CAPÍTULO 6
Capitulo revisado [✔️]
Não lidamos muito bem com pessoas de fora
Eles dizem que os novatos têm um certo cheiro
Eles dizem que conseguem farejar cheiro das suas intenções
~ HEATHENS/ twenty one pilots
**AMBER**
Nunca fui uma pessoa carinhosa, nunca fui de me preocupar com os sentimentos alheios ou ao menos com a existência deles. Sempre estive em um poço de autopiedade dentro de mim tão grande que nunca tive o tempo ou a força para me incomodar com os outros.
Mas quando vi Jesus pela primeira vez, ele não parecia um garoto assustado entrando em um ninho de cobras, não, ele parecia um lutador, procurando um novo oponente para lutar em seu ringue de luta. Pelo menos isso era o que todos viram. Todos menos eu.
Eu já tinha as minhas dúvidas quanto a Jesus, mas quando eu olhei em seus olhos, foi a primeira vez em muitos anos que vi uma dor similar a minha em outra pessoa.
E mais tarde me vi tendo esse mesmo interesse quando vi os gêmeos. Quando botei meus olhos neles, eu soube, soube que eles eram iguais a mim e a Jesus, todos nós tínhamos uma coisa em comum afinal.
Todos nos tínhamos uma máscara quando entramos em St. Monica.
Estou furiosa com Jesus por não ter me contado nada sobre os gêmeos no momento que me viu. Estou furiosa, ansiosa e estranhamente feliz...
Jonas e Micaela estão aqui, Jonas e Micaela estão aqui e estão com Jesus.
Isso parece quase impossível. E está fazendo meu estômago dar cambalhotas.
E aqui, andando avoada pelos corredores da Phillipez, pensando em tudo isso só me faz ficar mais zangada com ele e mais ansiosa para a nossa conversa.
Avisto Jesus encostado perto do meu armário, encarando seu celular. Me aproximei lentamente dele, até que seu olhar saio do celular e veio até mim.
- Amber que bom, estou morrendo de fome e... - ele começou a falar, mas eu o interrompi.
- Quando você iria me contar? - eu o questionei cruzando os braços.
Seu sorriso foi desaparecendo aos poucos do seu rosto e seus olhos começaram a me examinar com preocupação.
- O que? - ele disse colocando suas mãos nos meus braços de forma cuidadosa, seus olhos se mexiam agitados procurando sabe-se lá o que em meu rosto. Eu afastei sua mão e lhe dei um olhar nada agradável.
- Nem comece seu teatro Jesus, grupo dos exilados, sério? - cerrei os olhos e arqueie minha sobrancelha esperando por qualquer reação sua.
Jesus pareceu estático assim que as palavras saíram da minha boca, suas expressões pareciam pausadas, até que ele recobrasse a consciência de onde estamos e da bomba que joguei nele. Suas sobrancelhas se aproximaram e seus lábios se comprimiram com força.
- Quem foi que te contou? - ele questionou exaltado, o que atraiu olhares pelo corredor, logo em seguida ele olhou ao redor fazendo as cabeças que se viraram para nós olhar desviarem para qualquer outra direção - E o quanto exatamente você sabe?
- O suficiente para saber que você devia ter me contado tudo assim que me viu. - eu indaguei com os dentes cerrados.
Um minuto se passou sem que nós nos falássemos, apenas ficamos nos encarando em silêncio, com as sobrancelhas juntas, olhos cerrados e maxilares cerrados. Até o que pareceram ser séculos se passaram e finalmente começamos a nos acalmar.
- Tudo bem, olha eu iria te contar - ele começou com tranquilidade na voz, mas de repente sua expressão mudou de uma hora para outra, e seu maxilar se contraiu - Na verdade, eu não iria te contar não. - ele se zangou cruzando os braços.
