Capítulo 01: A tristeza dos jacintos.

Um presente pelo o florescer da minha adorada flor, MegNovis. Feliz aniversário!


Jacinto - a 'flor da' tristeza.


Foi aos oito anos que Jeongguk notou a relação especial da mãe com as flores.

Era uma manhã silenciosa de domingo, seu pai tinha sido enterrado há duas semanas e sua mãe era apenas uma sombra cinza em meio à decoração aconchegante. Jeongguk não entendia de luto, apesar de ter chorado durante uma semana pelo pai; ele não entendia a totalidade daquele sentimento devorador que sua mãe tinha no peito e nem o silêncio que passou a assolar sua rotina. Os dias eram cinzas e monótonos, até aquela manhã.

Sua mãe tinha as mãos sujas de terra e um chapéu azul-jacinto protegendo os cabelos escuros. Ela parecia tranquila, quase como semanas atrás, mas o pequeno rastro de lágrimas em meio às bochechas magras era um claro sinal que nada era como semanas atrás.

Jeongguk nunca tinha visto a mãe chorar. Ela era uma mulher forte, o chorão era sempre papai ou ele mesmo, mas nunca ela, jamais ela, e mesmo assim, o menino observou a mãe se desfazer em lágrimas grossas e soluços atrapalhados enquanto abria buracos na terra e plantava pequenas mudas esverdeadas.

Mesmo sendo uma criança que não entendia sobre o luto, Jeongguk se calou, aproximando-se o suficiente para ajudá-la em um familiar silêncio desconfortável.

Naquele dia, sua mãe tinha dito que flores são mais do que todos pensam que é.

Que para algumas pessoas, as flores são todas as palavras acumuladas que a terra diz quando o solo se rompe.

Para outros, as flores foram feitas para que aqueles que nunca floresceram, pudessem encontrar seus anseios adormecidos.

E para ela, as flores eram a melhor forma de enterrar algo.

Na época, Jeongguk também não tinha entendido o que ela quis dizer, assim como ele não entendia o luto, e mesmo assim, ele tinha gravado as flores em sua alma.

Anos mais tarde, Jeongguk finalmente pôde entender.

Ele entendeu o luto.

Ele entendeu o que sua mãe tinha enterrado.

E ele entendeu o que as flores eram para ele.

Para Jeongguk, as flores eram sentimentos entrelaçados à lembranças, sendo cuidadas por mãos gentis, protegidas da crueldade do destino.

Diferentemente das flores de sua mãe, que tinham sido enterradas, as de Jeongguk tinham sido guardadas em um apartamento no subúrbio de Gwangju, carinhosamente cuidadas por uma mulher de riso fácil e uma criança de bochechas redondas.

Guardiãs das suas flores tímidas.

A razão para o florescer dos seus dias monótonos.

Até que seu jardim foi abandonado e parte das suas flores foram perdidas.

Lizzie estava morta, e seu jardim tinha perdido uma das guardiãs.

(...)

Ao se mudar de Busan para Seul, sem faculdade ou recomendações de empregadores anteriores, Jeongguk tinha apenas uma coisa em mente: garantir um emprego estável que o permitisse pagar as contas, mas nada era fácil por aquelas bandas. No começo, empregos de meio período eram o que fazia suas contas serem pagas e macarrões instantâneos aparecerem em sua mesa, e com o tempo, Jeongguk começou a trabalhar em dois empregos de meio período ao mesmo tempo, reservando poucas horas do dia para algum descanso. Por longas semanas, a rotina dos dois empregos e do quarto mofado foram as únicas que Jeongguk conhecia, até uma oportunidade cair em seu colo.

Graças a Sungjae, um conhecido de outras datas, a vaga de motorista para o renomado hospital de Seul tinha sido preenchida com seu nome, e isso permitiu que ele largasse os empregos de meio período, o minúsculo quarto mofado e as horas escassas de sono.

Não demorou muito para o homem se mudar para um apartamento minimamente melhor, em um prédio antigo que, apesar de pequeno, era melhor que o quarto mofado de antes; o que morava agora tinha espaço para que ele respirasse sem sentir a poeira subindo por sua faringe. O trabalho ainda era árduo e o salário não era dos melhores, mas o permitia ter uma rotina mais confortável que outrora; tinha tempo para ao menos preparar uma das refeições e abandonar as inumeráveis caixas de macarrão instantâneo e barras de cereais de todas as suas refeições diárias, isso quando ele podia fazer uma das refeições. Nos dias corridos, passava tempo demais atrás de um volante, vendo pistas cobertas de piche que até mesmo se esquecia da própria saúde. Mas a enfermeira com aparência de fada, parecia ter notado sua situação antes do que qualquer coisa naquele tempo.

