Capítulo 31

"Porque estamos todos quebrados
Todos terminamos sozinhos

Mostre-me que você é humano, você não irá quebrar
Oh, ame as suas falhas e viva pelos seus erros
Beleza está se esgotando na superfície
Chegue perto, mostre as marcas sobre a sua pele
Mostre-me que você é humano
Mostre-me que você é humano"

Human - Gabielle Aplin

Por três dias ele sequer saíra da biblioteca, bebia demais e constantemente estava irritado.

E seu humor piorou consideravelmente quando recebeu a notícia de que o parlamento se reuniria no meio da semana.

Em uma noite, seu amigo Henry, um homem alto de pele morena e grandes olhos castanhos, resolveu fazer uma visita, mas por mais que tentasse um diálogo, Nicolas não respondia. Estava embriagado demais e dizia muitas coisas confusas.

-- Eu zou um igiota, Henry! – Disse Nicolas jogado no sofá de couro marrom. Nas mãos uma garrafa cheia de conhaque, e pela biblioteca mais três quase no fim.

-- Por que diz isso?

-- Eu eztraguei tudo! Não pozzo nem zer chamado de homem. Vui um covarrrge.

-- Não estou entendendo, e não é por causa da sua voz engrolada.

-- Vai se ferrar! Zai daqui. Quero vicar zozinho.

-- Você quem sabe!

Henry saiu da biblioteca dando de cara com Susana que o olhava de modo interrogativo.

-- Ele não está falando coisa com coisa. – Disse ele – Achei melhor deixa-lo sozinho.

-- Pode deixar comigo. Eu cuido de Nicolas. Obrigada, Henry.

-- Disponha.

Ela entrou na biblioteca e a visão de seu filho não lhe agradou nem um pouco.

-- Nicolas, tem que se levantar! – Foi dizendo – Pare de tomar essa porcaria imediatamente.

-- Me deixa, mãe.

-- Não, não deixo! Não vou admitir meu filho jogado nesse sofá dessa maneira. Eu sei que está sofrendo. Sei que sente, Nicolas, mas nós também sentimos....

-- Para....

-- Nós precisamos de você. Agora você é nossa base....

-- Não zou tudo isso! Para.... – Respondeu ele colocando a garrafa de lado.

-- Você tem a casa, a empresa. Sei que vai demorar para tudo voltar ao normal, mas nós vamos estar aqui para você. Precisa estar aqui para nós também. Precisa ser forte, levantar daí e....

-- Chega! – Berrou Nicolas virando a mesa de centro à sua frente – Para de colocar rezponsabilidades naz minhaz coztaz! Eu não aguento maiz! Eu tô zempre.... zempre vazendo de tudo! Eu tô zempre zendo rezponzável, cuidando da família, da porra da empreza, vazendo a vontade dos outros. E o que rezebo da vida? Um grande dedo do meio!

-- Nicolas....

-- Zabe por que eztou azzim agora? Zabe por que não pozzo aguentar maiz?

Quando Susana não respondeu ele continuou:

-- Porque eu zou um cachorrinho adeztrado do parlamento.... É izzo mesmo, mãe. Zeu filho é um grande covarge! E zabe por que izzo acontezeu? Porque meu grande pai cedeu a chantagem! Ééééé.... Ele zuperfaturou obras e vez o que aquelez filhoz da puta queriam.

-- Você está bêbado....

-- Eu não terminei! – Gritou – Depoiz de tudo o que zeu marido vez, agora eu zou obrigado a vicar calado. "Vica quietinho, Nicolaz, ou zeu pai.... vai pra cadeia". Agora no cazo zou eu, já que ele não eztá maiz aqui!

Susana estava perto o suficiente para acertar um tapa na cara de Nicolas, que acabou caindo sentado novamente no sofá tamanha era sua embriaguez. Um misto de tristeza e decepção se acumulava no peito de Susana e fazia o nó na garganta aumentar. Sabia o que ele estava passando, mas não imaginava que Nicolas podia descer tão baixo assim.

-- Acha que eu não sei? – Perguntou.

-- Zabe?

-- Sim. Seu pai e você nunca conseguiram me enganar, Nicolas.

-- Ah, claro! Vozê é ezperta! – Respondeu ele batendo com o indicador na têmpora e se levantando.