Sua postura mudou de repente, seus ombros tencionaram e seus olhos mostravam um pesar de dor no olhar. seu rosto se entristeceu e sua voz se tornou melancólica ao dizer:
- Sabe quantas mensagens de voz eu deixei para aquele número que você me deixou da última vez que nós vimos? Sabe quantos dias eu acordei rezando para que você não estivesse morta, por que nunca se deu o trabalho de atender minhas ligações? - minhas feições foram se desfazendo e a raiva que sentia foi embora dando lugar a culpa.
- Você ao menos tem ideia de que mesmo depois do St. Monica eu ainda passava as noites acordado mesmo que você não estivesse lá para acordar de seus pesadelos? - ele esbravejou - Eu passei praticamente a última aula inteira dizendo para mim mesmo que era você sentada naquela cadeira e não que era apenas uma alucinação minha!
O peso daquelas palavras me pegou com uma força que eu não estava esperando. Cada palavra dele parecia um soco.
Eu tinha mesmo me afastado de tudo e todos depois do St. Monica, mas não porque eu queria distância de todos eles.
Eu praticamente vivi boa parte esses últimos seis meses em viagens de carro e com a cara enfiada em livros de estudo, colocando toda a matéria que eu não acompanhei enquanto estava no St. Monica em dia.
Mas Jesus achou que eu estava morta.
- Eu queria ter mantido contato com você. Você era a primeira pessoa com quem eu queria conversar. Queria contar sobre minha mãe, sobre nossa nova casa, como eu consegui finalmente superar o reformatório e tudo que passamos, como eu consegui lagar os cigarros, eu queria te contar tudo...
Eu estava tão focada nos livros e em recriar uma nova vida para mim que nunca se passou pela minha cabeça que ele ou gêmeos poderiam... Que talvez ele estivessem... Sempre pensei no melhor em relação a eles.
- Você largou os cigarros? - questionei com a voz quase inexistente.
- Estou limpo a quase 6 meses.
A tempos atrás não imaginava Jesus a menos de 3 metros de um cigarro e agora ele está limpo a 6 meses.
- Eu não acredito que perdi tudo isso.
Pensei que estariam em uma nova escola, que estariam felizes em suas novas casas, que talvez tivessem conseguido superar, de alguma forma, tudo o que passaram no reformatório, mas... Talvez eu mereça as palavras que Jesus está despejando em mim. Talvez eu mereça muito mais que isso.
- Você foi a única que eu me abri por completo, você foi a única que eu mostrei todos meus traumas. Você foi a única Amber, e eu achei que você estivesse morta! - seus olhos não sustentavam mais as lágrimas, que agora caiam pelo seu rosto, eu sentia meus olhos começarem a arder - Não existia segredos entre nós, e então de um mês para o outro você sumiu, parou de atender minhas ligações, não respondia minhas mensagens, desapareceu da terra e nunca mais entrou em contato. - as lágrimas escorriam, pelo meu rosto e pelo dele.
Nunca pensei... Nunca quis causar essa dor a ele. Jesus nunca me magoou em hipótese alguma e só de pensar que eu fiz isso a ele....
- Sinto muito, J-Jesus, eu sinto muito mesmo. - eu disse derrubando tantas lágrimas quanto ele.
Nos encaramos por um momento, nós dois em estados deploráveis, mas eu não ligava se eu estava feia ou chorando rios, eu apenas parti para abraçá-lo.
Andei lentamente até Jesus para ter a certeza de que poderia me aproximar dele. Jesus não demonstrou nenhuma resistência a minha aproximação, então passei meus braços pelo pescoço de Jesus e o puxei para mim.
Jesus demorou para retribuir o abraço. Talvez o cérebro dele ainda tentasse se adaptar que era mesmo eu ali o abraçando, que eu estava viva, e não morta. Ou talvez ele tenha demorado para retribuir o abraço porque sabe que aquela intimidade entre nós se quebrou a partir do momento que o fiz pensar que poderia estar morta. Talvez ele soubesse que dessa vez, nossa amizade poderia não ter volta.