Foi durante a madrugada de uma noite agitada que Elizabeth surgiu, deslizando entre as ambulâncias do estacionamento até Jeongguk e empurrando um pote cor-de-rosa para suas mãos.

É kimbap, pegue uma porção.

Mesmo que contrariado pela abordagem atrapalhada da enfermeira, o motorista concordou em um aceno e aceitou um dos enroladinhos protegidos por papel alumínio, colocando metade do pequeno bastão de algas e arroz dentro da boca. E mesmo que o gosto não fosse dos melhores, Jeongguk não demonstrou, engolindo o lanche de forma rápida e agradecendo a mulher.

Depois daquele dia, Elizabeth sempre aparecia no horário de descanso com comidas caseiras e um silêncio familiar. Os dois comiam presos em seus mundinhos particulares, sentados em uma mesa antiga em uma sala esquecida, trocando pequenas gentilezas através da comida.

Elizabeth nunca parecia incomodada ou chateada, nem mesmo quando o anel de compromisso desapareceu dos dedos magros e olhares curiosos surgiram de encontro ao seu abdômen inchado.

Quando ele vai nascer?

Jeongguk perguntou uma certa vez, em uma das raras conversas com Elizabeth sobre o bebê. Ele lembrava de tê-la visto sorrir enquanto acariciava a barriga de cinco meses.

Em maio, Jeongguk-ah. Ela nasce em maio.

O bebê realmente nasceu em maio, e seis meses depois, Elizabeth retornou para o trabalho, alegando não precisar dos meses restantes da licença maternidade, apenas de um pouco mais de tolerância que o normal. Não demorou muito para que a enfermeira voltasse às antigas funções, sempre trabalhando de forma árdua para que pudesse sair mais cedo e cuidar do pequeno bebê que tinha em casa, sem ao menos se atentar a si mesma.

Jeongguk foi um dos poucos a notar a magreza fora do comum da enfermeira, e passou a endereçar lanches à sala de descanso com o nome de Elizabeth preso aos pacotes.

Isso se pendurou por longas semanas, até que em um turno de um dia calmo, a mulher surgiu na ambulância com um pequeno pacote cor-de-rosa nos braços.

Você está dizendo que precisamos levar ela com a gente?

O homem lembrava de ter perguntado de forma alterada. Para ele, era impraticável levar o bebê com eles, dentro da ambulância, até o local do chamado.

Por favor, Jeongguk-ah. Não posso deixá-la com ninguém agora, não conte ao senhor Byeon.

Elizabeth pediu mais algumas vezes até que ele cedesse e concordasse em não contar sobre a bebê. Mais dois colegas de trabalho também concordaram com o silêncio e, juntos, passaram aquela noite calma na companhia de Elizabeth e um bebê sonolento.

Você pode segurá-la, Jeongguk-ah? Preciso pegar minha bolsa lá em cima.

Elizabeth não esperou a resposta, sequer tinha deixado Jeongguk se preparar para pegar o embrulho nos braços e já tinha depositado a bebê no colo alheio, correndo para o andar correspondente à sala das enfermeiras. O bebê se remexeu assim que foi deixado no colo desconhecido, mas para a alegria do motorista, nenhum choro soou.

Curioso, o homem tirou a manta que cobria o rosto da bebê e observou as bochechas rechonchudas, fazendo algo agitar em seu peito.

Jeongguk passou a perguntar todo dia pela pequena bebê e dar presentes toscos, como chupetas decoradas, mamadeiras estranhas e um bichinho esquisito que Elizabeth nem poderia dizer o que era, mas também era o primeiro a recusar o convite para visitar a criança, alegando não ter intimidade o suficiente com a enfermeira para se meter em sua casa. E mesmo chateada, Elizabeth não insistiu mais naquele assunto de visitá-las.

Até um bebê febril no meio noite e uma ligação mudar tudo.

Elizabeth não se lembrava por que motivo tinha ligado para o colega de trabalho, mas o homem tinha atendido no segundo toque e garantido que estava tudo bem ligar àquela hora.

Eu sei que é tarde, mas Meggie está com febre e não sabia para quem ligar.

Jeongguk não levou muito tempo para reagir à notícia de uma bebê febril. Catou o casaco mais próximo da cama, passando ele de qualquer jeito pela cabeça.

Tudo bem, Elizabeth-ssi, estou chegando em alguns minutos.

O homem garantiu, calçando um sapato perdido pela entrada e saindo do apartamento com pressa, em busca do carro na garagem do prédio. Um carro que não pertencia a ele, e sim ao dono do prédio, mas que de qualquer forma, ele usaria para ir até o seu destino.

Algumas horas mais tarde, quando Meggie pareceu menos febril após ser medicada por um pediatra conhecido e os adultos pareceram cansados pela noite agitada, a enfermeira agradeceu pelo apoio do colega de trabalho.

