Capítulo 4- Vejo Com Seus Olhos I
Horas mais tarde, trazendo à tona a preocupação dos dois púberes, o anfitrião da moradia isolada simplesmente sumiu sem dar satisfações. Contudo a apreensão logo se desfez quando constataram o fato de Joseph ainda ter uma vida para ocupar seu tempo. “Talvez ele esteja apenas no trabalho, não há com o que se preocupar”. Dessa forma, o restante da tarde ensolarada passou sem tanta importância na aprendizagem dos adolescentes.
Entretanto sua ausência não perdurou tanto. Quando José saía da cozinha para encher a mesa com o que seria a janta e Safira terminava seu banho, encontraram-no sentado numa das cadeiras da mesa na sala de estar.
— Joseph! — Os dois jovens se exaltaram ao mesmo instante, acelerando em sua aproximação. Seu filho colocou os pratos que trazia nas mãos, sobre a mesa, e a garota apenas o observava de perto.
— Que foi? Não posso mais sumir por um tempo? — indagou retoricamente, enquanto sorria, tentando explicar-se e fazê-los acalmar os ânimos ao mesmo tempo. — Você deveria já estar acostumado — dirigiu-se ao rapaz.
— Infelizmente, deveria sim! Mas isso foi antes de eu morrer, se é que me entende! — O rapaz retrucou com uma feição muito séria e seu pai apenas negou com a cabeça. — Quero dizer: antes de tudo isso ter início, antes que eu soubesse que vocês têm poderes, que existem poderes!
Então ele ainda não está pronto para seguir sem mim... — mentalizou o grisalho que cessou seu semblante risonho. — Será mais difícil do que eu imaginava...
— Já são quase sete horas, vamos nos apressar para enchermos a barriga. — Antes que a conversa se estendesse demais, a moça interferiu em seu rumo. Seus cabelos cacheados pesando por estarem molhados. — Vou te ajudar a ajeitar a mesa. Vamos! — Ela o agarrou pelo braço e carregou-o à cozinha.
O silêncio pairou na residência por um bom tempo, pois ninguém queria começar um diálogo que terminasse em discussão, contudo, o loiro lembrou-se de algo e resolveu esclarecer as questões de sua mente:
— Safira... Agora que eu sei sobre seus poderes, você gostaria de me falar alguma coisa sobre o ataque ao caçador? — questionou depois que já estavam sentados e servidos. Soltou a talher, mirando bem no fundo dos olhos azuis dela na tentativa de lê-los.
— Eu-eu... — Engasgou-se com o suco natural que bebia, gaguejava com a pergunta e ficou vermelha, de vergonha ou, quem sabe, de asfixia. Rendeu-se pousando a colher no prato. — Fui eu que fiz aquilo..., mas... — Estacionou sua explicação, como se aquilo a torturasse.
— Ele bem que mereceu. Sei por que fez isso, você queria apenas salvar o cervo...
O bruxo mostrou empatia, sorrindo para ela, a qual sorriu de volta. Voltaram a comer, todavia, ainda havia alguma outra coisa na mente do jovem curioso:
— Aquela vez na aula sobre as rosas, quando o John e Jany se machucaram com os espinhos, você...? — Cerrava as pálpebras parecendo incisivo na pergunta, mas Safira apenas deitou a cabeça para trás, gargalhando. Joseph, que apenas escutava em silêncio, tentava abafar o sorriso enquanto balançava a cabeça em negação.
Naquela noite, eles foram dormir mais cedo que o normal, objetivando repor as energias gastadas e preparar-se ao máximo para o amanhã que prometia ser indescritível.
•••
06h00min, o amanhecer se apresentava renovador. O sol reinava no céu sem qualquer interferência de nuvens vagantes. O equilíbrio entre frio e calor melhorava qualquer situação do dia-a-dia. Proporcionando um tempo perfeito para ir ao clube, a um parque ou talvez um jogo de futebol, se não estivesse no meio da semana. Era quinta-feira, na qual a maioria das pessoas já está cansada daqueles sete dias e apenas querem que passe rapidamente, para que, enfim, chegue o final de semana.
Os dois adolescentes já esperavam pelo tutor, acomodados à mesa na sala de estar, quando Joseph entrou pela porta principal, cumprimentando-os gentilmente:
— Bom dia para vocês — entoava sem medir esforços para transparecer sua empolgação e contagiar os principiantes. — Que este dia venha carregado de conhecimento e aprendizagem para todos nós, e...
