Capítulo 26


Depois de terem almoçado em um restaurante, ela se dirigiu ao banheiro para trocar as roupas e ir para o trabalho, Nicolas aproveitou que havia ficado sozinho com Marcos para pedir um conselho.

-- Marcos, ela não pode saber de nada disso. Mas é tão esperta que já desconfia de algo. Não sei o que faço.

-- Isso porque ela ainda não notou a borra de batom no canto da sua boca, senhor.

-- O quê?! Onde? Tenho que tirar. Me dê o guardanapo.

O mordomo rapidamente ajudou o patrão a limpar a marca, sabia que Nicolas não havia traído Micaela propositalmente. Criara aquele menino e sabia exatamente do que ele era capaz, e pelo brilho que via nos olhos do garoto toda vez que via a noiva, duvidava muito que um dia ele a trocasse por outra. Concluiu que aquilo deveria ser obra da outra moça de quem Nicolas falara, com fúria, para ele.

 Voltou a dizer com toda a sua sabedoria e experiência:

-- Se me permite, senhor. Devo dizer que a melhor decisão a ser tomada é contar a verdade.

-- A verdade?

-- Sim, a senhorita Micaela é muito inteligente. Não pode esconder isso por muito tempo. Se quer construir um bom relacionamento com ela, é preciso que seja sincero.

-- Mas ela vai me odiar! Ainda não sei porque peço seus conselhos.

-- Talvez seja porque já vivo há vinte e cinco anos com a mesma mulher, senhor. E porque eu tenha experiência a lhe oferecer.

-- Sim, talvez seja. Como consegue se dar tão bem com ela?

-- Coma base em tudo que já te disse, meu jovem. Sinceridade, confiança, respeito. Eu luto para conquista-la todos os dias, enquanto que ela não precisa fazer esforço algum, pois apenas com um sorriso me prendeu a ela pelo resto da vida.

Nicolas o encarou pensativo, a cabeça trabalhando em mil coisas ao mesmo tempo.

-- Tudo bem, vou contar, mas no momento certo. Que não é esse.

Pouco depois Micaela saiu do banheiro, e do restaurante a levaram direto para o serviço. Ela não engolira aquela história de Nicolas e resolveu comentar com a amiga, Amália, que vinha agindo estranho o dia todo.

-- Dá para acreditar nisso? Ele chega cheirando perfume de mulher e ainda quer me enganar! Mas não vai ficar assim, não vai mesmo. O que foi, Amália? Parece esconder alguma coisa.

-- Eu não queria fazer fofoca, Micaela, mas....

-- Mas o quê? – Instigou ela.

-- .... Eu o vi entrando no bosque atrás da faculdade, tinha uma caixinha, como aquela que se coloca joias, na mão. Depois de uns minutos saiu de lá, mas estava desgrenhado e com a camisa um pouco abarrotada. Pode ser que eu tenha me enganado, talvez seja apenas um mal-entendido.

Micaela a encarava com um olhar incrédulo, com os olhos cheios de lágrimas e a boca meio aberta. Parecia congelada perante aquela ideia.

-- Mal-entendido, Amália? Pois para mim parece muito claro o que aconteceu.

-- Mi, não tire conclusões precipitadas.

-- Não estou tirando conclusões precipitadas, eu estou constatando fatos! Aquela caixinha não foi para mim. Eu não estava no bosque, eu não o amarrotei, então quem foi?

-- Dê a ele a chance de se explicar!

-- Não tem o que explicar, Amália, não tem!

De noite, quando saía do serviço, Micaela se deparou com Nicolas à sua espera no saguão do prédio. Caminhou em direção a ele, mas passou reto sem corresponder ao sorriso que ele lhe lançava. Saiu do prédio e chamou um táxi que passava na rua, não iria entrar no carro dele de maneira alguma, ou era capaz de enforca-lo ali mesmo. Logo ele veio atrás cheio de questionamentos.

