CAPÍTULO 3.5

Capitulo revisado [✔️]

A verdadeira lealdade leva anos para se construir
e apenas segundos para se destruir.
~Emily Thorne

**AMBER**

Antes...

- É a sua vez, principessa. - Jesus falou chamando minha atenção de volta ao jogo de cartaz na minha frente.

Ter Jesus aqui comigo trouxe mais do que discussões cansativas com Grayson, já que agora passo grande parte do tempo cuidando dos seus pontos e seus hematomas. Mas nos nossos momentos mais profundos, consigo tirar algumas informações úteis dele.

Até agora nada muito interessante, sei onde morava, algumas memorias que ele compartilhou comigo, e algumas reflexões que ele faz a mim quando estamos muito entediados, coisas assim.

Sei também que Jesus recebe visitas regularmente, uma a cada duas semanas, pelo menos. Nunca o perguntei sobre quem vem vê-lo, e ele nunca não me disse também. Mas uma vez ou outra já o vi voltando do bloco de visitação com os olhos vermelhos.

Aqui não acontece muitas coisas, e quando acontece normalmente é algo muito intenso, e nenhuma dessas vezes vi Jesus ficar emotivo, nenhuma vez sequer. Então não me sinto mal em sentir curiosa por querer saber quem o deixa assim, sei que não é da minha conta, e só por isso não pergunto nada sobre isso a ele, mas ainda sim fico curiosa.

O lado bom das visitas misteriosa dele, é que a pessoa que o visita traz presentinhos. Agora tenho livros, jornais, fotografias no canto da cela de Jesus. E o melhor de tudo, ele tem um baralho.

É claro que aqui no Saint Monica há uma sala de recriação, onde os detentos ficam parte do dia, o pátio externo e a biblioteca, mas eu estou tentando não sair muito do quarto a tarde com Jesus, principalmente depois da briga no refeitório, meus pontos são bons, mas Jesus é muito inquieto e acaba abrindo os próprios pontos com uma facilidade incrível.

Não que eu já saísse antes, sempre preferi ficar no meu quarto, mas com Jesus aqui tudo mudou muito. Saímos algumas vezes, fingíamos fazer vista grossa com os outros detentos, tudo para tentar enganar pessoas como Grayson.

- Sei sicuro di sapere come giocare a questo? (Tem certeza de que sabe jogar?) - perguntou Jesus me chamando atenção de novo. Revirei os olhos.

Ele tinha o maço de cartas em uma mão e um cigarro na outra.

Não sei como ele o conseguiu, e não sei também porque o tem, já que nesse tempo juntos não o vi fumar muitas vezes, apenas sei que há dias que eu acordo já sentindo o cheiro da nicotina queimada pelo quarto e há dias que não.

É e não é reconfortante sentir a brasa queimada estalada no quarto nesses dias. De certa forma, a nicotina lembra a minha mãe.

As vezes eu pego um cigarro dele, e imito o jeito que ela o segurava, dou uma linga tragada para liberar aquela corrente de adrenalina do jeito que minha mãe me ensinava. Apenas pela adrenalina. Nao a nicotina.

- Stai zitto e guarda (cale a boca e observe) - disse baixando minhas cartas no chão - Bati! - Jesus olhou desconfiado verificando as cartas. Quando viu que realmente tinha ganhado ele jogou as cartas em sua mão no chão revolta o que me fez rir.

- Eu disse. Eu nunca perco. - dei de ombros.

- É claro que você nunca perde, você rouba! - ele acusou apontando o cigarro para mim, e eu gargalhei juntando as cartas para embaralhar de novo.

Puxei o que pensei ser mais uma carta debaixo da cama, mas o que veio na minha mão era uma fotografia, ela devia ter caído da parede de Jesus. Era uma foto com um menininho e uma mulher muito nova. Que eu julgo ser Jesus e sua mãe talvez. Devolvo a foto para o mesmo.

- Ela é bonita - respondi singela.

- E mia madre (É a minha mãe). - ele sorriu e se levantou colando a fotografia ao lado de umas outras na parede - Sabe, você pode perguntar as coisas para mim as vezes, eu não mordo. - ele comentou ainda de costas para mim, encarando suas fotos, mas podia jurar que ele estava sorrindo agora.

