Capítulo 4- Vejo Com Seu Olhos II
A tensão tornou a impregnar o ambiente, pois cada um já se concentrava encarando seu (s) oponente (s) nos olhos. Os jovens resolveram não mudar de forma como da primeira vez, mas o cajado de José era majoritariamente necessário, por isso seria utilizado.
— Podem vir! — Joseph anunciou altivo.
Sem pensar duas vezes, seu filho emitiu um raio de luz pelo bastão, o qual foi desviado com habilidade pelo poderoso, que se esquivou para o lado e simultaneamente ficou invisível.
— Ah, óbvio! Vai fazer isso logo no começo?! — Safira gritava para onde há pouco jazia um homem.
— Venham me procurar então. – Escutaram uma voz, que soava como um sussurro, o que impossibilitava saber de onde veio.
— Esse é seu jogo? Pois saiba que não vamos cair nele. — O rapaz assegurou enquanto vistoriava todos os lados, sem baixar a guarda. Até que sentiu um empurrão e desmoronou de costas no chão.
— O que aconteceu?! — A garota foi até ele rapidamente e o ajudou a levantar da grama recém-criada.
— É meio óbvio, não? — rebateu com um tom ríspido.
— Não fale assim comigo, seu grosso! Só queria saber se estava bem! — Não controlou seus impulsos. Logo em seguida, olhando nos olhos dele, percebeu o deslize que cometeu e se arrependeu, exatamente como José.
Algo me diz que vou ter que ensinar primeiro como trabalhar em dupla e depois ajudar com os poderes... — O grisalho incolor matutava notando que teria de arranjar outro plano para aqueles dois.
Antes que os adolescentes ousassem pedir desculpas, outra voz foi ouvida:
— Vocês brigam demais, sabiam? — murmurou. — Parecem duas cargas positivas ou negativas demais para conviverem no meio de uma luta. Repelem-se e ferem um ao outro... Precisam aprender a duelar como uma dupla, como são quando não estão lutando. — Joseph pôs-se a opinar ainda invisível. — Pensávamos que vocês seriam a dupla do século..., que seriam invencíveis. Mas, pelo que vimos e estou vendo, estávamos errados...
— E por que pensaram isso de nós? — Safira inquiriu na tentativa de incentivá-lo a falar mais, para que descobrissem seu paradeiro, porém, ele parecia se mover rápido demais enquanto apenas sussurrava.
— Não é óbvio? Vocês se amam — declarou aquilo que parecia ainda não terem percebido, fazendo-os rebaixar a guarda. — No meio da manifestação lá na floresta, quando se transformaram, eu e Tamíres percebemos que seus olhos mudaram de cor...
— Como assim?
— Eu percebi isso também... Seus olhos verdes ficaram de um tom azul... — A moça informou enquanto entreolhavam-se. — O mesmo tom dos meus...
— E os seus mudaram para verde-esmeralda, querida, a tonalidade das íris do meu filho... — Depois disso, contemplaram-se com a boca parcialmente aberta e as mãos juntas. O cajado permaneceu no solo gramado. — Parece até uma poesia, não é mesmo? Um casal que, em meio a uma luta, dispõe-se a enxergar o mundo com os olhos do outro, mesmo com certos atritos. Deviam seguir o exemplo dos seus olhos...
— Eu não disse antes..., mas eu, com certeza, quero ser sua namorada — afirmou a poderosa, e os dois mais uma vez se beijaram, esquecendo-se da luta que ocorria. E, mediante a emoção sentida por ambos, transformaram-se, mas sem tanto brilho, daquela vez foi em um estralar de dedos, ou num rápido selar de lábios.
— E eu quero ser seu namorado — devolveu quando ainda abraçados e, aproveitando da aproximação, cochichou nos ouvidos de sua parceira: — Mantenha a prontidão e concentre-se.
— Pelo visto, já estão prontos, então vou dificultar um pouco... — Joseph sussurrou ainda invisível, depois que os jovens se separaram do abraço.
— Pode vir — replicaram com bastante convicção, mas logo se arrependeriam.