-- Micaela, o que foi isso?

Ela permaneceu em silêncio.

-- Por que não me responde?

-- Por que não te respondo? Porque eu seria capaz de cometer uma loucura se me atrevesse a abrir a boca, assim como estou fazendo agora.

-- Não estou te entendendo.

-- Vai lá com sua garota ver o que ela achou da joia que você deu para ela. Aproveita e fica por lá mesmo.

Ele empalideceu, o coração começou a martelar mais forte produzindo um zunido nos ouvidos. Como ela descobriu aquilo? Não podia saber somente pelo cheiro do perfume! Será que Liara contara para ela? O que será que ela estava pensando? Será o que o perdoaria? Será que ainda o amava?

-- Amor, não é isso que está pensando....

-- Não me chame de amor, Nicolas. Não use essa palavra de novo. Eu conheço muito bem essa frase, todos usam ela.

-- Mas eu estou falando a verdade, não foi o que você imaginou....

-- Ah não? Você entra no bosque com uma caixinha de joia na mão, sai amarrotado, com o cabelo desgrenhado e cheirando a perfume. Que conclusão quer que eu tire disso? O que isso lhe parece? Me diz!

-- Eu posso muito bem me explicar se vier comigo....

-- Eu não vou a lugar algum com você! E tire suas mãos de mim! – Gritou ela quando ele se aproximava para toca-la – Eu fui idiota! Achava que sentia algo por mim....

-- Mas eu sinto!

-- .... Enquanto que você só brincava comigo! – Ela não podendo conter mais as lágrimas, deixou-as rolar – Isso tudo foi para se vingar de mim? Só porque eu não te dei explicações do meu desaparecimento você fez isso? Queria me seduzir apenas para me levar de volta e dar continuidade nos seus negócios?

-- Eu não sou esse tipo de homem, Micaela.

-- Era o que eu pensava.

Dizendo isso ela entrou no carro que já a esperava e bateu a porta com força para logo depois mandar o motorista seguir o caminho.

Nicolas ficou parado na calçada olhando para o nada, passou a mão nos cabelos e soltou o ar com força. Por fim, atravessou a rua e entrou no carro e, também, bateu a porta com força.

-- Algo errado, senhor? – Perguntou Marcos no banco da frente.

-- Eu estraguei tudo, Marcos, eu estraguei tudo.... Merda! – Esbravejou socando o teto do carro – Vamos para o hotel, preciso pensar.

Naquela mesma noite, Micaela estava em seu quarto isolada, sem querer falar com ninguém, ver ninguém, não queria comer, beber.... Só precisava ficar no canto, quieta.

Enquanto isso, Chiara estava no andar de baixo preocupada com a menina, ela estava muito abatida, e não podia acreditar que Nicolas fizera aquilo. Parecia um jovem tão certo! As aparências realmente enganavam, e o que mais lhe doía era saber que ela não poderia fazer nada para livrar Micaela daquela dor. Só poderia oferecer amparo. E sentia que isso não era suficiente. Em todo aquele tempo que ela ficara na casa, tinha se tornado sua terceira filha e Chiara a queria tão bem quanto as outras duas.

A campainha tocou e ela se deparou com Nicolas parado na porta, estava todo desleixado, com a camisa meio aberta, os cabelos despenteados e o olhar angustiado.

-- Posso falar com ela? – Perguntou ele ansioso.

-- Não acha que já fez o bastante? Que já não fez aquela menina sofrer demais?

-- Eu preciso me explicar. Não é nada do que estão pensando. Eu só quis ajudar!

Com certa relutância Chiara abriu mais a porta e o levou até o quarto.

-- Querida? – Disse ela abrindo a porta – Tem visita para você.

-- Não quero falar com ninguém. – E quando ele entrou no quarto, ela completou – Especialmente com ele.

