CAPÍTULO 14

Não, eu não odeio as pessoas.
Só prefiro quando elas não estão por perto.
~Charles Bukowski

**LOGAN**

Jonas andava apressadamente na minha frente, sem dizer uma palavra desde que saímos do refeitório. Ele não disse absolutamente nada sobre o porquê ele precisa justamente de mim ou para onde vamos ou o que estamos perto de fazer.

Nessa situação eu não sei o que é mais bizarro, eu ter concordado em seguir o Gonzalez, mesmo sem ter nenhum tipo de amizade ou qualquer coisa do tipo com ele, ou o fato dele estar tão agitado e tenso me guiando por esse corredor.

Eu não faço ideia do que está acontecendo, mas de uma coisa estou certo, Jonas está desesperado.

E isso é extremamente ruim porque as pessoas julgam conhecê-lo como o inteligente, o discreto, e silencioso. E esse Jonas, não está aqui agora, porque aquele Jonas nunca teria me pedido para segui-lo na frente do time, ou no meio do refeitório. Ele não teria chamado tanta atenção.

Então a única coisa que eu consigo pensar é que algo muito sério está acontecendo.

- Espere Gonzalez - eu avancei segurando seu braço o impedindo de continuar a andar, ele fuzilou minha mão em seu braço antes de seus olhos encararem os meus - Agora é sério, não tem mais ninguém aqui, me fale que merda está acontecendo. - eu apertei seu braço quando ele tentou recuar.

- Não temos tempo, Harper. - ele indagou zangado tentado se virar. Espera isso era uma mancha vermelha na blusa dele?

- Bom, então encontre tempo para essa loucura - eu esbravejei igualmente. Só não esperava que minha fala ressoasse tão alto no corredor que poderia atrair a atenção do reitor Cox, que coincidentemente passava naquele estante no final do corredor 

- Que merda! Venha, entre aqui.

- O que...

Eu empurrei Jonas para a sala de aula mais próxima e fechei a porta em seguida silenciosamente.

Eu não estava na lista de melhores alunos de Cox e acredito que Jonas também. Então acredito que o reitor de nada gostaria, ao ver dois de seus alunos menos prediletos vagando pelos corredores vazios da Phillipez.  

- Shii - eu disse fazendo um sinal de silêncio para Jonas ao meu lado. 

Eu me espreitei na porta para observar pela janelinha se havia algum sinal do reitor. Jonas por outro lado, cruzou os braços e fungou me encarando com incoerência.

- Por que está escondendo-se do reitor?

- Não interessa - disse me afastando da porta - Agora, a menos que você queira que o reitor Cox fique sabendo sobre, seja lá o que você estiver preste a fazer, eu ficaria em silêncio. - eu impus a Jonas, que tencionou ao ouvir o nome do reitor. 

Eu admito que Cox não é a pessoa preferida dos estudantes daqui, mas eu sabia que Jonas, sua irmã e até mesmo Jesus não se davam nada bem com o reitor.

Então quando seus olhos se aproximaram da janelinha, ficando ao meu lado, nós dois observamos o reitor passar por nós. Curiosamente ou não, o reitor parecia estar procurando algo por ali com bastante afinco, mas eu me preocuparia com isso em outro momento. 

Esperamos em silêncio alguns minutos se passarem antes de nós dois abrimos a porta e encararmos os dois lados corredores.

Eu tinha percebido nesses poucos minutos a tremedeira nas pernas de Jonas, e vi um curioso machucado avermelhado nos dedos de sua mão, enquanto sua mão contornava o grande número tatuado em seu pulso. O que diabos está acontecendo com esse garoto? 

- Acho melhor você me contar logo que merda está acontecendo, Gonzalez. Ou a próxima pessoa que terá que explicar seus problemas será o reitor Cox, não a mim.  - eu ameacei.

Jonas se virou igual um tornado para mim, largando de mão sua postura educada. Ele partiu para cima de mim, me segurando pelo colarinho da blusa. Fazendo a pequena corrente com o pingente de cruz, que contornava meu pescoço, balançar.

- Se você contar qualquer coisa sobre isso ao reitor, Harper, garanto que quando eu acabar com você nem seu Deus o reconhecerá.

Eu devia estar espantado com o fato da voz de Jonas ter ficado tão fria, ou por ter observado que ele pegou na gola a minha blusa com força e precisão que mostravam que não era a primeira vez que o rapaz fazia esse movimento, ou talvez até mesmo, pelo fato de sua postura, ombros e braços, terem tencionado e o seu rosto ter se tornado um maciço bloco de concreto, mas eu de alguma forma já havia me acostumado com esse tipo de pessoas.

A questão era, como Jonas teria se tornado um deles?

