CAPÍTULO 3

Capitulo revisado [✔️]

"Ontem ela dormiu para esquecer
hoje passou a noite acordada
com medo dos pesadelos
que poderiam vir"
~ garota estranha, o pensador

**AMBER**

agora...

Estou sonhando.
É a primeira coisa que penso quando abro os olhos e me vejo nos corredores daquele lugar de novo. Faz quase um ano e meio que sai de lá, o único motivo lucido para meus pés estarem tocando nesse chão de novo, é eu estar sonhando.

A segunda coisa é que estou tendo um sono lúcido, o pior tipo de sonho que alguém com um passado turbulento pode ter. Meus pés começaram a se mover sem meu comando por aquele corredor que eu tanto tinha o costume de caminhar, vagando portas entre abertas dos quartos dos detentos. Todas estavam cheias de sangue. O corredor, as portas, dento dos quartos, tudo cheirava e aparentava sangue. Dentro dos quartos, pilhas de corpos e emaranhados de braços e pernas. Ainda não consegui parar de andar.

Meus pés pararam na frente da porta do meu antigo quarto, ela não estava aberta como as outras, estava encostada quase totalmente fechada, minha mão se elevou até que meus dedos tocassem a madeira apodrecida, e a empurrou. A porta rangeu, e o som ressuou todo o corredor, totalmente vazio e ensanguentado. Foi o pior barulho que já ouvi.

A porta abriu, e a cena que eu vi secou minha boca com se eu tivesse passado quarenta dias no deserto. Jesus estava ali, um corpo caído em canto daquele cubículo, e um grande rastro de sangue na parede registrava o ocorrido, garganta cortada, e o corpo, mutilado, fatiado em mil pedaços como meu coração ao ver a cena. Mais dois corpos estavam jogados ali, eu os reconheci, Micaela e Jonas. Seus corpos estavam iguais ao de Jesus, em pedaços e sangrando.

A cena poderia ter me paralisado se eu sequer tivesse controle do meu corpo, mas ainda sim me virei, me virei tão rapidamente que quando encarei a figura que me observava no batente da porta. Ele sorriu para mim. Aquele sorriso sombrio e maléfico vez um arrepio subir pela minha coluna.

Do outro lado do quarto Grayson me observava sorridente. Ele tinha uma faca na mão.
- Sentiu saudades, amor?

◇◇◇

Me sentei na cama com falta de ar, suando. Levei minha mão fraqueada a testa limpando os fios de cabelos colados no meu rosto.

Fazia muito tempo desde a última vez que tive um sonho lúcido. Meus pesadelos ainda são constantes, mas neles pelo menos, eu não tenho a lucides para me atormentar, em sonhos comuns os eventos que acontecem neles e suas lembranças são esquecidas ao longo do tempo, o que fica é apenas um lembrete do sonho, mas em sonhos lúcidos todos os atos ficam gravados na memória, a inutilidade de poder tomar seus próprios atos, o saber que está sonhando, mesmo assim não ter a força para acordar, é torturante.

Meus olhos rolaram para o relógio na mesinha de cabeceira, 5h40 da manhã, de um sábado. Ótimo. Acordada em um sábado de manhã.

Senti na cama. Meus olhos imediatamente voaram para a caixa de papelão no fundo do meu armário entre aberto. Não queria vê-la, mas todas as manhãs ela chama minha atenção.

Tudo o que me pertenceu na minha vida antiga está nela. Lembranças de casa casa, lembranças do reformatório.

É minha caixa secreta de pandora.

Mas não quero ficar me remoendo sobre essa caixa ou sobre meu sonho, aqui no meu quarto por horas até que meu tio venha ver se ainda estou viva, não, prefiro ficar triste, mas fora de casa do que ficar me remoendo entre quatro paredes.

Me levantei, botei uma calça jeans larga, uma camiseta que com certeza é o triplo do meu tamanho e calço o meu all-star e desço para o andar de baixo da casa. Meu tio ao que parece saiu a alguns minutos atrás para trabalhar hoje, adaptando a rotina do trabalho, era o que o bilhete dizia colado na porta da geladeira.

Por mais que pareça errado, fico aliviada por ele não estar em casa agora.

Eu conheci meu tio quando eu tinha 8 anos, depois que ele rastreou minha mãe até Seattle. Eu achei muito estranho quando ele simplesmente apareceu na porta de nossa casa procurando pela minha mãe, apenas ela. Imagine a surpresa dele em descobrir que nove anos longe da irmã resultaram em muitos segredos e uma sobrinha desconhecida.

