CAPÍTULO 15

" Existem coisas piores que estar sozinho,
mas geralmente leva décadas para entender isso
e quase sempre quando você entende é tarde demais."
~Charles Bukowski

**LOGAN**

Jonas deu duas batidas rápidas na porta, esperou um instante e depois bateu uma vez mais forte que antes. Um código que eles devem ter criado para se reconhecerem.

Me perguntei se teria que guardar esse tipo de código deles também.

A porta do vestiário foi aberta pela irmã de Jonas. Ela não conseguiu disfarçar a surpresa ao me ver ao lado do seu irmão. Seu rosto estava meio pálido e as marcas avermelhadas em suas roupas não mentiam, as coisas devem estar muito feias.

- Você bateu a cabeça, Jonas? - a garota reclamou em italiano - Por que ele está aqui?

A irmã de Jonas está claramente histérica, mas Jonas apenas fez um barulho com a boca dando de ombros.

- Ele não vai embora. Ele entra ou o reitor descobre.

Jonas respondeu em inglês. Para que eu soubesse que ele ainda se lembrava da minha ameaça na sala de aula.

As costas de Jonas tencionaram e ele arrumou a caixa de primeiros-socorros que ainda continuava em sua mão.

Ele e a irmã tinham algum tipo de diálogo pelos olhares que davam. Eu vi os dedos da garota se apertarem na porta, mas mesmo parecendo hesitante a garota abriu mais a porta do vestiário para eu e Jonas passarmos.

Entramos no vestiário que foi quase todo destruído pela iniciação de Jonas e Jesus a alguns meses atrás.

O vestiário ainda está cheio de sacos de material para construção, várias pilhas de caixas cheias de azulejos para o chão, todas empilhadas perto da parede, as pias e os espelhos permaneciam no lugar, as cabines por outro lado foram em grande parte desmontadas ficando apenas 3 inteiras no fundo.

Jesus se encontrava de costas para nós, sentado em um banco comprido, que foi arrastado para o meio do espaço, ele estava sem camisa, o que me permite ver todas as cicatrizes nas suas costas.

A garota dos cupcakes está sentada a seu lado esquerdo, parecendo bem concentrada dando uma boa atenção a algo no ombro do rapaz.

- Que demora hein, quase estava eu mesmo indo lá buscar a dannata scatola. (maldita caixa) - Jesus ponderou, sua voz ainda apesentava muitos resquícios de dor.

Quando eu e Jonas paramos em sua frente ele levantou o rosto surpreso para mim, até o simples ato de erguer suas sobrancelhas parecia doer. "Capitãoooo" ele cantarolou.

Eu me espantei ao ver seu estado.

Seu rosto está todo machucado. O olho esquerdo está coberto com uma sombra roxa e que ao redor já estava começando a ficar amarelada e inchada, sua sobrancelha tem um corte pequeno bem no meio, que ainda brilhava a vermelho vivo, seu nariz tinha um machucado bem no meio, parecido com uma linha avermelhada, em baixo dele tinha um caminho que o sangue percorreu descendo pelo canto esquerdo da boca, estava seco. Além disso ele tinha outra linha de sangue que descia pelo olho esquerdo, seca também, igual à do nariz.

- Mas que merda - eu disse quando olhei para seu ombro - Isso é um tiro?

Eu não estava realmente tão surpreso como parecia estar, mas não podia simplesmente agir de forma normal a um ferimento a bala, sem que qualquer um desconfiar.

Eu encarei Jonas esperando algum tipo de resposta. Afinal, não é comum um grupo de 4 adolescentes estarem envolvidos, em seja lá o que, eles se envolveram que resultou num ferimento a bala.

Jonas apenas deu de ombros novamente, ainda segurando a caixa de primeiros socorros. Agora faz todo sentido a necessidade que ele tinha em pegar a maldita caixa. Ele apenas me passou um olhar como se dissesse.

"Não me olhe assim, eu disse que ele tinha seus próprios problemas, você quis entrar"

Eu encarei todos naquele lugar, vendo aquela maluquice.

Jesus estava quase apagando naquele banco, com certeza pelo ferimento a bala.

Encarei a garota do café, que segurava um tipo de compressa no machucado ensanguentado de Jesus, encarei a irmã do Jonas e suas manchas avermelhadas na sua camiseta começaram a fazer sentido.

- Com que tipo de merda vocês estão envolvidos, afinal? - eu questionei os quatro.

- Quantos menos você souber, melhor - respondeu Jonas passando a caixa para sua irmã.

- Graças a Deus - disse sua irmã pegando a caixa com rapidez.