- Eu sou ateu - disse repuxando a boca em um sorriso maldoso - Fique a vontade. - eu levantei uma de minhas sobrancelhas em desafio. 

Jonas me encarou ainda com o olhar zangado, mas eu vi seu olhar rígido se suavizar, ele fungou novamente e largou as golas da minha blusa. E só agora eu percebi o quanto a proximidade dele comigo me incomodava.

Eu não desgosto das pessoas, só prefiro elas longe de mim.

 Jonas se afastou alguns passos de mim e esfregou as mãos nos cabelos antes de me dizer:
- É o Jesus, ta legal! - ele disse como se tivesse engasgado com aquilo - Jesus está acontecendo. E como eu já disse, nós precisamos da sua ajuda. - ele nem esperou eu analisar o que acabou de dizer antes de abrir a porta devagar, chegar se o diretor ainda estava pelo corredor e depois voltar a andar rápido.

Eu posso jurar que sua voz tremeu por um momento.

Mas pensando sobre o que ele falou, agora tudo até faz um pouco mais de sentido. Ele e Jesus são unha e carne. Por isso eles está tão agitado, ele está preocupado com o amigo. Mas o que aconteceu com ele? E quem é o nós que Jonas se referiu?

- Nós? - perguntei voltando a acompanhar seus passos.

- Sim, nós. Me ajude a pegar a caixa de primeiros socorros na reitoria que, talvez eu te explique tudo depois - ele continuou a correr. Espera, ele acabou de dizer uma caixa de primeiros socorros?

- Uma caixa de primeiros socorros?! - eu parei abruptamente esbravejando, e eu achando que é algo importante. - É para isso que você quer minha ajuda? Quer saber, eu vou voltar para o refeitório. - eu ponderei, girando meus calcanhares ao lado oposto do qual estava indo.

- Você não vai voltar porra nenhuma! - dessa vez Jonas que esbravejou, segurando meu pulso - Jesus está machucado e precisa muito daquela maldita caixa porque não podemos levá-lo para a merda da enfermaria e você vai me ajudar a pegá-la porque é o único que sei que pode distrair a secretária por tempo suficiente para eu fazer isso! - ele continuou furioso.

Reparando bem em suas expressões dele, o olhar vidrado, os ombros tensos, seu peito subindo e descendo rápido, ele não está furioso, ele não está preocupado, Jonas está apavorado, chego a dizer que está até desesperado.

Agora acho que eu entendo, ele e Jesus, pelo visto, são muito mais do que amigos que dividem alguns segredos, Jonas está preocupado como se Jesus fosse seu irmão. Talvez eles fossem mesmo. Algo muito sério deve ter acontecido, porque apesar de todo o tempo que eu conheço o Jonas eu nunca o vi perder a razão como agora.

Suspirei. Posso não conhecer os dois, mais reconheço a necessidade de proteger aqueles amamos, e conheço o sentimento de impotência, por isso voltei a andar na direção da secretária, e Jonas não pestanejou e nem fez perguntas no momento em que me acompanhou pelo trajeto.

- O que houve com ele? - intercalei a voz em um tom mais grave.

- Está ferido. - foi tudo o que ele respondeu. Como se achasse que dizer isso seria o suficiente.

- Já sei disso. - retruquei.

- Escute Jesus... Isso é complicado - Jonas manteve o controle da sua voz - Ele tem seus próprios problemas para lidar, assim como todos nós, mas agora precisa da minha ajuda. Se você está duvidando da minha palavra posso te levar até ele quando pegarmos a maldita caixa, mas temos que ir logo! - ele aumentou a voz, claramente pensar no amigo ferido não está o deixando bem e eu não estou ajudando muito.

Ele esfregou com menos descuidado a tatuagem no pulso.

- Lo giuro, non so perché diavolo ha detto che avresti aiutato - (eu juro, não sei porque raios ela disse que você iria ajudar). - ele ponderou em italiano enquanto esfregava as temporadas tentando manter o foco.

Meu italiano era bem fraco, mas tenho quase certeza de que ele se referiu a uma ela.

- Espera, ela? Ela quem? - franzi o cenho, ele parecia mais confuso ainda por perceber que eu o havia entendido tudo, ou quase tudo.

- Amber - ele rosnou - Agora vamos você precisa distrair a secretária pra eu conseguir aquela caixa. Consegue fazer isso para mim, Harper? - ele questionou e eu assenti por impulso.

Acho que acabei de descobrir o nome da garota do café. E é com esse pensamento que sorriu caminhando em direção ao balcão da reitoria, onde a secretária do diretor se encontrava.

