CAPÍTULO 14.5

Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura.
~Charles Bukowski

**AMBER**

Ultimamente, muitos pensamentos degradantes têm rodeado a minha mente, me torturando da forma mais silenciosa e mais agressiva possível.

Às vezes, eu ainda me pego pensando naquela falha ideia de dar um fim na minha vida. Mas duvido que o universo, gostando de mim, daquele jeito que ele gosta, iria deixar eu me livrar de toda essa dor assim, tão rápido.

Isso tem acontecido, pois agora eu me encontro numa situação muito parecida com a que eu vivia até alguns anos atrás. Uma situação estressante e perigosa.

A gangue está esperando um posicionamento de mim em relação a Grayson, um posicionamento que eu não tenho. Grayson está esperando que eu monte um plano milagroso onde, de algum jeito, eu faça nós todos sairmos vitoriosos e os Guilards derrotados, sendo que os Guilards, não agora, mas mais tarde, se tornarão uma ameaça para mim e para qualquer pessoa de que eu gosto, e até agora, olhando para tudo isso que está sendo jogado nas minhas costas, eu nem sei se sobreviverei a minha própria mente para poder lidar com tudo isso.

Ultimamente tudo o que eu tenho vontade de fazer é desistir. Não sei mais pelo que eu estou lutando, e em alguns dias, ou meses ou semanas, nem sei se haverá algo que ainda valerá a pena lutar.

Tenho pensado muito no meu padrasto. Tenho pensado que já estou cansada de tudo isso, e que eu sou muito nova para viver tudo que eu já vivi.

Adolescentes da minha idade se preocupam com bolas de grife, garotos, a cor do esmalte que usaram no dia do baile, e eu... E eu tenho que lidar com um grupo de pessoas que se acham sociopatas mirins, alianças incertas, traumas psicológicos causados pelos meus pais...

Só tem sido muito difícil lidar com isso tudo ultimamente. E eu sinto que dessa vez, eu não consiga lidar com isso apenas conversando com qualquer um aqui.

- Por que você insiste em afiar esse maldito pedaço de metal? - Grayson provocou, apoiado a estrato da cama de Micaela, que afiava um pedaço de metal a parede inconstantemente.

- Porque eu vou enfiar esse maldito pedaço de metal em você. - Micaela grunhiu de volta para o loiro voltando a passar a pequena ponta de metal na parede, mas Grayson apenas riu a menina.

- Está deixando a lâmina muito fina, ela vai quebrar quando você tentar me empalar. - Grayson provocou novamente fazendo assim Micaela fungar.

Já fazia dois dias e meios que Grayson estava aqui. O bom é que essa convivência obrigatória entre ele e os meninos acabou gerando algo parecido com uma trégua.
Se é que podemos chamar isso de trégua.
Mas pelo menos até agora ninguém tentou matar ninguém aqui. Então eu estou feliz, ou algo assim.

- Sabe, amor ... - Grayson indagou se sentando ao meu lado na cama - Eu respeitei todo esse seu momento autodepreciativo por dois dias inteiros - ele disse apontando o dedo para mim e meu estado deplorável fazendo uma careta - Mas eu suspeito que logo aquela porta vai se abrir, e eu pretendo continuar vivo quando passar por ela.

Revirei os olhos por puro reflexo. Ele acha que é fácil assim criar um plano onde eu o faça ficar vivo depois do Guilards falarem abertamente que ele é um alvo? Ele sabe o quanto ele desperta o desejo assassino nas pessoas desse lugar? Eu tenho certeza de que metade dos detentos daqui tem fantasias maravilhosas só de pensar nisso.

- Sabe Grayson, eu odeio quando você abre a boca - eu fiz questão de jogar meus cabelos para um único lado. Como está quente aqui! - Você começar a falar e eu já quero revirar os olhos. - funguei me abanando com uma das mãos.

Grayson levantou de leve as duas sobrancelhas repuxando um sorrisinho do canto de seus lábios. Aquele tipo de sorriso deixava seus olhos mais azuis que o normal, porque ele só mostrava aqueles raros sorrisos quando via uma oportunidade na sua frente.

- Se estiver entediada, eu poderia mostrar outras coisas que eu sei fazer com a minha boca, garanto que elas também farão você revirar os olhos, amor. - ele ronronou pegando com os dedos uma mecha do meu, trazendo seu rosto para perto do meu.

Eu funguei novamente, colocando minha mão em seu peito e o afastando de mim, enquanto o desgraçado ria da minha falta de paciência para lidar com ele.

- Você me esgota, sabia? - o questionei, e ele riu.

