CAPÍTULO 20

**HARPER**

Jonas foi me guiando por todo o caminho enquanto eu dirigia meu carro. Eu estava confiando minha vida e meu carro a eles. Seja lá para que tal porto seguro ele estejam me levando.

Logo, Jonas pediu para eu diminuir e encostar o carro na frente de uma casa, que comparada a minha humilde casa, mais se parecia com uma mansão.

A casa tinha pelo menos quatro enormes andares, todos com grandes janelas espelhadas e uma garagem que me parecia subterrânea.

Parei na frente do portão da garagem, esperando que eles descessem do quarto, mas a porta da garagem se abriu com a próximidade, e dessa vez, Jesus que deu sinal para que eu seguisse.

Ainda sentindo que era um erro. Ignorei meus instintos e segui pela garagem.

Parei o carro no meio de duas fileiras paralelas de carros antigos, todos modelos de colecionador, pelo que pude ver. Foi outro indicativo que me fez acreditar que esta era a casa de Jonas. O dito porto seguro.

Desliguei meu carro e me virei os encarando.

- Esse é o porto seguro de vocês? - Questionei sabendo que tudo o que tinha por aqui era uma garagem empoeirada e uma casa enorme.

- Não. - Jesus negou com um enorme sorriso na cara - Elas são.

No mesmo instante, encarei a direção que ele acenou, onde havia uma porta que provavelmente interligava a garagem e a casa.

Amber e Micaela passaram por ela, descendo as escadas e chegando na garagem, com caras zangadas e aliviadas ao nos verem.

Amber usava um mini topo em branco com contornos vermelhos nas laterais, e pela primeira vez desde que a conheci ela exibia suas pernas, seu cabelo livre e solto de uma forma sexy... acho que nunca a vi tão deslumbrante quanto agora.

Micaela estava bonita ao seus lado, mas meus olhos não estavam nela, e sim em Amber.

Jesus e Jonas saltaram rapidamente do carro e ficaram um ao lado do outro, em prontidão, enquanto Amber e Micaela caminhavam até eles.

Seus rostos trazendo uma mistura de alívio e ódio por vê-los.

Micaela chegou primeiro, batendo o dedo no peito de Jesus
- Você tem 5 minutos. 5 minutos para me explicar o porquê o treinador ligou querendo arrancar suas bolas.

Jesus sorriu comi um bobo apaixonado. Mas Micaela o encarava com um olhar mortal, que só piorou com o olhar apaixonado de Jesus.

Ele passou as mãos por seus braços, subindo até o seu pescoço, massagiando a area, o que pareceu desarmar a garota. Ele sorriu mais uma vez e abraçou Micaela com firmeza.

- Harper teve problemas. Ajudamos ele e o trouxemos para cá.

Amber se aproximou deles. Nessa hora eu já estava fora do carro, e os encarava do lado de fora da porta do motorista.

- Vou querer saber o que aconteceu para vocês trazerem ele aqui? - Seu tom de voz era sério, e considerando as informações que obtive hoje, não era mais que esperado que ela questinasse minha presença aqui.

Afinal, se eu estiver certo, se boa parte das lacunas na minha cabeça foram preenchidas corretamente, Amber é ou seria a líder dessa pequena gangue.

- Depois. - insistiu Jonas - Trouxemos ele pra um porto seguro.

Novamente essa palavra.

A postura de Amber mudou no mesmo momento. Ela então me encarou, rígida, fria e imbatível, mas seu olhar se suavizou tempo o suficiente para sua mente pensar em me dar uma chance de poder ficar, e ela baixar a sua guarda.

- Quero falar com ele. - ela disse apenas isso.

Jonas e Jesus trocaram alguns poucos olhares com ela. Uma daquelas discussões silenciosas deles. Jonas se direcionou a ela e sussurrou.

- Sem destruí-lo, por favor.

Mas mesmo assim todos passaram pela porta que interligava a casa a garagem, deixando eu e Amber sozinhos.

- Temos nos visto muito esses últimos dias. - ela indagou de braços cruzados, se aproximando do meu carro.

- Talvez mais do que você gostaria. - retruquei examinando suas postura. Não parecia nem um pouco com as muitas faces que conheci dessa garota.

- Para onde levou os rapazes? - ela pergunto, direto ao ponto. Eu gosto assim.

Levantei as sobrancelhas, em desafio ao seu tom.
- Isso é um interrogatório?

Amber me levantou um olhar aguçado, como de uma águia que acabou de encontrar seu alvo.