Fazia um longo tempo, desde a última vez que vi minha mãe.

- Eu sei que não - respondi me levantando também dando batidinhas na minha calça - Eu só não queria forçar essa conversa. - dei uma pausa antes de falar - É ela quem vem te visitar toda semana? - perguntei ficando ao seu lado encarando as fotografias.

- Sim - foi o que ele contentou a responder.

Fico feliz em ver que a mãe do Jesus ainda se importa com ele. Não é surpresa que muitas das pessoas que estão aqui recebem mais visita de advogados do que dos próprios pais. Eu sou a exceção já nem advogado eu tenho e tanto minha mãe quanto meu pai, de certa forma, estão inacessíveis a mim.

Mas a verdade é que sinto falta de ver um rosto materno ou um rosto familiar aqui. Infelizmente minha família sempre fomos eu e minha mãe, mas agora pelo que soube minha mãe está incapacitada e meu pai... Bom nunca o conheci.

- Bom, peça para ela trazer comida italiana da próxima vez. Eu gosto de Lasanha - eu brinquei empurrando de leve seu ombro, ele riu e me empurrou de volta. Rimos juntos observando as fotos coladas nas paredes. As várias que ele trouxe consigo quando foi transferido.

- E você? - questionou, fazendo eu o encará-lo. O sorriso abandonou meu rosto pouco a pouco.

Eu queria poder contar certas coisas pra Jesus. Eu queria muito, mas eu não consigo. Não é pela falta de confiança nele, é mais para uma falta de confiança em mim. Não sei se aguento reviver muitas coisas.

- Eu não tenho visitas, se é isso que você está perguntando. - respondi singela dando outra tragada no cigarro.

- Eu já percebi isso, o que quero saber é, por que você não tem visita?

- Por que eu não tenho, - retruquei - Vamos voltar para o jogo? Ainda quero extorquir mais um pouco do seu orgulho - brinquei sentando na ponta da minha cama dando lugar para ele se sentar a minha frente para jogarmos mais baralho.

- Sabe quando estiver pronta, quando quiser falar sobre isso, ou sobre porque os pássaros voam ou porque o céu é azul, bom trovami (me procure). - gesticulou sentando-se no espaço da cama pegando as cartas das minhas mãos...

◇◇◇

Acordo me sentando na mais uma vez ofegante. Mas dessa vez não sinto meus olhos lacrimejando como sempre, nem a tremedeira que meu corpo sempre tem. Talvez pelo fato de eu não estar respirando.

Não sei o que está acontecendo, mas não estou consigo puxar o ar para meus pulmões. Minhas mãos foram para minha garganta, mas o ar não vinha de jeito nenhum. Meu peito doía, e minha cabeça começava a latejar, e apesar do meu desespero, por algum motivo não estava com vontade de impedir o que estava por vir, como se eu tivesse em um transe. A tontura já começa a me abalar quando duas mãos fontes levantaram minha cabeça.

Jesus.

- Ei, respire, ok? Você está acordada, então respire! - ele falou sacodindo minha cabeça. E depois de algum jeito ele me tirou do meu transe e o ar voltou aos meus pulmões.

Meu corpo se entregou ao cansaço, pelo esforço que tive de fazer para manter parte da minha mente operando. Cai na cama de costas para o colchão logo depois. Meus pulmões puxavam lufadas de ar como se não respirasse a anos.

Um ataque de pânico. Acabei de ter um ataque de pânico.
Era tudo que soava na minha cabeça.

- Fammi indovinare, un altro incubo? (Deixa eu adivinhar, outro pesadelo?) - o som da voz de Jesus suou ao meu lado. Virei minha cabeça, ainda ofegante e suada, em sua direção. Ele está jogado as beiradas da minha cama, sentado no chão. Parecia cansado.

Eu não sei como ele sempre está acordado a essa hora, mas sei que se ele não estivesse aqui e agora, provavelmente eu teria desmaiado ou até coisa pior. Eu realmente quero saber como ele faz isso. Todos os dias quando eu acordo de um pesadelo, ele está lá. Eu não sei se seu sono é muito leve e eu sempre acabo o acordando, ou se ele acorda com os próprios sonhos também. Mas sei que sempre está lá.