Ela logo abriu a pequena caixa de madeira pegando uma nova compressa depois ela se aproximou da garota dos cupcakes tocando em seu ombro e assumiu o lugar de garota segurando uma nova compressa no ombro do Jesus.

A garota dos cupcakes então se levantou e olhou para mim, seus ombros estavam tensos e seus olhos bem cansados, uma de suas mãos segurava um pano pressionado na pele de Jesus, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios antes de sua atenção ir para a caixa apoiada no banco onde ela estava. Ela deu um suspiro aliviada.

- Obrigado por nos ajudar com a caixa - a garota dos cupcakes se dirigiu a mim passando o antebraço na testa limpando o suor. Amber.

Não tive tempo de respondê-la antes dela voltar a se abaixar perto da ferida do rapaz.

- Pediria desculpa por te envolver nisso, mas não é do meu feitio - ela ponderou de costas pra mim, se ajoelhando em frente a caixa, começando a tirar alguns objetos dela e entregá-los a outra garota, a irmã de Jonas.

Jesus apesar do machucado não parecia se importar com a dor. O que para mim parecia espantoso, dado a experiência que já vivi e observei com os anos.

Como um adolescente de 17 anos lidava tão bem com a dor de um tiro?

Contudo, ele parecia ansioso, mas estava tentando controlar sua respiração aos poucos, provavelmente se preparando para o que quer que está por vir.

- Não faz diferença, alguém está me devendo muitos favores por isso - provoquei, Jonas revirou os olhos andando até uma das pias com meia dúzia de panos nas mãos, os encharcando de água.

Parece errado fazer piada com toda a situação porque, meu deus, Jesus levou um tiro, mas eu não consigo esconder essa parte de mim. É uma defesa pessoal, faço piada em situações sérias.

As garotas começaram a se movimentar e passar materiais de uma mão para a outra rapidamente.

O estado de Jesus não estava nada bonito e não parecia que um grupo de adolescentes conseguisse lidar com isso.

Por que eles estão cuidando disso eles mesmo? Por que eles não vão a enfermaria ou a um hospital? E o principal, quem teria feito isso com o rapaz?

- Eu não entendo - falei para ninguém em especial - Por que vocês queriam tanto minha ajuda para pegar essa caixa ao invés de levar ele a enfermaria ou ao um hospital?

Jonas e sua irmã e até Jesus olharam para a garota dos cupcakes, Amber, se esse for mesmo seu nome.

Por que todos eles parecem tão calmos?

Amber me encarou profundamente, me analisando, tinha algo no olhar dela. Não era normal, tinha alguma coisa naqueles olhos. A precisão, a sagacidade, ela me encarou como se quissesse enxergar os segredos da minha alma. Tinha algo de assassinos neles.

Eu a analisei de volta, seus ombros tensos, a roupa totalmente destruída de sangue, sangue de Jesus. Seus olhos se afastaram de mim, ela assentiu silenciosamente antes de se virar e voltar sua atenção para os objetos da caixa na sua mão.

- Jesus, assim como todos nós, é de menor - era a voz da irmã de Jonas falando - Se o levássemos a enfermaria eles relatariam os machucados para o diretor, pela gravidade, e o diretor relataria para mãe dele. Então teríamos que mentir para o diretor e para sua mãe.

É isso realmente faz sentido. Eu já sabia que o diretor era um pé atrás com eles. Mesmo eu não sabendo o porquê. E imaginar eles chegarem na enfermaria com Jesus ferrado desse jeito não acabaria nada bem.

- E mentir para a dona Célia nunca dá certo, ela sente o cheiro de mentira dentro de você. Quella donna è il ragazzo del fuoco va per me (aquela mulher é fogo cara, vai por mim) - Jesus tagarelou, coloquei minhas mãos nos bolsos e me apoiei na pia mais próxima de mim, ficando bem em frente ao banco onde Jesus, Amber e a irmã de Jonas estão.

As duas começaram a cuidar dos machucados superficiais dele, principalmente os do rosto, foi então que vi a grande gravidade do seu ferimento.

Jonas então se aproximou delas e retirou de uma garrafa de Whisky de uma das sacolas ao lado das meninas. Ele abriu a garrafa e a levou até Jesus, as meninas abriram espaço para ele e pararam as coisas que estavam fazendo quando Jonas colocou a garrafa na mão de Jesus, e então ergueu seu pulso para cima checando seu relógio.

- Você tem dez segundos para beber o quanto puder. Estou cronometrando você. Vai. - Jonas falou encarando o relógio, mas Jesus não se mecheu. Apenas encarou a garrafa com tensão.

Jonas o encarou pelo canto dos olhos. Jesus continuou parado. Jonas então respirou fundo e se abaixou a altura dos olhos de Jesus e disse em italiano.

