Antigos amigos

  Acordei um tonta. Minha visão estava turva e meus olhos quase se fechando lentamente. Piscar era um movimento complicado, pois eu sentia minhas pálpebras pesarem toneladas.
  Tentava olhar em volta para me manter acordada, mas não ajudava muito. O lugar em que eu estava era escuro e frio. Porque diabos tudo tem que ser tão frio? Eu realmente não entendia o que tinham contra um calor, ou até mesmo uma brisa fresca algumas vezes.
  Tento me mexer, mas vejo que estou amarrada. Amarrada em uma cadeira grande, como um trono. Em meio a escuridão, vejo olhos amarelos me fitando.
  Lobos.
  - Calma lobinho? - Tento acalmar o animal que me olhava com tanto ódio. Um feixe de luz acerta-me no rosto e em minha frente, havia um espelho. Eu estava horrível. Meu cabelo estava bagunçado e oleoso. Eu não passo mais de dois dias sem lavar o cabelo, então estou aqui a mais de dois dias. Meu nariz sangrava eu estava com olheiras profundas. - Lobinho bonitinho? - Ele rosnava mais alto e ainda mais irritado do que já estava.

  Decido ficar quieta. O lobo continuava me olhando fixamente e rosnando. Mais dois pares de olhos se abriram à direita e a esquerda do primeiro lobo. Fiquei mais alerta, mas não me pronunciei mais.
  Mais e mais olhos se abriram, revelando-se dezenas de lobos rosnando ao mesmo tempo.
  Eles começaram a se aproximar, me cercando calmamente. Tento me soltar, mas quanto mais puxava meu pulso, mais sentia que as algemas me apertavam e me queimavam.
  Poderia jurar por Deus que vi o primeiro lobo sorrir. Ou, o mais próximo que um lobo chega de sorrir. Eles vão se aproximando mais, cada vez mais perto. Ouço um deles se aproximar, mas meu foco é com o da minha frente.
  Rosnando, ele avança sobre mim com um olhar demoníaco.

  Levanto ofegante e com o rosto todo suado. Gemi de dor quando me levantei da pequena cama de ferro. Não era a minha definição de conforto, mas era melhor do que o chão duro.
  Flashbacks da noite passada me atingiam como socos no estômago. O general, a essa hora, deveria estar furioso comigo e querendo me matar. Molly me alertou que ele era um tanto quanto explosivo e que eu devia tomar cuidado com o que dizia.
  O que eu diria agora? Como eu explicaria que passei a noite fora? E o pior era como eu explicaria que um dos caras mais importantes do reino tentou chupar o meu sangue como um vampiro?
  Comecei a olhar em volta, mas tudo era pequeno aqui. Isso seria um ótimo quarto do pânico, se um dia precisassem. Meu estômago roncava e senti vontade de chorar apenas por cogitar a hipótese de sair dali e dar de cara com o general.
  Eu precisava sair dali, só queria saber como. Me levantei, um pouco tonta. O sol estava forte, então estávamos por volta das oito pras nove da manhã. Não comi nada desde ontem de manhã. Ah, Deus, eu vou morrer aqui!
  Tentei passar o tempo do melhor jeito, mas, aparentemente o lugar não foi feito para diversão. Abri o minúsculo guarda-roupas de madeira que tinha ali no canto. Eram roupas femininas, todas elas. Desde roupas íntimas até blusas e calças de inverno, revestidas com lã. Estranhei aquilo. Por que diabos isso estava ali?
  Meu estômago roncava, me deixando desesperada. Eu precisava comer, mas era incrível um lugar daqueles não ter pelo menos uma despensa se quer. Eu não ousava fazer barulho, com medo do homem ainda estar do outro lado da porta. Esperei mais um tempo, mas tudo estava em silêncio (com exceção do meu estômago).
  Passei longos minutos com a orelha praticamente colada na porta. Nada. Nem um único ruído. Por precaução, tirei a chave da porta e a coloquei nos bolsos, com medo dele entrar enquanto dormia. Batendo nos bolsos, a chave estava lá. A coloquei na porta e a girei suavemente, até ouvir um click baixinho. Abro um pouco a porta, deixando apenas uma fresta com a respiração presa. Ninguém. O quarto estava vazio e a cama arrumada, como ontem. Nenhum sinal do loiro. Me permiti respirar novamente, abrindo a porta com calma. Não havia sinal de ninguém. Com todo cuidado do mundo e rezando para Deus não fazer barulho, caminho pelo grande cômodo. Nunca odiei tanto esse quarto. Quando estou quase chegando na porta, querendo chorar de emoção, sinto uma brisa fraca passar por mim, mas ignoro. Não deve ser nada.