Elizabeth recorreu à única pessoa que ela achou que poderia ajudar.

E Jeongguk nunca mais parou de ser a única pessoa que a ajudava.

Naquela noite fria, o destino tinha unido duas almas desamparadas a de um bebê de bochechas gordas e nariz de botão, entrelaçando suas sortes até que a morte assim permitisse, em um vínculo que nem o homem e nem Deus, poderia quebrar: o vínculo familiar.

Nenhum dos dois adultos soube ao certo como tudo aconteceu depois da noite no hospital, eles apenas seguiram a ordem natural das coisas, e quando Elizabeth notou, o motorista estava sentado em sua sala de estar minúscula, com pregos e madeiras espalhados pelo chão, montando o armário infantil e o berço de segunda mão que ela tinha ganhado de uma senhora gentil meses antes, totalmente concentrado na tarefa de dar um bom lugar para o bebê dormir.

Foi uma questão de tempo até que a confusão entrasse em suas mentes e atrapalhasse suas percepções sobre aquela nova realidade em que viviam.

De colegas de trabalho, eles passaram para amantes em potencial e se desfizeram para amigos familiares, até se tornarem família.

Elizabeth passou a ser Lizzie.

O bebê passou a ser Meggie.

E Jungkook passou a ser o amigo para Lizzie e um pai para Meggie.

Os dias passaram a ser de fraldas fedorentas, brinquedos babados e choros finos, enquanto as noites eram recheadas de conversas tranquilas, comida barata e planos para um dia melhor, em que Meggie cresceria forte e seria uma criança arteira, que deixaria Lizzie de cabelos brancos. Mas assim como o destino tinha os unido na noite do hospital, também tinha preparado alguns obstáculos para seus caminhos.

Lizzie já tinha notado a falta de resposta da filha à imagens, cores e luz, ainda nos primeiros meses de vida, então quando a notícia que Meggie tinha nascido com deficiência visual chegou alguns meses depois, não foi nenhum pouco chocante para a enfermeira. No entanto, Jeongguk parecia a ponto de surtar a qualquer momento, adaptando a casa de Lizzie da melhor forma para a acessibilidade da pequena bebê.

Espumas de colchões foram colocadas em cada quina do apartamento, borrachas de EVA baratas revestiram o piso como um carpete importado e objetos pontiagudos foram tirados do lugar por um homem transbordando preocupação, o que arrancou longas risadas de Lizzie, afinal, Meggie nem sabia engatinhar!

Jeongguk acabou notando o absurdo que tinha iniciado e logo desistiu, rindo junto a amiga enquanto tinha todo o trabalho de descolar os montes acolchoados das superfícies do apartamento. Aos poucos, os dois foram se adequando às necessidades da pequena e entendendo um pouco mais do mundo sem luz em seus olhos castanhos.

Os primeiros dentes de Megan nasceram quando ela completou oito meses, deixando um Jeongguk maravilhado com as mordidas em seus dedos, no primeiro ano de vida, uma festa singela foi organizada pelos funcionários do hospital de Seul, deixando a pequena criança assustada com tanto barulho, aos dois anos de idade, ela disse suas primeiras palavras, fazendo a mãe quase chorar de emoção; aos três anos, foi diagnosticada com diabetes tipo um, e todos seus hábitos foram mudados; aos três anos e meio de vida, Meggie e Lizzie partiram de Seul para Gwangju, logo após o ex-marido da enfermeira reaparecer.

E mesmo que Jeongguk quisesse ficar para quebrar a cara do sujeito, não hesitou em pedir demissão ao hospital em Seul e seguir as pessoas que tinham seu coração.

Em Gwangju, o recomeço pareceu mais fácil que em Seul. Não demorou muito tempo para Jeongguk conseguir um emprego em outro hospital, dessa vez como segurança, e Elizabeth conseguir uma vaga de enfermeira nesse mesmo hospital. Os dias eram fáceis como antes, apesar de ainda morarem em apartamentos pequenos no subúrbio da cidade, agora os amigos eram vizinhos, dividindo o mesmo prédio e pareciam cada vez melhores em suas rotinas com Meggie, que crescia rodeada de amor e dos cuidados daqueles que tinha como família.

Todas as noites eles comiam juntos e criavam brincadeiras para que a criança conhecesse o mundo pelos próprios dedos, com Lizzie, Megan conhecia as flores pelos cheiros suaves e formatos das pétalas, com Jeongguk, a menina conhecia o prazer dos livros de histórias com figuras em alto relevo e versões de mundos que sequer poderia imaginar.

