Viagra em Cápsula

PARADISE HOLLOW HIGH SCHOOL, 06:15 DA MANHÃ

Para uma mulher que passou toda a sua vida na cidade grande, terminando seus estudos em Universidades de renome e desbravando o metrô lotado de Chicago todas as noites, era difícil chegar a um local que o barulho mais alto durante as manhãs de movimento de pessoas fosse o garotinho do jornal. Naquele dia, a ruiva fazia um mês de quem estava realmente como uma moradora do local, e não sabia dizer se já tinha se acostumado ou não, mas definitivamente era diferente.

Estava acostumada a acordar bem mais cedo do que seu horário de entrada no serviço, uma vez que o trânsito de Chicago não a permitiria chegar a tempo caso acordasse muito próxima da hora em que deveria trabalhar, e aquele hábito havia se perdurado, mesmo depois de ter se mudado. Ela sentiu o sedan cor de lima estacionar no espaço destinado a veículos para professores e alunos, quando os lábios do homem tocaram os seus. Seu marido conseguia ser lindo em qualquer traje, mas as roupas de treinador lhe davam um ar sexy diferenciado que a mulher não conseguia explicar.

— Bom, é hoje, como se sente? - perguntou ele, com as calças brancas e folgadas combinando com a jaqueta de mesma cor com detalhes azuis. Seu apito estava preso ao pescoço por um longo cordão laranja e seus cabelos castanhos rebeldes lhe davam um charme a mais. — Prometemos que você não ia vomitar, não é?

— Acho que prometi cedo demais. É assim que mulheres se sentem no parto? Acho que vou parir agora, ou só vomitar. Você tem algum saquinho de enjoo preparado, Andrew?

Andrew Giordanno, o novo treinador do time da escola deu um sorriso curto. Foi o bom humor dela que o conquistou ainda no primeiro encontro. Ele fez que não com a cabeça, se aproximando para tocar em seu rosto.

— Um beijo pode te acalmar, diretora Tarrish? - Ele era tímido, bastante, se lhe perguntassem, mas apenas sua ruiva era capaz de tirar seu melhor lado, e a intimidade que já tinham compartilhado tinha sido suficiente para derrubar qualquer muralha de timidez que pudesse atrapalhá-lo.

— Sim, acho que isso ajudaria bastante. - Ela deu um sorriso curto, sentindo os lábios contra os seus, relaxando todos os músculos de seu corpo.

Depois de um mês de treinamento, entendendo o funcionamento e a estrutura da escola, era o momento de Sadie Tarrish assumir como a nova diretora. Estava tranquila desde o início da semana, pois seu trabalho não deveria mudar muito. Exercia praticamente essa mesma função na Academy of Arts de Chicago, só não com o nome de diretora. Aquele não era seu primeiro dia de serviço, mas seria o primeiro dia em que a escola voltaria a estar cheia de estudantes, de um lado para o outro, preparados para voltar às aulas e iniciar outro longo ano letivo.

— Obrigada pelo apoio, meu amor. - Ela agradeceu. Não saberia o que poderia fazer sem o apoio dele.

— É pra isso que maridos servem, não é? - indagou com um sorriso de canto. — Agora, você vai pra sua sala com a cabeça erguida, esses jovens vão te adorar. E se não gostarem, que se dane. Ninguém gosta de adolescentes mesmo.

Sadie deu uma risada, concordando e pegando suas pastas para finalmente terminar de fazer sua mudança para a sala da diretoria. Aspirou o ar fresco daquela manhã e entrou pela porta da frente, visualizando os corredores que em breve estariam lotados de alunos. Aquilo a fez lembrar do tempo de escola. Queria fazer com que fosse um tempo especial para os alunos dali como a sua época, na escola em que estudou, tinha sido.

Ela abriu a porta com as costas e colocou os caixotes na mesa. Ficou tão ocupada durante o mês de Agosto reformando todo o prédio que esqueceu de arrumar suas coisas. Começou o trabalho, organizando tudo nas gavetas e ligando o computador para checar a distribuição dos alunos nas matérias e a agenda de professores. Foi quando sentiu um toque na porta aberta.

— Um minuto. - estava agachada, tentando conectar os malditos fios do aparelho à tomada. Não teve pressa, pois achava ser Andrew com mais caixotes para serem entregues e arrumados, mas quando levantou o olhar, viu que não se tratava dele, nem de nenhum outro funcionário da escola. — Posso ajudar?