- Você saberia se fosse um. - ela respondeu sem emoção

- Que pena, interrogatórios me excitam. - respondi com a voz emaranhada. Amber não gostou disso

- Vou explicar como vai funcionar. Eu pergunto e você reponde. Sem mentir, sem baboseira, quero a verdade, se não puder me dar isso pode ir embora agora. - ela impôs severamente. Eu assenti em concordância.

Confesso que apesar da minha experiência, a garota agia de acordo como uma líder de um grupo. Ela tinha presença.

Eu sabia que ela estava na defensiva, e pela forma como ela me encarava, parecia me ver como um inimigo, porém acredito que ela considere qualquer um que mexa com seus amigos como um inimigo.

Ela me encarava ainda esperando minha resposta. Cheguei pensar em mentir, mas porque dar importância a isso. Amber não faz o tipo de garota que sai espalhando detalhes da vida alheia por aí. Não com tantos segredos a rodeando.

- Tive um problema com meu pai, eles se ofereceram para me acompanhar. - compartilhei.

Ela deu mais um passo em minha direção, ainda assim, estava muito longe de mim.
- E com se ofereceram, você quer dizer...

Cruzei meus braços e me encostei no carro a mandando um olhar sincero.
- Eles não sairam do carro até que eu tive que levá-los comigo.

Pude ver um pequeno e singelo movimento no canto superior de sua boca. Um sorriso. Ela estava orgulhosa da reação deles. Mesmo que não quisesse mostrar isso.

- Para onde foram? - ela trocou o peso entre as pernas. Péssima ideia. Agora não consigo não olhar para as pernas dela, mesmo sabendo que meu olhar não está nada discreto.

Mas aquele shorts curto era impossível de não se notar. Ela toda era impossível de não se notar. Digo isso sabendo que já vi muitas mulheres na minha pouca vida, e posso disser tranquilamente que Amber é uma das mais lindas que já botei os olhos.

- Por que quer saber?

Ela andou até mim, com nada amigável no seu olhar. Estou me saindo muito mal em fazer a única coisa que não devia. Mentir ou enrolar. E apesar de sua beleza, não acho que Amber mediria esforços para acabar comigo, e com minhas mentiras.

Seus passos, com leveza e precisão me lembraram os passos de uma leoa prestes a dar o bote. Ela chegou até mim, levantou seus olhos severos aos meus e encostou a ponta do dedo no meu peito antes de dizer:

- Porque à duas semanas atrás você mostrou muito interresse nesse grupo. O mesmo interresse que os estudantes da Phillipez tem no olhar. - ela indagou apontando o dedo no meu rosto - E agora eles o trouxeram aqui, usaram a jogada do porto seguro para justificar sua estadia aqui. Você não acharia isso suspeito? - seu dedo batucava no meu peito de acordo com seus argumentos - Quero saber exatamente quais são suas intenções aqui, Harper.

Amber está bem séria, não sendo surpresa nenhuma. A tempos já percebi que Amber defende aqueles três com garras e dentes. Sentia uma sensação engraçada no peito quando via a forma como não só a Amber, mas como todos eles se defendiam.

- Não tenho intenção nenhuma aqui, não pedi para vir, eles me trouxeram. E não sei que jogada do porto seguro é essa, de qualquer forma, não ligo. - respondi dando de ombros - Só vim porque não queria ficar em casa.

Fui sincero, claro que, não mencionei meu constante interresse nos segredos guardados por eles.

- Não acredito em você. - ela indagou cruzando os braços.

Dessa vez fui eu que andei, desencostei do carro e tomei sua frente, a encurralando até que suas costas estivessem encostadas no carro, e meus braços formassem barreiras em cada lado dela.

- Isso parece um problema seu, não meu. - eu respondi abaixando meu olhos na altura do seus.

- Não vou deixar você e aqueles riquinhos da Phillipez fazerem joguinhos comigo e meus amigos. - apesar de estar bloqueada por mim, Amber não baixou a guarda ou seu tom de voz ao responder isso. O que me fez admitir que seu determinismo poderia concorrer contra o meu - Não sou burra, e você não é o primeiro a tentar usá-los para benefício próprio. Não vou deixar isso acontecer, está entendendo?

Era sobre isso então? Ela é tão desconfiada, que pensa que qualquer um que tente andar com ela e seu grupo, só o faz por um interesse infantil?

