Capítulo 6- Hora De Partir III

— Filho, preciso conversar com você antes de deixá-lo ir... — intimou o mais velho, olhando para José, e depois dirigiu seu olhar para Safira, a qual logo compreendeu a mensagem visual.

— É... Eu vou dormir um pouco, estou muito cansada — soltou depois de bocejar, deitando-se no carpete detalhado e pousando a cabeça em cima da bolsa que levava consigo.

— Bons sonhos. — Seu namorado a desejou com um beijo rápido na testa.

— Essa fala é minha! — O censurou rindo, sem tanta graça em seu olhar. Algo, perceptivelmente, o afligia.

— Pode falar... — O garoto pediu olhando no fundo dos olhos dele, mas esse relutou algum tempo, pensando em como começar.

— Queria me desculpar por não ter te contado nada sobre o passado... E pedir perdão antecipadamente por ainda não poder te falar algumas coisas...

— Como assim? — Mostrou indignação. — Por que esses segredos?

— Existem coisas que você não está preparado para descobrir... — Previa que seria difícil aquele momento.

— É sobre meu outro pai, não é? — O questionamento surpreendeu o pintor. Na verdade, não era sobre aquilo o mistério. — Eu desconfiei que aquela outra história não fosse tão real..., mas não quis insistir pra não te pressionar, então pode falar...

Ele ainda é muito novo e imaturo para descobrir o que o passado guarda e o que o aguarda no futuro... Deve saber somente no momento certo sobre a escuridão que cerca nossa história. — Então era isso, nada falaria a respeito daquele que tanto lhe assombrava, mas ainda devia explicações sobre o que tanto amava. — Hora de relembrar a dor...

— Bem, começando do princípio... — Respirou fundo e deu início. — Eu conheci seu pai em 1922, o ano que você nasceu... No Brasil houve um evento de vários artistas que se reuniram durante uma semana. Foi lá que eu o conheci, ele era lindo e um tanto charmoso... Isso foi em fevereiro, um mês depois, eu adotei você com poucos dias de nascido.

— Ele te quis mesmo já tendo uma criança?

— Sim. Ele teve que me conquistar e a você também. — Sorrindo, Joseph explicou com os olhos cinza molhados. — Mas esse foi apenas o início e não é isso que eu quero contar. Na verdade, preciso lhe falar sobre seis anos depois disso. A respeito do fim...

§ RECORDAÇÕES DE JOSEPH §

A noite lá fora parecia calma, podendo-se ouvir o canto de algumas corujas. Eu contava histórias empolgantes para meu filho e o colocava para dormir, como sempre fazia.

— Que planeta é esse?!

— Já falei demais. — Automaticamente mudei de expressão. — Está na hora de ir dormir, boa noite.

— Boa noite, pai, e agora pode desligar a luz. Ah! Eu te amo.

— Eu também te amo, bons sonhos. — Beijei-o na testa e saí do cômodo, trancando a porta.

— Às vezes, penso que são reais essas suas histórias. — Edson, meu namorado, alegou. Ele me esperava do lado de fora do quarto de nosso pequeno José. Havia chegado de viagem antes de quando pensei que chegaria.

— São apenas histórias de ninar. — Sorri para o brasileiro de pele bronzeada. Depositei um singelo beijo em seus lábios, peguei na sua mão firmemente e, juntos, descemos as escadas.

— É, mas você conta tão bem, com tanta emoção, que faz parecerem reais — insistiu também apertando minha palma quando chegamos ao final da escadaria.

— Está pensando que é mais forte que eu? — provoquei-o sorrindo para dar outro rumo àquela conversa. Soltei sua mão e levantei os punhos como os lutadores. Dei dois passos para trás e um para o lado direito, ficando de frente para a entrada da moradia.

— Vai querer mesmo fazer isso? — questionou-me imitando os movimentos que fiz e entrando na brincadeira, porém, pondo-se de costas para a porta e me encarando com um sorriso convencido. — Não quero te machucar, Ciano.

Era como meu Edson me chamava. Usávamos o nome da cor que mais amávamos para apelidar aquele que preenchia nosso coração...

— Não sou seu Ciano agora, sou seu inimigo. — Cochichávamos para que nosso filho não despertasse. Findei a distância entre nós, com intensa alegria por tê-lo ali comigo. — Vamos ver quem é o mais forte.