-- Seu pai estaria decepcionado se estivesse aqui.

-- É, maz cadê ele? Me rezponde, mãe. Cadê ele?

Ela não teve tempo de abrir a boca, pois Gregory apareceu na porta perguntando:

-- O que está acontecendo, mamãe?

-- Tá vazendo o que aqui, pirralho?

-- Não fale assim com ele! – Respondeu Susana indo em direção ao filho caçula – Ele não tem culpa do irmão ter enchido a cara e estar falando besteiras. Vamos, Gregory, você precisa ir para a cama.

-- Izzo, Gregory! Aproveita e dorme agora. Poiz vozê é o prózimo na linha de zuzezão. E quando azzumir vai zer azzim!

-- Pare de assustar o menino!

-- Não eztou azzuztando! Eztou avizando, coiza que ninguém aqui vez por mim.

-- Eu não te reconheço mais. Essa coisa aí dentro não é meu filho!

Ela saiu levando Gregory no colo e quando Nicolas se viu sozinho na biblioteca esvaziou o resto da garrafa de conhaque e se jogou novamente no sofá. No entanto as lembranças ainda o atormentavam e a raiva subiu novamente, então ele se levantou e começou a arremessar enfeites, cadeiras, poltronas, garrafas e tudo mais o que via pela frente. Em minutos a sala não passava de uma confusão e ele se sentou no sofá. Colocou a cabeça entre as mãos e gritou como se aquilo pudesse esvaziar o peso que estava acumulado em seu peito.

Alguns minutos depois, Susana voltou com uma manta nas mãos e encontrou Nicolas dormindo no sofá. Ainda estava ressentida, mas seu coração de mãe logo de compadeceu da situação do filho. Ela se aproximou e colocou a manta sobre ele - que estava em um sono tão profundo que sequer se moveu - passou as mãos pelos cabelos negros depositou um beijo em sua testa dizendo:

-- Eu vou sempre estar aqui, meu menino!

Logo depois apagou as luzes e saiu fechando a porta.

Nicolas estava em um cenário totalmente escuro, não via nada sob seus pés ou sobre sua cabeça, e sequer enxergava um palmo à frente do nariz. Estava confuso e não sabia para onde ir. Mas então um pequeno flash de luz se acendeu na sua frente e ele teve um vislumbre de uma silhueta muito conhecida.

-- Pai?

-- Olá, Nicolas. – Respondeu Benício.

-- Eu estou morto?

-- Não, mas se continuar bebendo como está, não vai demorar muito para isso.

-- Não pode me julgar. Não sabe o que estou passando.

-- De fato não sei, mas não criei meu filho para se render assim. Não o criei para ser um covarde. Tem que se levantar.

-- O senhor me deixou com um mundo de problemas nas costas! – Esbravejou Nicolas – Eu não sei se consigo lidar com tudo isso.

-- Eu não teria confiado em você nos últimos anos se não pensasse que é perfeitamente capaz de passar por tudo isso.

Nicolas abaixou a cabeça e suspirou, por fim olhou de volta para o pai e disse:

-- Eu não sei nem por onde começar.

-- Pelo começo.

Dizendo isso Benício começou a desaparecer e o lugar começou a se clarear.

-- Que começo? Pai, espera....

Ele tentou dar alguns passos para alcançar o pai, mas ele já havia partido.... novamente.

Quando se virou e observou a paisagem, Nicolas se impressionou com a visão. Estava em um campo aberto, o chão era perfeitamente plano e o gramado muito verde, não havia nada por perto, apenas natureza. De repente uma força invisível o jogou de joelhos no chão e a grama começou a subir em sua perna, o prendendo. Desesperado ele lutou para sair dali, mas quanto mais arrancava a grama, mais ela se agarrava à sua perna e o mantinha preso.

-- Nicolas?

Ao escutar a voz familiar ele rapidamente parou de lutar e levantou a cabeça. Era ela.... Ela estava ali.

-- Micaela!

-- Tem que se levantar.

-- Eu estou tentando.

-- Tem que ser forte, por favor!

-- E você precisa me ajudar, Micaela. Eu não vou conseguir me soltar sozinho!

-- Não posso! Você está muito longe!

Longe? Como assim? Ela estava logo ali na sua frente.