Quando os quatro anos chegaram e a cama de solteiro ficou pequena demais para mãe e filha dormirem, Jeongguk deu fim em alguns jogos de edição limitada e comprou uma cama de ursinhos com alto relevo para Meggie, enchendo a garotinha de satisfação ao passar os dedinhos pelos desenhos altos.

Nos cinco anos de Meggie, Lizzie preparou um bolo formado por um amontoado de frutas, alguns chocalhos e uma vela esquecida no fundo da sua mala. Os três bateram os parabéns, balançando os chocalhos de forma suave, como se fossem línguas de sogra, e pedindo que ela fizesse um pedido.

— Faça um pedido, filha!

— Isso, Gigi, faça um pedido para os seus cinco anos!

A menina ouviu as vozes dos seus parentes próximas ao seu corpo, e sorriu abertamente, tateando a mesa até esbarrar no monte de frutas e inclinar o rosto em direção ao quentinho da vela de aniversário.

— Que mamãe e papai estejam sempre comigo.

A vela se apagou de forma abrupta e eles comemoram, dando beijos estalados nas bochechas gordas da menina, fazendo-a rir de forma audível.

— Sempre estaremos com você, Gigi.

Jeongguk segredou a criança, dando inúmeros beijos no rosto infantil, até ela soltar um grito estridente e engraçado.

— Jura, juradinho?

Em meio ao barulho da própria respiração ofegante pelos risos, Meggie escutou os passos curtos da mãe e os braços magros envolvendo seus ombros miúdos. Lizzie soltou uma risada para a filha.

— Juro, juradinho!

O dedo mindinho da mulher enroscou no da filha, firmando sua promessa pelo único meio que a pequena criança poderia entender que era sério. Meggie sorriu mais uma vez, apertando o dedo da mãe entre os seus.

Mamãe tinha jurado de dedinho, então era verdade, ela sempre estaria ali, como o papai.

O destino, o mesmo que tinha juntado dois jovens perdidos a uma criança cheia de esperança, pareceu tomar aquela promessa como piada.

Pobres criaturas comandadas por algo tão cruel como o destino.

Depois da promessa que nunca seria cumprida, um pedaço de bolo e um presente singelo para a menina, os três dormiram entrelaçados no tapete da sala por uma última vez.

Era mais um dia normal quando tudo aconteceu. Lizzie parecia cansada e alegava uma forte dor de cabeça após chegar em casa do turno na ala de emergência do hospital, mas se negou a beber qualquer coisa que Jeongguk quisesse dar, dizendo que logo passaria, que era apenas cansaço.

Ledo engano.

Mesmo com a dor de cabeça insistente, vômito e os músculos rígidos, Lizzie voltou ao hospital para um plantão de vinte e quatro horas, dizendo que depois disso, iria descansar e pedir alguns dias de folga. Jeongguk, mesmo insatisfeito, observou a amiga sumir no corredor dos apartamentos, sobrando para ele a responsabilidade de cuidar de Meggie até que a enfermeira chegasse.

Mas Lizzie nunca chegou.

O telefonema aconteceu um pouco antes do horário do jantar, às 18h da noite. Jeongguk esperava a amiga para comer, assim como faziam todas as noites com Meggie, então, quando o número do hospital apareceu no visor do telefone, ele rezou para que fosse tudo, menos que pedissem para ele cobrir o turno de outro funcionário.

Jeongguk-ssi? Aqui é Lee Boah, do hospital nacional de Gwangju — a mulher proferia de maneira educada, mesmo que a voz parecesse um fio de sofrimento. — Estamos ligando para comunicar sobre a senhora Elizabeth Brandon.

Jeongguk lembra de ter pulado do sofá, confuso. Lizzie estava bem até algumas horas atrás. Teria a dor de cabeça piorado? Ou os músculos teriam ficado tão rígidos que agora ela precisava de uma carona de volta para casa?

A dor de cabeça de Lizzie piorou? — a pergunta fluiu dos lábios do homem de forma instantânea, atropelando todos os bons costumes ao telefone. Ele poderia se desculpar mais tarde com Boah.

Meggie, sentada no chão com o pote de massinhas custeadas pela mãe, levantou a cabeça em uma velocidade surpreendente ao ouvir o pai mencionar a mulher.

Mamãe chegou? Podemos jantar agora, então?

Jeongguk soltou uma breve risada, dizendo um suave não para a garotinha que agora tinha os ouvidos aguçados, atenta à conversa ao telefone.

Lee Boah ficou longos minutos em silêncio e um farfalhar de lenço cobriu a linha telefônica.

A dor de cabeça dela piorou, e... ela morreu.

Ela morreu.

Morreu.

As coisas depois daquele telefonema passaram como um filme desfocado para Jeongguk, que não sabia explicar com quem tinha deixado Meggie ao sair depois de afirmar para a criança que estava tudo bem, nem como tinha chegado ao hospital tão rápido a ponto de ainda ver algumas colegas de trabalho chorando por Lizzie.