- Você está bem? - perguntou

- Eu preciso de uma bebida.

Jesus sabia que tipo de bebida eu estava falando e ficou estático no lugar esperando realmente minha resposta.

Eu assenti a sua pergunta. O que o fez suspirar.
Ainda continuei em silêncio.

Claro que isso não tem nada a ver com a falta de ar suficiente para proferir palavras. É claro que não.
- Vou juntar minha cama com a sua, tudo bem? - questionou já se afastando da cama.

Algumas noites Jesus me oferecia isso, sempre que eu acordava de um pesadelo muito ruim ele me perguntava se eu estava bem e depois sempre perguntava se eu queria juntar nossas camas.

Eu nunca pedi para ele fazer isso de novo depois do dia que ele me viu reagir a um pesadelo, parece que ele se cansou de esperar que eu pedisse para que ele fizesse isso de novo. Mas não estou a fim de ficar sozinha com minha mente agora.

Por um momento fiquei com receio do que ele pudesse dizer, receio de ter que dar alguma explicação que não quisesse, mas ao ouvir isso, meus ombros relaxaram o máximo possível no momento.

Então antes que eu o respondesse já tinha se levantado e empurrado a sua cama até a minha. Depois de juntá-las, Jesus praticamente se tacou em cima da sua cama fazendo ela estralar e eu arregalar os olhos.

Nós nos ajeitamos na cama, encarando teto, cada um na sua parte da cama, mas com certeza mais próximos que antes. Juntei forças para dizer:
- Obrigada, pelo que você fez por mim.

- Está dizendo, eu poupando você de empurrar a cama? Tudo bem principessa, não quebrei nenhuma unha no processo. - ele levantou as mãos em cima dos nossos rostos, mostrando as unhas.

Ele sabe do que eu estou falando e não tem nada a ver sobre a cama ou unhas. Sei o que ele está fazendo. Ele está evitando o assunto de propósito. Mas, talvez nos dois sejamos bons em não tocar em assuntos assim. Ou talvez nos dois sejamos muito ruins em falar de coisas profundas para nós mesmos ou para os outros, que diferença faz?

- Você sabe do que eu estou falando, sou grata a você. Não estou só por provavelmente me impedir de desmaiar hoje, mas também por todas as noites que eu acordo de um sonho assim - eu articulei me virando para encará-lo. Mas desviei o meu olhar do seu, encarando minhas mãos.

Talvez essa seja a conversa mais difícil que eu vou ter depois que entrei aqui. Porque eu sei para que tipo de conversa estou abrindo espaço. Porém ele continuou em silêncio, então continuei:

- Você não teve escolha quando chegou aqui. Apenas foi jogado a mim como um animal assustado. Mesmo assim, optou por ficar do meu lado independente da situação. Logo depois, você descobriu sobre meus sonhos, algo que eu escondia da minha própria sombra, e ainda sim, continuou comigo. - voltei a encará-lo, e não sei se tinha alguma expressão em seus olhos. Não uma que eu conhecesse

- Essa conversa vai chegar em algum lugar? - questionou abrindo um sorriso maroto. Um sorriso que eu sei que ele só usa quando quer esconder a preocupação que está sentindo

- O que eu estou tentando dizer é, se você quiser, pode me perguntar as coisas de vez em quando, você conquistou esse direito. Além do mais, eu não mordo. - eu continuei o encarando, esperando por uma reação sua, mas ele não a fez, apenas me encarou de volta.

Então entendi o que aquele momento significava.

Ali, naquele momento, não éramos os loucos que todos aqui acham que nós somos, não. Ali éramos apenas nos dois. Duas almas que foram condenadas a passar por aquele inferno, juntos. Sem máscaras, sem teatro, apenas nós dois. No silêncio daquele quarto, um silêncio que falava por si só.

Apenas eu.
Eu conjurei. Meus ombros enfim relaxaram e minha mente se expandiu, eu era eu de novo. Fazia tanto tempo que eu usava uma máscara para me proteger de todos que tinha até me esquecido de como me sentir eu mesma de novo.

Depois de um tempo, ele voltou a sorrir, aquele sorriso presunçoso de sempre.