  - Bom dia pra você também, garota. - Gelei, sem coragem de me virar para trás. Bryan da risada enquanto eu realmente pretendia chorar, mas era de medo - Dormi preocupado com você ontem.

  Estava estática. Ele fez menção de se aproximar, mas um passo dele em minha direção era outro meu para trás, o mais distante possível dele. Um buraco se abriu no meu estômago, fazendo o roncar. Não sabia diferenciar fome de medo, então eu estava com os dois.
  Ao ouvir meu estômago reclamando de fome, ele ri e se aproxima mais. Tento ir o mais distante possível, mas eu andava de costas; consequentemente bati as costas na parede.

  - Não precisa ter medo de mim. - Ele deu os ombros, passando os dedos nos meus ombros nus. Ele era quente, literalmente. - Eu perdi o controle ontem. Me desculpe. - Afastando uma mecha loira que havia caído do rabo de cavalo que fiz ontem, ele a colocou atrás da orelha, passando os dedos pelo meu queixo, me fazendo encara-lo - Eu juro que não sou assim normalmente. Esses ataques acontecem com muita pouca frequência, mas quando vem, não consigo impedir.

  Queria retrucar da forma mais irônica que conseguia. "Jura? Você tentou me matar ontem" ou "sério que você perdeu? Mesmo? Ah, querido, eu nem percebi!"
  Apenas concordei com a cabeça completamente apavorada. Ele desceu o toque para meus braços, puxando minhas mãos e a beijando, logo em seguida. Contrai assim que ele se aproximou das minhas mãos. O general deu risada.

  - Eu realmente me descontrolei ontem, garota. Me desculpe, me desculpe mesmo. - Seus olhos amendoados encaravam os meus, agora apagados, olhos azuis. - Qual é o seu nome?
  - Sarah - Aquilo saiu mais como um sussurro. Tive que repetir, tirando risadas do general. Assim que termina de rir, ele me olha de cima a baixo, encarando-me sério. Tive medo de perguntar o que acontecia, mas estava com receio dele se irritar. O encarei por mais alguns agonizanres segundos. Quando tomei coragem para abrir a boca, ele me atropela:
  - E agora, Sarah, o que exatamente você é?

  Antes de conseguir responder, a porta se abre bruscamente, me fazendo pular. Bryan apenas olhou irritado, pois haviam acabado de interromper seu interrogatório com uma simples empregada.
  Ele abre a boca para argumentar, provavelmente expulsar, o cavaleiro de armadura completa a sua frente, mas o homem a frente disse palavras que não reconheci na hora. Bryan de Lucca, o general da guarda real, se indireita, respirando fundo e mandando-me do jeito mais ameaçador possível ficar ali, esperando ele voltar, pois aquilo não havia acabado.

  Só porque a madame quer.

  Assim que ele da as costas e vai para o lado esquerdo do corredor cor creme, espero três segundos antes de ir para o direito. Minhas pernas ganharam vida novamente. Tomei impulso e corri apressadamente para fora daquele quarto.
 
  Preciso achar Molly, preciso achar Molly. Preciso ir para casa, preciso sair daqui.

  Perdida entre os corredores, esbarrei com algumas camareiras que, apesar das minhas desculpas, não pouparam paciência ou xingamentos. Não me importei, apenas me concentrei em sair dali.
   Me perdi algumas vezes pelos corredores. O castelo era grande e haviam muitas portas parecidas. Comecei a me cansar, perder o ânimo apenas de me imaginar ter que pedir ajuda para alguém. No primeiro olhar feio do general, eles contariam quem e onde eu procurava.

  Não. Eu não podia arriscar isso. Haviam coisas demais em jogo.

  Quando estava quase desistindo, vejo a cozinha de longe, cerca de 700m de distância, moldada por um arco branco de tijolos. Quanto mais me aproximava do cômodo, com mais clareza via.
  O lugar parecia vazio. O cheiro de carne estava impregnando o ar, misturado com o cheiro gostoso de lenha queimada. Virada para mim, vejo uma garota de cabelos loiros, que batiam na metade de suas costas  ondulados nas pontas.