Lizzie, que morreu aos 28 anos de idade.

Lizzie, que não estava só com dor de cabeça.

Lizzie, que contraiu meningite meningocócica de um paciente e morreu em meio ao hospital.

Lizzie, que tinha sido negligenciada pelo hospital por não fazer exames obrigatórios para os enfermeiros que atendem casos altamente contagiosos.

Lizzie, que tinha morrido por meningite meningocócica, mas que seu paciente não.

O paciente que estava fora de perigo.

O paciente que não tinha sido negligenciado.

O paciente rico que compraria até mesmo a própria saúde.

Jeongguk não aceitou bem todos aqueles detalhes.

VOCÊ ESTÁ ME DIZENDO QUE O HOSPITAL NÃO VAI SE RESPONSABILIZAR POR ISSO!?

Ele gritou para o diretor do hospital, batendo as mãos na mesa, como se aquela simples peça fosse a cara daquele mesquinho.

— Não existe o porquê de responsabilizar o hospital pela morte da senhorita Brandon, senhor Jeon. Apenas podemos prestar nossas condolências no enterro e nosso luto.

Jeongguk não quis acreditar no que tinha presenciado, e naquele momento, ele notou que as coisas não seriam resolvidas através da conversa, por mais acalorada que fosse, e sim através de ações judiciais e escândalos midiáticos.

Em poucas horas, o enterro foi organizado. Lizzie recebeu um funeral tradicional e um altar com uma foto sorridente no centro, enfeitado por flores brancas de diferentes tamanhos e incensos distintos. Poucas pessoas compareceram, ficando apenas o suficiente para prestar condolências a Jeongguk e Megan — que permanecia mais quieta que o normal após passar a noite chorando nos braços do pai, chamando a mãe de mentirosa entre soluços violentos; aquilo tinha partindo o coração de Jeongguk, que havia se recusado a chorar após a notícia, engolindo tudo que sentia para ser o apoio que a filha precisava.

Megan passou apenas algumas horas no funeral, sendo levada para casa por uma vizinha gentil de meia idade com a permissão de Jeongguk, que permaneceu no local até que tudo acabasse. Mais algumas pessoas apareceram na parte da tarde, acendendo incensos para a enfermeira e sendo ignorados por um Jeongguk perdido em pensamentos.

Foi ao cair da noite que eles apareceram, vestindo ternos caros, sapatos lustrosos e rostos vívidos demais para um funeral.

— Sentimos muito pela sua perda, senhor Jeon. Somos representantes do gru...

— Saiam! — Jeongguk interrompeu o homem, deixando todos os recém-chegados com caretas confusas. — Não quero saber o que vieram oferecer para compensar a morte da Lizzie, não quero dinheiro ou favores, quero apenas justiça pela negligência do hospital.

Uma expressão cansada enfeitava o rosto de Jeongguk, mas um brilho determinado clareou os olhos castanhos-escuros. Após a conversa com o diretor do hospital, o segurança compreendeu que só poderia ter o que queria se levasse o caso até a justiça e a mídia, manchando diretamente a boa reputação do hospital com o auxílio de alguns colegas de trabalho. Ele apenas estava esperando que a despedida de Lizzie chegasse ao fim.

— Senhor, nós compreendemos o seu luto, apenas queremos que aceite este auxil...

— JÁ DISSE PARA SAÍREM DAQUI!Jeongguk explodiu, dando passos agressivos em direção aos homens que se assustaram e recuaram com a reação hostil do segurança. — O chefe de vocês pode mandar o quanto ele quiser ou prometer quantos cargos ele bem entender, mas eu não estou a venda, nao sou comprável e não irei esquecer quem foi responsavel e nem porque a vida de Lizzie foi neglicenciada, porra! SAIAM, ou quebrarei a cara de vocês.

Transtornando, Jeongguk encarou os homens como se a qualquer momento fosse partir para cima e surrar seus rostos de forma violenta. Pessoas curiosas olham para a cena, interessadas em saber quem tinha deixado o homem tatuado e de semblante cansado como um animal prestes a atacar.

Tudo bem, senhor.

E assim como chegaram, os homens foram embora. Jeongguk passou a noite na sala com as flores e fotos de Lizzie, eventualmente ligando para a senhora que estava cuidando de Megan para dar instruções básicas sobre a alimentação da menina e cochilando sentado em uma das paredes. Eunwoo, um amigo e funcionário do hospital, vez ou outra oferecia uma comida ou bebida, reclamando alto quando a comida era recusada, dizendo que até para a tristeza se necessita de energia, mas Jeongguk não queria saber. A ideia de comer sequer chegava em sua mente, que, melancólica, mantinha as esperanças que tudo fosse um pesadelo e que Lizzie logo chegaria, reclamando de alguém do trabalho.