— Posso? — Pôs-se a correr em uma velocidade nunca vista antes e a murmurar, fazendo seus inimigos ficarem confusos. — E aí, não vão me pegar? — José olhava para todos os lados e Safira tentava se concentrar nos sons, porém, nada funcionava. — Eu estou aqui, não, não, agora estou aqui... — Ele havia treinado muito para chegar aquele nível, com passos leves, rápidos e inaudíveis.
— Atrás de você! — O bruxo gritou para sua namorada, a qual usou as vinhas que enrolavam seu corpo para atacar qualquer coisa que estivesse à suas costas.
E ela acertou. Joseph caiu quase de joelhos e se tornou visível aos olhos nus, pois se desconcentrou. Levantou-se lentamente, ainda sentindo a força da chicotada que recebeu nas pernas, expressou sua surpresa e imediatamente a disfarçou com elogios:
— Muito bem. Agora, se me permitem perguntar, como fizeram isso? — questionou olhando de um para o outro, queria apenas tempo para pensar em outra estratégia.
— Foi fácil — o jovem proferiu com um sorriso de superioridade —, pois por mais que seus passos sejam leves, eles ainda deixam marcas na grama. — Apontava o chão onde Safira havia feito à grama crescer.
— Aah, então foi isso... — O poderoso abaixou a cabeça enquanto sorria, negava com a mesma o fato de ter sido pego tão facilmente, mas logo a ergueu com semblante firme. — Agora vamos ao próximo nível — avisou e sumiu de modo repentino.
— Isso não vai funcionar novamente! — Safira decretou concentrando em fazer a grama baixa se expandir para os lados, alcançando uma área maior.
— Ali, ele está ali! — José exclamou indicando um espaço do terreno, no qual a relva era amassada. Contudo, antes que um deles fizesse alguma coisa, o capim pisado simplesmente sumiu.
— Seus truques também não vão funcionar novamente... — Ouviam-se sussurros e, instantaneamente, todo o gramado desapareceu de vista, como se nunca houvesse existido.
— O que você fez com a grama?! — perguntou o rapaz para Safira, estupefato.
— Eu não fiz nada... Ele fez! — obtemperou com uma cara apavorada.
— O que vão fazer agora? — Os sussurros continuavam, derivados de vários lugares quase simultâneos, mas não ao mesmo tempo, já que Joseph era apenas um. — Achei este nível muito fácil, então vamos para o próximo. Preparem-se...!
O professor não estava para brincadeira, por mais que aquilo fosse só uma demonstração de suas habilidades. Depois que cessou sua voz e tudo ficou calmo, uma onda de tensão instalou-se naquele ambiente aberto. Os dois jovens atentavam todos os lados sem perceber nenhum sinal do seu oponente, até que Joseph surgiu na frente deles, porém, antes que eles avançassem, outro apareceu à suas costas e logo mais dois, um de cada lado.
— Ótimo! Agora têm quatro! — Safira lamentou e, em seguida, constatou um mero detalhe. — O que foi? Não vai falar mais? — Girava na tentativa de olhar todas as ilusões simultaneamente.
— É óbvio que não vai. Nós descobriríamos facilmente... — José concluiu, rodopiando o bastão que portava sem muita habilidade.
— Eu não acreditaria nisso... — Seu adversário murmurou, e perceberam que aqueles quatro eram falsos e, para complicar ainda mais, apareceram mais quatro clones ilusórios dele. — Finalmente cheguei nesta parte, não é a mais difícil, mas vai dar para o gasto.
Os oito Josephs começaram a correr em todas as direções imagináveis, avançando para suas vítimas, e outros apenas vagavam disparados com objetivo de atrapalhar a concentração dos dois adolescentes, os quais se viam paralisados sem saber o que deviam fazer.
— Eles não são reais então não podem fazer nada! — O bruxo ponderou um pouco alto sem necessidade.
— Tem certeza? — escutou um cochicho efêmero na sua nuca e levou uma bofetada forte na cabeça. Safira olhou rapidamente para seu namorado, tentando entender o ocorrido.