- Estou vendo, mas ainda estou esperando uma solução surgir do seu cérebro milagroso, para nos livrar daquela nossa pequena situação com os Guilards.

Eu gostaria de surrar muito a cara de Grayson agora, mas acredito que não valeria a pena encostar minha linda mão no rosto, infelizmente bonito, de Grayson.

Isso não me impediu de acertar uma pequena e fraca cotovelada pouco abaixo das suas costelas. Nós dois estamos sentados lado a lado, posições essas que me davam plena liberdade de golpeá-lo.

- Se você parasse de falar talvez pensasse em algo. - eu grui irritada. Grayson revirou os olhos voltando a se sentar ao meu lado, com uma das mãos na área onde eu o golpeei.

- Que linda essa sua pequena demonstração de afeto. - ele disse sarcasticamente.

Normalmente eu ignoraria o que Grayson respondeu, mas.... Ele disse algo de útil, pela primeira vez. Demonstração. A palavra saboreou meu pensamento. E se...

- Você... Diga isso de novo! - eu exclamei impulsiva para Grayson.

- O que?...- seu rosto expressou pura confusão - Que linda essa sua pequena demonstração de afeto?

É isso! Demonstração.

- É isso! Vamos começar por aí. - eu me levantei rapidamente chamando a atenção de todos no quarto com isso - Eu sei qual vai ser a nossa primeira jogada com os Guilards. Vamos fazer uma demonstração!

◇◇◇

As portas foram abertas hoje cedo. Não havia mais tempo para discussão, hoje nós iniciaríamos o plano contra os Guilards.

Certo, tudo iria dar certo.

Pelo menos era isso que eu falava para mim mesma enquanto eu e Grayson andávamos silenciosamente pelo corredor vazio até o refeitório.

Esse, com certeza, é o plano mais arriscado que eu já tive, e olhando para trás eu tenho um longo histórico de planos arriscados.

Tudo que acontecer daqui pra frente depende do desfecho de hoje. E eu estou completamente surtando.

Grayson e eu vamos, oficialmente, declarar uma aliança entre nós dois, na frente de todo o reformatório!

É maluquice? SIM! A gangue está de acordo? Com certeza não.

Mas eu e Grayson sabemos que os Guilards mais cedo ou mais tarde vão se tornar um empecilho para nós. Independente de estarmos juntos ou não. Ele entende isso. E sabe que nós precisamos dar o primeiro golpe se quisermos ter chance de alguma vitória no final.

Mesmo que a gangue não tenha entendido tanto isso.

- Você devia tentar controlar mais aquele circo que chama de gangue - Grayson instigou, quebrando o silêncio desconcertante que mantínhamos entre nós.

Eu sei que ele se referia a pequena discussão que se formou no quarto quando eu comecei a contar o plano.

- Grayson - eu resmunguei me virando para ele - Não me tente a cortar sua garganta agora mesmo. - eu semicerrei meus olhos para ele - Afinal, eles são sua gangue também.

- Sabe é isso que eu nunca entendi. - ele indagou irritado - O porquê você sempre os protegeu tanto.

O momento era sério, mas eu não me contive em instigá-lo mais.

- Estou fazendo você se sentindo isolado Grayson? - o provoquei - Está querendo que eu te proteja também? - disse fazendo um biquinho.

Grayson revirou os olhos e voltou a olhar para frente do corredor.

- Só estou dizendo que eles são um empecilho no seu caminho muitas das vezes.

Eu o encarei começando a me preocupar. O rumo que essa conversa está tomando não é algo que me agrada, principalmente pelo fato de Grayson estar usando um tom causal comigo que normalmente não existia.

- Não me olhe assim, você sabe que é verdade, eles negam suas escolhas, desobedecem aos seus comandos, e aqui, entre eles e você, é você que manda.

Estou realmente começando a ficar preocupada, principalmente porque o que Grayson acabou de falar, de algum jeito, me chamou a atenção.

Mas não é assim que as coisas são, pelo menos não é assim que eu as enxergo.
De qualquer forma, não tem espaço na minha cabeça para me preocupar com isso agora.

- Então me desculpe se eu não entendo a sua burrice em protegê-los. - concluiu ele mantendo a caminhada.

Mesmo a essa altura ainda é estranho perceber que a maioria das pessoas ainda não entendiam o motivo pelo qual eu escolhi o Jonas, a Micaela e o Jesus como a minha gangue.

- Eu os protejo porque as pessoas que gostamos vem em primeiro lugar, Grayson.

Eu respondi com sinceridade para ele, coisa que eu não fazia sempre, principalmente com ele.