— Uhuu! — exultaram levantando as mãos, compactuando a tentativa de calá-lo. Porém não expressavam o mínimo de ânimo genuíno em seus olhos ainda inchados. Acordar cedo era realmente o ponto fraco deles.
— Vou lá em cima, preparar uma coisa para o treinamento, não vou demorar. — O homem avisou depois de entender a mensagem subliminar e, sem demora, subiu as escadas.
Safira o seguia com a vista e, à medida que o fazia, começou a falar:
— Ele está muito animado e isso tá me preocupando. Você não está...? — Voltou-se para José, o qual a encarava com uma expressão de sedução misturada com malícia, ao menos, era a mensagem que ele imaginava estar transmitindo. — O que foi?
— Você pensou sobre a proposta que te fiz ontem? — Normalizou o semblante, vendo que não teve efeito nenhum.
“O que nós vamos ser daqui pra frente?” — lembrou ponderando o que deveria responder. — Não há ninguém neste planeta que eu deseje estar mais próxima do que a ele, nem lugar no mundo que eu queira ir, se não for com ele...
— Ah, isso! Bem e-eu... Com certeza, quero ser... — Antes de afirmar qualquer decisão, os dois se beijaram calorosamente, sem importar-se com a mesa que os separava ou qualquer outra coisa que estivesse ao redor. Entregaram-se um ao outro, como estavam entregues seus corações. Mas foram interrompidos pela tosse proposital de Joseph.
— Acho que os dois pombinhos já estão satisfeitos, não é mesmo? — indagou retoricamente, esforçando-se para ter a atenção desejada. — Vamos, a primeira aula vai ser atrás da casa.
Saíram da residência pela porta dos fundos, guiados pelo tutor que ia à frente. Eles ficaram a poucos metros da moradia. Os jovens, um ao lado do outro, encontravam-se de costas a casa e encarando Joseph à sua frente, o qual não compartilhava aquele semblante de receio, olhando-os com um sorriso estampado no rosto.
— Bem, a primeira lição tem como base: saber quais são seus poderes — começou e pôs-se a esperar alguma coisa, mas seus aprendizes nada falaram. — Então, por favor, já podem falar quais são seus poderes...
— Ah, eu controlo a natureza! — Safira declarou rapidamente.
— E eu posso criar escudos de cipós e soltar luz com uma vara. — Sem ter tanta certeza em sua resposta, José relatou em seguida. — O resto eu ainda não sei...
— Misericórdia! — Joseph parecia suplicar enquanto revirava os olhos em negação. — Querida, você vai ter que treinar muito para um dia, quem sabe, poder tentar ver se consegue chegar perto de, no mínimo, controlar uma horta — refutou deixando-a de boca aberta. — Já você, não precisa falar seus poderes, apenas diga que é o Bruxo da Natureza. E não é “luz com uma vara”, mas um poderoso raio de sol. Entenderam?! — Nenhum dos dois pronunciou nada, pois estavam perplexos com a mudança rápida de comportamento. — Perguntei se entenderam!
— Sim, senhor! — exclamaram ao mesmo tempo, como se despertassem de um longo sonho, dando de cara com um inesperado pesadelo.
— Muito bem...
— Joseph, se me permite perguntar, qual a necessidade disso? — A garota inquiriu enchendo o pulmão de ar, tomando coragem.
— Pode ser mais clara, por favor — pediu sem entender aonde queria chegar com aquela indagação.
— Qual o motivo para que nós te falássemos nossos poderes? — refez a pergunta tentando deixá-la mais compreensível.
— Porque, senhorita, quando conhecemos outros poderosos, às vezes, torna-se necessário que falemos, além de nossos nomes, quais são nossos poderes. — Os aprendizes mostraram compreender. — Além de que é sempre bom saber quem somos e nos conhecer plenamente.
— E agora que já nos apresentamos? — José questionou coçando a testa tocada por alguns fios amarelos de cabelo, impaciente.
— Então, agora é a hora de uma coisa que não faz parte das apresentações, mas veremos como se saem, está bem? — O pintor indagou retoricamente, mas seus alunos já estavam mais atentos.
— Sim, senhor!
— Tudo bem, chega disso... — Cansou do estilo militar, porém, ainda pegaria pesado sem pensar duas vezes. Cruzou os braços. — E o que quero que façam é apenas que demonstrem suas experiência e habilidade. — Ouvindo isso, o bruxo deu um passo para frente, mas seu ato foi interrompido. — Começando por Safira.
— Tá bem! — Prontificou-se sorridente e o loiro recuou para seu lugar.