Quando já estava cogitando a ideia de soltá-lo e dar um adeus para o que sobrou da nossa amizade, Jesus me puxou para um abraço apertado, suas mãos serpentearam pela minha cintura, ele me apertou com força, mas mesmo assim não o soltei. Pelo contrário, o apertei mais ainda.
Não posso soltá-lo. Não de novo.
Jesus foi a pessoa que sempre esteve comigo nos meus piores momentos, nos meus piores pesadelos, nas minhas crises de pânico, nas brigas para qual eu o arrastei e naqueles momentos onde parecia que íamos pro inferno mais rápido que planejado. Não acredito que fiz mesmo ele pensar que estava morta.
Eu senti tanta falta desse garoto que nem consigo o dizer em palavras. Achava que nunca mais o veria até o reencontrar aqui na Phillipez. Parece que não importa a distância ou o tempo que passamos longe um do outro, ainda somos os mesmos. E eu não tinha noção do tamanho da saudade que sentia dele até o reencontrar.
Me concentrei em ouvir sua respiração esperando o momento em que suas lágrimas parassem para que pudesse soltá-lo.
- Obrigado - disse ele com minha voz manhosa - Você sabe que as vezes fico emotivo de mais, culpe minha TPM. - completou fungando o nariz em uma tentativa singela de me fazer sorrir.
Esse é o Jesus que eu conheço, aquele que sempre tem uma piada ou um comentário sarcástico a fazer, e que sempre faz surgir uma risada em qualquer um.
- Desculpe não ter mandado mensagem ou ligado de volta. As coisas ficaram complicadas quando eu fui morar com meu tio.
O semblante de Jesus mudou da água pro vinho depois que citei o nome do meu tio, vi seus punhos se fecharem lentamente. Jesus sabe já sabe sobre tudo o que eu passei com meu padrasto, então eu vi a dúvida da pergunta que parou em seus olhos eu me apressei em argumentar:
- Não, não é isso que você está pensando - toquei em uma das mãos que estava cerrada em um punho - Eu me mudei mais vezes do que posso contar nesses últimos 8 meses, passei mais de 3 meses dentro de carros mudando de estado em estado, e no resto do tempo, eu me dividia entre tentar acompanhar as matérias perdidas e aprender a conviver com meu tio sem surtar toda vez que ele me tocava - fechei os olhos respirando fundo, então a mão que eu segurava de Jesus se abriu e se entrelaçou a minha.
- A convivência com meu tio... Bom digamos que foi difícil confiar em um homem que diz ser meu parente de novo - eu comentei encarando Jesus nos olhos - As primeiras vezes foram difíceis, sempre que ele me abraçava ou segurava minha mão, tentando me dar algum tipo de conforto, eu sentia repulsa. - senti minha garganta secar quando engoli, mas me forcei a falar - Era como se meu padrasto estivesse lá, toda vez, parecia que ele estava lá. - Jesus apertou sua mão na minha - Mas com o tempo eu fui lidando com ele, ele é bom, por incrível que pareça ele é um homem gentil e simpático. - dei um sorriso singelo a ele. Mas tudo o que Jesus fez foi soltar nossas mãos e passar a mãos no queixo esfregando a nele freneticamente.
- Mudanças, estudos e seu tio. É só certo? É apenas por isso que você não manteve contato, porque esteve muito ocupada. - Jesus falou em um tom cético, como se estivesse descrendo de que essa era toda a verdade.
- Sim isso é tudo, eu prometo.
Minha voz saiu tão naturalmente que até eu quase acreditei que era verdade. Mas o importante foi que Jesus acreditou, e é isso que importa.
Jesus suspirou relaxando o corpo e disse:
- Micaela e Jonas vão ficar felizes em saber que você está viva.
Senti meu coração errar uma batida. Vou revê-los.
◇◇◇
Mesmo que não demonstrasse muito mais eu estava a beira de ter um colapso.
Eu e Jesus estávamos prestes a nos encontrar com a Mica e o Jonas.