- Isso vai doer, muito. Acredite em mim, eu não gosto de ferir sua ideologia tanto quanto você, mas não temos anestésicos pra você aqui. - Jonas cochichou em um italiano pouco compreensivo.

A mão dele contornou o grande número 19 no pulso de Jesus.
- Eu vou impedir isso a todo custo. Não vai acontecer, acredite em mim. Agora tome logo. Você tem 10 segundos.

Eu compreendi o que pude, mas entendi o suficiente para entender que Jesus não queria beber o Whisky porque... tinha problemas com vício? Mas a tatuagem? Parecia um enigma a mais nesse quebra cabeça.

Nunca imaginei isso, nem soube de algo assim, acredito que ninguémna Phillipez saiba a não ser seu grupo. Mas entendia o lado dele, a coisas que os estudantesda Phillipez não precisam saber. Há analgésico específicos para viciados, morfina ou álcool não eram nenhum deles. Mas como eles não tinham esses analgésicos aqui, nem morfina, o álcool parecia um boa opção.

Jesus levou a garrafa a bica e Jonas começou a cronômetrar.

Era alarmante, ver uma pessoa beber desesperadamente enquanto parecia lutar contra isso com todos seus impulsos.

Jonas teve que arrancar a garrafa dos dedos desesperados de Jesus, depois. Jesus passou uma mão pela boca, limpando os resquícios da bebida e acenou para as meninas continuarem.

Vi apenas por alguns segundos antes das meninas começarem a enfiar pinças dentro do machucado, procurando a bala, possivelmente.

Xinguei por baixo. Sempre odiei essa parte. Como Jesus estava aguentando aquilo? Como ele tinha feito aquilo, para começo de conversa?

Desviei o olhar, nunca gostava de ver aquela cena. Apenas esperava o barulho da bala de metal batendo em alguma bandeja, ou seja lá onde a bala fosse despejada. E assim fiz aqui.

Me virei a tempo de ver Amber colocando outra compressa no ferimento enquanto jogava a compressa usada para Jonas.

Jesus chiou um pouco quando a compressa se afastou, mas Amber e a irmã de Jonas pareceram não se assustar com o tanto de sangue que descia do machucado.

O cheiro de todo aquele sangue no banheiro era realmente notável, não sei como não tinha reparado antes, e o sangue nas roupas de todos ali, menos nas minhas e nas de Jonas, também era extremamente preocupante.

- Eu disse que não tinha problemas ele beber o Whisky - Jonas traduziu, há algumas pias a direita torcendo o pano ensanguentado e entregando ele a sua irmã, que o levava para uma bacia próxima de Amber, tentando com muito afoito enfiar a linha na agulha com as mãos ainda bem trêmulas.

Até fiquei um pouco surpreso ao ver que Jonas se importou o suficiente para traduzir a frase de Jesus para mim. Mesmo que não precisasse muito de qualquer jeito.

- Eu entendi - ponderei dando de ombros.

Não era uma mentira eu sempre fui ótimo aluno na turma de italiano, só não sou totalmente fluente. Jonas não parecia tão surpreso, mesmo assim puxou um sorriso em seus lábios e gargalhou. Mas era encenação.

- Você é mesmo um bastardo - ele gargalhou jogou um dos panos em mim.

Eu sabia que ele estava brincando tanto quanto eu para aliviar a tensão que todos estavam sentindo, não deve ser fácil para nenhum deles verem o Jesus nesse estado.

- Aposto que você entende tudo o que eu e Jesus falamos nos vestiários, não é? - continuou ele. Mas eu nem tive tempo de responder antes de ser interrompido

- Se vocês não calarem as suas bocas enormes vou fazê-las colocar vocês dois para fora! - esbravejou Jesus apontando para as meninas - Eu estou preste a ser suturado aqui caso não tenham reparado, e as mãos dela estão tremendo pra caralho! Não deem motivos a mais para ela me espetar! - gesticulou ele apontando para as mãos da garota do seu lado.

- Stupido bastardo, se non vuoi essere suturato, non metterti davanti a un fottuto colpo la prossima volta! (bastardo idiota, se não gosta de ser suturado, não entre na frente da porra de um tiro da próxima vez) - Amber esbravejou também em italiano, batendo em Jesus com uma das compressas.

Ele entrou na frente da bala?

Mas eu realmente não conseguia evitar de olhar para as mãos de Amber, que não paravam de tremer, mesmo sendo um tremor mínimo.

Cenas parecidas com está se passaram na minha cabeça. Já senti aquele pânico ao ver uma agulha na minha frente, a garota tentava disfarçar bem seu tremor, mas ele ainda estava lá.