O homem estava encostado na parede da sala, com as mãos nos bolsos da calça de seu terno. Ajeitou o paletó, dando um sorriso curto quando percebeu a surpresa dela em vê-lo ali. Era claramente uma novata. O nervosismo exalava dela como os hormônios em um adolescente.

— É pai de algum aluno? Sentimos muito, ainda não iniciamos o atendimento. Lorraine, minha secretária, não chegou ainda.

— Receio que não. - disse. — Ah, sei disso, mas a vi chegando, quis entrar para que pudéssemos ter uma conversa. - Ele se sentou na cadeira destinada aos visitantes, em frente à mesa de mogno da diretora. Sadie focou seu olhar. Algo nele não a atraía coisas boas. — Pude perceber que é novata nas redondezas, então permita me apresentar. Avery Baldwin.

Ele ergueu a mão, o anel de ouro em formato de caveira reluzindo em seu dedo. Sadie demorou um segundo, mas retribuiu o gesto, sentindo a palma do outro fria como um cadáver.

— Sadie Tarrish. - Ela falou seu nome, ainda receosa.

— Senhora Tarrish, então. - sorriu com escárnio. — Vim aqui para que possamos falar de negócios. Como deve saber, a escola média de Paradise Hollow fechou ano passado após o... escândalo. Os jornais tentaram ocultar os motivos...

— O escândalo do abuso em nossos arredores, eu sei. - Sadie não gostava de conversas vagas, muito menos de rodeios. — Um ato repudiável. Convidamos à vítima a retornar às dependências escolares, caso se sentisse confortável, ofertamos todo o apoio psicológico possível...

— Tenho certeza que sim. - Avery Baldwin a interrompeu. — Mas não é a isso que me refiro. Há um motivo para a escola não ter conseguido um novo responsável durante todo o mês, e confesso que fui pego de surpresa quando soube termos uma possível candidata tão... aplicada.

— Confesso que estou surpresa com seu interesse, senhor Baldwin. Se não tem algum filho ou parente em nosso corpo discente, fico intrigada com o motivo de seu... zelo para com o nosso colégio. - Sadie o encarou com firmeza.

— Agradeço o elogio. E sim, tenho renomada empatia por esses jovens. Todos, de fato, fomos adolescentes um dia e sabemos a importância de um ambiente escolar saudável. - respondeu. — Mas esse ambiente talvez já tenha esgotado suas funções. Essa escola não possui mais a necessidade de funcionamento. Deve estar ciente da atuação de um projeto nos limites da cidade, o projeto Gendrix. Planejamos tornar Paradise Hollow um novo condado, com condições mais dignas. Essa escola, claramente, não condiz com nossos padrões de...

— com todo respeito, senhor Baldwin. - A Sadie do passado teria o mandado tomar em um local nada apropriado, mas sua versão mais experiente sabia como lidar com tipos como aquele de uma forma ainda melhor. — Uma escola não é apenas um local onde jovens vem aprender ciências ou matemática, mas um antro de convívio social que os amadurece e cria relações. É importante que uma escola seja acessível a todos.

— Compartilho do seu pensamento, diretora Tarrish. - Avery se acomodou mais na cadeira, como se soubesse que levaria mais tempo do que o esperado para convencer Sadie do que quer que fosse. — Por isso, o Instituto Gendrix, a nova escola de Paradise Hollow, oferecerá diversas bolsas, talvez mais de dez. Tudo para que estimule o conhecimento. Os serviços do ensino dessa escola não são mais necessários. Por isso, minha empresa buscava comprar o terreno e a demolir, o que teria ocorrido, se de repente, uma recém chegada não estivesse ajudando esta... instituição enferma a respirar pela ajuda de aparelhos.

Sadie cruzou os dedos das mãos umas nas outras acima da mesa e aproximou seu rosto do recém chegado, finalmente entendendo onde ele queria chegar.

— Podemos até conversar sobre um posto a altura para a senhora dentro do novo Instituto. Diretora, como aqui, ou quem sabe uma posição menos difícil, mas com o mesmo rendimento financeiro. - ou seja. Pagar pra não trabalhar. Aquele rato estava mesmo a subornando?

— Desculpe-me, senhor Baldwin, mas está me subornando? Penso fortemente que não, pois caso estivesse, seria um crime. - Ela frisou a palavra. — E teria que denunciá-lo às autoridades competentes para lidarem com isso. Quem sabe ao próprio conselho educacional da Pensilvânia. - Onde seus subornos não atingem. Ela pensou.