E apesar de tudo que foi dito no corredor, diria que eu e Jesus parecemos bem, apesar dos olhos vermelhos. Mas eu não queria pensar sobre eles agora, eu estou indo ver os gêmeos, é sobre isso que eu quero pensar.
Eu não sei nem o que eu vou dizer quando eu os encontrar. Não parece certo chegar dizendo um simples "oi, então eu estou viva!" depois de seis meses sem nenhum contato, principalmente depois de tudo que passamos.
Jesus foi me guiando até o refeitório da Phillipez, e como sempre atraindo muitos olhares para nós.
- Sei que você está odiando todos esses olhares. Vai ter que aprender a lidar com isso. - Jesus cochicha próximo ao meu ouvido enquanto sua mão nas minhas costas nos conduzia pelos corredores.
É uma sensação muito boa, saber que apesar de todo esse tempo Jesus ainda me conhece bem o suficiente para saber tudo o que eu estou pensando sem que eu precise falar.
Passamos pela porta dupla do refeitório, o que me deu visão a um grande salão cheio de mesas retangulares de madeira, com banco da mesma madeira anexados aos seus pés.
Há várias dessas mesas pelo lugar, sem falar na enorme bancada cheia de comida que se encontra mais à direita da porta por onde entramos. Ela lembra bastante aquelas bancadas de serf-serves daqueles restaurantes caros, inclusive a fila que está ali está quase chegando até a porta.
Chegamos bem perto de uma mesa mais afastada das outras no refeitório, e mesmo de longe eu já conseguia enxergar as silhuetas de Micaela e Jonas, de costas, mas mesmo assim eram eles ali.
Jesus me parou um pouco antes de chegarmos na mesa e fez um sinal para que eu ficasse onde estava. Ele seguiu até o outro lado da mesa ficando de frente para os gêmeos.
- Micaela, Jonas... - Ele disse se sentando na mesa, bem de frente para mim, ele estava sério.
- O que você fez? - os irmãos perguntaram ao mesmo tempo um para o outro, ambos com as sobrancelhas franzidas. Direcionei meu olhar para o Jesus segurando a risada.
- Espera, por que seus olhos estão vermelhos? - Micaela perguntou a Jesus, que se enrijeceu por completo.
Ele rapidamente me encarou antes de voltar seu olhar aos irmãos e dizer:
- Isso não importa - Jesus mexeu as mãos de modo apressado, Jonas e Micaela ainda se encaravam - Vocês podem me olhar por um minuto eu tenho uma novidade. - ele retrocedeu nas mãos nas têmporas, claramente se arrependendo de fazer isso.
A atenção dos gêmeos voltou para Jesus, uma pena eles estarem de costas para mim. Eu gostaria de ver seus rostos
- Se você inscreveu nos no Clube de teatro de novo Jesus, eu juro por Deus que vou enfiar purpurina pela sua garganta! - Micaela resmungou apontando o dedo pra ele e Jonas concordou de leve com a cabeça.
- Pelo que me lembro, da última vez, demorou mais de uma semana para parar de cair purpurina pelo chão quando passávamos - dessa vez foi Jonas que falou, sua voz não carregava aquela tensão acumulada que tinha antes. Isso me fez sorrir.
Eles estão bem. Estão aqui e estão bem. Pensei.
- Vai se ferrar, Gonzalez - retrucou Jesus claramente sentido, dramático. Eu não me contive e acabei dando uma pequena gargalhada.
- Vocês continuam iguaizinhos. - eu disse gargalhando, acabando com o disfarce.
Os gêmeos então estremeceram, se virando cuidadosamente até mim. Acho que para confirmar que era verdade. Micaela foi a primeira a se virar e me encarar de cima a baixo, e assim que o fez, se levantou e praticamente pulou no meu pescoço.
- Sem chance! - ela gritou enquanto me esmagava em um abraço caloroso.