Lembro quando ele entrou na nossa pequena casinha observando tudo, até a poeira sobre o móvel da TV, na época não entendi a repulsa em seu rosto ao ver o estado do apartamento que vivíamos. Na época ainda não sabia o que era sentir repulsão de algo ou alguém.

Mesmo assim, meu tio foi muito amigável e gentil comigo e me fez rir demais, naquele dia fomos a sorveteria, ao parque, conversamos um muito. Mamãe não trouxe nenhum homem para nossa casa aquela noite, mas também ouvi ele e minha mãe discutindo horas depois de eu estar "supostamente" dormindo. A discussão foi brutal.

Enfim, minha mãe e eu nos mudamos dois dias depois, fomos para o norte do New Jersey e nunca mais tocamos nesse assunto. Na época não descobri o porquê nos mudamos tão rápido depois conhecer meu suposto tio ou o porquê nunca mais falamos dele. Só fui descobrir que meu tio estava tentando ganhar minha guarda naquela época anos depois, quando estava perto de ir pro reformatório.

Ele não conseguiu me achar antes de me jogarem naquele lugar.

Enquanto estava no Saint Monica, minha mãe não estava mais saudável mentalmente para ter minha guarda então ela foi passada ao meu padrasto. Quando meu tio me encontrou, demorou mais alguns meses até ele conquistar a minha tutela completa. Só o revi quando estava perto dos 16 anos e ainda estava no reformatório.

Ele ficou arrasado por me ver lá, por não ter me achado antes e por saber que não conseguiu impedir nada daquilo.

Nunca me perdoei por deixar meu tio achar que eu estar lá era culpa dele, não aguentei esse sentimento o corroer por dentro. Por isso, não o contei sobre muitas coisas que passei naquele hospício. Odiei vê-lo tão triste e ressentido aquela vez, então o privei de se sentir assim de novo desde então.

A única coisa que não tive como escondê-lo foi sobre meus sonhos, sejam eles lúcidos ou não.

Às vezes, eu ainda acordava tão assustada a noite que meus gritos faziam os cães na rua latirem e as vezes meus gritos acordavam meu tio. Ainda assim, nunca o contei sobre o que eu sonho, apenas que sonho.

Posso parecer uma ingrata sem coração por privá-lo da verdade, mas prefiro mil vezes lidar com tudo o que já vivi sozinha do que mostrá-lo um terço disso e vê-lo despedaçar.

Já nossa relação, ela é estável, por assim dizer. Ele me dá espaço, disso eu não posso reclamar, ele confia em mim para resolver meus problemas sozinha.

No começo, ele não era assim, ele odiava que eu tentasse resolver tudo sozinha, mas acho que ele se cansou de esperar a verdade de mim. Ele sabe que eu escondo muitas coisas que vi no reformatório dele, ele sempre soube. Mas depois de um tempo parou de me exigir a verdade.

Não o culpo. Na verdade, fico grata por ele ter deixado o assunto de lado, ele poderia muito bem ter exigido a verdade, é um direito dele como meu tutor, assim como ele já poderia ter me expulsado de casa, porque também é seu direito, mas não o fez.

Ele não o fez porque é um homem honrado, um dos melhores que já conheci. Muito diferente dos homens que minha mãe costumava a se envolver. Ele se importa. E nossa relação, mesmo que seja travada em alguns assuntos, funciona bem. Sempre jantamos juntos ou saímos para jantar fora, temos uma noite de filmes, e aos fins de semanas saímos juntos pela cidade quando não estamos muito cansados.

O barulho do sino tocou quando eu abri a porta da cafeteria de sempre. Nem percebi o quanto eu andei até entrar aqui dentro. Caminhei até o balcão de comida quando uma voz soou atrás de mim.

- Garota dos cupcakes? - a voz dele chamou - Você sabe que hoje é sábado, não é? Não tem aula hoje - o intitulado garoto do café disse passando por mim com uma bandeja com alguns pratos passando para dentro do balcão.

Tentei responder a piada do garoto, mas não estava no clima para criar uma resposta

Me sentei em uma das banquetas altas que na frente do balcão, esperando o garoto voltar para atender o meu pedido.

Me debrucei no balcão enquanto o garoto voltava para fora do que julgo ser a cozinha do lugar com um pano de prato pendurado no ombro.