- Não estou fazendo jogo nenhum. - respondi com sinceridade. Mas seu olhar ainda não acreditava nas minhas verdades. Tudo bem eu a faria acreditar.

- Meu pai é alcoolatra. Normalmente, quando ele bebe demais, eu tenho buscá-lo no bar. Não esperava ter que buscá-lo hoje. - expliquei retirando meus braços do seu redor - Fiquei com raiva quando soube e joguei meu celular na parede, os meninos não me deixaram sozinho depois disso.

Ela manteve os braços cruzados, mas agora não parecia querer me matar, então eu considerava um avanço.

- E depois?

Respirei fundo, fungando.
- Levei meu pai para casa dele. Depois tive uma conversa amigável com Jonas e Jesus, e ai eles me trouxeram pra cá.

Amber continuou encostada no carro, mas seus olhos me analisaram dos pés a cabeça. Talvez pela referência a uma conversa amigável com os rapaz, ela sabe bem os amigos que tem para entender que não poderia haver nada de amigável na conversa.

- Sobre o que falaram? - questionou quando seus olhos retornaram aos meus.

Não me contive de rir.
- Isso é ciúmes ou uma forma estranha de mostrar seu possessivismo? - perguntei mostrando meu sorriso humorístico no rosto.

Eu realmente estava gostando desse jogo de pergunta e resposta.

- Protetorismo - ela corrigiu - Protejo o que é meu.

É de se perceber.

- Falei com Jesus sobre o alcoolismo dos nossos "pais". - os olhos de Amber se arregalaram, e eu imaginei que isso a conheceria, sabendo o quão pouco eles dividem essas informações. - Jonas também citou a morte da minha mãe e eu citei a morte da dele. - podia jurar que os olhos dela se arregalaram ainda mais. - Ele me disse que sou mais parecido com vocês do que vocês imaginavam.

Ela abriu a boca mas continuou em silêncio, engasgada com as informações, como se ainda procurasse as palavras certas para se dizer.

- Foi apenas isso?

Parei, fingindo pensar um pouco.

- Jonas contou que bateu em Jesus com uma cadeira, uma vez. - respondi neutro, e ela esboçou um relaxamento, e um pequeno surgimento de um sorriso Foi a primeira vez que a vi tentar sorrir hoje - Sim, foi apenas isso.

Ela ainda parecia desconfiar das minhas palavras, e com razão, mas semeou a cabeça em concordância, em seguida passou as mãos pelos próprio braços.

- Não ache que eu vou me deixar enganar por seu rosto bonito. - ela disse ainda tentando parecer durona - Jonas e Jesus podem ter baixado a guarda perto de você, mas o veredito final é meu. - ela continuou enquanto apontava para mim - E eu sei que tem algo que ainda não se encaixa sobre você Logan, e eu vou descobrir o que é.

- Então eu tenho um rosto bonito?

- Vamos entrar. Estou morrendo de frio aqui.

Ela desencostou do carro e seguiu até a porta.

Levantei as sobrancelhas um pouco surpreso.
- Acabou o interrogatório?

Ela se virou com um olhar sagaz no rosto.
- Você saberia se fosse um interrogatório.

- Por quê? Você me faria outro tipos de perguntas? - questionei num tom malicioso.

Ela deu um sorriso sagaz, se aproximando de mim e por fim falando:
- Porque você sairia destruído.


◇◇◇

Amber me conduziu pelo corredor que saia da garagem até chegarmos em uma grande e moderna cozinha.

Uma das paredes laterais, na verdade, era apenas de vidro e dava acesso a uma vista de um lago com um jazido na margem do mesmo.

Enquanto eu apreciava a vista, Amber logo atrás de mim, dizia alguma coisa sobre poder pegar o que precisasse na cozinha e que os meninos estavam na sala ali ao lado.

Eu me virei para encará-la e então o celular dela tocou.

A parou o que estava fazendo e encarou o nome na tela por alguns toques antes de realmente atender a ligação. E pouco antes dela atender o celular, fez um gesto para que eu ficasse por aqui e saiu pela mesma porta lateral que entramos.

Foi quando Jonas apareceu na cozinha logo ao meu lado, e me chamou para sentar-se com ele na sala.

Eu sentia que mais um interrogatório estava por vir.

Logo que entrei na sala vi várias fotografia de um mini Jonas e uma mini Micaela espalhados pelo local. Diferentes paisagens e diferentes roupas, mas sempre os mesmo rostos sérios e neutros.

Isso me causou certa intriga, mas não mais do que ver Jesus e Micaela se beijando no meio do sofá.

