Capítulo 05 - Barbara

Eu tento manter meu foco somente na pista à minha frente, mas de vez em quando meus olhos acabam desviando para os outros corredores ao meu redor. Apesar do frio cortante, o ar gelado parece não ser suficiente para impedir as pessoas de correrem.

Por mais que eu não queira pensar na noite da última sexta feira, depois de uma semana, está óbvio que Zander está me evitando.

Vejo o cara que vem correndo na minha direção sorrir para mim e finjo não reparar. É a terceira vez que nos esbarramos essa semana, por mais que eu tenha trocado meus horários de exercício mais vezes do que gostaria de admitir. Isso só pode significar que Zander desistiu de correr para não me encontrar ou ele é ainda melhor do que eu pensava em me evitar.

A sensação de agulhada no meu peito é só uma lembrança agora, mas me faz pensar sobre o que eu fiz. Talvez tenha sido uma péssima ideia, porém era exatamente o que eu precisava para seguir em frente. Se a única coisa que eu vou poder carregar comigo forem imagens de quando eu estava com Zander, então que eu guarde a parte mais significativa no meu coração.

No fundo da minha cabeça, uma voz irritante diz que isso é só uma meia verdade.

Quando eu cedi ao impulso, foi porque eu estava sentindo fala dele, mas eu me recuso a pensar sobre isso, então o melhor que posso fazer é ignorar.

Passei os últimos seis meses bem. Foram raros os momentos em que eu pensei em Zander e não vai ser agora que vou voltar a pensar nele. O que nós tivemos foi perfeito, mas não era para durar. Se fosse, as coisas teriam acontecido de forma diferente. Eu seria diferente.

Mentirosa!

Ignorando a voz, eu me forço a correr mais rápido, colocando toda a minha força nos movimentos mecânicos.

Um pé na frente do outro.

Inspira.

Expira.

A neve que caiu durante o dia está acumulada nas laterais da pista e a paisagem é um borrão de galhos secos e prédios de tijolos e alvenaria. O sol já se escondeu atrás das nuvens, mas a noite ainda não chegou por completo.

O único som que ouço é o das minhas passadas largas contra o pavimento.

Toc. Toc. Toc.

Minha mente finalmente se esvazia.

Não tem mais ninguém comigo.

****

Estou quase chegando em casa quando vejo algumas chamadas perdidas de Maggie e duas mensagens pedindo que eu cubra o horário de uma das meninas que está doente. Por mais que eu nunca tenha falado, suspeito que ela desconfie do motivo de eu nunca pegar os turnos de sexta à noite.

E justamente por ela sempre ter sido uma ótima chefe, sei que não posso recusar o pedido.

Respondo enquanto corro para dentro do apartamento, ignorando Abby e Ivy que estão jogadas nos sofás da sala.

Vinte minutos depois, estou saindo com um enorme casaco e o uniforme da lanchonete. Assim que Abby me vê, se levanta e vem até mim.

— Você vai sair? — Ela olha por cima dos óculos, estudando o casaco vermelho com curiosidade.

— Tenho um turno extra na Maggie's.

— Mas hoje é noite de filmes e panqueca! Até a Ivy concordou em participar.

De seu lugar no sofá, a loira balança a cabeça concordando. Como eu não a conheço tão bem, não sei dizer se ela está decepcionada feito Abby ou se está aliviada por eu estar cancelando nossos planos. No início da semana ela não parecia muito satisfeita ao ouvir Abby implorando para que participasse da primeira noite das garotas no apartamento.

— A Hannah não está aqui, — comento.

Desde que cheguei, só a vi umas duas vezes, mas Abby me explicou que é porque os pais de Hannah exigiram que ela pegasse matérias de outros cursos e ela está sem muitos horários livres. Pelo que eu pude perceber, Hannah tem uma família extremamente exigente e tradicional.

— Ela vai chegar em duas horas.

Abby me encara com os olhos vidrados e me seguro para não rir. Ela sempre consegue convencer Rock a fazer qualquer coisa com esse olhar.

— Eu queria muito passar a noite com vocês, mas a Maggie não costuma me pedir ajuda e eu acho que ela deve estar precisando mesmo de mim.

— Tudo bem, — ela finge fungar e me dá as costas de forma dramática. — Você pode trocar suas amigas pelo trabalho.

— Eu acho que você está passando muito tempo com a estudante de teatro ali.

Abby sorri ao me ouvir e Ivy revira os olhos, mas os cantos de sua boca se levantam ligeiramente.

— A gente espera você terminar o turno para ver os filmes.

— Mas eu vou comer algumas panquecas antes dela chegar! — Ivy exclama antes de marchar para seu quarto. Ela bate a porta com força e abre novamente, pisca para nós e fecha a porta com cuidado.

— Você vai ficar bem? — Minha amiga abaixa a voz e me analisa novamente. Agora que estamos sozinhas, percebo que ela estava aguardando Ivy se retirar para me perguntar o que realmente queria.

— O quê?

— Você sempre evita os turnos de sexta...

Meu coração dá um salto e torço para que meu rosto não esteja ficando vermelho.

Ela sabe.