A morena se pendurava em mim, e eu sofria pra não nos deixar cair de cara no chão. Me afastei um pouco do seu abraço apenas para tocar as literais de seu rosto.
Seus olhos estavam cheios de água, talvez igual os meus agora, mas mesmo assim foquei nos detalhes do seu rosto.
Seu rosto está bem mais cheio e saudável do que antes, suas bochechas são rosadas agora, ela está usando uma maquiagem básica com um gloss labial rosinha. Seu cabelo tão liso e comprido quanto eu me lembro. Ela parece muito bem. Ela está mais que bem.
Depois de mais um abraço bem apertado nela. Me desvinculei de seus braços mudando de direção para seu irmão.
Jonas.
Olhei fixamente para os olhos de Jonas. Ele me encarou de volta. Por um momento pensei que tinha perdido o direito de reivindicar aquela intimidade que um dia chegamos a ter.
- Então você está viva. - concluiu ele, com uma voz cômica, eu acenei com a cabeça, ele se virou para Jesus apontando um dedo para o mesmo e falou: - Está me devendo 10 dólares.
Olhei para os dois chocada, eles apostaram na minha vida?
- Vocês dois perderam a noção do perigo? – disse dando um soco de leve no peito de Jonas fingindo estar exaltada. - É assim que você vai me dar oi, agora? Quase 8 meses longe de mim e você já esqueceu da educação que eu lhe dei? - eu fingi esbravejar.
- Quer um beijo de boas-vindas? - ele perguntou sarcasticamente levantando uma das sobrancelhas, eu fiz uma careta.
- Eu não, ainda não sei onde você tem colocado essa sua boca aí. - disse apontando para sua boca e o mesmo sorriu malicioso.
Cafajeste.
- Só onde não presta, acredite. - Dessa vez Micaela que responde, Jonas deu de ombros.
Eu o encarei de novo então, um brilho surgiu em seu olhar e as gominhas que ficam abaixo de seus olhos, aquelas que apareciam quando ele sorria, elas apareceram, pareceram para mim. Um sorriso se puxou em seus lábios, aquele típico sorriso que diz "eu disse que nos veríamos de novo".
Ele então abriu os braços, esperando por mim. Eu estava a centímetros dele, mas mesmo assim, corri para seu peito como se estivéssemos a metros de distância.
Me aconcheguei entre seus braços e contornei seu pescoço com os meus. O puxei para um abraço apertado, ele fez o mesmo, consequentemente, me arrancando do chão pela nossa grande diferença de altura.
Depois de Jesus pigarrear umas três vezes, Jonas me colocou de volta ao chão. Minha mão percorrei sua bochecha, acariciando. Ele sorriu.
Ele estava bem, estava sorrindo, todos eles estão bem, todos nos sobrevivemos.
Jonas estava com o cabelo muito maior do que antes, seus cabelos quase pretos penteados estão lindos, ele também está mais forte, mas diferente de Jesus que usava uma calça de moletom preta uma camiseta branca e jaqueta jeans, Jonas usava um suéter cinza por baixo de uma blusa xadrez em tons pastel com uma calça folgada. Esses garotos são mais estilos do que eu me lembro, meu Deus. E são enormes também.
- Ei, ei, ei - disse Jesus me puxando para trás para ficar longe de Jonas - Não se empolguem não, eu ainda estou na sua frente na lista de preferência dela. - ele falou fazendo uma careta para Jonas, que revirou os olhos cético e voltou a se sentar. Eu ri deles dois.
Não tinha percebido, mas abraçar eles novamente, Jonas, Jesus e Micaela foi... Foi como reencontrar uma parte de mim que eu havia perdido. Foi como me sentir em casa. Foi incrível.
- Ah sim, com certeza ela sente muita falta das suas inúmeras opiniões desnecessária sobre jogadores de basquete ruins, seu fracasso em fazer uma gravata decente ou você falando das meninas que te pediram fotos indecentes. - Jonas retrucou com um sorrisinho irônico, olhei para Jesus segurando o riso, Jesus estava boquiaberto.