Quando o final da manhã chegou, alguns outros homens chegaram, iguais aos primeiros, trajando ternos caros e rostos irritantes.

O presidente Song deseja falar com o senhor — foram as únicas palavras que o homem disse antes de empurrar um telefone caro em sua direção, com a tela ligada em uma chamada de voz.

Jeongguk encarou o telefone por longos segundos, soltando uma risada de descrença e raiva contida antes de agarrar o aparelho e levar à orelha.

— Disse para seus lacaios que não quero nada de vocês, porc...

Ela é uma criança linda, realmente parece que é sua filha, senhor Jeon. Uma pena ser cega, não é?

O segurança retesou, fechando as mãos em punhos e calando a boca quase imediatamente ao ouvi-lo falar de Megan.

Ela também é diabética, então precisa de uma alimentação diferente, não é? — O homem do outro lado soltou uma risada cheia de diversão, fazendo o segurança quase rosnar. Odiava quando se referiam a Meggie desse jeito. — Uma pena ela ir para um abrigo, não acha? Tão pequena e com limitações, ela pode ficar desamparada em um lugar desses.

Um estalo aconteceu na mente de Jeongguk, um alerta de perigo sendo acionado assim que a palavra abrigo entrou na conversa. Maldito, porco desgraçado.

— O que você quer?

— Agora podemos conversar, senhor Jeon? — A risada do homem soou mais uma vez, testando o limite da paciência de Jeongguk. — O que eu quero? Bem, nada em particular, apenas acabei esbarrando em alguns registros de nascimento e tive o prazer de saber que essa criança não está registrada com o nome do pai, apenas com a mãe, que acabou de falecer. E sabe o mais engraçado? A mãe é estrangeira, então, sem parentes para entrar em contato e deixar a tutela da criança, ela vai diretamente para um abrigo, apesar de ter alguém como o senhor para ficar com ela; achei que era um grande problema e pensei que poderia ajudar...

O coração de Jeongguk pareceu descer para o estômago, revirando-se a cada palavra do homem no telefone. Meggie iria para um abrigo? Não, jamais deixaria que Meggie fosse afastada dele.

— Soube por alguns curiosos que assistentes sociais já foram buscar a criança, sendo mais específico, acho que até mesmo já chegaram ao abrigo... Então, senhor Jeon, gostaria de poder ajudá-lo a conseguir a tutela, tenho meios para que ela e o senhor não precisem ficar mais que dois dias separados a espera da adoção

— Seu porco miserável — rosnou, apertando o telefone da mesma forma que gostaria de apertar o pescoço do maldito Song. — Qual é o acordo?

— Desista de qualquer coisa que iria fazer contra o hospital, processo, exposição na mídia, tudo. Desista disso e, em troca, a guarda da menina fica com você. Não estou pedindo muito, estou, senhor Jeon?

A linha ficou muda por longos minutos, com um Jeongguk amarrado aos seus próprios sentimentos em meio às suas decisões. Queria trazer justiça para a morte da melhor amiga, levando tudo que tinha para o tribunal, e mesmo sabendo que não venceria o processo, o prazer de manchar o renome do hospital seria equivalente. E no meio disso, ele ainda sim queria ficar com Megan.

Eu... aceito.

O presidente Song soltou um barulho de aprovação, adicionando que Jeon também poderia ficar com o dinheiro, já que não faria falta a ele. Os homens com ternos se aproximaram, e Jeongguk entregou o telefone, como se o aparelho queimasse sua mão; uma bolsa preta inchada foi deixada próximo ao altar com a foto de Lizzie.

Quando os homens se foram, a derrota e impotência desceu sobre os ombros de Jeongguk, levando-o ao chão. Ali, foi a primeira vez que ele chorou após a morte de Lizzie.

(...)

— Você não quer mais? — Jeongguk olhou de relance para a pequena figura no banco de trás, checando o rosto cansado da filha e o pote cor-de-rosa com pedaços de maçãs quase intocados. — Coma só mais um pedaço, Gigi, por favor, sim?

O silêncio absoluto foi a resposta de Megan ao pedido, fazendo Jeongguk soltar um suspiro preocupado. Após conseguir tirar a filha do abrigo e ter finalmente a tutela em seu nome, adotando-a oficialmente como sua perante às leis, Jeongguk notou o comportamento incomum da filha nos dias seguintes. O que antes era uma criança ativa e falante, agora era nada mais que uma criança arredia que perdia o apetite fácil, dormia pouco e dificilmente falava algo que não fosse necessário, e mesmo que todos falassem que era apenas uma fase, que era o luto pela perda da mãe, Jeongguk não deixou de se preocupar dia após dia.