Claro que sabe. Abby sempre foi observadora. Mesmo nos dias em que eu estava bem, ela sabia exatamente quando eu estava fingindo ou não. E só me fazia perguntas quando eu queria conversar. Ela me entende e por isso que é minha melhor amiga.

— Vou ficar bem.

Antes que ela fale mais alguma coisa, corro para fora do apartamento.

Sinto meu celular vibrar no bolso e sei que é Maggie. Rapidamente respondo, avisando que demorei mais do que esperava e volto a correr.

Dessa vez, quando passo pela pista noto a mudança no cenário. Os postes iluminam o caminho com pontos vibrantes e eu me pego ansiosa para a chegada da primavera nos próximos meses.

Por ser noite de sexta, a maior parte dos alunos utiliza o caminho para ir de um prédio a outro, saindo das aulas ou indo para as festas nas fraternidades e dormitórios. A maioria das pessoas ao meu redor está rindo com os amigos, envolvidas pela alegria e as possibilidades infinitas do final de semana.

Rápido demais, alcanço a entrada da Maggie's e paro. Peço mentalmente para que Zander não esteja lá, mas sei que é impossível. Ele sempre vem nas noites de sexta. E é por isso que eu nunca trabalho nas sextas-feiras.

Duas meninas saem juntas da lanchonete e passam cochichando por mim. Uma delas olha para trás e sigo seu olhar através das janelas até o balcão. Apesar do homem sentado estar de costas, eu reconheceria aqueles ombros em qualquer lugar.

É claro que Zander está lá.

Respiro fundo, reunindo coragem, e atravesso as portas. Sou imediatamente envolvida pelo calor e cheiro de comida. Contra vontade, sorrio para a escolha de música da noite. Country, o gênero que Maggie menos gosta e que mais faz sucesso entre os estudantes.

O sino da porta toca e eu levanto a cabeça ao mesmo tempo em que Zander se vira.

Assim que nossos olhares se cruzam, tudo ao meu redor desaparece. Como na primeira vez em que o vi, só existem seus olhos azuis que são capazes de enxergar dentro da minha alma. E por um segundo eu também tenho um vislumbre do que tem dentro dele. Eu reconheço sua mágoa, mas percebo em choque que ele está me encarando como se os últimos seis meses não tivessem existido.

Ele me olha como se eu ainda fosse dele.

E eu quero acreditar que sim, mas não posso. Não posso desprezar as escolhas que fiz porque eu sei que o destino dele não é o meu.

— Você chegou! — Maggie exclama, aliviada, e eu saio do transe.

Piscando, penduro meu casaco em um dos ganchos livres próximos a porta e vou para trás do balcão. Sei que Zander continua me olhando, mas não viro em sua direção.

Eu me concentro em atender as mesas e rapidamente entro no ritmo. O movimento é maior do que eu esperava, porém é a desculpa perfeita para me manter ocupada por boa parte da noite. Andando de um lado para o outro, anotando pedidos e servindo os clientes, consigo evitar pensar em Zander sentado no balcão.

Sei que ele continua sentado porque toda vez em que passo perto demais dele ou sinto seus olhos em mim, meu rosto vira para ele por vontade própria. Ficamos nessa dança onde tento flagrá-lo me encarando e ele finge que está olhando ao redor por tanto tempo que estou prestes a perguntar se ele deseja fazer um pedido quando o sino da porta toca. É estranho que o som me chame atenção agora, já que mal pisquei para o barulho durante toda a noite.

De onde estou, vejo Nicky entrar na lanchonete com um enorme sorriso no rosto para Zander. Ela tira o sobretudo preto, revelando o mini vestido colado ao corpo e caminha decidida até o balcão. Por mais que ela não note, os rapazes sentados ao seu redor a seguem com olhares vidrados, mas ela só repara em uma única pessoa, que está sorrindo de volta para ela.

— Barbara! — Maggie chama por mim, parando próxima do casal no balcão. — Você quer cobrir o turno de amanhã também? Prometo que vai receber um bom pagamento por todo o trabalho que estou te dando.

— Eu não posso amanhã, — minha voz soa estranha e agora Nicky e Zander estão prestando atenção em mim.

Penso rapidamente em alguma desculpa e acabo lembrando do convite que Connor havia feito e não respondi.

— Eu tenho um encontro.

Mal termino de explicar quando Zander se levanta. Ele enfia dentro do bolso os guardanapos em que estava rabiscando mais cedo e olha rapidamente para mim antes de ir embora. Nicky veste o casaco e sai atrás dele.

Observo os dois saírem juntos e do lado de fora Nicky diz algo que faz Zander rir. Ela envolve o braço dele e os dois saem caminhando até se perderem na distância enquanto fico parada no mesmo lugar.

Sinto meu estômago revirar e odeio essa sensação. Eu não deveria me importar.

Eu não me importo, me corrijo, porém é impossível enganar a mim mesma. Eu odeio que Zander esteja trocando risadas com Nicky porque isso significa que passei toda a noite acreditando ter visto algo que não estava lá. Ele não estava me olhando como se o tempo não tivesse passado. A única coisa verdadeira em seu olhar foi mágoa.

E eu me odeio por ser o motivo disso.                


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