- Ei! Você sabe que isso foi logo depois que saímos de St. Monica seu bastardo ignorante, eu ainda era novo nisso! Você disse que não contaria a ninguém. - Jesus fez um biquinho e cruzou os braços mal-humorado.
Quando os dois começaram um debate sobre as coisas irritantes que cada um já fez, Micaela revirou os olhos e me puxou para sentar ao seu lado na mesa.
- Onde você se meteu nos últimos meses, em uma caverna? Por que não nos mandou mensagem? - a morena perguntou bem séria - Uma única mensagem dizendo que estava viva era tudo o que queríamos.
Eu encarei Jesus no mesmo momento em que ele me encarou. Ele me olhava como se quisesse estudar meu rosto enquanto contava o mesmo que contei a ele para Micaela.
Ele ainda acha que eu estou escondendo algo dele. Muito bom para ele, porque eu realmente estou.
Olhei para a morena novamente e a encarando bem, agora consigo notar que ela também está bem diferente do que antes, pra começar ela não estava mais com suas enormes tranças coloridas na cabeça, ela está com seu cabelo natural castanhos um pouco mais claro que seu irmão e seus cabelos estavam tão compridos que desciam pela sua enorme jaqueta.
- Os últimos oito meses foram uma loucura. Eu passei metade desse tempo em viagens de carros de estado em estado, e a outra metade eu estudava pra colocar os estudos em dia. - eu disse enquanto Jonas e Jesus se sentavam na frente de nó duas. - Eu também tive que aprender a conviver com o meu tio, que na verdade não é nada ruim como eu pensava. - Micaela de um sorriso singelo e segurou uma de minhas mãos com força.
- E veio para Phillipez como? - questionou Jonas agressivamente. Micaela o repreendeu por perguntar de modo rude, mas ele respondeu: - Acabamos de descobrir que ela podia muito bem ter mandado uma mensagem dizendo que estava bem, mas preferiu continuar com a cara nos livros e na estrada, tenho direito de ser rude. - finalizou cruzando os braços zangado
Ele está certo em agir assim, provavelmente eu agiria da mesma forma se fosse um deles no meu lugar, mas mesmo assim isso não torna as coisas mais fáceis.
- No último mês, meu tio recebeu uma promoção de emprego aqui, então nos mudamos para cá a algum tempo. Eu só consegui uma vaga aqui porque meu tio é amigo de infância do reitor. - tentei manter minha resposta o mais confiante possível.
Jonas pareceu acreditar no que disse e assim relaxou na cadeira, aproveitei esse momento para monopolizar as suas batatinhas que estavam largadas no meio da mesa, é claro que, ele ficava fazendo uma careta zangada sempre que eu lhe roubava uma batatinha.
- Isso pode ser bom para nós - disse Jesus com a boca cheia - O reitor é tem um pé atrás conosco de qualquer forma. - ele completou, mas acabou sendo beliscado por Mica.
Eu a conhecia bem o suficiente para saber que ela só faria isso quando alguém está prestes a falar algo que não deveria.
O grupo dos exilados.
Ninguém gosta deles, o reitor não deve ser diferente, principalmente se ele sabe sobre St. Monica.
- O que você quer dizer com o reitor ter um pé atrás com vocês? - eu questionei encarando os dois a minha frente com um olhar nada bom, cruzei os braços em cima da mesa esperando sua resposta.
Os dois se encararam antes de se virarem para mim novamente. Então Jesus pigarreou engolindo seco:
- Talvez nós possamos ter feito algumas coisas que deixaram o reitor... - ele pausou encarando Jonas, como se procurasse as palavras certas - Um pouco irritado.
É claro que esses dois iriam se meter em encrenca.
- Vocês vão mesmo me fazer perguntar isso - disse esfregando o dedo no meio das sobrancelhas, fungando - O que vocês dois fizeram e o quanto o reitor está bravo?