— O que aconteceu? — Findou a pouca distância que os separava para olhá-lo melhor.
— Têm muitos dele, mas só há um Joseph, que ainda está invisível, então, atenção!
— Não vai funcionar... — Outro sussurro em meio à confusão de Josephs corredores, e a ativista foi empurrada para longe de seu amado, caindo de costas no chão.
— Safira! — José gritou. Correu em sua direção, mas, antes que chegasse a ela, tropeçou ridiculamente em algo, um possível pé invisível, e também caiu.
— Pensei que estavam preparados... — Joseph riu sem importar-se com sua invisibilidade.
E mais uma vez foi acertado por um cipó certeiro da senhorita de cabelos esverdeados, porém, daquela vez, ela não cessou o assalto, fazendo plantas saírem do chão e amarrá-lo com força. O que foi fácil já que ele não permanecia mais invisível, por ter se desconcentrado, o que fez seus clones desvaneceram também.
— O que achou? — interrogou levantando-se do capim que voltou a ter sua tonalidade. — Posso não ver a grama, mas ainda a sinto como uma extensão de mim.
— Criativo... — elogiou, mas ainda não estava satisfeito e começou a sorrir minimamente. — E agora que estou preso, o que vão fazer comigo?
— Já ganhamos! — Ambos afirmaram ao mesmo tempo. O bruxo já de pé também.
Os jovens se aproximavam dele, convencidos de sua vitória. Joseph jazia entre os dois, a três metros de José e a cinco da senhorita.
— Último nível... — Ele suspirou e desapareceu mais uma vez. Tornando invisíveis, também, as amarras de cipó da garota. Os adolescentes apressaram os passos em direção ao professor, mas pararam quando perceberam que se encontravam igualmente descoloridos.
— Safira, onde você está?! — gritou o rapaz, e a poderosa direcionou seu percurso ao som da voz.
— Estou aqui, estou indo!
No entanto, enquanto isso, o oponente já tinha toda a estratégia preparada e feito a relva sumir outra vez.
— Eu estou aqui! — A moça ouviu o clamor do bruxo que partia do lado oposto ao qual se direcionava.
— Não, eu estou aqui! Ele é o Joseph! — Escutou a primeira voz.
— José, fique parado, eu vou até você! — ordenou em alto tom, como todos se pronunciavam, mesmo que não fizesse diferença o volume.
— Não, venha até mim, eu estou aqui, ela é o Joseph! — Outra voz feminina ao lado do jovem gritava igualmente a Safira.
Os dois puseram-se a procurar um ao outro. Seu adversário percorria entre eles e tudo isso sem mostrar sua verdadeira identidade. Ninguém sabia quem era o outro, a não ser por Joseph, que podia imitar as vozes com maestria e sabia onde cada um se encontrava, já que era o responsável pela invisibilidade de todos.
— Pai, pare com isso!
— Não sou seu pai, sou seu filho!
— Safira, tente sentir pela grama.
— Eu não consigo.
— Eu consigo sim!
— Cale a boca, sua impostora!
— Você que é a impostora!
— Silêncio, vocês!
— Não me mande calar a boca!
— Isso não vai funcionar!
— Eu percebi.
— Eu também percebi...
— José, tente mandar um raio de luz.
— Deixei meu cajado cair. — Caçaram o bastão com o olhar rápido, mas ele havia sumido também.
— É, o impostor tá certo, deixei mesmo.
— Eu não sou o impostor!
— Silêncio!
— Estou vendo que isso aqui vai durar muito, então vou devolver a cor de vocês... — Joseph proferiu com sua própria voz e estalou os dedos enquanto sorria.
Os dois jovens ganharam cor novamente, porém, assim como eles, apareceram outros também. Sete Safiras e sete Josés ao todo. Todos espalhados pela área de luta, movimentavam-se normalmente, como os verdadeiros faziam ao buscar sua parceria.
— Safira? Qual é você? — O bruxo indagou procurando a verdadeira, mas todos movimentaram com a boca simultaneamente, como um espelho.