— De forma alguma. - Avery coçou a garganta. — Apenas estou explicando a minha visão.

— Já explicou. Agora, pode me dar licença, por favor? Hoje é um dia muito atarefado. Os alunos vão retornar das férias de verão para esta escola, que está em pleno funcionamento. Então, se não tem mais nada a dizer...

Sadie deu um sorriso, apontando para a porta. Avery cerrou os punhos, claramente incomodado com um suborno falho, mas apenas arrumou os botões do paletó e acenou com a cabeça, deixando a sala. Tinha perdido por enquanto, mas a diretora Tarrish sabia que ainda viria a ter notícias dele. Ela deu um suspiro, cansado mas aliviado, e voltou a arrumar suas coisas. Quando colocou o nome "Sadie Tarrish, diretora" em letras douradas na porta, Andrew chegou na secretaria, com uma xícara de café em mãos. Certamente nem tinha percebido a entrada do visitante.

— Os corredores já estão cheios, preparada para o ano letivo, diretora? - Andrew perguntou com um sorriso nos lábios, desfazendo o clima pesado deixado no local pelo Baldwin. Sadie assentiu, sentindo ele segurar em sua mão e a girar em seu próprio eixo.

— Com certeza, treinador Giordanno. - Ela afirmou, voltando a sua sala e ligando o microfone, que faria sua voz ecoar em todos os corredores. — Bem vindos, alunos da Paradise Hollow High School. Espero que tenham tido um ótimo verão e tenham recarregado as energias, pois um novo ano está prestes a começar. Quero muita animação e o espírito escolar nas alturas. Vão, Archangels!

Na entrada do colégio, a multidão de alunos descia do ônibus escolar e se encontrava com aqueles que chegavam de outras formas: fosse a pé, de bicicleta ou em seus próprios carros. Os garotos com as jaquetas do time gritavam em satisfação ao se verem, dando abraços em grupo que mais pareciam um golpe diferente de sumô pelo aperto e agressividade. As líderes de torcida, conhecidas como Halos, se preparavam para o pré treino antes do primeiro horário, e atraiam atenção já vestidas com seus uniformes em tons verdes e azuis, recebendo assobios e olhares enquanto passavam. Amigos que se encontravam após o verão, até aqueles que se viram durante todo o período de férias mas sentiam uma alegria repentina de estarem ali, o habitat natural de onde aquela amizade se originou.

Sadie então saiu até o corredor, e pode ver a escola como sonhou em presenciar desde que fora aprovada para a função. Um corredor cheio, exalando alegria e animação pro primeiro dia. Ela acenou e distribuiu alguns sorrisos para os que a reconheceram como a nova diretora, uma vez que a apresentação formal só seria no ginásio durante a hora do almoço. Cruzou todo o espaço ao lado de Andrew, que já recebeu boas vindas ansiosas de seus novos jogadores.

— Não quero corpo mole de nenhum, ouviram? Vou levar a alma de vocês no treino hoje. Esse ano quero aquela taça para nosso mural, entenderam? - Ele apontou para os alunos, que assentiram. Alguns animados, outros amedrontados. Kyris e Wyatt soltaram um urro, pulando e batendo os peitorais.

Sadie balançou a cabeça, passando pelas chamadas classes sociais do Ensino Médio, todas bem expostas a olho nu. Os góticos, liderados por Coral Bourgeois, não desobedeciam o padrão de vestes por muito pouco. Eram cobertos de preto, com piercings pelo corpo e rosto, mechas coloridas de branco ou cores mais neutras, batons de tonalidade escura e um astral um pouco morto. As patricinhas estavam um pouco depois. Molly Kirkland usava tanto rosa que parecia ter saído de um filme da barbie. Ela sussurrava com as amigas, rindo quando alguma garota com um visual reprovável a seu ver cruzava seu caminho. Isso sem contar os considerados nerds, atentos ao horário, com projetos de ciência adiantados como maquetes e cartazes para iniciarem seus grupos de estudos antecipadamente. O romance também estava presente. Sadie percebia os olhares entre alguns meninos e meninas, outros estavam acima da etapa do flerte, falando perto demais um do outro, nos cantos da parede. Ela teve que coçar a garganta quando passou por um casal que se beijava no mínimo, agressivos demais, na entrada do refeitório. E claro, havia aqueles que ela não saberia por em uma caixinha, os que poderiam experimentar um pouco de tudo ali. Se a perguntassem, esse sempre seria o melhor tipo. O centro da pirâmide.