- Você morde sim - brincou se virando para mim também, com um sorriso no rosto - Além disso, você nunca me perguntou sobre minhas visitas ou nada muito pessoal, então pensei que queria que eu fizesse o mesmo. - ele me encarou por um instante, sem deixar que seus olhos o entregassem. Ele pegou uma mecha do meu cabelo começou a brincar com ela.

É claro que ele iria dizer isso. Foi o que eu pensei.

Uma coisa que aprendi com todo esse tempo que passei com Jesus, é que ele é muito bom com as palavras, literalmente, isso faz parte da máscara dele, a mesma máscara que eu afirmei que já existia. A mesma máscara que ele fingiu ciar comigo em um dia aqui no quarto.

Essa habilidade de brincar com as palavras, dizer coisas sem demonstrar o que ele sabe ou o que quer saber, dizendo exatamente as coisas que queremos ouvir como se realmente fosse ele falando, ele desenvolveu essa habilidade com a prática, a prática dessa máscara. É quase como um dom quase sobrenatural.

Então, basicamente se eu o perguntasse algo, a chance de ele responder apenas o que eu queira ouvir e não o que ele realmente pensa é muito grande. Mas para o azar de Jesus eu sou ótima em ler máscaras e pessoas também. Então ele não vai conseguir enganar meu radar assim.

- Por um tempo eu quis mesmo, mas eu já te conheço a tempo o suficiente para saber que o que você disse, não é de tudo verdade. - eu reponde me encarando seu rosto bem mais próximo do meu.

Ele não soltou a mecha do meu cabelo, e seu rosto pareceu se retrair um pouco.

- Você está mesmo bem? - foi o que ele perguntou.

Uma coisa eu digo isso não é o que eu esperava ouvir. De todas as pessoas daqui eu o escolhi para poder contar pelo menos um pouco das verdades sobre mim. De todos. De qualquer um que pudesse perguntar qualquer coisa. Eu o escolhi, e a sua primeira pergunta é sobre como eu me sinto.

Eu não sei se eu o elogio por ter um caráter tão bom ou se eu o estapeio por ser tão ingênuo, certamente se eu fosse Grayson faria a segunda opção.

- Essa não é o tipo de pergunta que eu esperava ouvir - comentei encarando suas íris castanhas carameladas, mas ele apenas firmou mais seu olhar em mim esperando uma resposta, suspirei.

- Eu ainda estou um pouco cansada e meu peito doí, mas não é a pior dor que já senti, então vou ficar bem - só depois que eu terminei pude ver seus ombros finalmente relaxarem. Parece que ele estava mesmo preocupado.

- Ok, vamos dormir então, amanhã cuidamos disso. - ele comentou puxando sua coberta e se cobrindo até o pescoço, fechando os olhos. Franzi o cenho.

- Não quer mesmo saber de nada? - perguntei mais uma vez, apenas garantindo que não ouvi alguma coisa errada. Jesus abriu os olhos e fechou a cara antes de responder.

- Não. Quero que você durma igual uma boa garota faria e de preferência, neste instante. - ele respondeu, e eu revirei os olhos e voltando a encarar o teto.

Eu não sei por que me sinto um pouco frustrada, sempre evitei responder o máximo de perguntas sobre mim, independente da ocasião ou quem perguntasse. Sempre me esquivei de respostas óbvias ou que me entregassem mais, respostas que se tornariam minha fraqueza mais à frente. E agora, eu finalmente decidi me abrir, ou pelo menos tentar. Falar um pouco sobre mim para variar. Mas Jesus negou essa oportunidade. Suspirei de novo. Devo estar ficando louca, só pode, deve ser a falta de sol, com certeza, deve ser isso.

Senti então Jesus se mexer na sua cama e o encarei de soslaio, ele abriu os olhos suspirou pegando a mecha do meu cabelo novamente.

Sussurrou depois de um tempo:
- Nunca te perguntei nada porque não tenho com pressa de descobrir sobre essas coisas. Não estou indo embora. Vou ficar aqui por um bom tempo, aliás. Então não ligo se você vai me contar a verdade hoje ou amanhã ou semana que vem, desde que você faça isso por vontade própria. Eu? - ele se alto questionou - Eu não preciso da verdade, desde que você continue me acordando nas noites que tiver um sonho ruim. - ele terminou. E pareceu muito verdadeiro para mim.