Talvez eu ainda tivesse mais compaixão em mim do que esperava, foi o que pensei quando sai da pia e caminhei até ela.

- Deixa eu fazer isso - propus tocando em seu ombro.

Ela tencionou ao toque da minha mão, sua cabeça virou em minha direção, ela me olhou com aqueles grandes olhos castanhos gélidos.

Parecia apesar de toda a conversa que ela até se esquecerá que eu estava aqui. Mas vendo toda essa confusão, eu não a julgava.

Ela não relutou ao me entregar a agulha, mesmo ela não sabendo ao certo se eu poderia fazer aquilo.

Me sentei no seu lugar com uma perna em cada lado do banco ficando de frente para Jesus.

- Com todo respeito capitão, eu dispenso. - ele disse afastando seu tronco ao movimento da minha mão, fazendo uma careta de dor em seguida.

- Algum de vocês, tirando a mãos tremidas ali, sabe suturar alguém? - pergunte encarando Amber me olhou zangada pelo apelido.

Retribui piscando pra mesma, apenas sinalizando a brincadeira, mas ela ainda teve a audácia de revisar os olhos para mim. Por outro lado, todos no vestiário ficaram em silêncio.

- Foi o que pensei. - voltei para o ombro de Jesus - Não se mexa, prometo deixar mais uma cicatriz bonita pra você exibir para as meninas. - deixei que o sarcasmo se torna-se uma máscara e se moldasse em mim.

Porém todos sentiram o peso nas minhas palavras, mais uma cicatriz.

- Vá a farti fottere, Harper! (vai se fuder, Harper) - praguejou Jesus.

Aproveitando seu momento de distração enquanto ele me xingava, eu enfiei a agulha no início do seu ferimento, nessa hora ele gritou, não muito alto, mas o suficiente para Jonas ficar atormentando, chamando-o de mulherzinha, mas essa provocação não durou muito, pois a irmã de Jonas deu um tapa na sua cabeça mandando-o calar a boca porque ele grita igual o Jesus quando vê uma barata. Emburrado Jonas cruzou os braços e ficou quieto.

Eu teria rido muito dessa cena se não tivesse tão concentrado em pegar toda a área do machucado. Depois das primeiras agulhadas Jesus se contentou apenas em agarrar o banco com força e fazer algumas caretas, e enquanto todos nos encaravam ainda mantive a concentração na linha e na agulha.

O ferimento era feio, mas pelo menos agora se fecharia e curaria mais rápido, enquanto o suturava, eu passava as instruções que conhecia sobre como não abrir os pontos daquela área para Jesus. Como protegê-los, como não se movimentar muito, e que ele não poderia mover muito braço esquerdo por um tempo e também disse a ele que deveria se afastar dos treinos até que melhorasse.

- Onde aprendeu tudo isso? - foi a voz de Jonas ressoando no vestiário. Mantive meus olhos na agulha.

Eu não queria e nem estava a fim de falar sobre qualquer uma dessas coisas com eles, Jonas já sabe que o jeito que eu ajo na escola é mera encenação, suponho que todos eles saibam disso então.

Isso pode ser um problema.

Mas explicar como sei suturar cortes, como sei o que fazer para mantê-los intactos e as muitas outras coisas que eu teria que dizer para eles entendessem por que eu sei tudo isso, é uma coisa totalmente diferente de saber que eu tenho uma máscara.

- Onde conseguiu suas cicatrizes? - retruquei no mesmo tom que ele, não esperando uma resposta.

- Ho detto che era un fottuto bastardo! (Eu falei que ele era um bastardo de merda) - Jonas me xingou para ninguém em especial.

- Eu entendi isso. - eu pigarrei fingindo estar zangado.

- Eu sei. - ele respondeu por fim e no final nos dois rimos.

- Então - eu retomei - Quem deu o tiro?

Talvez fosse invasivo perguntar isso, mas.... Eu estava suturando-o. Eu tinha direito a algumas respostas.

- Ninguém em especial - Jesus respondeu simplório.

- Bom saber que agora não é preciso criar inimizade com as pessoas para elas atirem em nós. - eu comentei com sarcasmo por fim.

Mas eu não me preocupava muito em não ter as minhas devidas respostas, eu tinha uma pessoa que pode consegui-las para mim.

◇◇◇

**AMBER**

Dei uma última conferida no vestiário em pedaços para ter certeza de que não deixei nada ali que poderia mostrar que alguém passou por aqui.

Aparentemente fiz um bom trabalho, estava tudo do mesmo jeito que encontramos. Eu ainda não sabia o que exatamente tudo o que aconteceu, mas como foi com o Jesus, posso até imaginar o que houve.