— Outro ano com essas pestes, já posso rezar para a aposentadoria? - Sadie já conhecia os professores, e conhecia o bom humor de Gale, o professor de ciências. Terminava seu café na cafeteira e parecia estar uma mistura de cansado e irritado, ou seja seu normal.

— Não seja tão duro, Gale, veja como as crianças estão ansiosas para começar o novo ano. - respondeu June, a mulher asiática, professora de inglês, sentada ao lado do senhor Isaiah, professor de literatura, e Maximillian, o professor de álgebra.

— É bom ver como o espírito de todos se encontra renovado pra voltar à sala de aula. - Noah Karhu comentou para os demais. Era o professor de história, e tinha feito uma carreira de sucesso como modelo no passado o que fazia as funcionárias e algumas alunas babarem nele.

— Existe alguém com espírito renovado aqui? Isso é Paradise Hollow, aqui só existe lanches calóricos que podem te matar e corrupção visível a olho nu. - Alice Waters, a enfermeira, era tão otimista quanto um horóscopo de inferno astral. — Estou prevendo pelo menos dois moleques machucados antes da hora do almoço.

— Ah, sei que todos estão animados. - disse Magdalena Dewsbury, a professora de artes, usando um vestido no mínimo curioso feito de suas próprias pinturas. — Algo me diz que vai ser o melhor ano.

Nisso, toda a equipe de professores tinha de concordar. Sadie não estava na época em que o escândalo veio à tona, mas aquilo tinha com certeza afetado todo o funcionamento do local, e revoltado os habitantes da cidade contra a escola, que no momento, pelo que a nova diretora tinha ouvido, era a única coisa que se mantinha de pé frente ao avanço de Avery Baldwin e suas empresas.

De volta aos corredores, o aluno de pele negra abria seu armário para guardar seus livros e procurar os do ano seguinte. Era metódico, e gostava de organizar tudo antes que a rotina ficasse corrida demais e não conseguisse arrumar tudo como queria, ou pior, que comprometesse seu desempenho. Ele arrumou sua mochila, colocando os livros dentro do espaço vazio, até ver alguém em sua direção. Uma pessoa familiar de cabelos loiros despenteados e um olhar um pouco perdido.

— Finalmente te achei, Johnny! - disse ele, parecendo cansado de procurar pelo outro. — Você viu o Tim? Ele ainda não apareceu.

— Não, acabei de chegar. - explicou para o amigo. — Por quê, algum problema, Cam?

— Tem sim, eu vi o agente de condicional dele ali fora. Se ele não chegar na escola logo, vai ser considerado como desrespeito ao acordo dele, sabe, o que impede ele de ficar na cadeia? - Cameron não precisou ser tão claro, ele bem sabia.

Tim, Cameron e Johnny não eram parecidos, na verdade, nem sabiam dizer se tinham algo em comum. O que com certeza tinha os unido era a necessidade de ter alguém ali ao seu lado, e como excluídos pelos mais variados motivos, tinham se aproximado para suprir esse papel um para o outro. Johnny não era muito atencioso nesses casos, e Cameron parecia ter um cérebro de um tamanho similar a de uma pinha, mas talvez fossem os únicos que tinham impedido a vida de Tim de se afundar completamente até agora.

— Ele não tá atendendo o celular. - respondeu Johnny, um pouco mais nervoso pelo amigo. Os dois corriam para a entrada. Ele estava oficialmente atrasado. Caso seu agente de condicional o pegasse, com certeza era retorno para as grades.

— Não precisa, acho que sei onde ele está. - Cameron apontou para o fim da rua, vendo a moto do amigo se aproximar. Felizmente, o homem que tinha o intuito de vigiá-lo, olhava para a direção oposta. — Eu tive uma ideia. Johnny, vai avisar o Tim, eu vou distrair o cara de abacate.

— Quem chama alguém de cara de abacate, Cameron? - Johnny franziu o cenho.

— Só vai, anda. - respondeu ao amigo, que saiu correndo na direção oposta. O loiro respirou fundo e pensou no que dizer. Ah, Tim o pagaria por isso. Ele se colocou na frente do homem careca e abriu um sorriso nervoso. — Com licença senhor... - O homem careca, policial à paisana, o encarou. — Eu já te vi aqui algumas vezes, então tenho que perguntar... gostaria de comprar... - Cameron pensou. Tinha que ter um raciocínio rápido. — Viagra em cápsula! É super útil, ajuda muita gente, pude ver que o senhor tá precisando.