  Molly.

  Me aproximava cada vez mais dela. 500, 400 metros. Quanto mais me aproximava, mais via a mulher que me acolheu, cerca de uma semana, atrás.
  Ouço um barulho vindo do lado oposto. Molly deu um pulo, finalmente me olhando, mas indecisa se encarava algo que estava do lado dela ou para mim. Seus olhos se arregalaram. Ela finalmente se vira para mim, negando com a cabeça de forma discreta, com os olhos cheios de lágrimas.
  Travo no mesmo lugar. Molly suspira aliviada, me mandando ficar onde estava. Em menos de dez segundos, haviam quatro homens, fora o general, na cozinha do castelo. Os quatro estavam de preto, mas somente o general estava com a armadura completa.
  Dois deles seguraram a mulher pelos braços, os outros dois se pressionavam nas portas enquanto Bryan fica na frente dela, atrapalhando minha visão.
  Um dos guardas se aproxima da porta em que eu estava. Por um momento, achei que ele tinha me visto. Molly, aparentemente, compartilhou o mesmo pavor, pois eu a vi prender a respiração e arregalar os olhos. Não, ele não me viu. O cavaleiro apenas me virou as costas, quase tampando a visão de uma Molly agora ajoelhada no chão.

  - Por quê me chamaram? - O general pergunta irritado - Eu tinha mais o que fazer. Essa mulher não é quem procuramos, então deixem-na ir.
  - Senhor, ela sabe de algo - Bryan se ajoelhou, olhando fixamente para ela. De relance, vi Molly o encarando com ódio. Murmurando coisas que não entendia por causa da distância, o general sussurra coisas que eu também não entendi. - Senhor, quais são as ordens?
  - Ela vai nos contar o que sabe, sir. Gwbel. A cozinheira não aguentaria guardar segredos de um amigo tão antigo, certo Molly? - Seu tom era debochado. Dando as costas, ele grita que a joguem no calabouço, sem água ou comida, apenas para ver até onde ela aguetaria pelo silêncio - Esse, Molly, é o seu castigo por guardar uma coisa que nós juramos destruir.
  - Morra de uma vez, seu psicopata, sanguessuga desgraçado - Bryan ri sem humor, já dando lhes as costas - Você vai perder, Bryan. Vai perder todos, assim como perdeu Helena.
  A cena aconteceu muito rápido. O general, que antes estava no começo da porta, agora estava ao lado de um corpo pequeno, ou pelo menos de onde devia estar. Cerca de quatro, cinco passos depois, Molly estava esticada no chão devido ao chute que havia levado nas costelas, caída e com sangue em volta. Tremi ao ver a cena. Segurei o choro, rezando para não fazer barulho, afinal havia um guarda armado a poucos metros de mim.
  As lágrimas rolavam, sem parar, sobre meu rosto, embaçando minha visão. Molly se mexe, gemendo de dor e massageando o colo, um pouco acima dos seios.
  A cozinha foi preenchida por quatro diferentes diferentes. Bryan olhava com ódio para a garota a sua frente. Assim que ela se levanta, tombando um pouco para os lado, ela lhe lança um sorriso irônico, manchado por sangue. O general a olha com mais raiva ainda, se é que era possível.

  - Espero que goste de ratos, sua imunda, porque eles vão ser seus únicos companheiros por um bom tempo. - Ele se aproxima dela, a empurrando, de volta para o chão - fique aí, é o seu lugar. - Ele faz menção de dar as costas, mas volta parecendo se lembrar de algo - E não fale de Helena, não pra mim. Perdemos pessoas impotentes para nós, Molly. Eu perdi a minha garota garota você perdeu a sua filha - Essa foi a única vez que vi ela vacilar, me olhando discretamente, como se pedisse calma. - Não se meta no meu caminho novamente, Twen. Eu posso te tirar de circulação como se você fosse o mais simples dos insetos.

  Ele finalmente se foi. Esperei os guardas saírem também, mas eles não se mexeram. Os minutos pareciam uma eternidade; nada acontecia. O guarda que estava a minha frente é o primeiro a se movimentar, indo até Molly e novamente tampando minha visão. Logo o segundo e o terceiro fazem a mesma coisa. Quando o quarto guarda parece ganhar vida, de sua cintura ele puxa algo.

  Uma espada
 
  Não, por favor, não. Isso não...

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