Jesus é uma ótima pessoa, ele realmente é um cara legal, ele é o tipo de pessoa que carrega uma energia própria, uma energia quente e luminosa que te faz querer ele por perto.

Mas ele tem o péssimo hábito de bancar o herói nas piores horas possíveis, e com nas piores horas possíveis eu quero dizer, quando ele está sozinho ou em desvantagem. Talvez seja isso que tenha acontecido, talvez não.

Vou tentar não pensar muito sobre isso agora, tenho certeza que Jesus virá até mim quando quiser conversar sobre o que realmente aconteceu, assim como ele sempre faz. Porque é assim que funciona com a gente, desde de sempre tivemos uma ligação onde não precisamos ficar nos explicando toda hora, nos cobrando. Elas veem na hora certa e por vontade própria.

Comecei a dar passos para atrás, dando uma última olhada no lugar só pra ter mais uma vez a certeza de que está tudo certo. Bati as costas em algo duro, e me virei devagar vendo o que era.

- Logan! - me virei ficando bem na sua frente.

Talvez seja melhor não ficar tão perto assim, minha consciência opina.

Vou chamar essa voz de bom senso de agora em diante. Devia ouvir mais ela.

Logan sorriu quando pronunciei seu nome, sorri também.

- Achei que você já tinha ido. - tomei distância.

- Só fui ajudar Jonas e sua irmã a levar o Jesus pro carro sem que ninguém veja. Para onde eles vão agora? - o garoto questionou deslizando suas mãos aos bolsos da calça.

Eu ainda não sei o que aconteceu entre ele e Jonas enquanto eles buscavam a caixa de primeiros socorros para eles ficarem tão íntimos quanto pareciam antes. Também não sei o que fez ele ficar aqui e ajudar Jesus, pelo que eu sei eles nunca chegaram a ser amigos antes.

- Provavelmente para uma das casas desocupadas dos Gonzalez, eles devem ficar lá por hoje e talvez amanhã, mas se depender deles ficarão a semana toda - brinquei.

O garoto tentou um riso, mas franziu o cenho e suas mãos saíram dos bolsos da calça e entornaram seus braços.

- Jesus e os irmãos são vizinhos e a mãe dele nos conhece a bastante tempo. Então se a nós passássemos uns dias na casa dos Gonzalez ela não iria suspeitar - expliquei.

Minha mochila que estava no banco que antes Jesus estava agora já se encontrava nos meus ombros. Caminhei até a porta do vestiário sentindo o olhar de Logan em mim, abrindo um pouco a porta espiei o corredor pra me certificar que ninguém nos veria saindo daqui.

O corredor do vestiário está totalmente vazio, abri mais a porta e chamei o garoto para sair comigo.

- A gente, você fala bastante "nós", não é? " nos conhece...", "nós passássemos"... - o mesmo questionou mantendo-se ao meu lado na caminhada para longe dali.

Ele ainda não sabia que eu a gangue nós conhecemos fora da Phillipez?

- O que você está tentando dizer, Logan? - eu questionei, porque de algum jeito eu sabia que ele estava tentando descobrir algo, eu estava com esse pressentimento a muito tempo.

- Estou curioso com algo, e eu preciso muito saber. - ele começou dizendo.

Eu ri por sua expressão tão estranha, mas assenti para que ele perguntasse logo o que quer que ele queria saber, minha cabeça estava um pouco longe para questioná-lo.

- Com o que eu vi no banheiro hoje mais cedo... Hm, vocês parecem bem intimos. Fazem tranças da amizade e caçam bandidos também? - o sorriso charmosamente sarcástico surgiu nos seus lábios.

Revirei meus olhos e ameacei andar em uma direção distante da dele, mas ele voltou a dizer atras de mim, em alto som. Alto de mais

- Só acho interressante que logo você tenha conseguido entrar no grupo dos exi.... - ele mesmo se interrompe por quase falar 'exilados' porque ele sabe que eu odeio isso, eu sorri em resposta - Quero dizer, entrar no grupo deles. Sabe, eu vi vários alunos na Phillipez tentarem, e seus amigos não os deixaram nem chegarem perto.

Não posso negar que essa pergunta veio em uma hora estranha, mas sinto orgulho da gangue por terem se protegido dessa forma, eu não tinha dúvidas que eles saberiam lidar com seus próprios problemas.

Talvez isso é o que me orgulhe mais, saber que cada um deles consegue lidar com suas próprias merdas suficientemente sozinhos, mas saber que no primeiro sinal de fumaça eles estarão juntos lá um pelo outro.