-- Por favor, Micaela. – Disse ele – Me deixa explicar.... Por favor.... Me dê cinco minutos.

Ela estava com os olhos inchados e vermelhos, parecia cansada e indisposta para qualquer coisa, mesmo assim aceitou ouvi-lo.

Quando Chiara os deixou sozinhos ele se aproximou devagar e sentou na beirada da cama, enquanto ela se encolhia abraçando as pernas, como se quisesse se afastar dele.

-- Primeiro – Disse ele – Quero te pedir desculpas, eu fui um idiota.

Ela nada disse, apenas esperou que ele terminasse logo.

-- Segundo, quero que saiba que não foi nada do que pensou, eu não te traí. Eu.... eu só quis te ajudar.

-- Ajudar? – Perguntou cética.

-- Sim.... Você.... Você me disse que tinha brigado com a Liara. E eu quis resolver isso. Então eu fui conversar com ela....

-- Você foi o quê?!

-- .... N-não queria que fosse expulsa ou exposta!

-- Isso é assunto meu!

-- Eu sei, m-mas estou com você. Estamos juntos e-e eu prometi p-para mim mesmo que em qualquer s-situação, fosse o que fosse eu n-não te deixaria e f-faria o que pudesse para te a-ajudar e proteger.

Quando ela não respondeu novamente ele continuou:

-- P-perguntei o que ela queria p-para ficar quieta.

-- Você subornou a Liara? Tem noção do que fez? Justo a Liara, aquela.... Aquela... Ahhhh.

-- Me deixe continuar.... Ela m-me pediu um beijo...

Nesse momento ela arfou e abriu a boca com uma expressão ofendida pronta para falar.

-- Eu ainda não terminei. – Alertou Nicolas – Óbvio q-que neguei. Então ela p-pediu uma joia. E-e foi isso que eu fiz hoje. Levei para ela no bosque. M-mas fiz isso porque n-não queria que você soubesse o que eu estava fazendo.

-- E quanto ao perfume e sair amarrotado de lá?

Ele inspirou fundo e depois soltou o ar com força se preparando para falar.

-- Depois que eu entreguei o colar que havia comprado, ela deu a entender que não ficaria calada. Então eu me aproximei dela, .... m-mas foi na intenção de intimida-la, a-acredite em mim, não foi nada além disso. Eu estava tão furioso.... Mas aí.... Aí ela me beijou.

-- Ela.... Ela te...? – Não conseguindo conter as lágrimas Micaela as deixou rolar pelo rosto novamente.

-- E-eu não esperava isso, tem que acreditar. N-nunca foi minha intenção.... Fui pego de surpresa. Mas.... Mas imediatamente a repreendi, claro. Só que.... Foi aí que aconteceu essa confusão toda.

Ela apenas olhava para ele incrédula. Um soluço escapou de sua garganta e um bolo se formou ali.

-- Por favor, diga alguma coisa. – Pediu Nicolas.

-- Quer que eu diga o quê?

-- Não acredita em mim?

-- Como vou acreditar se nas duas versões apresentadas você mentiu para mim?

Ele suspirou e implorou:

-- Por favor, eu nunca iria te trair. Só fiz isso para o seu bem.

-- Meu bem? E sabe que agora ela pode usar isso contra você, não é mesmo?

-- Não pensei nisso na hora.

-- Claro que não pensou!

-- Só diga que acredita em mim.... Caso contrário jamais serei capaz de me perdoar.

-- Eu quero ficar sozinha. – Respondeu ela virando o rosto para o outro lado.

-- Mas....

-- Preciso pensar.

-- E como saberei que me perdoou?

-- Vai saber.

Ele se levantou devagar e se dirigiu para a porta, hesitou por um momento parecendo querer dizer alguma coisa, mas o que quer que fosse jamais foi dito. Então ele saiu e fechou a porta atrás de si com um baque surdo.

"E agora? Será que ela acreditará em Nicolas?"

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