Sempre houve boatos sobre as atividades extracurriculares desses três na escola, não que eu ligasse muito, só nunca me ocorreu que eles poderiam ficar entre si também.

Os dois desgrudaram por dois segundo quando sentiram a minha presença.

- Capitão, você voltou vivo. Continue assim e seu próximo apelido será novato. - gargalhou Jesus.

- Não acho que ele dure tanto ao ponto de entrar pra gangue. - deduziu Micaela com um olhar nada amigável.

- Não seja cruel com o novato, gatinha. - retrucou Jesus pondo as mãos no queixo da garota e a puxando novamente para outro beijo.

- Desde quando isso está rolando? - eu perguntei a Jonas realmente chocado.

Jonas e Jesus podiam não ser os favoritos entre os jogadores do time de basquete, mas com certeza eram os preferidos entre as garotas das phillipez.

Você nunca os encontraria sozinhos em algumas festa, com certeza.

O lance dos segredos, pelo visto, os deixava mais sexy para algumas meninas. E micaela não ficava para trás também.

Então é bem impactante vê-los juntos, assim.

- A algum tempo. - Jonas respondeu tranquilamente, mesmo sendo sua irmã sendo agarrada no sofá ali ao lado - Como foi o interrogatório?

- Não foi um Interrogatório. - respondi voltando o foco a Jonas - Ela perguntou onde fomos, porque estávamos lá, sobre o que conversamos.... - eu resumi.

- Típico. - ele respondeu sorrindo convencido - Como ela reagiu?

Porque eu tinha a impressão de Jonas saber exatamente todos os movimento de Amber em coisas assim?

- Ela falou que tem algo sobre mim que ainda não se encaixa e que ela vai descobrir o que é. - eu respondi novamente fazendo o garoto gargalhar mais.

- Típico. Ter problemas familiares não o torna parte do grupo. - ele sorria tanto que me assustava. Nunca vi Jonas sorrindo. Nunca - Se fosse desse jeito metade dos adolescentes da nossa idade seriam da nossa gangue.

Isso tornava as coisas mais interressantes.

- Sei que você e sua irmã tem problemas com seu pai, Jesus aparentemente tem problemas com o padrasto...

- Ex-padrasto - ele me corrigiu.

- Mas e Amber? - questionei vendo o garoto sorrir ainda mais.

- Eu, Micaela e Jesus demoramos meses para ganhar a confiança de Amber para saber sobre isso, não acha que vamos te contar tudo tão fácil assim, não é?

Pois eu retribui o sorriso dizendo:
- Não esperaria isso, acabaria com toda a diversão. - Jonas sorriu contornando o pulso tatuado - Algum dia vai me contar sobre essas tatuagens?

Jonas me levantou o olhar de seu pulso e me encarou profundamente.

Já tínhamos passado por algumas coisas junto, mas não sei se essas pequenas aventuras são suficientes para que ele me conte este segredo.

- Quando eu e Jesus nos conhecemos... - ele começou, ascendendo uma esperança em mim - Bem, não posso dizer que eu estava no meu melhor estado. Eu não sentia vontade de viver mais e o lugar onde nós conhecemos... - ele parecia buscar palavras sobre o que falar em seguida.

Acredito que Jonas nunca tenha dito isso a outra pessoa. Pelo menos era o que sua hesitação nas palavras me dizia. Isso tornava as coisas difíceis para mim. E para ele também quando soubesse minhas intenções.

- Foi dificil, certo dia, encontrar um motivo pelo qual sair da cama. Principalmente nos últimos meses - ele aponta para sua tatuagem - Isto era uma promessa. Ainda é.

- Qual a promessa?

- Que há algo para nos fazer levantar da cama dia após dia. Nós saimos daquele lugar. - Jonas disse amargamente - Foi provavelmente a coisa mais difícil que já fizemos. E ainda estamos aqui, mesmo sabendo quanto improvável era isso.

Jonas parou por um momento, suspirando enquanto tentava camuflar sua voz chorosa

- Não tínhamos planos para este depois, porque não achamos que íamos vivê-lo. Entao um dia, quando achamos que tudo ia acabar ali mesmo. Fizemos essa tatuagem. - os olhos de Jonas brilhavam mais com as lágrimas que ele continha - Elas signifavam um futuro imaginário, um que achavamos que não iamos ter. E agora que temos. É algo pelo que viver.

