Capítulo 10
Nicolas acordou com a luz do sol penetrando no quarto e a voz suave de Micaela que parecia falar com alguém.
-- Ele está bem agora.... Sim, se acalmou.... Ele está acordando, vou desligar.... Daqui a pouco chego.
Enquanto despertava melhor, ele percebeu que ela falava ao telefone e que estava sentada ao seu lado em uma poltrona. Uma bandeja com o café da manhã descansava sobre o criado mudo do outro lado da cama.
-- Bom dia! – Ela cumprimentou.
-- Bom dia.... – Respondeu ele confuso – O que aconteceu?
-- Você teve febre a noite toda. Chegou até delirar.
-- Não fiz algo vergonhoso, fiz?
Depois de alguns segundos de hesitação Micaela respondeu desviando do assunto:
-- Acho que já ouvi essa frase!
-- Sim, mas você estava bêbada, eu fiquei doente. São situações diferentes.
-- Tem razão. – Ela riu e depois ficando séria novamente inquiriu – Vai me contar o que está acontecendo?
-- Contar o quê?
-- Não se faça de desentendido! Sei que aquela irritação toda não foi só comigo! O que aconteceu?
-- Não é nada de importante....
-- Nicolas!
-- Você não deve se preocupar....
-- Será que pode se abrir pelo menos um pouco?
-- Isso são coisas que interessam a mim. Não deve ficar preocupada com isso, eu resolvo tudo!
-- Nicolas, por que se fecha na sua concha? Será que não pensa que as pessoas se preocupam com você?
-- Eu sei disso, mas como já disse, não quero que os outros se preocupem com problemas que não podem resolver! Se cabe a mim enfrentar a situação, por que outras pessoas deveriam se envolver?
-- Não pode carregar tudo sozinho e você sabe disso. Aguentar calado é como carregar uma tonelada de pedras sobre as costas. Nicolas, você é um ser humano e sempre vai precisar da ajuda de alguém, ainda que seja apenas um ouvido emprestado para você desabafar.
Ele fechou os olhos e suspirou, quando voltou a abri-los virou para o lado, se sentou e pegou a xícara com o café fumegante, tomou um gole como se com aquilo também pudesse tomar coragem. Por fim respondeu:
-- Estou numa grande enrascada, confesso.
-- Que tipo de enrascada?
-- Das grandes. Daquelas que não se vê saída.
-- Matou alguém? – Perguntou ela assustada.
-- Não, mas estou a ponto de fazer isso.
-- Conta de uma vez, está me deixando assustada.
-- Meu pai fez algumas coisas erradas e agora isso caiu sobre mim.
-- O que ele fez?
-- Corrupção. – Falou Nicolas de uma vez, pois se parasse para pensar iria perder a coragem.
-- O quê?! Não! O seu pai não. Ele.... Ele sempre foi um homem muito honrado, honesto e incorruptível.
-- Parece que não tão incorruptível.
-- Por que ele fez isso?
Nicolas tomou mais um gole da bebida quente e depois a deixou de lado, se deitou novamente e puxou as cobertas. Inspirou fundo e retomou a palavra:
-- Foi há muito tempo. Lembra-se de quando eu fui parar em um colégio interno?
-- Lembro. Você tinha uns catorze anos na época.
-- Exatamente. Foi por isso que fui para lá.
-- Não estou entendendo!
-- Meu pai foi ameaçado.... Ou melhor, eu e minha mãe. Ele ficou desesperado, pois não poderia confiar em ninguém. Então fez o que eles queriam.... Assinou papéis que superfaturavam obras públicas. – Ele mais uma vez inspirou fundo – E assim é até hoje. Por um erro, um único erro, meu pai está nas mãos daqueles cretinos!
-- Quem são as pessoas que o chantagearam?
-- Não posso dizer. Caso contrário você saberá demais e se envolverá mais do que já está envolvida.
-- Eu?! Como assim?
-- Vamos chegar lá.... Acontece que na época eu acabei descobrindo o que ele fez. Fiquei revoltado, pois ele sempre fazia um discurso sobre honra para mim. Como poderia me cobrar algo que ele mesmo não praticava? Então, ele perdeu a cabeça. Estava nervoso e acabou me mandando para um colégio interno.... Meu pai não é um homem ruim, Micaela. Hoje eu entendo que ele só fez isso para me proteger. Se eu estivesse no colégio estaria seguro e ele poderia cuidar pessoalmente da minha mãe.
-- E onde você entra nessa história toda? Quer dizer.... Por que sofre as consequências também?