Mas ultimamente... Eu não sei. Só parece que aos poucos Grayson tem deixado pequenas partes das paredes que o cercam caírem. E parece que finalmente eu tenho a chance de conhecer um pouco desse garoto que ele esconde atrás da máscara.

- Essa é a maior baboseira que eu já ouvi, você acha que eu cheguei até aqui protegendo os outros? - caçoou ele cruzando os braços - Aqui vai uma dica de ouro. Não confie em ninguém principalmente naqueles em que acha que pode confiar.

A princípio eu estranhei.

- Está me dizendo... - ele me interrompeu.

- Não confio em ninguém, Amber. Às vezes, desconfio da minha própria sombra. - sua voz saiu tão frio quanto o inverno nesse lugar.

Eu enruguei meu nariz.
Era assim que ele pensava? Que não há ninguém que se pode confiar de verdade?

Eu tenho problemas em confiar nas pessoas, mas eu sei por que tenho essa reserva. A negligência da minha mãe, o abuso do meu padrasto, minha maturidade precoce.... Enfim, eu só me pergunto o que será que aconteceu com Grayson para criar esse tipo de trauma.

Porque eu tenho problemas para confiar nas pessoas, mas ainda assim confio em algumas, mas Grayson mostrou que não confia em ninguém.

- Isso me parece um pouco solitário, nunca poder confiar em alguém de verdade. - o instiguei. Grayson deu de ombros descruzando seus braços e deslizando suas mãos até os bolsos da calça azul marinha folgada dele.

- Às vezes é, mas a vida é mais.

Essas foram as palavras finais dele.

O corredor parecia ficar cada vez maior e o nosso destino cada vez mais longe, nos travessávamos as luzes das janelas num silêncio angustiante. E por isso senti-me na obrigação de dar uma resposta a ele.

- Aqueles três... - eu retomei - Eu me vejo neles. A vida difícil, pais ausentes ou negligentes, sei dos traumas deles assim como eles sabem um pouco dos meus. Só pensei que, nunca fui protegida por alguém, e não queria isso pra eles. Por isso eu os protejo, porquê não desejaria um mundo de incertezas e medo para ninguém. - respondi sentindo uma alegria gratificante se espalhando-se por meu corpo - Eles sabem qual é a pior parte de mim. Assim como eu sei qual é a deles. Eu os protejo, assim como eles passaram a me proteger - eu indaguei indiferente - Talvez não pareça muito para você, mas eu valorizo as pessoas não me deixam quando preciso.

De repente nos dois paramos de andar.
Estávamos em frente a porta fechada do refeitório.

Grayson respirou profundamente, fazendo seus ombros subirem e descerem, liberando a tensão de seu corpo.

- Você acha mesmo que isso vai dar certo? - ele me questionou tomando a minha frente.

Não vou mentir, já esperava essa hesitação dele. O plano realmente não é o melhor de todos, e entre nós dois, eu não sei quem está correndo mais risco.

Os Guilards querem Grayson morto a todo custo, e se eu me aliar a ele, eu sei que serie a próxima. Mas não posso correr o risco de conviver com os Guilards. Não depois de descobrir que Marcus está vivo. Sem ter ideia alguma se eu posso ou não virar um alvo deles.

- A corda está no seu pescoço não no meu. Então me diga você, acha que isso pode dar certo? - eu questionei cruzando meus braços.

Eu ainda não sei se posso realmente confiar em Grayson, mas algo em mim quer que eu o faça.

- Pela primeira vez, estou confiando minha vida em você, amor. Não me desaponte.

Eu senti o peso que aquelas palavras traziam e eu sei o peso que elas deixariam em mim.

"Não confio em ninguém, Amber. As vezes desconfio até da minha própria sombra."

Nós empurramos as portas do refeitório e lado a lado nós entramos pelo refeitório.

◇◇◇

Os olhares dos detentos levantaram em uma onda silenciosa se viraram para nós. Consequentemente os cochichos aumentaram também.

Enquanto caminhávamos entre os corredores das mesas eu fiz questão de procurar a mesa onde aquele ruivo e sua gangue mirim estavam.

Localizados na minha esquerda, lado oposto de onde Grayson caminhava. Eu sabia que tinha que agir.

Rapidamente levei minha mão esquerda ao cabelo, fingindo o ajeitar, e nesse movimento virei levemente meu rosto na direção da mesa deles. O ruivo me encarava mal.

Fiz questão de piscar em sua direção enquanto eu e Grayson os passávamos.

- E então - Grayson voltou a falar - O que você acha que vai acontecer depois disso?