- Quanto ao reitor, em uma escala de 0 a 10 em borbulhando em raiva, eu diria que ele está em 12 - Jesus respondeu recebendo um tapa forte na cabeça por Jonas. Jesus o xinga em italiano, mas Jonas não parece se importar.
Ele se vira para mim e responde:
- Não fizemos nada de mais, foram apenas umas briguinhas... - Jonas que respondeu diminuindo o volume de sua voz enquanto se mantinha focado em cutucar a comida com o garfo, porém Micaela irrompe ao meu lado.
- Umas briguinhas? - Micaela explode - Esses idiotas destruíram um vestiário inteiro. - ela me disse horrorizada. Dessa vez Jesus que a repreendeu, para ela falar mais baixo, se não todos do refeitório ouviriam a gente.
Eu cruzei os braços levando meus olhos a encararem severamente os dois, esperando uma explicação mais decente deles.
- Foi uma iniciação do time de basquete - fungou Jesus, time de basquete... eles destruíram um vestiário inteiro apenas para entrar em um timezinho de basquete? Eu fiz uma careta e o olhei desconfiada
- Time de basquete, sério?
Me lembro que pouco depois de Jonas chegar no reformatório ele e Jesus começaram a jogar basquete no tempo livre quase todos os dias, mas não cheguei a pensar que eles gostassem tanto de basquete que tentariam entrar em um time.
- Não nos olhe assim, você sabe que para alguém com nosso histórico, entrar em um time escolar é melhor chance de entrar em uma faculdade - Jonas retruca. Então era por isso que entraram no time?
É verdade que no tempo que ficamos em St. Monica não tivemos nenhum acesso a aulas ou a qualquer tipo de educação. Mesmo que fosse decretado por lei que tivéssemos apoio escolar.
Não é como se o diretor da Phillipez estivessem muito preocupado com a nossa educação.
E é claro que assim que sai de lá foi uma loucura colocar todo esse atraso de matéria em dia, pilha de livros atrás de outras pilhas de livros, por meses e meses até que chegasse no nível recomendado para minha idade, mas pensei que eles assim como eu também conseguiriam se adaptar.
- Boas notas também garantem faculdades. - diz Micaela claramente irritada.
- Fale por vocês duas - esbraveja Jesus.
Realmente eu e Mica sempre conseguimos boas notas com facilidade, mas não me lembrava tanto da dificuldade dele e do Jonas, que mesmo ralando muito ainda tinham notas medianas.
- Mas por que raios vocês destruíram o vestiário? - questiono. Seria até estranho eu os reencontrar e esses dois não tivessem se metido em uma confusão.
Um sorriso de canto surgiu nos lábios de Jesus enquanto ele encarava Jonas, um olhar de segredos e confiança surgiu entre os dois. Aquilo, era cumplicidade.
- Os veteranos do time achavam que poderiam dar uma surra em nós, e nós não iriamos revidar, dá para acreditar? - questiona Jesus sarcasticamente, eu e Jonas rimos.
Mica por outro lado, fungou negando com a cabeça, ela odeia brigas, com todas as forças. Mas sempre que a vi entrando em uma briga ela entrou para vencer.
Mas a questão veio na minha cabeça novamente, será que isso tem a ver com O Grupo dos Exilados e o medo que as pessoas têm deles, por isso os olhares sempre que estou com Jesus?
- É por isso que chamam vocês de o grupo dos exilados? - eu perguntei arduamente, e esse foi o tempo de Jonas se engasgar com o suco que estava bebendo e Micaela parar a trajetória que lançava uma batatinha para sua boca na metade do caminho.
- Como você sabe disso? - Jonas questionou desconfiado
- Acho um termo muito pejorativo, se quer saber - eu desconversei dando um sorriso misterioso a ele, que revirou os olhos.