-- Não sei se sabe, mas no meu país se um rei for pego em um ato de corrupção, ele perde o trono e vai preso, consequentemente seus herdeiros não poderão assumir também. Entende a gravidade da situação? Aqueles canalhas ameaçam contar o que meu pai fez e ele continua se afundando cada vez mais! Eu não posso deixar meu pai ser preso, Micaela. Não no estado de saúde que ele está! Além disso, quem assumiu as ocupações dele sou eu, então....
-- Você também assinou.... – Começou ela.
-- Não! – Apressou-se Nicolas a responder – Não assinei nada, mas acontece que tenho que ficar calado e fechar os olhos para tudo que eles fazem, caso contrário....
-- Eu não acredito nisso, Nicolas! E você carrega tudo isso sozinho? Quem mais sabe disso?
-- Ninguém. Não podem saber.
-- E.... Onde eu entro nisso? – Perguntou Micaela hesitante.
-- .... Eles sabem que você está viva! Minha mãe deve ter comentado com a pessoa errada e eles ficaram sabendo.
Micaela começou a tremer, mas não sabia porquê, se era raiva, nervoso ou medo. Talvez fosse tudo misturado.
Se esforçara tanto para se esconder e agora tudo tinha ido por água abaixo, isso só aconteceu porque Nicolas apareceu. Se os parlamentares do país dele já sabiam que ela estava ali, era questão de tempo para os do seu país também descobrirem. Isso se já não soubessem.
-- Eles estão me pressionando. – Continuou ele – Todos sabem que meu pai não tem muito tempo de vida, e por mais que eu relute em admitir, isso é verdade.... Me disseram que se.... Que se eu.... E-eu não me casar.... Com você.... S-se eu não unir os nossos pa....íses.... Até a morte.... Do meu pai.... E-eles vão jogar tudo no "ventilador". Vão contar t-tudo, e eu vou.... Vou perder o direito de herdar o trono.
Ela o encarava perplexa, não saberia o que falar para ele. Se sentia traída, mas também sentia pena dele. Não era culpa de Nicolas que agora ele estivesse nessa situação. Não saberia dizer nem mesmo se era culpa do pai dele. Benício sempre fora um homem de bem e só fizera aquilo em um momento de extremo desespero. Ela entendia perfeitamente como era ser ameaçado.
-- N-não vou obriga-la a nada, Micaela. Eu admito f-fui um egoísta, mas.... Eu fiquei desesperado. Agora tenho que cuidar da minha família, e.... Está pesando um pouco. D-de qualquer forma, você não deve ser envolvida nisso. M-me perdoa.
Nicolas gaguejava toda vez que ficava nervoso, não no sentido de raivoso, mas sim no sentido de com medo, intimidado, exposto, triste e com vergonha. E aquilo que ele sentia naquele momento poderia ser facilmente identificado como vergonha. Vergonha do pai, vergonha da sua própria atitude, e talvez ele dissesse, vergonha da própria fraqueza. Mas ele não era fraco. Muito pelo contrário, era extremamente forte. Não era qualquer um que aguentaria uma carga tão grande, calado.
Mas isso não apagava o fato de que ele a queria levar para Vienere apenas para não perder seu trono.
-- Queria me levar embora apenas por negócios? – Perguntou ela num sussurro.
Ele se sentou novamente a olhou com gravidade.
-- Eu sei, f-fui um babaca! – Respondeu – E peço que me p-perdoe por isso. Acontece que no momento eu n-não via saída. Ainda quero que venha comigo, m-mas.... Mas porque você quer e-e não p-porque a obriguei.
Devagar ela se levantou e começou a ir em direção a porta.
-- Onde está indo? – Perguntou ele.
-- Tenho que ir. Você já está melhor, e tenho certeza que o Marcos cuidará bem de você.
-- Micaela, espera.
Ele ameaçou se levantar, mas ela esticou a mão a frente do corpo para repreende-lo. Em momento algum Micaela elevou o tom de voz ou pareceu nervosa, na realidade parecia mais em choque.
-- Preciso ir! – Disse saindo e fechando a porta atrás de si.
Nicolas se jogou no colchão novamente e bufou. O que ele fizera? Fora injusto e não contara nada a ela, e Micaela descobriu suas intenções da pior forma. Não que ele ainda desejasse isso, não iria mais obriga-la a nada, sua concepção havia mudado. O problema é que ela não entenderia, Nicolas a tratara como moeda de troca novamente. Estava cometendo o mesmo erro que seus pais há cinco anos, isso iria magoa-la.
Ele não poderia mais admitir esse tipo de situação na vida de Micaela.
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