— Como é, moleque?

— Uma engolida e o poste sobe a bandeira da independência rapidinho, se é que me entende. Nem George Washington hasteou uma bandeira com tanta velocidade. - continuou, tapando a visão da escola. Quando o homem tentava enxergar, Cameron insistia em ficar na sua frente. — Não precisa ter vergonha, senhor! Disfunção erétil é comum, que nem a ejaculação precoce e os pênis pequenos. Não estou aqui para julgá-lo, vem cá!

Cameron abraçou o homem, que se debateu, sem entender o que estava acontecendo. No meio do abraço, ele foi girando aos poucos, fazendo o homem ficar de costas para a escola no exato momento que Tim corria para dentro dos corredores seguido por Johnny e... uma garota? Quando finalmente entraram, Cameron bateu em seu ombro.

— Eu entro em contato, até, meu bom homem. E lembre, não é o tamanho do lápis, mas o desenho que ele faz.

O homem tentou bater em Cameron, mas ele já tinha saído correndo e entrado na escola. Tim estava quieto, arrumando suas coisas, e Johnny parecia falar com ele, mas o Lawrence ainda era calmo demais. Cameron com certeza era bem melhor em dar uma bronca. Ele parou na frente dos amigos e Tim ia falar algo, mas o loiro se antecipou:

— Olha, Kendall, por sua causa, agora um homem acha que eu vendo viagra na entrada da minha escola. - O loiro bufou, sem saber um xingamento certo. Tim deu de ombros.

— Deveria falar com o time de futebol, lá você não vai ter falta de clientes. - Tim respondeu, deixando escapar um sorriso curto. Johnny riu também, e Cameron fechou a cara. — Mas obrigado.

— O que pensou que estava fazendo desrespeitando seu acordo? Pensei que era bem simples. Escola pra casa, casa pra escola. Tem sorte de eu ter dado um jeito na sua tornozeleira, se não já estava preso de novo. - Johnny apontou para o tornozelo de Tim. A tornozeleira estaria ali, apontando a escola, viciosamente, como sua localização. Felizmente, Johnny era um talentoso membro do grupo de robótica, e tinha aplicado seus conhecimentos nela. — Eu posso ir preso por isso, o Cameron também, sabe que não pode se arriscar tanto.

— Principalmente depois do que aconteceu antes das férias. - Cameron cruzou os braços, um pouco sério. — Eles ainda estão na sua cola, cara, esperando um erro seu. Eu sei que não são todos os jovens em acordo judicial que tem um pitbull de guarda vigiando.

— Eu sei, foi mal. Também já falei pra vocês, eu não fiz nada com aquela garota. Não sou um... um... - Timothy tentou falar, mas apenas cerrou os punhos. — Não sou o que pensam que eu sou.

— Eu hackeei os arquivos da polícia, apenas um dos cinco crimes que já cometi pra te ajudar. - Johnny suspirou, se colocando encostado aos armários. — Você ainda é o único suspeito. Alguém que sabiam que estava no momento que tudo aconteceu, pelas filmagens. Só não conseguem te colocar no local do crime, mas isso não pode demorar a acontecer.

— Cara, só fica longe de encrenca. - Cameron o aconselhou, nervoso. — Você é um bruto, insuportável, mas é nosso amigo. Não queremos que seja preso, principalmente por algo que não fez.

— Eu sei. - Tim pensou em dizer tudo o que tinha acontecido. Dizer o motivo de saber porque as autoridades lhe perseguiram tanto, mas aquilo colocaria um alvo em Johnny e Cameron também. — Só tive de ajudar uma garota.

— Não qualquer garota. - Johnny cruzou os braços, suspirando. — Angie Leonhardt.

— TU TÁ ME TIRANDO? - O timbre alto do loiro chamou a atenção de quem passava, e por isso resolveu baixar a voz. — Angeline Leonhardt? A senhora perfeição da cidade? Você quer muito ser preso, não dá.

— Eu tive que ajudar. Ela estava sendo perseguida. - revelou, talvez mais do que deveria, e agora, sem alternativas, teve que contar tudo do começo.