Pareceu tão verdadeiro quanto o aperto que senti no meu peito. E não sei dizer qual dos dois fez meus olhos ficarem prestes a derramar lágrimas.

Tenho certeza de que nunca conheci alguém como Jesus. Alguém que sempre esteve tão empenhado a cuidar de mim, a mostrar que se importa verdadeiramente comigo. Ele poderia muito bem ser um anjo que foi mandado pra minha vida.

Eu nunca tive muitos amigos, de fato, eu nunca tive nenhum, mas talvez eu deva dar o braço a torcer por Jesus depois de tantos meses convivendo o mais harmonicamente possível. Ainda assim, ele continuava aqui, junto comigo. Talvez não seja uma má ideia.

Voltei a encará-lo, mas dessa vez meu olhar transmitia algo como admiração, talvez. Me aproximei mais dele, encostando minha cabeça em seu peito. Eu me aconcheguei mais a ele, e ele a mim. Mas agora eu estava deitada em seu braço com as minhas costas encostadas no seu peito e ele estava deitado pouco centímetros atrás de mim. Mantendo meu espaço para mim.

Porém, por mais que meus olhos passassem e minha respiração estivesse mais devagar, meu peito ainda pesava com o que eu guardava dentro dele. Então apenas liberei isso o mais rápido que pude.

- Meu padrasto. - sussurrei - É com ele que eu sonho na maioria das noites. - terminei a frase em um tão de voz tão baixo que não tinha certeza se Jesus teria escutado.

Senti ele se mexer atrás de mim se aproximando mais de mim, direcionando seu braço por cima da minha cintura. Posso parecer ingênua, mas crescer com uma mãe garçonete e prostituta me fez entender muito sobre os homens e seus gestos insinuativos, mas não senti um traço de segundas intenções quando o braço da de Jesus se apoiou a minha cintura e disse:

- Sinto muito. - foi tudo o que ele falou.

- Eu também - foi tudo o que eu disse.

◇◇◇

Acordei na quietude da manhã que se instalava no quarto, como sempre, não fazia ideia de que hora são. Me espreguicei rolando pela cama até chegar na parte de Jesus, o encontrando vazio. Uma onda de adrenalina passou por meu corpo, quando um questionamento veio na minha cabeça. Franzi o cenho enquanto tateando a cama, ainda com os olhos fechados, criando coragem para abri-los e torcer para que meu medo não se realizasse.

Torcendo para que a única pessoa que contei sobre meus sonhos e com o que eu sonho tenha ido embora ou pior me traído.

No primeiro momento a claridade me segou, apenas por alguns segundos antes de recuperar a visão e começar a caça silenciosa do garoto pelo pequeno cômodo. Meus ombros relaxaram encarando a imagem de um borrão sentado no meu canto na frente da janela.
Ele ainda está aqui. Pensei com alívio.

- Aposto meu almoço que estava pensando que eu tinha ido embora agora - ele riu ao terminar, se levantando em direção a porta onde nosso café tinha acabado de ser servido.

- Não tem a menor graça. - disse me espreguiçando e descendo da cama.

Nós nos sentamos no chão perto da janela como costumamos a fazer diariamente. Ele se aproximou colocando as duas bandejas no chão se sentando a minha frente, trazendo as bandejas consigo. Não vinha muitas coisas nelas, era verdade. Um suco de laranja de caixinha bastante azedo, um pão com manteiga e duas bolachas maisena, começamos a comer em silêncio, apenas observando a paisagem por trás da pequena janela.

Ainda me lembrava muito bem do que aconteceu ontem a noite. Lembro do que disse e me lembro do que ele respondeu. Me lembro dele dizer que não ia me pressionar a dizer nada que não venha de mim por vontade própria. Mas eu sinto que já tenho segredos de mais para os manter presos a mim, sinto que alguma hora vou acabar me afogando com eles.

Terminei minha refeição deixando a bandeja na mesma portinha por qual ela entrou. E voltei para cama.

- Giusto, cosa c'è adesso? (certo, o que foi agora?) - Jesus questionou levando a sua bandeja junto a minha. Estranhei a pergunta feita do nada

- Como assim?