◇◇◇

Não era segredo que havia uma caixa de primeiros socorros na sala da reitoria, caso por algum incidente a enfermaria não estiver ao alcance. O pessoal da secretaria a mantinha no pequeno armário um pouco atrás da mesa da secretária, o problema seria pegá-la sem que a secretaria percebesse.

A secretária de plantão por sorte era apenas uma "substituta" da antiga secretária, a senhorita Millers que teve ser afastada por "problemas pessoais". Mesmo todos sabendo que ela foi afastada por ter relações extracurriculares com um aluno - muito rico por sinal - rico o suficiente para abafar o caso e a pobre da secretária foi quem pagou o preço.

O bom das substitutas era que elas entendiam rápido o suficiente como a Academia Phillipez funciona e que aqui não é o diretor que manda. E sabem que o dinheiro precioso de nossos pais é bem mais importante do que a opiniões delas.

Me aproximei do seu balcão, a concentração dela foi desviada do computador a mim no mesmo segundo, posso jurar que ela tremeu um pouquinho, ou talvez tenha sido apenas impressão do meu ego.

- Senhor Harper, como posso ajudá-lo? - ela perguntou, seu olhar vibrava por trás das lentes.

Desviei rapidamente meu olhar para a porta na lateral do balcão onde Jonas estava um pouco para trás do batente.

- Preciso de uma cópia do meu itinerário, e a lista das minhas presenças desde o começo do ano. - eu improvisei, voltando meu olhar a ela. Seu olhar foi de sofrimento. Realmente não seria fácil caçar tudo aquilo no computador.

- E para que você precisa de tudo isso? - ela questionou desafiadora, minha expressão tediosa não a fez recuar, superei vendo que Jonas estava indo em direção ao armário onde a caixa de primeiros socorros estavam em uma velocidade de lesma. Ele não podia ir um pouquinho mais rápido?

- Carter quer ter certeza de que eu não estou mais pulando o muro da escola pra faltar as aulas. De novo. - a postura desafiadora da secretária caiu, o nome de Carter normalmente tem esse efeito.

Enquanto ela suspirava deslizando para o computador, meus olhos foram para Jonas que parecia perplexo pelo que ele acha que foi desculpa que contei. Quem me dera ser desculpa. Não continuei esse pensamento, e mandei o olhar exaltado para ele continuar o que estava fazendo.

Ele despertou e continuou andando cautelosamente até o armário, meus olhos estavam fixos em cada movimento que ele fazia. Ele se abaixou na altura do armário e puxou a portinha onde a caixa estava. Ela rangeu.

Nesse momento meu coração errou uma passada e depois acelerou até as alturas, por um segundo vi tudo dando errado. Por sorte eu fui mais rápido que a secretária e bati no copinho de água dela que estava na parte alta do balcão e gritei.

A água voou quase toda na sua camiseta social e um pouco pegou no teclado do computador. "Oh me desculpa, eu sou muito desastrado" eu disse ajudando a secretária a se levantar e secar o teclado. Um olhar foi tudo que dei a Jonas, era a chance dele. Por sorte isso ele entendeu, pegou a caixa cuidadosamente, fechou a portinha do armário que não rangeu desta vez e saiu correndo, muito rápido.

- Me desculpe mesmo pela água, a senhorita deve estar bem ocupada agora né? Quer saber, eu volto mais tarde. - eu disse saindo, sem dar a oportunidade de ela opinar, a única coisa que ouvi foi seu suspiro de frustração.

Virei rápido a direita encontrando Jonas parado com a caixa na mão.

- Você não poderia ter tomado mais cuidado? - eu bravejei sussurrando para não ser muito ouvido. Jonas se manteve calma segurando a bendita caixa firme, ele começou a caminhar e eu o segui seja lá pra onde estamos indo.

- E eu tinha que adivinhar que aquele armário é tão velho que a porta rangeria? - ele perguntou ironicamente erguendo a sobrancelha, me surpreendendo.

O pouco que vi de Jonas é que ele não é um cara muito expressivo, pelo menos não com os outros. Essa demonstração de seu lado sarcástico é algo... novo e sem dúvida surpreendente.

- Sorte sua que eu sou um ótimo improvisador. - eu comentei puxando um sorriso.

Era estranho, mas... Eu realmente estava me divertindo com tudo aquilo. E fazia muito tempo desde que eu sentia alguma coisa na escola que não fosse desanimo ou pressão.

- Você está devendo uma blusa nova para aquela secretária, cara - ele comentou sorrindo, ele segurava a caixa mais próxima ao peito, que parecia escorregar em suas mãos.

- Pelas minhas contas quem está devendo algo para alguém aqui é você, e está me devendo muitas, aliás. - eu balbuciei - Ela provavelmente vai entregar aquelas merdas diretamente pro Carter. É bom você inventar uma ótima desculpa pra mim usar com ele, já que me botou nessa roubada. Carter vai me encher até que eu diga algo que faça sentido a ele sobre esses papéis ridículos.