O cenário atrás dela começou a escurecer novamente. Nuvens pesadas se acumulavam e relâmpagos riscavam o céu. Ventos fortes começaram a soprar e o rosto de Micaela ficou coberto pelos fios do cabelo. O problema era que a tempestade parecia caminhar para eles.

-- A tempestade está vindo. – Anunciou ela – Terá que aguentar firme.

-- Micaela, sai daí! – Gritou.

-- Precisa me ajudar, Nicolas.

Ele começou a se debater mais na tentativa de se soltar, mas a grama só o apertava mais e agora começava a subir pelos braços o puxando mais de encontro ao chão.

-- Micaela.... Sai daí! Pelo amor de Deus.

A cada vez o vento soprava mais forte e Nicolas não possuía estabilidade alguma.

-- Micaela.... – Gritava enquanto tentava se soltar.

A tempestade estava perto demais e o desespero o consumia. Todo esse sentimento aumentou quando Micaela o olhou e com as lágrimas escorrendo disse:

-- É tarde demais.

Ela fechou os olhos e as nuvens a engoliram.

-- Não! – Gritou Nicolas se levantando assustado.

De repente tudo se acalmara, todo o cenário havia sumido e ele estava na biblioteca. Uma manta estava sobre seu corpo e tudo ao redor estava quebrado. O entendimento caiu sobre si. Fora apenas um pesadelo, ainda assim parecia tão real.... O coração ainda insistia em martelar no peito, como se realmente tivesse vivido aquilo, a cabeça doía imensamente e os olhos ardiam por causa da claridade. Uma onda de enjoo invadiu seu corpo e ele teve de correr para o banheiro e despejar tudo no vaso sanitário. Depois de mandar tudo embora, ainda ficou dez minutos de joelhos com a cabeça encostada no braço.

Levantou-se devagar e saiu da biblioteca, sabia exatamente o que deveria fazer.... Procurar sua mãe.

Encontrou-a sentada tomando o café da manhã. Ao olha-la, Nicolas pôde perceber o tamanho da decepção de Susana, ele fora um completo idiota.

-- Mãe...

-- Sim? – Respondeu ela com tom indiferente.

-- Podemos conversar?

-- Estou ouvindo.

Ele se aproximou e sentou-se perto dela. Com sinceridade na voz e no olhar começou:

-- Me perdoe, eu fui um idiota.

-- Que bom que admite isso.

-- Eu sei que não deveria ter feito aquilo e que há outros meios pelos quais eu posso resolver meus problemas, mas.... Eu só queria esquecer tudo. Pelo menos uma noite.

-- E até quando você vai ficar fugindo de seus problemas, Nicolas? Não foi só ontem, faz dias que você está assim, tentando fugir da realidade! Não vê que nós estamos aqui? Não vê que vamos te apoiar? Tudo.... Tudo o que estiver ao meu alcance, meu filho, eu farei por você. – Sua voz se abrandou – Nós somos uma família, Nicolas. E é nesses momentos que precisamos nos apoiar!

-- Eu sei. Vou tomar as rédeas novamente.

-- Era isso o que eu queria ouvir.

-- Eu só estava confuso e com medo.... Não sei se vou ser capaz de assumir, ou dar continuidade no que meu pai fazia....

-- Eu já te contei porque nós te demos esse nome, filho?

-- Não.

-- Bom, quando você nasceu, nós ainda não sabíamos que nome te dar.

-- É bom saber que eu não tinha um nome até nascer. – Responde Nicolas rindo.

Susana sorriu também e continuou:

-- A questão é que seu pai e eu sempre pensamos em escolher um nome que tivesse um grande significado. Por isso demoramos tanto. Até que encontramos o nome Nicolas, e o pusemos em você. Sabe o que significa?

-- Não.

-- O que conduz o povo à vitória. Vitorioso.

-- Eu não sabia disso.

-- Pois bem, acreditávamos que você seria um grande homem, assim como o é. Você sempre nos deu orgulho, filho. Seu pai acreditava em você e eu também acredito. Você é forte.... Nicolas.

-- E Vicenzo? De onde vem?

-- Ah! Esse foi ideia da sua avó. Ela queria colocar esse nome, e seu pai para agrada-la acabou deixando como segundo nome. E por uma incrível coincidência, também significa "vencedor". Então acredito que você seja duas vezes vencedor.