- Talvez eu tenha tido sorte. - eu disse me desviando daquele pensamento.

- Acho que até poderia ter acreditado nisso se você não estivesse sorrindo desse jeito. - ele aponta para meus lábios, e eu viro a cabeça para o outro lado observando os armários do outro lado do corredor, mas ainda continuo sorrindo.

Mas como essa conversa tinha chegado a esse ponto?

- Mas porque você quer tanto saber como fiz para entrar no grupo deles, está tentando um suicídio social? - eu o provoquei usando as mesmas palavras que ele disse á mim por um bilhetinho que trocávamos na nossa primeira aula junto.

- Seu humor realmente está ótimo hoje, mesmo depois da cena no banheiro - ele comentou fazendo uma careta - Vi muitos tentaram, mas eles nunca deixaram qualquer pessoa se aproximar, apenas você. Fiquei curioso em testar minhas teorias. - ele sorriu

- E quais seriam as suas teorias?

- Vocês já se conheciam antes de você chegar aqui. - se gabou.

- Achei que você já tivesse deduzido que eu os conheci muito antes de entrar na Phillipez - comentei em um tom provocador, mesmo mantendo a cabeça baixa, a ideia de manter minha atenção aos pés parecia melhor do que encará-lo diretamente.

Como posso encará-lo se ele se importou o suficiente para deixar o refeitório - na frente de todo do colégio - com Jonas, ele se arriscou para ajudar nós a pegar a caixa, assumiu meu lugar para suturar o corte de Jesus.

Sei que ele não é um herói, sei que provavelmente tem segredos escuros e tem cinquenta por cento se chance dele ser um assassino mirim, eu normalmente só atraio caras assim.

Eu só não sei como posso encará-lo se nem ao menos entendo o motivo dele ter feito tudo isso.

- Eu suspeitava - ele ronronou dando de ombros.

Obrigada por nos ajudar hoje, é o que eu queria falar, mas minha boca não se abriu. Por isso quando seu olhar se encontrou com o meu, um sorriso singelo e um olhar de gratidão foi tudo o que eu pude lhe dar.

- Não me olhe desse jeito, eu faria qualquer coisa se fosse um amigo meu no lugar de Jesus. - as palavras dele são sinceras, mas o bastardo continha um sorrisinho na cara.

- Ouh, então quer dizer que você tem amigos? - debochei, ele fez uma careta.

- Hilário.

Caminhamos juntos até o meio do colégio, o pátio central, um grande espaço em formato circular cheio de bancos que se conecta aos corredores principais da Academia. Corredores estes que estão vazios agora.

Cuidar de Jesus ocupou quase todas as aulas depois do almoço, agora os alunos já dentro das salas, na última aula do dia.

- Onde aprendeu a suturar alguém? - o pensamento ocorreu em minha mente, pelo visto, em voz alta.

Ele com certeza tinha uma experiência nisso, suas mãos eram firmes, não tremeram em nenhum momento, e ele não travou nem por um momento se quer. Parecia estar tão acostumado a fazê-lo que não se atrapalhou enquanto costurava e conversava ao mesmo tempo.

- Onde conseguiu suas cicatrizes? - ele perguntou simplório.

E fácil assim, eu travei. Quatro palavras e eu travei.

Seu tom não tinha a intenção de me machucar eu percebi, ele dera quase a mesma resposta a Jonas quando o mesmo perguntou como o rapaz sabia todas aquelas instruções sobre os pontos ou como sabia suturar alguém.

Não era um assunto que ele queria falar, bom eu não culpo também não gosto de falar muito.

- Eu não... Não com...- eu comecei a argumentar

- Eu não tinha certeza que você também as tivesse, pelo menos não até agora. - me cortou.

Sua postura ficou tensa, ele colocou as mãos nos bolsos da calça para tentar desfaçar o próprio nervosismo de mim, mesmo sabendo que não adiantou nada.

- Elas não... As minhas cicatrizes são diferentes da dos meninos, nos... eu não as consegui no mesmo lugar que as deles... - eu pondero.

Me perguntei por um segundo se isso foi um erro. O grupo manteve esse segredo guardado de tudo e todos.
Será que posso contá-lo assim, sem o consentimento deles? Odiaria deixá-los magoados ou bravos por contar o que não devia.

Depois de dois anos, eu estava cansada de guardar tantos segredos.

Então, talvez eu possa confiar um pouco nele, contar pelo menos o básico de suas perguntas, ele suturou o corte do Jesus sem ao menos pestanejar, talvez ele seja alguém que valha dizer a verdade.