Ele vestia uma regata colada no corpo e uma calça jeans surradas, e seus cabelos estavam emaranhados de uma forma que seus olhos se ressaltavam na vista. Eu teria o encarado mais se meu estomago não tivesse se contorcido de fome, e foi aí que eu me lembrei que ainda não tinha comido nada desde que levantei.

- Pode deixar a brincadeira de lado um pouco, e me servir um café puro, por favor? - perguntei serena cruzando meus braços em cima do balcão.

- Por favor? Sem língua afiada hoje? - ele abriu um sorriso convencido que só me fez revirar os olhos - Ok, um café puro saindo - ele deixou uma caneca para o café na minha frente antes de se virar para a máquina e começar a prepará-lo. O cheiro do café sendo feito invadiu minhas narinas, por um momento eu achei que derreteria.

- Então - ele começou- Você é nova na Phillipez, suponho que seja nova na cidade também, de onde veio? - ele perguntou. Ainda de costas para mim preparando meu café na máquina.

- De muitos lugares, o último que estive foi Dallas, no Texas - respondi. Ele se virou trazendo uma jarra de café muito escuro até mim, e meu estomago se contorceu ao ver aquela cena. Não posso afirmar com certeza se foi de fome ou não.

Texas.
Saint Monica ficava no Texas, apenas alguns condados de distância de Dallas. Realmente foi bom eu e meu tio termos nos mudado de lá o quanto antes.

- Nossa, isso é muito longe - ele comentou despejando meu café na caneca. Não fiz cena esperando alguns segundos para beber, não peguei a caneca no mesmo instante em que ele afastou a jarra. - Por que saiu do Texas para vir morar aqui no Colorado? Praticamente cruzou o meio do país - ele questionou limpando o balcão com o pano.

Hesitei por um momento para responder. Não foi apenas pela proposta do meu tio que decidimos nos mudar, nos mudamos para que eu pudesse recomeçar. Recomeçar em um lugar seguro e aconchegante.

- Meu tio recebeu uma proposta de trabalho aqui muito boa, foi por isso que nos mudamos. - respondi oferecendo um fraco sorriso.

- Péssima decisão, aqui é no meio do nada, tudo o que você vai achar aqui é mato e chuva, isso se você estiver no lado bom da cidade, se eu tivesse a chance fugiria daqui o mais rápido que pudesse. - o garoto se apoiou no balcão olhando através das vitrines da cafeteria.

Ignorei sua pequena sugestão do que o lado ruim da cidade me mostraria e prestei atenção em sua inquietação.

Será que ele procurava por outro lugar enquanto olhava para elas? Seus olhos pareciam olhar uma vista distante daquela, igual meus olhos já olharam uma vez, mas por uma janela cercada por grades em um quarto escuro.

- E por que você ainda está aqui, então? Estou dizendo isso porque suponho que seus pais tenham dinheiro, já que estuda na Phillipez. Se quer tanto fugir daqui, por que não o faz? - questiono bebendo mais um gole do café. O seu cheiro me acalma.

O garoto chegou a rir tão alto que senti sua risada dentro de mim. Sentir o sarcasmo entre seus risosm

- Isso é algum tipo de indireta sua me dizendo que quer que eu vá embora? - ele dramatizou e eu ri - E só para sua informação, não são todos que estudam lá tem dinheiro, há bolsista também. - desviou ele.

- Eu sei que há bolsista na Phillipez, eu mesma sou uma, mas você não é um bolsista, não vamos fingir que você é um. - eu comentei e dessa vez o rapaz gargalhou.

- E sua língua afiada voltou, melhor deixar você longe de cafeína. - ele disse tentando agarrar minha caneca no balcão, mas eu coloquei minha mão sobre a mesma e a afastei.

- Nem pense nisso. - eu grui pra ele, que riu mais - Eu não vivo sem cafeína e não fuja do assunto. - apontei para ele.

Por mais que a conversa seja a mais aleatória que já tive nesses últimos meses, estou feliz por estar rindo um pouco agora. Sem deixar que meus sonhos me atrapalhem mais.

- Não estou fugindo, não sou um bolsista, mas como sabia disso? - questionou cruzando os braços em cima do peito, com uma tentativa de fazer uma careta séria.

- Sabe o relógio que você está usando? - eu perguntei e ele assentiu - Ele custa bem mais que una mensalidade da Phillipez. - eu comentei puxando um sorriso dos lábios, o garoto parecia um pouco chocado como que disse quando voltou seu olhar ao relógio.