Ele se mudou para o antigo apartamento da amiga, para o conforto de Megan, passou todos os momento do dia com a filha e tentou ao máximo manter a rotina familiar que antes era feita para três pessoas, mas nada disso parecia adiantar. Megan sempre acordava no meio da noite em meio às lágrimas, só aceitava dormir na cama que antes era da mãe, e o pouco que comia, era o que Lizzie servia quando estavam juntas. Ela não respondia às brincadeiras feitas pela senhora Ryu, nem se animava com a presença de Eunwoo, que antes era um dos seus ''tios'' preferidos, nem sequer chegava perto dos brinquedos que antes eram seus favoritos.

O estopim chegou quando Megan disse que Jeongguk também iria deixá-la, igual a mãe. Que assim como Lizzie tinha mentido e quebrado a promessa de sempre estar ao seu lado, Jeongguk também faria isso. Aquilo foi o suficiente para o homem tomar a decisão de sair da cidade.

'"Dálias são sinal de recomeço, você não acha que está na hora de recomeçar longe daqui com a Megan?"

Foi o que Eunwoo disse em uma tarde qualquer, após Jeongguk contar sobre querer outros ares para a criação de Megan e pétalas ressecadas de dálias, que uma vez foram de Lizzie, voarem pelo apartamento. O homem entendeu aquilo como um sinal e não demorou para embalar seus pertences junto aos de Megan.

Um telefonema e quatro dias depois, Jeongguk dirigia em direção à Busan, sua cidade natal.

— E Cariño? Ele também não quer comer? — o homem voltou a falar, olhando para o urso cor de caramelo com um coração bordado que a filha tinha como companheiro. — Oh, ele parece faminto, mas envergonhado para pedir alguns pedaços. Seja uma boa dona e coma junto com ele algumas maçãs...

Jeongguk observou a menina acariciar o ursinho, fazendo uma careta como se estivesse contrariada.

— E-ele parece com fome? — A voz infantil surgiu como uma brisa suave, correndo o risco de ser confundida com o vento que entrava pelas janelas, isso, é claro, se o homem não tivesse esperando por aquele som nas últimas dez horas.

— Parece, querida.

Megan concordou sutilmente com a cabeça, tateando com as mãos infantis até o pote e agarrando um pedaço da fruta para levar a própria boca e, logo após, até onde ela achava que estava a boca do ursinho.

— Mastiguem devagar, os dois — pediu o homem de forma cuidadosa, mantendo a brincadeira de alimentar o urso.

Jeongguk, aliviado por finalmente ver a filha se alimentando, mudou o olhar do banco de trás para a paisagem ao redor, que se misturava às lembranças de quando Busan ainda era seu lar. Um formigamento confuso surgiu em seu peito ao virar a esquina e se deparar com o bairro que ele conhecia tão bem.

As casas estavam desgastadas pelo tempo, mas permaneciam iguais às memórias adolescentes de Jeongguk, até mesmo a árvore frondosa na frente da casa do senhor Shin permanecia a mesma, com os galhos enfeitados por algumas luzes de natal que o senhor Shin nao tirava por pura preguiça e alguns brinquedos infantis que ficaram presos ao serem jogados para o alto por crianças arteiras, que saiam gritando ao verem o homem de estatura baixa saindo da casa e as perseguindo pela rua. As lembranças inundaram a mente do Jeon, fazendo com que uma risada nostálgica borbulhasse em seu peito.

O portão amarelo da casa da mãe foi a primeira coisa que Jeongguk notou algumas casas depois, estacionando exatamente em frente à residência em que tinha sido criado. Tudo ainda era o mesmo, as flores da sua mãe estavam em seu pequeno quintal, as paredes ainda tinham a cor pêssego e os muros permaneciam na altura da cintura, sendo enfeitados por jacintos em vasos artesanais poucos seguros.

Jeongguk observou a casa por longos minutos, passando os olhos pelas janelas abertas e os jacintos de cores vibrantes, que traziam a lembrança de Lizzie para seu coração enlutado. Certa vez, Lizzie tinha contado para o homem sobre a linguagem das flores e explicado que cada pequeno amontoado de pétalas tinha sua mensagem particular dada por humanos silenciados.

Jacintos eram sobre a tristeza da perda, segundo Lizzie.

— Cariño não está mais com fome, papai. — A voz baixinha da filha o despertou para a realidade, fazendo-o virar quase que imediatamente para olhá-la.

— Parabéns por ter comido, senhor Cariño — Jeon comemorou de forma suave, logo após escutar a porta da casa batendo. Ele não precisava virar para saber que tinham percebido sua chegada. — Agora que o senhor Cariño não está mais com fome, vamos conhecer novas pessoas, Gigi?