Eu estava perplexo, o que raramente acontece, exceto quando se trata desse grupo. Parece que eles sempre davam um jeito de me surpreender.

Eu sabia que Jonas, Jesus e Amber tinham tatuagens. Micaela por suposição deve tê-la também. Eu apenas não imaginava o peso que elas carregavam. Todas as vezes que os rapazes do time perguntavam sobre elas, tudo o que eles devem ter ressentido...

- Então seu número sendo o 19... - tentei concluir ainda abismado.

- É a idade que eu sonhava em chegar. Há alguns meses, eu não tinha certeza se estaria vivo para completar meus 19 anos. É difícil viver para algo depois de viver naquele lugar.

Eu nem podia imaginar. Toda aquela conversa que tive com a Amber, sobre a fé na humanidade, sobre crueldade, sabendo agora o que sei. Sabendo que eles viveram todos em um reformatório. É incrível que não sejam delinquentes declarados. É incrível que ainda tentem ter uma vida normal depois disso.

Uma meta de vida imaginária... O quão destruídos e sem esperança eles estavam para essa ser a salvação de seus últimos dias lá. Eles tinham apenas 16 anos, talvez menos. Meu Deus!

- Me pus está meta. Independente das dificuldades, dores ou dilemas. Quero algo que me faça viver. Quero poder viver. Isto é o que as tatuagens significam. Posso ter o número 19 tatuado no meu pulso, mas qualquer sinal de que estou vivendo e não sobrevivendo, antes desse número já me deixaria satisfeito.

"Qualquer sinal de que estou vivendo e não sobrevivendo"

- Um motivo de vida. - me permitir dizer enquanto analisava as palavras que Jonas despejou em mim.

- Sim. Quero chegar aos meus 19. Quero viver pra ver esse dia chegar, não apenas sobreviver até lá.

Uma imensa dor tocou meu peito. As vezes, detesto esse mundo por como ele é, por como ele trata certas pessoas. Jonas e o resto do grupo não tinham nem 17 anos quando fizeram as tatuagens. Uma meta de vida. Um propósito para pessoas sem esperança.

O que isso dizia sobre eles? O que isso dizia sobre quem eram agora? 16 anos e sem esperança, sem acreditar que viveriam mais alguns meses... O quão forte isso mostra que eles são?

Encarei os olhos escuros de Jonas procurando talvez por um olhar diferente daquele garoto das fotografias. Mas encontrei o mesmo olhar sério e neutro do menininho das fotografias. O que isso mostrava sobre a infância de Jonas. Será esse episódio das tatuagens a parte mais pesada de sua história?

- E quando esse dia chegar? Seu aniversário de 19 anos. O que vai acontecer?

- Vou ter que esperar esse dia chegar para saber. - Ele concluiu já se recompondo da conversa que tivemos.

◇◇◇

Eu encarava da cozinha Jesus tentar equilibrar as pequenas peças de madeira que estavam em cima da mesa, um em cima da outra. Amber, que ja tinha voltado, estava sentada no sofá da frente, confortável. Essa é uma das raras vezes que a via assim.

Um barulho soou atraindo meu olhar, a pilha de Jonas tinha caído. E entre as risadas das garotas e as lamentações de Jesus, consegui apenas enxergar mais uma troca de olhares entre ele e Amber acontecer.

"Eu disse que ia acontecer!"
"Não disse nada!"

Os dois se encararam de volta, deboche vindo de ambos os lados. Eles não diziam uma palavra sequer, mas pareciam estar em uma sintonia inesplicavel.

- Esqueça - a voz de Jonas soou atrás de mim.

Ele estava encostado perto da geladeira com um copo de água na mão. A quanto tempo ele está ali?

- Como é? - questionei o mesmo.

- Aqueles dois. - ele apontou o dedo para Amber e Jesus - Não tente entendê-los, acredite é perda de tempo.

Eu não posso dizer que não estava fazendo isso, nem dizer que estava.

As vezes, Jonas era tão ambíguo quanto suas palavras. Falando desse jeito, parecia que sentia certa rejeição a amizade dos dois logo a frente.

- Achei que gostasse deles. - supus me aproximando do mesmo.

Os olhos do garoto se levantaram em surpresa e confusão.
- E eu gosto. - Afirmou com firmeza - Por isso não perco tempo tentando lê-los.

Eu já tinha aprendido da minha forma que Jonas era ótimo em ler as pessoas. E se nem ele queria lê-los, havia um motivo para isso.