- As cicatrizes, foram feitas em um lugar ruim, no lugar onde nos conhecemos... - minha voz foi morrendo ao final da frase, minha atenção se recaiu aos seus ombros, ao seu rosto.

O garoto direcionou seu olhar a mim, permanecendo neutro. Um suspiro fugiu de seus lábios antes dele começar a falar.

- Aprendi a suturar sozinho. Às vezes eu precisava de uns pontos em mim mesmo, às vezes eram as pessoas que eu gosto que precisavam... - falou Logan.

Apesar de seus passos continuarem iguais, seus olhos estavam perdidos nos corredores, talvez memórias antigas estejam passando pela sua cabeça, desses momentos que ele precisou amadurecer e cuidar dos outros, memórias de dor. Não posso negar que conheço a sensação e odeio que ele também a conheça.

- Sinto muito. É uma merda quando você tem que assumir o controle desse jeito - eu afirmei. - Ter essa responsabilidade desde cedo.

Muito raramente palavras calorosas ajudam pessoas que passaram por momentos ruim a melhorarem, minhas palavras acolhedoras não o ajudariam nessa situação, pelo que quer que ele tenha passado, já está feito, não pode ser mudado, palavras bondosas se tornam vazias nesses casos. Onde nada pode ser feito por já ter ocorrido. Por isso, na maioria das vezes apenas dizer palavras verdadeiras pode ser muito melhor e oferece um apoio muito grande.

- Digo o mesmo por você - o garoto retrucou, eu o encaro franzindo o cenho, do que ele está falando?

- Jonas disse que você que o mandou me chamar para ajudar a pegar a caixa. - ciciou como se estivesse visto a pergunta em meu rosto.

Permaneci em silêncio, ele não precisava de um consentimento meu, então eu não o daria.

- Então esse lugar ruim... Passaram muito tempo lá? - o suspiro que escapou de meus lábios foi repentino que nem tive chance de esconder.

Talvez eu possa falar algumas coisas a mais para ele, apenas pra aliviar todo esse borbulhar de emoções que estou sentindo por dentro.

- Mais o menos, eu fiquei lá mais tempo que os demais, conheci Jesus meses depois, e Jonas e Micaela não sei ao certo, mas acho que só os vi pela primeira vez meses depois disso. Ficamos por muito tempo lá. - as palavras simplesmente saíram da minha cabeça da minha boca, e eu não conseguia parar.

Só rezava para não ter dado informações demais, não ter falado de mais.

Mantive meus olhos ao chão, esperando uma resposta que não sei se viria. Não podia encará-lo, não podia vê-lo juntando as peças na sua cabeça, apenas rezava para que ele não as ligassem.

- Como ninguém nunca falou nada sobre essas cicatrizes? - ele indagou.

Dizendo as palavras que mesmo depois de tanto tempo nunca ouvi. Palavras que mostravam um interesse genuíno em mim. Sobre como me senti, como sobrevivi aquilo.

- Eu não era a única por lá, eu os tinha. Além disso, nós não éramos os únicos por lá. - respondi rispidamente - As pessoas não se importavam em ver sangue derramados naquele lugar.

Esperei por qualquer reação dele, menos o suspiro pesado que ele deu.

- Cada dia que eu escuto coisas assim, eu perco um mais a fé nas pessoas.

Ele abaixou a cabeça encarando os pés enquanto caminhávamos. Eu mantive minha voz coerente a minha verdade.

- A fé é uma coisa super estimada e idiota. O mundo é uma droga, sempre foi.

Respondi da forma mais grosseira possível. Mas não há nada que eu pudesse fazer. Não sou religiosa, qualquer coisa nesse meio não faz sentindo na minha cabeça. Não mais.

- O mundo não é uma droga. As pessoas são. - ele respondeu na mesma tonalidade que eu - Esse lugar. Existem outros?

Se o conhecesse poderia dizer que isso foi uma provocada pouco sutil de sua parte. Mas não o conheço tanto. Mesmo assim, não descarto a opção. Pessoas tentam machucar as outras quando elas tocam na sua ferida.

- E isso te importa?

- Quero saber quanto minha fé nas pessoas vai diminuir. - ele ergueu a cabeça e me encarou. Com os olhos tão frigidos e vazios quanto os meus já foram.

- Existem vários desses.... - me interrompi, ainda não, não posso falar o que era aquele lugar - Existem vários desses lugares ruins, mas não perca sua fé se preocupando com isso. Mesmo que quisessem, eles não poderiam impedir o que causou essas cicatrizes.

Eu disse.

Finalmente contei para alguém, mesmo que muito por cima, eu consegui falar sobre aquele lugar horrível.

