresa dele, Micaela voltou e perguntou:
-- Não vai entrar?
-- Eu.... Claro!
Ele a acompanhou e meio acanhado entrou na sala. O cômodo era muito bem-disposto, um sofá cinza dava de frente para a televisão que ficava na parece direita. Já na parede oposta, uma estante com livros e porta retratos ficava ao lado da escada de madeira que levava ao andar de cima.
Uma mulher negra e muito bonita saiu dos fundos da sala onde tinha uma porta já perguntando:
-- O que aconteceu, Micaela? Por que voltou?
-- Esqueci minhas roupas do serviço. - Disse já subindo a escada, mas parou no meio e os apresentou - Ah, esse é a Chiara, a dona da casa. E esse é o Nicolas, meu noiv.... Ex noivo.
-- Esse é o Nicolas? - Indagou a mulher surpresa o estudando de cima a baixo.
-- Noivo! - Constatou ele, e dando de ombros acrescentou quando ela lhe lançou um olhar fulminante - Nunca terminamos o compromisso de fato! Muito prazer.
-- O prazer é meu!
Nicolas continuava olhando para Micaela desafiadoramente. Por fim ela respondeu:
-- Você não merece nem resposta, Nicolas. Se eu não estivesse tão atrasada você veria onde iria parar esse seu atrevimento.
Dizendo isso ela terminou de subir as escadas deixando ele e Chiara a sós.
-- Sente-se, por favor. - Disse ela apontando para o sofá.
-- Obrigado. - Respondeu ele se acomodando.
-- Me desculpa, hã.... Alteza?
-- Pode me chamar de Nicolas. Não gosto de títulos.
-- Ufa! Torna tudo mais fácil.
Ele riu e Chiara continuou:
-- Me desculpe não te reconhecer. É que.... Bem, seu país....
-- Não é muito conhecido. Eu sei, e as vezes fico feliz com isso. Só me reconhecem quando estou andando por Vienere.
-- E o que está achando daqui?
-- É agradável. Um pouco quente eu diria, mas agradável.
-- Sei.... E.... Como conheceu Micaela? Ela não falou muito de você!
-- Crescemos juntos. Nossas famílias são bem unidas.
-- Entendo.
-- Onde está sua família? - Perguntou ele mudando de assunto.
-- Ah, minhas filhas estão no trabalho. Estou só em casa.
-- Ah, sim!
Um silêncio constrangedor se estabeleceu na sala enquanto aguardavam Micaela descer.
Cinco minutos depois ela desceu correndo as escadas, toda afobada.
-- Podemos ir?
-- Claro! - Respondeu Nicolas se pondo de pé prontamente.
Antes de saírem Chiara deu uma piscadela para Micaela como se dissesse: "Aprovado!"
Entraram no carro e Micaela começou a se arrumar melhor.
-- Trabalha com o quê? - Perguntou Nicolas olhando-a passar o batom.
-- Já não disse? Sou auxiliar administrativa.
-- Disse? Não me lembro.
-- Pois bem.
-- Ganha bem?
-- Por que quer saber quanto ganho?
-- Curiosidade. E estou sem assunto. - Deu de ombros.
-- Pouco mais de um salário mínimo.
-- Hum.
Ele não pareceu gostar muito da ideia. Virou-se para frente e ficou calado, enquanto Micaela mais uma vez dava as instruções ao motorista de como chegar ao local.
Chegando ao local Nicolas segurou o braço de Micaela antes que ela saltasse.
-- Não precisa fazer isso! - Disse ele.
-- Isso o quê?
-- Trabalhar. Quer dizer.... Pode ter tudo com um estalar de dedos e ainda se sujeita a isso? Não tem necessidade de se rebaixar.
-- Rebaixar? - Indagou ela irritada.
-- Não foi isso que quis dizer.... E-eu - Tentou argumentar ele nervoso - Quer dizer.... Se sujeitar a capricho de patrões, ganhar pouco e....
-- Me deixe perguntar, Nicolas, alguma vez já teve que trabalhar?
-- O que acha que estou fazendo aqui? Meus negócios são uma forma de trabalho.
-- Não, não me refiro a turistar por outro país, ser venerado, assinar papéis numa sala confortável.... Estou falando de trabalhar mesmo. De aguentar um calor de quarenta graus apenas com um ventilador na cara, de ter que colocar a mão na terra porque precisava cuidar da lavoura para sustentar sua família. Já teve que acordar às cinco da manhã, preparar a marmita e pegar um ônibus para trabalhar? Fazer o serviço o dia todo e torcer para o horário do almoço chegar logo? E quando ele chega, esquentar sua marmita, comer a comida do jantar da noite anterior? E depois disso trabalhar o resto do dia, as vezes até às seis, sete, oito horas da noite? Para de pois pegar o ônibus lotado, chegar em casa, tomar um banho e ir se deitar porque no outro dia a rotina se repete? As vezes nem isso! Há pessoas que dormem meia noite para acordar às quatro da manhã! Já viveu isso?
-- Não. - Respondeu ele seco.
-- Pois eu já ouvi muitas histórias assim. Já ouvi situações que se eu pudesse usar meu poder eu usava. Já vi pessoas morrerem na fila de um hospital, já vi pais de família serem demitidos sem a menor piedade, já vi pessoas passando fome, já vi mães chorarem porque não conseguiam dar a comida que seu filho queria. - Ela dizia isso com a voz embargada pelo choro - E enquanto isso, governantes tiranos apenas aumentam as suas riquezas às custas do povo que luta apenas para sobreviver! Eles não se importam, Nicolas, não se importam com aqueles que não tem nada! Só querem mais e mais e mais! E essas são coisas que se eu não descesse daquela porcaria de trono, eu jamais veria!
Um minuto de silêncio desconcertante se seguiu. Então ele resolveu falar:
-- Me desculpe. Não queria que se sentisse assim.
Ela elevou mais a cabeça e respondeu:
-- Eu sinto orgulho de ter meu dinheiro suado, Nicolas. Porque aquele que está em Montanaris é dos meus pais. E agradeço por pelo menos ter um emprego. Quer se redimir? Então comece a pensar em um país melhor para a sua população, e não em uma outra maneira de mais dinheiro entrar no seu bolso.
Dizendo isso ela saiu do carro e bateu a porta, deixando Nicolas atônito e pensativo.
Parecia que ele tinha o dom de falar sempre a coisa errada.
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