Megan ergueu a cabeça em direção a voz do pai, desconfiada, mas não respondeu nada além de um manear de cabeça. Jeongguk desceu do carro sem olhar para frente, focado em dar a volta no veículo e tirar a filha da cadeirinha, junto ao urso de pelúcia.

Mesmo após tirá-la do carro, Jeon permaneceu com a pequena no colo. As duas pessoas em sua frente olharam-no, cada um com um olhar distinto.

— Mãe — o homem cumprimentou a senhora de forma educada, olhando para o adolescente ao lado dela em seguida. — Jaehyun... Essa é Megan, a minha filha.

A senhora de feições rígidas olhou para criança de forma avaliadora, notando os cabelos curtos, as bochechas gordas e algo mais que a lembrava do próprio filho naquela idade. Jaehyun, o irmão de Jeongguk, sorriu de forma animada em direção à criança, a ideia de finalmente ser tio brilhando em seu rosto.

— Uau, finalmente serei tio, achei que esse momento nunca iria chegar — o adolescente brincou, aproximando-se de forma rápida da criança e do irmão. — Olá, Meggie, sou Jaehyun-ah, seu titio número um.

Megan esticou as mãos em direção ao rosto de Jaehyun, que, previamente avisado sobre a deficiência visual da sobrinha, inclinou-se quase que instantaneamente em direção ao toque infantil.

— Você não parece nada com o titio Eun, não pode ser o número um... — a menina declarou, após passar a mão pelo rosto do rapaz, arrancando gargalhadas do pai e, agora, do tio adolescente.

— TIO EUN? Ah, não, irei trabalhar duro para ser um pouco mais parecido com ele e pegar o posto de tio número um!

Megan franziu o nariz, como se não concordasse com a ideia, e voltou as mãos para os ombros do pai, que sustentou um sorriso engraçado pela interação.

— Jaehyun, você não leva jeito com crianças — Jeongguk implicou, batendo no ombro do caçula.

— Besteira, eu era ótimo com elas quando era mais novo. — O adolescente fez o irmão soltar outra risada. — Bem-vindo de volta para casa, hyung.

Jaehyun sorriu como uma criança que acabou de ganhar o presente na noite de natal e Jeongguk logo tratou de imitar o gesto, aninhando Megan em seu colo; ele tinha sentido a falta do pirralho.

— As apresentações acabaram? Se sim, entrem logo em casa e tragam as malas, seu antigo quarto está desocupado.

Jeon Jooyoung disse de forma cortante, olhando para o interior do carro como se pudesse ver tudo que tinham trazido e retornando seu olhar tedioso para os filhos, enquadrando o rosto de Jeongguk.

— Espero que não se arrependa disso, Jeongguk — a mulher avisou em um tom de alerta, passando os olhos pela criança no colo do filho. — Crianças não são brincadeira...

Jeon aperta os dentes, irritado de como a mãe era cruel sem ao menos parecer contente com a sua presença.

Eu sei, mamãe. Ajudei a criá-la por todos esses anos.

A mulher soltou uma risadinha desacredita.

— Mas não fez isso sozinho, não é?

Jeongguk não respondeu e Jooyoung deu as costas para o filho, caminhando para dentro da casa. Jaehyun suspirou.

— Não ligue para a mamãe, ela está estressada ultimamente. — Jeongguk concordou com a cabeça, mesmo sabendo que era apenas uma mentira. — Agora, vamos entrar, senhora Dahye mandou um balde de mandu quando soube que você voltaria.

— Mandu da senhora Dahye? Ah, não posso perder por nada!

Jaehyun começou a caminhar para dentro da casa de forma rápida, como se fosse comer sozinho os mandus enviados, e Jeongguk, com a filha que parecia ter adormecido em seu ombro, encarou a casa que os outros dois tinham entrado.

O que quer que o destino tivesse reservado daquela vez, ele jamais deixaria Megan para trás. 



Agradecimentos especiais a capista @chishikizi  pela capa e @MegNovis pela betagem maravilhosa.

E também desejo feliz aniversário atrasado para minha doce @MegNovis. Espero que aproveite cada parte do seu presente e se divirta com os próximos capítulos, mesmo naqueles que podem torrar sua paciência. Amo-te, cariño.

Aos leitores que chegaram aqui de paraquedas, o que acharam do primeiro capítulo? De Lizzie, Jeongguk e Maggie? Eles são meus queridinhos no momento, mesmo Lizzie morrendo no começo da história haha.

Our Dahlias será atualizado duas vezes no mês, sendo uma quarta feira sim e uma quarta feira não, as 20h no horário de Brasília.

Bebam água e não esqueçam o votinho maroto, até a próxima atualização S2.

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