Depois de todo esse tempo, ninguém realmente me perguntou como me sentia depois de passar por aquele, não querendo saber de verdade. É claro passei por inúmeros psicólogos, médicos, até mesmo pessoas queridas, que me perguntavam isso, mas não era a mesma coisa.

Não acredito muito em médicos e psicólogos que queiram muito ajudar os pacientes, sempre achei e ainda acho que muitos deles - não todos claro - estão interessados mais no dinheiro do que no paciente em si.

Eu até tentei falar com o grupo algumas vezes sobre aquele lugar, mas sempre trazia uma memória dolorosa para cada um, e para falar a verdade, já bastava eu estar me afogando, não queria e não quero que eles se afoguem junto comigo.

As vezes, eu acho que nenhum de nós aguenta mais estar vivo, mas mesmo assim tentando firmemente aguentar uns pelos outros. Mas o que isso nós torna, afinal?

O amor tem diferentes formas de infligir dor nas pessoas amadas. Nossa dor é aguentar o que sabemos que nos destroi para que os outros continuem em pé.

Isso ainda conta como autodestruição?

- Eles? - o garoto questionou, seu semblante ainda sombrio se fazia muito presente.

- Não importa - respondi - Eu contei muita coisa sobre mim, sua vez. - eu mudei o assunto, o garoto riu balançando de leve a cabeça.

- Acho que posso responder uma ou duas coisas que você queira saber, Amber - ele disse parando no corredor, eu me virei espantada pra ele, ele acabou de dizer meu nome? Como ele sabe meu nome?

- Como você descobriu? - eu perguntei, me aproximando dele sorrindo.

Ele sorriu de volta, dando de ombros para minha pergunta, ele voltou o corpo para mim, ficando bem de frente comigo e bem perto do meu corpo também, nossos olhares se encontraram por um tempo, seus olhos tomaram toda minha atenção naquele momento, como sempre fazem quando nos encaramos e assim uma de suas mãos repulsou no meu quadril. Do nada.

Me assustei por tal ato tão inesperado, mas ele não recuou, pelo contrário ele me surpreendeu ainda mais quando deu um leve puxão com sua mão em mim, fazendo meu corpo se encontrar com o dele, e sua mão que antes ficava no meu quadril se repulsar envolta da minha cintura.

- Não achou mesmo que eu iria deixar você ficar com a vantagem, não é? - ele sussurrou ao pé do meu ouvido, me provocando.

E então eu lembro dos pequenos momentos que tivemos nas manhãs no café, principalmente das provocadas e flertes sutis. Mas me recusei a tomar distância.

- Para falar a verdade, capitão - sussurrei de volta, dessa vez no pé da sua orelha, mesmo que eu tenha que ficar na ponta do pé para isso - Já estava contando a vitória, pensei até em te contar meu nome por dó.

Ri baixinho ao dizer o final, mas ele não riu, suas duas mãos contornaram minha cintura dessa vez e a pressionaram mais contra ele, ele aproximou mais o rosto do meu pescoço. Um sorriso maroto apareceu em meus lábios, quando inclinei mais minha cabeça para o lado, dando a ele um ângulo muito melhor, um sinal para avançar.

Porque quero saber do que ele é capaz. E também porque estou gostando muito desse joguinho, mesmo nunca tendo jogado esse jogo com ele.

Ele riu contra minha pele quando afastei mais minha cabeça, o incentivando a avançar, e ainda assim ele fez, roçando seus lábios pela minha pele, até chegar no nódulo da orelha.

- Você está brincando com fogo, Amber. - ele comentou mantendo o rosto perto do meu ouvido. Me deixando ouvir sua respiração irregular e profunda como a minha.

Um sorri apareceu novamente em meu rosto antes de dizer:
- Sorte sua eu gostar de um incêndio - ele não se importou em responder quando decidiu deslizar a língua por minha pele, beijando meu pescoço até o meu maxilar.

Esse jogo está indo por um caminho totalmente surpreso para mim. Quem diria que o garoto do café poderia me surpreender tanto.

Minhas mãos apertaram seus braços com força, e eu mordi meu lábio antes que um ruido preso a minha garganta escapasse.

O toque da sua pela na minha, sua língua, seus dentes, tudo nele me fez sentir um grande calor, de repente tudo o que eu sentia era seu toque abafado em minha pele quente como carvão em brasa.

Eu estava submersa em várias emoções de uma vez e ele estava submerso no meu pescoço. Quando uma grande e barulhenta sirene começou a tocar

O sinal das aulas!
Percebendo isso eu me afastei dele rapidamente e saí andando para o estacionamento antes mesmo do tsunami de alunos se dispersar. E na minha cabeça eu só conseguia pensar Meu. Deus.

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