1 | Materialização

A cada 138 anos, a passagem do cometa "Leporem" próximo da terra traz energia suficiente para iniciar um estranho fenómeno: a materialização de uma estação do ano.

Primavera, Verão, Outono e Inverno, as quatro estações do ano que todos os seres humanos conhecem como algo abstrato que altera a Natureza de forma cíclica são, na verdade, fogos fátuos. Num ano normal, as estações em vigor espalham a sua energia pela Terra, envolvendo a metade do globo correspondente para fazer o seu trabalho. Enquanto isso, as outras duas ora orbitam em torno do planeta azul, ora descem à superfície para explorar as maravilhas da Terra na sua forma etérea.

Porém, quando passa o cometa, uma das estações ganha um corpo material quando chega o seu dia especial, que corresponde ao solstício ou equinócio oposto.

Há 138 anos atrás, Polaris, o espírito do Inverno, ganhou um corpo humano no solstício de Verão e desceu à Terra para disfrutar da sua recém adquirida humanidade. Agora, seguindo o ciclo, é a vez do espírito da Primavera. 

— Não acredito que ainda faltam 138 anos para ser a minha vez! — choramingou Brisa, o espírito do Verão, causando uma ligeira perturbação na sua chama avermelhada.

O dia 21 de Setembro tinha chegado ao fim e o espírito da primavera tinha-se tornado numa massa de luz disforme enquanto o seu corpo humano era gerado.

— Desce à Terra enquanto ainda não for a tua vez de trabalhar, pode ser que isso te passe — respondeu Polaris de forma seca, como se a solução fosse óbvia.

— Mas assim não dá para interagir com nada material! — protestou Brisa. — Obviamente qu-

— Prontinho! — exclamou Lírio, atraindo a atenção das outras duas estações.

— Vais assim vestido? — inquiriu Brisa. Ela não passava de uma chama, mas o espírito da primavera era capaz de sentir no seu tom de voz a careta que teria feito se fosse a sua vez de ser humana.

— Claramente não seguiste o meu conselho! Quando é que foi a última vez que foste à Terra? 

Lírio encolheu os seus novos ombros humanos, mostrando a Polaris uma expressão envergonhada.

— Essas roupas já não se usam há séculos! — protestou a chama azul de Polaris, girando em torno do seu corpo de aspeto adolescente.

Lírio riu, meio envergonhado.

— Quando chegar à Terra logo descubro! Agora tenho de ir andando, ou o equinócio de Outono acaba antes que consiga aproveitar o meu dia!

Depois, com um estalar de dedos, Lírio desapareceu.

— Só espero é que ele aprenda alguma coisa desta vez — suspirou Polaris.

— Seria um milagre se isso acontecesse! — afirmou Brisa, antes de voltar ao seu costumeiro lamuriar.

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