- Eu vou querer saber como você sabe isso? - ele perguntou voltando a olhar para mim de novo, parecendo indignado. Eu apenas neguei sorridente. - Certo então, bom respondendo sua pergunta, eu não vou simplesmente embora, porque - ele pareceu hesitar também pensando na resposta - Bom por que a vida não é assim, não é? Há coisa que estão longe do nosso alcance.

Por um momento me perguntei se ele não era algum tipo de mago e se o que ele disse foi mais para mim do que para ele. De certa forma ele está certo, a vida não é fácil assim, você não pode fugir e achar que recomeçar em outro lugar pode mudar tudo. Eu sou a prova disso.

- É, você tem razão. - balbuciei bebendo mais um gole da caneca.

- Eu tenho? - ele questionou voltando seu olha para mim eu apenas assenti bebendo o restante do meu café - E você diz isso por experiência própria ou apenas pra ganhar outro café? - ele questionou brincalhão.

- E isso importa? - questionei empurrando a caneca para perto dele, que riu e a encheu com mais café. - De qualquer forma, por experiência própria ou não, eu mudei muito quando criança, até alguns anos atrás, na verdade. Se essa experiência me serviu de algo é que, mudar lugar não muda quem você é ou pelo que você passou. - conciliei bebendo mais um gole do café puro, mas mesmo minha atenção presa ao café, eu consegui sentir o olhar do garoto em mim.

- Posso te perguntar uma coisa? - a atenção do garoto se firmou em mim quando ele assentiu - O que você ouviu da minha conversa com o reitor Cox?

Eu estava louca para saber disso, fazia apenas alguns dias desde que minhas aulas começaram e eu nunca me esqueci que logo depois de nosso passeio pelo colégio, o garoto me instruiu a ficar longe de problemas como tinha dito ao reitor, e eu queria muito saber o que mais daquela conversa ele ouviu.

- Uhum... Eu não sei, a quanto tempo está esperando para me perguntar isso? - um sorriso arrogante surgiu em seu rosto, o que me fez querer arrancar meus olhos.

Por outro lado, o garoto não afirmou ou negou ter ouvido minha conversa, apenas me respondeu minha pergunta com outra, o que mostra que ele está tentando ganhar mais tempo para saber mais do assunto.

Conheço essa tática muito bem, vi e usei muito ela no reformatório. Acho que nem tudo o que eu passei lá foi à toa. Não posso negar que viver aquilo me fez melhor em ler as pessoas.

- Não ouviu nada, então. - conclui.

- Bom, supondo que eu possa ter ouvido uma coisa ou outra - papeou o garoto, apenas confirmando minhas suspeitas - Onde exatamente essa conversa iria parar? - questionou levantando as sobrancelhas.

- Bom supondo que você ouviu algo daquela conversa, o que entre nós, sabemos que não aconteceu - sussurrei a última parte o que o fez rir - Eu diria para você ficar com a boca fechada sobre o que não te diz respeito. - açoitei, o que um sorriso maldoso surgir em seus lábios.

- Sua língua afiada me anima muito de manhã, deveria passar aqui mais vezes - respondeu, concordei tirando o dinheiro do café do meu bolso. - Para onde vai agora?

Já sabia que aquele era o fim da nossa conversa, agora preciso ver o que vou fazer a seguir. Nessas poucas vezes sinto falta de ter Jesus comigo em todos os cantos como era a um ano e meio atrás. Mesmo naquele lugar, nunca ficava entediada com ele.

- Não sei - respondi com sinceridade, apesar de lembrar que tem um lugar onde eu possa ir agora - Mas não fique com saudade, ta bom? - dando um sorriso simpático me virei e segui para fora da cafeteria deixando o garoto do café para trás.

Talvez eu possa vê-la hoje, talvez minha mãe esteja acordada a essa hora.

************

Oi gente como estão?
Espero que bem.

Capítulo mais curtinho hoje gente hehehehe. Mas calma! Tudo bem, semana que vem tem muito mais.

Esse capítulo por mais que pareça irrelevante vem trazendo mais informações aí para vocês. Também traz mais sobre esse novo personagem, cujo nome ainda não revelei por pura implicância hahahahahaha.

Mas pasmem ele tem vontade fugir e recomeçar, por que isso me parece tão familiar? Kkkkkk

Tenham uma boa semana moriss
Até a próxima.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top