- Só parece irreal o quão conectados eles são. - soltei o fato que vinha rondando minha mente.

Jonas ressaltou rapidamente as sobrancelhas, se desgrenhando do batente da geladeira e parando ao meu lado no balcão. Nós dois observávamos Amber e Jesus agora.

- Se isso o incomoda agora, imagine passar 24h de todos os dias com eles assim. - Jonas disse angustiado, mas não pude deixar de rir.

Observei os dois novamente.
Eu já tive um Jesus.

Já tive alguém que confiava de olhos fechados, que não precisava de palavras para me expressar, alguém que confiei e ainda confio meus segredos mais escuros. Alguém que considerei meu irmão.

Mas a vida, o tempo e a distância tornam cada vez mais difícil nossa relação. Infelizmente

- Você tem inveja deles?- perguntei sincero.

Porque agora nesse momento, eu tinha.

- Por um tempo eu tive. - admitiu Jonas - Quando os conheci, queria me manter perto de Amber porque sabia que ela manteria eu e minha irmã seguros. - ele soltou um suspiro frustrado e ajeitou o cabelo - Mas ela vivia com Jesus, e eu e ele como você sabe, não nos dávamos bem no começo.

Balancei a cabeça em concordância e ele continuou:

- Mas também percebi, tempos depois, que haviam motivos muito mais profundos para que essa conexão deles fosse assim tão forte. - ele respondeu puxando um cigarro do bolso e o ascendendo - Percebi então que o buraco era mais embaixo. - disse com o cigarro na boca - Parei de sentir ciúmes então, e comecei a agradecer por nunca precisar ter essa conexão com alguém um dia.

Eu não sabia o que dizer, nem sobre o que ele acabará de me contar, nem sobre o cigarros em seus lábios.

Ele deu um longo trago no cigarro antes de me oferecer o mesmo. Eu não era fã desse tipo de droga, mas serviria para a ocasião.

- Qual o tipo de conexão deles? - questionei o devolvendo o cigarro.

- A mesma que a de todos nós. A dor.

Claro, porque além de problemas com os pais, as confusões e tiros de balas perdidas eles ainda compartilhavam dores em comum

- Você tem essa conexão com ela?

- Tenho, mas é diferente. - ele dizia encarando a fumaça que saia entre seus lábios - Nossa dor nos torna iguais. Mas eles... A dor deles se complementam. Eles se entendem de uma forma a qual eu nunca fui capaz de compreender. - ele apontou novamente á eles - Principalmente quando ficam assim.

Encarei os mesmo esperando vê-los fazendo algo, mas eles não estavam diferentes de alguns segundos atrás.

- Assim como?

- Em silêncio. O silêncio deles é compatível.

"O silêncio deles é compatível"

O que isso significava para pessoas que sofreram boa parte de suas vidas, que em certo ponto, perderam a esperança de viver?

- Eles costumavam a fazer mais disso antes, as vezes, passavam dias inteiros em silêncio e se encarando. - Jonas soltou a fumaça por sua boca - Era assustador. Ainda é.

- Interessante. - deixei que a palavra discorresse pela minha boca.

- Não é a palavra que eu usaria.

◇◇◇

- Não vai decifrá-los os encarando assim. - disse Amber com uma voz divertida

Ela surgiu ao meu lado, na encosta da parede, enquanto eu observava Jonas e Jesus jogando cartas enquanto Micaela lia um livro a poucos metros deles.

- Ficaria surpresa com quantas coisas eu já descobri apenas observando. - Indaguei provocando-a.

Ela havia sumido depois de seu celular tocar. Passei bons minutos na companhia de Jonas antes de Jesus e ele começarem a jogar cartas.

- É mesmo? E descobriu algo de interessante? - ela questionou muito interessada. Pelo menos, era o que seu sorriso me dizia.

- Inúmeras coisas. - retruquei sorrindo para ela também enquanto me aproximava da mesma.

- Alguma sobre mim? - ela questionou elevando as sobrancelhas.

- Várias. - encarei ela no fundo dos seus olhos antes de continuar- É difícil não manter meus olhos em você.

Estávamos realmente próximos aqui. E eu não podia negar, eu mais que queria ficar por perto dela.
- Que bom. Porque eu também mantive meus olhos em você. - retrucou ela.

- Sempre soube que tinha uma obsessão por mim. - minha voz saiu emaranhada quando me aproximei ainda mais dela - Qual a jogada do porto seguro?