— Ai droga...! — A garota expressou sua lamentação batendo a palma na testa, sendo refletida por seus clones automaticamente.
— Tenta se guiar pela minha voz. — A que trajava vestido de pétalas vermelhas escutou alguém falar.
— Não, ele é o impostor! — Outra do mesmo jeito foi ouvida, mas todos os Josés se moviam e agiam em total semelhança.
— Eu vou usar meus cipós e passá-los em cada um, tá certo? — Enquanto falava, todas suas cópias imitavam-na.
— Tá bem, pode...
— Não! Talvez você me golpeie!
— Não escuta ele, Safira! — Duas vozes clamaram em uníssono.
— Chega! — A moça se descontrolou e, num surto, mais parecido com um curto-circuito, ela amarrou os pés de dois Josés no chão. Podia sentir quem eram os reais, mas ainda precisava saber qual dos dois era o certo.
Todos os outros clones desapareceram, restando apenas Safira e os loiros de longa trança e chapéu pontudo, amarrados pelos pés, presos ao solo gramado.
— Amor, sou eu...
Não é esse... José não me chama assim — pensou ponderando o fato, mas não arriscaria com tanta incerteza. — Mas Joseph me chama de querida...
— Não ouve ele, Safira...
— É só olhar nos meus olhos e você vai ver que sou eu... — Esse a olhava intensamente, assim como ela o encarava.
— Ela não precisa olhar nos meus, e sim com os meus olhos... — A jovem analisou esse e, observando-o fixamente, percebeu que os orbes azuis dele refletiam uma rosa que desabrochava ali perto e teve uma ideia.
A ativista lembrou-se da aula com as flores na estufa, foi até os cativos, permanecendo a um metro de cada e proferiu:
— Gineceu. — Esperançosa, pois desejava que o verdadeiro a complementasse.
— Androceu. — O José da direita completou.
O mesmo foi solto rapidamente com um aceno de mão, e a adolescente se jogou em seus braços. Depois de um beijo rápido, destransformaram e olharam o tutor que tomava sua forma original.
— Sorte que ele é o verdadeiro... — Joseph comentava ao lado deles, levantando-se, já solto dos cipós, e todos gargalharam.
•••
Eles não mais falaram sobre o embate que tiveram, pelo menos, não com o tutor. Tomaram banho e depois que o almoço estava pronto e servido, finalmente começaram a conversar.
— Nós... Não vamos pra nossa viagem, não é? — Safira quebrou o silêncio com uma pergunta que também assombrava a cabeça de seu novo namorado. Podiam ter vencido o oponente na teoria, mas sabiam que ele havia facilitado bastante para que isso ocorresse.
— Você não pode fazer isso pai! Nós...! — José começaria o discurso, porém, foi interrompido pela mão levantada do pintor de cabelo grisalho, que mastigava vagarosamente.
— Vocês terão outra chance... — revelou depois de engolir. — Depois que eu treiná-los devidamente.
— Quê?! — Os jovens expressaram a surpresa repentina com indisfarçável ânimo.
— Com suas habilidades atuais, vocês não teriam nenhuma chance contra mim. Nem conseguiram usar seus poderes significativamente... — explicava mexendo na comida com o garfo, ponderando: Vão ter que se esforçar ao máximo para estarem prontos para o mundo. Ainda mais se ele os encontrar... Não, não, ele virá primeiro atrás de mim, por isso esses dois precisam sair o mais rápido possível daqui... — Devem treinar duro e duelar comigo uma vez mais, só aí saberei se estão prontos para uma jornada.
— Fechado! — responderam ao mesmo tempo.
Joseph deu-lhes o resto do dia de descanso, mesmo que não tivessem se esforçado muito na luta, muito menos se desgastado, não fisicamente. O líder sumiu mais uma vez por horas a fio, e seus aprendizes usaram o tempo que lhes foi dado para conversar sobre aquele mais novo relacionamento. Deixavam claras as coisas que tinham em mente a respeito do que queriam para si e para o outro. Podia ser considerada inumana a maneira como concordavam em quase todos os pontos que discutiam.
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