Quando fora enviado para o reformatório com quatorze anos de idade por estar envolvido em brigas de rua e roubo, Tim conheceu um garoto de sua mesma faixa etária, também morador de Paradise Hollow, chamado Steve Gardner. Era loiro, de olhos verdes, e tinha um comportamento talvez ainda pior do que o Kendall. Sua mãe tinha morrido, e seu pai e sua madrasta eram completos monstros com o garoto, e o espancaram a maior parte da vida. Encontraram um no outro um refúgio e descontavam todo o seu sofrimento no vandalismo, isso até Steve se envolver com uma gangue pesada demais, conhecida como anjos da morte.

Como tudo na cidade era relacionado ao paraíso bíblico e a mitologia cristão, os chamados anjos da morte eram uma gangue que vivia na obscuridade, trabalhando a mando das famílias mais poderosas, preparados para cometer os mais variados tipos de crimes, entre eles, o homicídio de quem quer que se metesse no caminho. O peso do trabalho era difícil, mas o pagamento era tentador. A diferença é que Timothy ainda tinha limites em sua conduta, o que Steve não parecia ter. Ele insistiu para Steve desistir, e recebeu um ultimato: ou saía de sua frente ou seria o primeiro cadáver. Foi o momento que Tim partiu pra cima do antigo amigo, o antigo irmão de rua. O revólver foi ao chão, e na briga para tomá-lo, o gatilho disparou, e Steve morreu ali mesmo, no beco escuro onde tinham discutido, com a água da chuva forte tomando a tonalidade vermelha de seu sangue e mergulhando nos buracos do esgoto.

A história sempre tende a ser prejudicial ao lado mais fraco, e entre as famílias poderosas da cidade, como os Kennedy e os Baldwin, e o orfão com problemas de comportamento, o resultado foi homicídio cometido por Timothy Kendall. Felizmente, como menor de idade, não pode ser responsabilizado, sendo mandado para um reformatório, onde passou por uma conversão de conduta.

Foi então que seu tio, que nem sabia que tinha, o misterioso Dave Seraf, deu as caras. Pelo que lhe foi dito, ele era meio irmão de sua mãe, a doce Emily. Tinha vindo à cidade para tomar conta do sobrinho e seria seu guardião legal desde então. Entre o reformatório e Dave, Tim sentia saudades do reformatório. Mas, mesmo parecendo um perfeito maníaco, Dave Seraf parecia ter condições muito boas para quem trabalhava de mecânico, e sua equipe de excelentes advogados conseguiu um acordo, algo impensável para Timothy pelo seu passado. Um acordo que seus amigos, Cameron e Johnny, pareciam mais empenhados em fazer funcionar do que ele próprio.

— Vocês sabem que uma das partes do meu acordo é o serviço voluntário. Eu cuido do drive-in. Fico lá cochilando enquanto os casais se pegam nos carros. Antes de ir em casa, eu fui na lanchonete, e foi quando eu percebi eles, os anjos. Eles estavam observando ela, a Angeline, do lado de fora.

Johnny e Cameron se encararam. Timothy tentava compensar o que tinha acontecido com seu amigo desde que tinha quatorze anos, mas não entendia o que o Lawrence e o Valenciano já tinham há muito tempo compreendido: Eles trabalhavam para os poderosos, e caso Timothy continuasse em seu caminho, poderia ter um destino muito pior do que o reformatório.

— Você vai nos prometer uma coisa, Tim. - Johnny suspirou, segurando no ombro do amigo. — Vai esquecer deles, focar no seu acordo e na sua vida nova. Vai superar esse ocorrido, se manter fora de encrencas e esquecer isso.

— Cara, você não é um super herói. Pelo contrário, somos três adolescentes excluídos com uma prova de inglês nos esperando semana que vem. - Cameron apoiou. — Tô com o Johnny nessa.

— Promete esquecer isso? - Johnny perguntou diretamente. Timothy suspirou, desviando o olhar, mas foi obrigado a fitar o amigo de pele negra outra vez. — Promete?

— Prometo. - Tim respondeu, fazendo Cameron soltar o ar de alívio.

— Ótimo, agora vamos pra aula. - O loiro colocou os braços ao redor de ambos, que passaram a caminhar pra sala. A animação era tanta que não tinha visto os dedos da mão direita de Tim cruzados atrás do corpo.

Ele sabia que os anjos da morte pareciam querer algo de Angie Leonhardt, e com certeza, não descansaria até descobrir.

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