Amber me encarou minuciosamente com seus grandes olhos brilhossos depois da minha pergunta. Eu sei que fugi do clima, mas eu tinha prioridades aqui também.

- Depois de tudo que passamos, nós sabemos os limites uns dos outros. - eu podia notar ela analisando todas as opções enquanto me contava - Quando ultrapassamos esses limites ou quando sabemos que as coisas estão demais, procuramos um lugar para nos sentirmos leves. Onde as coisas não são caóticas ou dependem únicamente de nós.

Um lar. De uma forma diferencia, o porto seguro deles era semelhante um lar.

- E esse lugar é aqui?

- Não. Esse lugar somos nós. Uns aos outros. Somos uma unidade. Somos nosso próprio porto seguro.

Eu nunca vi uma amizade. Uma conexão. Tão grande quanto as desses quatro.

Afinal, já cansei de ouvir dos meninos o quanto eles e as meninas são uma família e que a união deles é extremamente forte.

Agora eu realmente vejo isso. Não é algo forçado ou aparentado, é impossível ser, a união, respeito, tolerância dele entre eles é única.

E eles me deixaram ver tudo isso, ter conhecimento disso.
- Agradeço por me deixarem entrar.

Amber sorriu, mostrando que estava tudo bem por ela. Ela cruzou os braços sobre o peito e deu um passo mais perto da minha direção.

- O que mais conversou com os rapazes enquanto estive fora? - ela questionou.

- Jonas me contou os significados das tatuagens.

Eu não sei explicar porque sempre sou tão sincero com Amber nesses momentos. Eu entro em conflito boa parte das vezes que estou com ela. Porque sempre há um conflito entre as verdades e as mentiras que tenho que contar.

Amber parou de sorrir e seus braços caíram para o lado do seu corpo.
- E ele lhe explicou algo sobre elas? - sua voz não é mais alegre, e sim incerta.

- Tudo, na verdade. Isso te incomoda? - perguntei me encostando na parede a encarando.

Amber trocou o peso sobre as pernas e semeou a cabeça pensando na resposta.

- Jonas tem um bom palpite sobre as pessoas. Se ele confiou em você para lhe contar isso, então eu confio também.

Não consegui ver se suas palavras eram mesmo sinceras. Mas no fundo, para o bem de todos eu esperava que não.

- Então... 23? - perguntei me recordando da nossa conversa na cafeteria onde ela me disse o seu número tatuado - É um número um pouco mais alto que o dos meninos.

Amber parou por um momento e depois pareceu voltar a conversar. Provavelmente tentando se lembrar se tinha me fornecido, de fato, a informação do seu número tatuado.

- Sim. Eu ainda tinha um resto de esperança em mim quando fiz essa tatuagem. - ela contou, mas seu tom não era convencido como esperava, e sim triste - Sabia que sobreviveria aquilo, eu tinha que fazê-lo. Eu tinha pendências a resolver depois que saísse daquele lugar. Ainda tenho.

No momento em que ia respondê-la, Jesus gritou do meio da sala que sairia para ir ao mercado. Pude ouvir dizer algo sobre o jantar, por algum motivo eu ignorei.

- Vai ficar para o jantar? - Jesus perguntou a mim.

- Na verdade, logo eu tenho que ir, ainda tenho que ir trabalhar hoje.

Era de certo verdade, talvez não fosse meu trabalho na cafeteria que eu precisasse comparecer, mas era algo parecido.

Jesus concordou e logo saiu pela cozinha. Amber se ofereceu parar ir me acompanhar até o carro enquanto conversávamos.

- Entendo. - disse voltando minha atenção a ela - Sua tatuagem não é uma meta de vida, é uma meta para finalizar suas pendências.

- Algo assim. Mas e a sua tatuagem? - ela questionou, dessa vez, me pegando de surpresa. Não sabia que ela se lembrava disso.

- É uma homenagem a minha mãe. - disse tocando o local com meus dedos - Tenho as iniciais dela tatuadas na base do meu pescoço.

Enquanto nós seguíamos lara a garagem, parei e abaixei a parte de trás da minha camiseta para que ela pudesse ver o desenho da cobra que circulava pelo meus dois lados do pescoço e então descia pelo meio das minhas costas. Com as iniciais N.H gravadas no meio do corpo da serpente.

- N. H? - Ela perguntou.

- Nagol Reprah. Meu nome é uma homenagem ao nome dela. - respondi me virando para olhá-la - Só é preciso ler as palavras de trás para frente.