- Não sabia que você frequentava o Carter - ele ponderou, dei de ombros, virando ao corredor da esquerda junto a ele - Pulando o muro da escola? Sério? - fingi um sorri dando de ombros de novo, me mantendo indiferente até que Jonas continuou - E sobre estar te devendo... - eu o corto

- Muitas.

- Muitas. - ele repetiu a contragosto - Pode colocar todas na conta de Jesus, ele não vai se importar mesmo, já está me devendo uma vida de favores. - ele continuou, eu gargalhei com isso, o mesmo me acompanhou.

- Eu não imaginava que vocês eram tão amigos. - soltei.

- Sério? - perguntou com uma cara de incredulidade bem realista no rosto - Você disse bastantes coisas de nós para Amber antes dela nos ver no refeitório - eu ergui minhas sobrancelhas surpreso por ele saber disso - Ela disse que você se auto intitulou saber de muitas coisas sobre todos - ele comentou debochadamente e eu me permitir rir.

Era verdade, eu podia achar a escola um atraso na minha vida e um lugar totalmente desnecessário, mas se eu tinha que comparecer na Phillipez, pelo menos faria esse tempo valer de algo. E o grupo dos exilados eram um grande atrativo para mim na época.

- Além disso, você observa bastante quando eu e Jesus estamos no vestiário - meus olhos se arregalaram um pouco - O que? Acha que você é o único que é bom em disfarçar as coisas?

O maldito abriu um sorriso verdadeiramente cruel nos lábios. Eu retribui o mesmo sorriso. Porque estou gostando desse jogo que entramos.

- Eu não diria isso dessa forma, mas eu sou um ótimo ator. - conclui.

- Ótimo mesmo, sua atuação no refeitório hoje foi muito boa, na verdade, a sua atuação para todo colégio é mui... - minhas expressões foram sumindo do meu rosto, até que eu parei de segui-lo, ele também parou de andar se virando pra mim.

- Eu não sei do que você está faland... - comecei, mas ele interrompeu

- Nem mesmo tente - contrapôs ele - Não estou pedindo para se explicar, só estou dizendo que seus deslizes são quase mínimos quando você usa essa máscara. - essa palavra nunca pareceu tão desconcertante como agora - Conheço algumas pessoas que demoraram muito tempo para conseguir chegar a esse ponto. - ele concluiu dando um aceno com a cabeça para continuar o seguindo.

Eu nunca, em todos os meus anos na Phillipez, deixei que alguém percebesse ou ao menos presumisse que eu escondia algo. Jonas ser o primeiro a presumir isso, me deixa muito alarmado.

- Eu não uso uma máscara - eu neguei novamente.

- Negue para mim o quanto quiser, mas nós dois sabemos que é mentira.

Eu queria o mais urgentemente mudar de assunto e talvez me afastar de Jonas também, não necessariamente nessa ordem.

- Você parece saber bastante sobre esse assunto não é, Gonzalez? Isso me faz pensar que talvez seja você que tenha uma máscara. - retruquei quando voltei a andar do seu lado. Dessa vez ele quem gargalhou.

- Vamos Harper, Jesus está por ali. - ele diz apontando para o portão da quadra. Espera ele está na quadra de basquete? - Isso é, se você ainda quiser confirmar que não estou mentindo.

- E livrá-lo da minha companhia? - contestei com ironia, tomando sua frente abri a porta para que ele passasse com a caixa que segurava com as duas mãos - E apenas para você saber, eu soube desde o começo que você não estava mentindo, sua máscara caiu assim que você pôs os pés no refeitório. - disse assim que ele passou por mim seguindo até o vestiário desativado do time de basquete.

O vestiário onde os caras do time tentaram fazer a iniciação com ele e Jesus, ainda estava em reforma depois da destruição que fizeram. Ele e Jesus quero dizer.

Jonas chegou a me desestabilizar agora mais cedo, acho que seria justo fazer o mesmo com ele agora. Jonas parou e me encarou por um segundo com seriedade, mas ele voltou a caminhar em direção aos vestiários. Mesmo com minhas dúvidas, o segui em silêncio até a porta.

- O que você ver vai ficar aqui, certo? - ele questionou parando em frente a porta. Eu não sei o que me esperava atrás daquela porta, mas eu assenti.
Não poderia ser muito pior do que as coisas que eu já via diariamente.

- Mesmo que contasse a alguém duvido que acreditariam em mim. - eu comentei o induzindo a acreditar na piada.

Jonas revirou os olhos, então encarou a porta e bateu.

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