A ativista fechou os olhos azuis e estirou a mão destra fechada na direção de Joseph, que a olhou com curiosidade. Poucos segundos depois, ela abriu as pálpebras e a palma, fazendo todo o solo a uns quatro metros dela, que antes era apenas terra, encher-se de grama de uma cor verde-viva.
— Depois pedirei que faça crescer toda o gramado do terreno — parabenizou batendo palmas sem tanto ânimo, assim como seu filho. — Mas vi você em ação, sei que pode fazer melhor que isso.
Respirou fundo, concentrou-se e fez aparecer grandes chicotes de raízes que saíam do solo, essas se movimentavam imitando a gesticulação da mão dela.
— Muito bom, meus parabéns — elogiou-a e direcionou o olhar ao outro. — Agora sim é a sua vez, me mostre suas duas habilidades.
— Safira, você pode jogar alguma coisa em minha direção? — pediu enquanto se distanciava um pouco e a moça não pareceu entender, mas realizou o desejo dele mesmo assim.
Ela avistou um galho que devia medir, mais ou menos, meio metro, e parecia pesado. O controlou com a mente, sustentando-o no ar e o jogou na direção de José, o qual permanecia parado com os olhos fechados. Não se movia, estava apenas com o braço direito esticado, parecendo segurar alguma coisa, por mais que não portasse nada. Até que ele abriu os olhos e um cajado com a ponta de rubi surgiu em sua mão, apontando para o galho lançado, criou um escudo de plantas que surgiram do chão, defendendo-se do "ataque".
— Próximo! — Seu pai o induziu a continuar, com aspereza no tom da voz.
— Tá bem... Só preciso respirar direito — avisou já ofegante, apontou o rubi para o céu e, sem cerimônia, emitiu um fortíssimo raio de luz amarelo. — Como foi?
Péssimo... — O tutor logo percebeu a pouca potência em relação ao que foi lançado na manifestação. — Quanto mais forte for a motivação, maior é o poder de ataque... Precisa de treino.
— Bom... — Joseph afirmou sem deixar transparecer emoção alguma, não para seu filho.
— Bom?! — O garoto inquiriu incrédulo, alteando o tom à medida que tencionava o cenho.
— Sim, bom! Quero dizer que ainda pode melhorar, entendeu? — Mais uma vez ressaltou sua voz.
— Aham...
— É: sim, senhor! — retrucou e todos prenderam a respiração por causa da surpresa. Não imaginavam como seria o ensinamento que teriam.
Acho que ele é bipolar. — Safira pensou vendo seu possível-namorado se aproximar.
Um silêncio começou pairar entre as incógnitas que os cercavam, enquanto o mais velho lia em voz baixa os papeis que trazia consigo, sendo apenas observado por seus aprendizes.
— Bem, quero propor uma coisa... — principiou tentando aliviar a tensão criada há poucos minutos, e os jovens aparentavam prestar muita atenção.
— Pode falar — pronunciaram em uníssono.
— Um embate de vocês dois contra mim — revelou cruzando os braços. — Apenas para que eu saiba melhor como ajudá-los.
— E o que ganharíamos com isso? — questionou a de cabelos castanhos, com uma expressão incisiva.
— Se ganharem, eu talvez possa pegar leve com vocês nas aulas e no final de todo o aprendizado poderão ter sua própria viagem para conhecer o mundo. — Gesticulava com as mãos como se isso lhe desse mais credibilidade.
— Achei que já iriamos fazer isso... — O adolescente constou prestativamente. — Já que sou o protetor do planeta.
— Infelizmente não, se eu me opuser a essa ideia, vocês não colocarão o pé para fora deste terreno. — Joseph provocou maliciosamente. — Ainda sou o responsável e não vou deixá-los enfrentar os desafios do mundo sem a devida capacidade... — Sua expressão mostrou uma maldade repentina. — Mas vamos lá, eu confio em vocês...
— Tá feito! — O bruxo concordou sem enrolar o tempo, porém, foi contrariado por sua companheira.
— Não, nós temos que pensar! — refutou virando-se para seu parceiro, na tentativa de ganhar mais tempo.
— Não temos no que pensar, Safira, nós somos dois e ele é só um. Sem falar que o poder dele é controlar a cor e não coisas materiais... — concluiu esperando convencê-la e conseguiu pela insistência.
— Prontos? — O homem perguntou enquanto guardava os papeis que carregava, em seu bolso, vendo que já estavam decididos.
— Sim! — afirmaram alto voltando-se ao oponente.
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