- Nagol Reprah, Logan Harper. - ela retratou devagar percebendo que o que eu dizia era verdade.

- Incrível, não é? Ideia do meu pai. Acredito que a única coisa boa que já fez.

Amber parou ao lado do meu carro, com as mãos enfiadas nos bolsos de trás.

- Um dia espero ouvir mais sobre você e sua relação com seu pai e sua mãe. - ela disse como normalidade, imagino que esse tipo de situa já seja normal para ela - Mas me diga, tem mais alguma coisa que falou com Jonas?

- Falamos sobre você. - respondi abrindo um típico sorriso em meus lábios. E ela gargalhou.

- Sua obsessão por mim já está se tornando algo indiscreto. - comentou com graça.

- Tomara que não se espalhe. Outros podem se interessar. E eu odeio concorrência. - respondi dando um passo em sua direção até que ela se encostou na porta do meu carro, e meus braços a contornavam - Sabe, os outros caras podem se sentir muito atraídos por alguém com o histórico como o seu.

O brilho nos seus olhos sumiu nessa hora.
- Um histórico como o meu? - ela repetiu.

- É, alguns caras sentem tesão por históricos em branco como o seu - decidi apenas seguir em frente com o que tinha em mente e torcer para que tudo desse certo. Mesmo duvidando disso - E o de seus amigos.

Seus olhos se arregalaram em espanto e ela me afastou de seu corpo.

- Como você sabe disso! Teve acesso aos nossos históricos? - ela estava claramente nervosa com a hipótese de ter visto seus históricos.

Ela me empurrou, espalhando suas duas mãos em meu peito, esperando uma reposta.

- E isso importa?

Amber varreu os olhos em mim, mas não apenas uma olhada rápida, ela analisou todos os pontos do meu corpo, eu pude sentir isso.
- Você está falando besteiras.
Ela negou se afastando de mim.

Ela tentou.

Me estiquei fazendo minha mão agarrar seus braços e a puxei de volta para mim, até que estivéssemos encostados no carro novamente.

- Estou muitos certo das minhas respostas. Vocês estiveram em um reformatório, vocês quatro. - vi o olhar espantado em seu rosto virar novamente fúria quando ela estalou:
- Você está louco!

- Diga que eu estou errado! - eu a desafiei no mesmo tom.

- Você está errado! - ela mentiu tentando me enganar, mas ela falhou quando não me encarou nos olhos.

- Diga isso olhando nos meus olhos, Cupcake.

Amber parou. Não se debateu sobre mim. Não chamuscou com raiva, fúria ou espanto. Ela apenas parou. E me encarou. Ela chegou a abrir a boca e tentar dizer algo, mas desistiu e abaixou o olhar.

- Você sabe que eu não posso - ela levantou seu olhar após dizer isso. E acredite, eu nunca vi um rosto mudar tão rápido quanto ela o fez.

Para quem tinha derrota no olhar, seu semblante mudou da água para o vinho.
Seu olhos estavam aguçados e frios, e seu rosto estava fechado e sério, nada bom pelas minhas leituras.

- O que é péssimo para o seu lado. Ela comentou.

- O que quer dizer? - perguntei, mas ela nem sequer respondeu.

Ela fez um movimento rápido imobilizando minhas mãos, e automaticamente trocando nossas posições, enquanto abria a porta do passageiro e me jogava dentro do banco

Amber fechou a porta enquanto eu ainda recuperava o movimento de meus dedos. Eu nunca tinha visto essa mobilização antes.

Ela deu a volta no carro e entrou na porta do motorista. Sentou no banco e ligou o carro com as chaves que eu nem sequer sabia que ela tinha pego.

- O que está fazendo? - perguntei tentando virar a chave no console.

Ela imobilizou minha mão novamente antes de responder:
- Nós vamos dar um passeio, e não vamos parar até que você me fale exatamente o que eu preciso saber. - ela deu partida no carro e o tirou da garagem com rapidez.

- E se eu não falar?

Amber tirou os olhos da direção nesse momento e me deu um sorriso sombrio, um que nunca vi em seu rosto, agora tão sombrio quanto.

Ela apertou o volante antes de dizer:
- Oh eu espero que você faça isso. - havia uma diversão mórbida em seu tom - Torna as coisas mais divertidas para mim. Para você no entanto.... Talvez sejam divertidas apenas para mim.

Ela pisou no acelerador. E nesse momento pensei que talvez tivesse sido melhor ter escutado meu Ralph, e talvez ter trazido minha arma comigo.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top