- Você está com um bico enorme. - ele disse voltando-se para mim, vindo em direção as camas - Isso é por causa de ontem, sabe, sobre o que você me contou? Porque se você estiver arrependida do que disse, posso esquecer aquilo e podemos nunca mais tocarmos nesse assunto. - argumentou apressadamente, nervoso. Ele se jogou na cama, ficando deitado de bruços. Sua cabeça girou em minha direção esperando uma resposta...

- Não, não faça isso - disse tocando em seu ombro suavemente.

É isso, vou fazer isso agora.
Foi tudo que pensei antes da minha boca se abrir e as palavras começarem a ser despejadas dela. As palavras das quais nunca confiei em ninguém o suficiente para pronunciar, pelo menos ninguém até ontem. Ninguém além dele.

- Sabe a minha mãe me teve ainda muito nova, e ela era muito pobre. Não tinha mais os pais e tinha muitas contas para pagar, e eu era apenas uma boca a mais para alimentar. - engoli em seco antes de continuar - Então quando fiz sete anos, nossa renda era menos que nada, e ela tinha que nos sustentar de alguma forma, então ela começou a arranjar qualquer trabalho que conseguisse para colocar comida na nossa mesa.

Segurei a bile presa na minha garganta.

- Esses trabalhos, às vezes incluíam se envolver com a pior espécie de caras que estivesse disposto a pagar por sua companhia. E sei que não posso pedir a você para não a julgar, mas...

- Eu não a julgo, Amber. Lo giuro. (eu juro). - interrompeu Jesus. Isso me deu uma força adicional para continuar o que eu já tinha começado.

- Bom, ela pagou por fazer isso, e eu também paguei. Tive uma infância muito complicada, para dizer o mínimo. Dos meus 7 aos 15 anos, toda minha vida foi marcada por monstros, dos piores que se pode imaginar, e o pior de todos foi o meu padrasto, ele não era um homem bom. E convivi muitos anos com ele. - eu terminei controlando a minha respiração, tentando acalmar as lágrimas que insistia em parecer pelos meus olhos

Falar daquele monstro sempre me trouxe as piores lembranças possíveis, eu sempre tentei apagar a maior parte dos horrores que ele me fez passar quando era criança, para que não precisasse me torturar toda vez que lembrar daquela escoria humana, mas foram tantas coisas, tanta dor.

Não sei em que momento eu comecei a chorar, mas sei que Jesus me abraçou assim que comecei, bem forte. Suas mãos passavam devagar pelas minhas costas, até o momento em que o sentir enrijecer e ficar quase estático por um momento.

- Foi ele... Ele que fez as cicatrizes nas suas costas, não foi? - eu apenas o apertei mais forte e deixei que as lágrimas me levassem, o peito de Jesus tremeu por um momento antes dele voltar a me abraçar com força como antes. - O que foi que ele fez?

Em algum espaço entre as lágrimas tive força para dizer.
- Ele me espancou e abusou de mim sexualmente por anos.

Senti o peito de Jesus muchar e seu abraço se apertar sobre mim.

- Eu sinto muito Amber, eu sinto tanto que você tenha que ter passado por tudo isso. - não demorei para perceber elas gotículas de água que caiam nos meus ombros eram as lágrimas de Jesus também.

Tomei coragem para me afastar do peito de Jesus. Respirei fundo e sequei as lágrimas que ainda escorriam pelo meu rosto antes de encarar Jesus de novo.

- Ele me machucou de muitas formas diferentes, e me deixou muitas cicatrizes ao longo de todos esses anos, na maioria dos meus sonhos eu revivo as atrocidades que ele me fez passar, mas tudo parece pior nos meus sonhos. - vi quando os olhos de Jesus analisaram tudo o que já contei, juntando as peças. As cicatrizes nas minhas costas, o modo como grito durante os sonhos, como não gosto de ser tocada assim que acordo de um pesadelo.

Senti que ele conseguia ver o fardo que carregava em meus ombros, e vi em seus olhos um sentimento doloroso. Ele estende a mão com cuidado na minha direção. Um convite. Aquilo era um convite, mostrando que ele ainda estaria ali quando eu terminasse. Que ele ainda está aqui. Encarei bem o gesto antes de ceder, juntando minhas mãos com a dele.