- Tudo bem cara - Jesus deu um tapinha nas costas de Jonas, em solidariedade - Eu também esqueci que é quase impossível esconder alguma coisa dela - ele comenta arrancando uma risada de Jonas e um olhar feio do meu rosto.
- O que é? - questionou para mim - Você sabe que é verdade, desde que nos conhecemos você é a pessoa que mais sabe sobre tudo e todos a sua volta.
Não estava discordando dele, afinal, é tudo verdade. Eu sempre tive uma "rede" de pessoas que me forneciam informações de quaisquer pessoas que fosse interessante para mim, de algum jeito. Foi assim que sabia exatamente tudo sobre os gêmeos antes mesmo deles chegarem no St. Monica.
E o que me fez ficar com essa fama de saber tudo de todos foi que, as vezes, ocasionalmente, essas pessoas que eu "conhecia" pelas informações, que me eram passadas por essa rede, acabava indo parar no St. Monica.
- Vocês não responderam minha pergunta. - afirmei os encarando e Jesus fungou
- Você nunca respondeu várias das nossas, acostume-se com o pouco - Jesus disse em tom sarcástico. Eu arquei a sobrancelhas.
Jesus só é rude e sarcástico ao mesmo tempo quando quer fugir do assunto ou mudá-lo de direção. Mesmo assim eu vi o olhar que estava em seu rosto quando ele o desviou. Sei que ele deve estar magoado por eu não ter mandado notícias a tantos meses
Como era óbvio que Jesus não responderia minha pergunta, encarei Jonas procurando um pouco de amparo.
- Eles viram... - começa Jonas, Jesus o alertou para que ele parasse de falar, mas ele continuou - Eles viram as nossas marcas... as minhas e de Jesus. - finaliza.
Meu deus.
As marcas em suas costas, as inúmeras cicatrizes que aquele lugar os deixou
Memorias de dor e agonia me veem a cabeça, tudo o que eles passaram o que nos passamos, Isso foi minha culpa, eles já viram as marcas que deixaram nas nossas costas. Suspiro ansiosa.
Minhas mãos vão para o meu rosto, preocupação, medo, tudo veem átona.
- Eles nos chamam de grupo dos exilados simplesmente porque não nos misturamos com eles. - respondeu Jonas com um pesar estranho na voz - Eles vêm até nos com interesse escrito em suas testas e acham que não vamos perceber - era repulsa o que sua voz espremia - Quando os interesseiros ficaram sabendo das cicatrizes nas nossas costas mantiveram distância.
Jesus estendendo sua mão pela mesa, na intensão de pegar a minha, assim que Jonas acabou de falar, mas eu não minha mão sobre a sua.
Não adiantava, não importa quanto conforto eles tentem me passar, nada do que fizéssemos poderia apagar as marcas que St. Monica deixou em nossos corpos, em nossas almas.
- Eu, hm, sinto muito por isso, eu.. devia ter tent...- eu comentei
- Nem se atreva! - redigiu Mica batendo o punho na mesa claramente irritada - Nem complete essa frase, você tem as mesmas marcas que nós, se não piores, então nem comece, você ficou lá por mais tempo e com certeza passou por mais coisas, então pare, você sabe que fez de tudo para manter a gente no melhor lá e fez isso incrivelmente bem. - ela condiz, emocionada, eu também estou, esse assunto, essas palavras ainda mexem muito comigo.
Mas por mais que eu queira, agora não é a hora pra ficar se lamentando, não agora, eu posso fazer isso depois, sozinha, mas agora o que importa e vê-los felizes.
Estava com saudades dessas risadas, desses rostos, saudade deles.
O melhor de tudo é essa cumplicidade que ficou, o cuidado recíproco, a alegria que o sorriso não consegue esconder quando um de nós está bem.
Por muito tempo me senti muito perdida e vazia, por muito tempo me vi sem saber direito quem eu era e quem eu sou. Mas com eles isso muda, eu mudo. As vezes estar com os melhores amigos é a única terapia que alguém precisa.
*****************
Votem e comentem.
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