— Não sei se será justo, você pode usar seus poderes mágicos. — Edson lembrou em tom humorístico deixando sua posição de ataque.

À medida que a possibilidade de ele realmente estar acreditando naquilo me assustava, eu sentia minha felicidade se esvair junto com a posição de embate. Nada me assombrava mais que as consequências de meu amor descobrir sobre meus poderes.

Repentinamente, vi uma luminosidade fora da casa ultrapassar a vidraça fosca da porta. Já sabia o que estava acontecendo, tudo que eu mais temia... Um espectro com o intuito de apagar a mente de Edson havia surgido. Compreendia que não poderia lutar contra ele, não era forte o suficiente para isso.

— Amor? Você está bem? — O jovem-adulto interrogou assustado, talvez eu tenha deixado minha expressão facial transparecer a apreensão.

Pude ver através do vidro da entrada fechada que um espectro cinza se aproximava lentamente, como se quisesse me dar mais tempo para despedir. Com ele surgiu outra espectro, uma dama vestida de amarelo.

Você tem que deixá-lo — ordenou por telepatia a entonação feminina.

Não posso! — contestei em minha mente. Não estávamos fazendo nada de errado. Não era justo.

Sabe que deve fazer isso... Não pode esconder a verdade dele e, às vezes, é melhor um amor longe e seguro, do que um amor perto e ameaçado. Além de que isso vai contra as regras da nossa gente. — Ela retorquiu ainda mais séria.

Então apaguem apenas a parte dos poderes da mente dele, e não eu, não apague o nosso amor! — insisti ainda de frente para o que me observava, esperando minha resposta.

Entenda que, enquanto persistir nesse amor, nunca poderíamos apagar você da mente dele, porém, isso só causaria dor em ambas as partes... — explicou a espectro que buscava não mostrar tanta empatia.

— Amor?! — Ele roubou minha absoluta atenção.

— E-estou, estou bem... Só queria dizer que você também tem habilidades mágicas, você tem a magia do amor e me enfeitiçou com ela — respondi o meu amado, o abracei firmemente e ele me envolveu com seus braços também. Meus olhos não contiveram as lágrimas que insistiram em emergir. — Eu te amo!

— Eu também te amo.

Com um aceno de mão, o espectro varreu as memórias do meu namorado e ele se esqueceu dos poderes, de mim e do nosso amor... Em seguida, os dois poderosos espectrais desapareceram.

— É... Com licença. — O brasileiro proferiu e me afastou de seu corpo, intrigado com o abraço. — Obrigado por me hospedar aqui, é uma casa muito aconchegante, diga ao seu filho que mandei lembranças.

Edson tomou as malas que ainda jaziam ao lado da entrada desde que havia chegado e abriu a porta. Gesticulando com a mão um adeus, despediu-se e saiu pela penumbra noturna, para nunca mais voltar...

Jamais houve maior desafio em meu passado do que aguentar a vida enquanto me sentia morto. Um mundo de pensamentos fazia minha cabeça pesar e doer, mas não tanto quanto o vazio que corroía meu coração. Um mundo feito somente de desastres naturais, onde tudo era cinza e sem graça.

A respiração ofegante seria os furacões. Os pensamentos turvos se intensificavam como uma avalanche e se juntavam as lágrimas que desciam como dilúvio. Meu corpo era atingido por tremores frenéticos da maior escala. Os poderes se tornaram uma mistura de erupções com tsunamis; minha casa mudava de cor em consonância a agitação arenosa de minha consciência. Os móveis, as paredes, alicerce e teto... O descontrole tomava conta do que lembrava uma imparável nevasca.

Contudo naquela tempestade de raios não havia trovões... Por mais que uma vontade imensa de gritar, e assim me esvaziar daquele sentimento corrosivo, preenchesse meu espirito, não poderia fazê-lo. Meu pequeno filho dormia pesadamente no andar de cima, e eu não queria ser o responsável pelo fim de seus sonhos noturnos. José, enquanto humano normal, jamais poderia saber do que aconteceu ali...

§ PRESENTE §

—... E foi assim que acabou. — Joseph finalizou com os olhos acinzentados inteiramente marejados.

— Quando é amor, nunca acaba — contrapôs o bruxo, esfregando as costas da mão em seu rosto. Esforçava-se ao máximo para conseguir conduzir o carpete voador enquanto as emoções o atingiam como a frieza cortante.

— A história acabou. Não o nosso amor...