- Não vou entrar em detalhes, - continuei a falar, com a cabeça erguida, tentando continuar com minha postura, mesmo tendo lágrimas descendo pelos meus olhos - Mas vou dizer que houve momentos muito ruins. A única coisa que tenho certeza é que depois que vim para cá, me senti muito mais segura do que me sentia em casa.

- Porque enquanto você está aqui você está longe dele - ele arquitetou, eu assenti - Mas e a sua mãe, ela nunca fez nada para te ajudar? Ela sequer sabia que você passava por tudo isso? - palavras brutais, para uma situação brutal. É isso que aquelas perguntas eram.

- Não sei se ela sabia sobre tudo. - comentei abaixando um pouco minha cabeça voltando minha atenção para minhas mãos - Por muito tempo, eu tive muito medo de contar para ela que seu novo marido era um monstro sem coração. Acho que tive mais medo de contar para minha mãe sobre como ele se aproveitava de mim e ela não acreditar na minha palavra. Porque se as atrocidades dele não tinham me matado, a falta de confiança de minha mãe em mim, com certeza, me mataria.

Não erámos ricas, então minha mãe sempre me ensinou que dinheiro não é tudo, que há coisas que nem o maior lote de dinheiro pode comprar, como valore, lealdade, integridade, respeito, honra, sabedoria e por último o valor de nossas palavras, como as promessas, por exemplo, quando eu faço uma promessa eu a cumpro, e nesse caso, não é apenas uma questão de honrar minha palavra, mas porque promessas criam expectativas e expectativas borram maquiagens e comprimem estômagos.

Por isso sempre uso promessas como um último recurso aqui dentro.
Minhas promessas são como leis. Se eu imponho a alguém eu a cumpro.

- Mas ela sabia que ele não prestava, certo? Pelo jeito que você diz qur eles se conheceram... - o interrompi.

- Sim, ela sempre soube. - eu continuei - Não é como se ela o tivesse conhecido em uma cafeteria bonita e aconchegante, já te contei como ela fazia para pagar as contas. Então sim, ela sabia quem estava levando para nossa casa - comentei, mas posso ter deixado um pouco da raiva que senti deixasse escapar pelas minhas palavras.

Levantei da cama pela primeira vez desde começamos essa conversa. Cruzei meus braços e caminhei em direção a janela.

- E você sente raiva dela por isso, por ter levado ele pra suas vidas. - não foi uma pergunta, foi um chute, um chute certeiro

E aí está. E aí está a verdade que nunca admiti a ninguém.

Sim, eu sinto, sinto muita raiva dela por trazer o verme para nossas vidas, porque tudo o que aconteceu comigo, tudo o que passamos juntas, as chacotas, os abusos, as discussões, as brigas, os machucados... nunca admiti isso em voz alta, mas talvez eu nunca perdoasse minha mãe por ter conhecido aquele homem uma noite e ter o convidado para suas vidas no dia seguinte.

- Eu amo minha mãe e acho que sempre vou amar, mas já perdi as contas de quantas vezes as atitudes dela me machucaram - foi tudo o que ousei dizer. Jesus fungou atrás de mim.

- Sei que já falei isso, mesmo assim, sinto muito. Você passou por tudo isso sozinha. Eu sabia que você era forte, mas não tinha ideia de que era tanta.

- Não sabemos quanta a força temos, até que nossa última alternativa é ser forte - mantive meus olhos na janela, e os deixei lá por um bom tempo.

Nenhum de nós voltou a falar depois disso...

************

Oi, gente, como estão?
Espero que bem.

Antes de tudo já curte esse capítulo para ajuda na divulgação e no incentivo pra autora aqui!

GENTEEE DO CÉU!!! VOCÊS AINDA ESTÃO VIVOS DEPOIS DESSE CAPÍTULO???

Vamos falar a verdade esse capítulo é quase um bônus para vocês.
Mais sobre a história de Jesus? Temos!
Mais sobre o passado da Amber? Temos!
Jesus nos causando um sentimento de amor, ódio e alegria? Temos também!

Espero que vocês tenham amado e curtido tanto esse capítulo quanto eu, comentem aqui se vocês gostaram...

tchau babys, até a próxima.

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