Ele ficou alguns minutos em silêncio absorvendo tudo o que a mãe dissera, por fim perguntou:

-- Você me perdoa?

-- Como eu poderia não perdoa-lo, filho? Já fiz isso há muito tempo.

-- Obrigado, mãe.

Nicolas se levantou e deu um abraço apertado em sua mãe. Há muito tempo não fazia isso e a sensação que o invadiu naquele momento foi de tranquilidade. Ela estaria.... Ela estava ali para ele. Não importasse o quão cretino ele fora, ela sempre o ajudaria a se levantar.

-- Muito bem. – Disse ela se afastando um pouco – Agora suba e vá tomar um banho. Está cheirando a álcool.

Nicolas riu e respondeu:

-- Sim, senhora. Mas primeiro eu preciso falar com outra pessoa. Onde está Gregory?

-- Está brincando lá fora, pedi para a babá leva-lo para tomar um pouco de ar.

-- Eu vou lá.

-- Tome cuidado com o que diz, ele ficou bem assustado ontem.

-- Terei cuidado.

Nicolas saiu e não demorou muito para que encontrasse o irmão. O menino estava sentado no gramado brincando com um carrinho.

-- Greg! – Chamou Nicolas se aproximando.

Ao ver o irmão mais velho se agachar à sua frente, Gregory se encolheu pronto para o que viria.

-- Pode nos dar licença, por favor? – Pediu Nicolas à babá, e assim que ela se afastou ele continuou a falar com o pequeno – Podemos conversar?

-- Você vai bigar comigo de novo?

-- Não. Muito pelo contrário. Eu vim pedir desculpas.

-- Decupa?

-- Sim, eu não deveria ter gritado com você ontem. Perdi a paciência. Fui um bobão.

Gregory que até então encarava o chão, levantou os pequenos olhos castanhos para o irmão e disse:

-- Você disse que ia cuidar da gente igual o papai. Mas o papai não era assim.

Aquilo atingiu em cheio o peito de Nicolas, e a sensação de remorso e culpa o consumiram. O que Gregory havia dito fora como uma faca em seu coração. Ele realmente tinha prometido cuidar dos dois ao dar ao irmãozinho a notícia que o pai deles não voltaria. E ele decepcionara todos. Não tinha como concertar o passado, mas poderia muito bem ser melhor no futuro. O menino não lhe deu a chance de responder e continuou:

-- E você é meu papai também.

-- Gregory, eu não.... - Sem saber como dizer aquilo ao garoto Nicolas apenas mudou de assunto - Greg, eu sei que te decepcionei. Mas eu prometo que isso não vai se repetir. Eu nunca mais vou gritar com você ou com a mamãe.... Eu vou cuidar de vocês.... E preciso que cuidem de mim, também.

O rosto do menino se iluminou ao ouvir aquela frase. Para ele ter a chance de "cuidar" de Nicolas era a melhor coisa que poderia acontecer.

-- Você qué que eu cuide de você?

-- E da mamãe também, não se esqueça. Acha que pode me ajudar?

Gregory se levantou e começou a pular como uma pequena pipoca enquanto dizia:

-- Eu posso, eu posso!

-- Então.... Estou perdoado?

-- Sim.

-- E mereço um abraço?

O menino saltou nos braços do irmão e o apertou o máximo que conseguia, por fim se afastou fazendo uma careta e disse:

-- Você fedendo!

Nicolas jogou a cabeça para trás e gargalhou respondendo:

-- A mamãe já disse isso. Também prometo que vou tomar banho.

Um pouco mais tarde, Susana encontrou Nicolas sozinho. Novamente estava tocando o piano, essa era uma boa herança que Benício deixara. Todas as vezes que ele se sentia melancólico ou até mesmo feliz, ele se encaminhava para o piano e ali ficava horas. Com Nicolas não era diferente, perdia horas e horas ali, como se para ele o tempo não passasse. E mais uma vez a melodia calma, e um pouco triste estava presente. Logo ela notou que algumas lágrimas estavam escorrendo dos olhos dele enquanto tocava. Aquela era a primeira vez em muitos meses que ela o via chorar sem nenhum constrangimento.

Ela reconheceu a música. Se chamava Una Martina, de Ludovico Einaudi.

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