— Mas Edson não devia esquecer um sentimento tão forte! — O adolescente interrompeu indignado.

— Por favor, não coloque a culpa nele. Fui eu que permiti que Edson esquecesse. — Ergueu a cabeça ao céu estrelado para que seu nariz parasse de escorrer. — Se eu tivesse insistido nesse amor, ele sempre se lembraria, mas isso poderia colocá-lo em perigo com o decorrer do tempo.

Ouve uma pausa, os pensamentos voavam tão rápido quanto aquele tapete e o frio latente só piorava a situação.

— Então você planejava me deixar também? Antes de eu me tornar bruxo. — Não deveria mentir mais, ele era merecedor da verdade, mas o grisalho apenas assentiu com a cabeça, para que a dor não lhe ferisse ainda mais se usasse palavras. — Então... Por que tá me contando isso agora?

— Você é nosso filho e tem o direito de saber o porquê. Fui covarde antes em não falar, mas precisava mudar isso... — Joseph estendeu a palma direita, fechada, na direção do jovem. — Naqueles dias, havia decidido que, quando meu amor voltasse da viagem, eu o pediria em casamento, mas... E como não tinha comprado nenhuma aliança, resolvi dar-lhe isso de presente...

Seu pai, então, abriu a mão e nela jazia um diamante, o qual era muito grande para uma pedra tão rara. Parecia possuir toda uma constelação dentro de si.

— Uau! — O loiro expressou sua perplexidade. A pedra devia ter um centímetro e meio em seu maior lado.

— Quero que leve este diamante consigo para todas suas viagens, pois as pessoas do lugar de onde eu o trouxe dizem que ele pode guardar almas. — Olhou a pedra reluzente e o fundo dos olhos verdes de seu filho em seguida. — Pegue-o e, enquanto estiver com ele, saiba que estarei com você.

José apanhou o presente, abraçou seu pai calorosamente e as lágrimas que estavam presas escaparam todas juntas inundando seus rostos. Não poderia julgar nenhuma das escolhas do poderoso, tinha plena convicção de que seus atos se justificavam na vontade de proteger aqueles que amava.

— Estamos chegando perto da fronteira do Oregon com Nevada... — Joseph informou depois de alguns instantes no abraço demorado. Desvencilharam-se do afeto e avistaram com dificuldade o horizonte noturno junto da pequena cidade que se estendia abaixo deles.

— Vamos passar a noite naquela cidadezinha, deve ter uma hospedaria por lá — opinou o bruxo, estacionando o tapete no ar e apontando para um estabelecimento que se destacava por sua altura.

— Não, é melhor acamparmos ali naquela floresta. — Aquela não era tão grande como a que estavam acostumados, mas era o suficiente para se esconderem. — Talvez as pessoas dessa cidade tenham ouvido sobre a morte de vocês, por isso não devem arriscar a serem vistos.

— Devo descer para lá então?

— Ainda não. Suba um pouco mais e acorde Safira. — O jovem não entendeu o pedido do pai, no entanto, acatou-o mesmo assim.

Os dois que sentiam o aperto no coração pela conversa anterior não haviam esquecido a dor angustiante, apenas a mascaravam. O mais velho o fazia perfeitamente e o outro havia aprendido com excelência.

— Oi, o que foi? — A de cabelos castanhos se mostrava sonolenta depois de ser acordada. Era de se admirar sua capacidade de cochilar até num carpete voador.

— Isso! — Da cidadezinha começaram a se elevar aos céus vários fogos de artifício que estouravam e iluminavam as íris daqueles que se encantavam com a beleza pirocinética. — Não é lindo?

— Sinto o romantismo no ar — suspirou a moça, e abraçou seu namorado.

— Eu te amo — declararam em uníssono e se beijaram.

— Falta um toque final... — Joseph estralou os dedos, e aquele show luminoso de uma cor amarela monótona transformou-se em uma verdadeira explosão de diversas cores exuberantes. — Feliz ano novo!

— Feliz 1940! — clamaram os três juntos.

A hora de partir é sempre difícil, ainda mais quando se sabe de onde veio, mas não onde irá parar... Se gostaram, deixem uma estrelinha e compartilhem com outros leitores. E não se esqueçam de comentar.

O que essa aventura promete? O que será que aguarda estes jovens em sua jornada? Quais segredos Joseph ainda guarda? Qual será a próxima parada dos nossos personagens principais?...

-José JGF

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