Ele estava visivelmente tenso, mas agora não havia como desistirmos, estamos desfilando por todo refeitório juntos, sem nenhum indício de briga, até mesmo os mais burros dos detentos entendiam o que estávamos fazendo.

- Bom acho que agora vai ficar bem claro que você está do meu lado, então obviamente aquele ruivo e sua ganguezinha, vão comunicar Marcus o quanto antes que agora ele me tem como uma inimiga.

Eu não tinha como garantir com cem por cento de certeza de que isso ocorreria, mas tudo aquilo era um jogo de probabilidades.

- E o que acontece então? - Grayson indagou calmo, mantendo seu olhar para os detentos à nossa frente.

Eu estava com medo dessa pergunta.

- Uma guerra. - respondi certeira. A verdade é que existiam muitos cenários de desfecho para essa história, mas em nenhum deles uma guerra não era uma opção.

- Como pode ter certeza disso? - Grayson perguntou com neutralidade, mas eu sabia que no fundo ele estava receoso.

- Porque eu conheço Marcus. - indaguei - Ele vai esperar para que nós demos o primeiro golpe, como eu o ensinei. Espere seu adversário atacar e então o derrube com o próprio golpe.

Não vou dizer que me arrependo de ter virado o tipo de pessoa que planejava esse tipo de coisa, que planejava como acabar com uma possível ameaça se possível. Afinal, esse era o script da máscara que eu tinha que seguir.

- Então vamos atacá-los? - ele questionou novamente com um tom de surpresa na voz.

- Não - eu disse virando minha cabeça para ele lhe dando um sorriso malvado - Vamos jogar um pouco com eles primeiro antes de dar o xeque-mate inicial.

Grayson replicou o sorriso em seu rosto. E com calma, fomos reduzindo nossos passos até que em um momento paramos em pé próximo do meio do refeitório.

- Hora da demonstração. - eu acentuei.

Grayson e eu não tínhamos nada demais programado, apenas concordamos em mostrar que estávamos juntos, talvez um aperto de mão, talvez um abraço, nada demais.

Mas quando eu comecei a me aproximar dele, ele disse:
- Eu tenho uma ideia melhor.

Isso me fez parar na hora, mas Grayson foi rápido em disfarçar minha hesitação passando seus braços pelos meus, e seguindo para a minha cintura.

- O que você está fazendo? - questionei espantada, mesmo não podendo demonstrar.

Eu não posso estragar a encenação.

- Algo que realmente vai fazê-los acreditarem em nós - ele disse confiante - Por favor amor, por favor, não me mate por isso.

Ele disse e em seguida seu rosto se aproximou do meu rapidamente e depois disso tudo aconteceu muito rápido, o seu olhar descendo para meus lábios, uma de suas mãos em meu rosto, minhas mãos nele... No final eu apenas sei que estávamos nos beijando.

Eu não sabia se me soltava e enfiava a minha mão na cara de Grayson ou se eu continuava com aquele beijo e toda aquela encenação.

Grayson é a tentação em pessoa. E eu não vou negar. Da vez que eu e Grayson nos beijamos foi muito bom. Mesmo eu negando isso para mim muitas das vezes.

Então eu concluo que, se já estamos na merda, por que não continuar?

Os lábios quentes de Grayson se encontraram em correta harmonia com o meu e não só nossas línguas como nossos corpos pareciam se entender muito bem.
Mas algo parecia estar faltando...

Deixei esse pensamento de lado quando Grayson afastou seus lábios relutantes dos meus. E mesmo que não estivéssemos mais nos beijando, as mãos dele ainda continuavam ao meu redor.

Um detento jovem, baixinho e pálido se tremia na nossa frente, ele tinha cutucado Grayson diretamente para chamar sua atenção. O garoto me surpreendeu quando fez um gesto para que Grayson se aproximasse dele.

Eu o encarei, e ele parecia tão confuso quanto eu, mas em um consenso entre nossos olhares decidirmos que não era um risco se aproximar do garoto.

Grayson se abaixou a altura do garotinho que não parecia ter mais de 13 anos, e o garoto cochichou na orelha dele e depois se afastou correndo.

Grayson se levantou e me encarou com uma sobrancelha levantada.

- O que foi? - questionei

- Ele quer falar com você. - Grayson apontou com o olhar para a mesa do ruivo - Você vai falar com ele?- encarei o ruivo raivoso novamente e depois dei de ombros.

- Não. - respondi rapidamente, o que causou um estranhamento no garoto - Regra número um: não se negocia quando se está em desvantagem. Vamos ganhar alguma primeiro - eu sorri para ele e depois nós dois saímos em direção para fora do refeitório.
De mão dadas.

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