Capítulo 3- Fantasmas À Solta I
20h30min da noite de terça feira. Na sala de estar da casa de Joseph se encontravam: Safira, com as mãos sobre a boca e o rosto banhado de lágrimas, deixando transparente sua perplexidade com o ocorrido e com as novas revelações; O anfitrião da casa, o qual apenas permanecia parado sem movimento nem expressão alguma, sua aparência horrível mostrava que a mente não parava por um segundo sequer; Além, é claro, do recém-desmaiado José que, mesmo imóvel, conseguiu a proeza de não cair da cadeira, desabando a parte superior do seu corpo sobre a mesa.
— Sinto muito... — murmuraram juntos como um suspiro sincrônico o pai e a amiga do desfalecido, depois de um longo silêncio. Olharam-se e forçaram um sorriso de canto de boca.
— Acho que isso não devia ter acontecido assim. — Safira retomou enxugando os olhos marejados. — Que o mundo não deveria funcionar dessa forma.
Ter que mentir para quem amamos é horrível...
— Eu não queria que você tivesse passado por isso — declarou Joseph, baixando a cabeça e a encostando na mesa. — Essa é uma sensação assombrosa.
— Às vezes a dor, infelizmente, precisa ser sentida — comentou tentando recuperar-se das fortes emoções que passou.
— Gostaria que isso fosse apenas uma mentira para os fracos. — Levantou a cabeça, seus olhos se apresentavam vermelhos e inchados, talvez por tentar se conter.
— Obrigada pela hospedagem e pela força com José. — A adolescente começou depois de alguns minutos de ausência de qualquer som mútuo.
— Como assim? — questionou sem entender o porquê daquele agradecimento.
— Eu sei que você não queria a nossa aproximação, não por eu ser da família do prefeito, mas era apenas para poupar-nos do que aconteceu hoje — explicava didaticamente. — Também sempre busquei forças para mantê-lo longe, mas nem sempre conseguia ignorar meus sentimentos... Então obrigada, por ser tão cuidadoso com ele.
— Você é muito prestativa e inteligente. José, pelo que vejo, estará em boas mãos — elogiou dando um sorriso, seu campo de visão indo de Safira e parando em seu filho. Ele vai precisar muito dela quando eu não mais estiver por perto...
Depois de algum tempo, todos ainda estavam lá em seu devido lugar, paralisados e pensativos. O silêncio permitia que se escutassem os sons exteriores da casa: corujas piando como em uma música mística; um vento fraco que balançava as copas das árvores; e, algumas vezes, sons de passos pisando em folhas secas ou galhos, talvez algum animal estivesse ali perto, o que era normal já que a casa ficava entre florestas.
— Agora você pode me contar sobre como podemos nos transformar em deuses. — A moça reiniciou o assunto que Joseph aparentemente já havia esquecido. — Você me disse que falaria...
— Está bem, mas antes tenho que levá-lo para cama. — Assentiu com a cabeça e depois indicou seu filho. — Não quero que sua dor corporal piore.
O homem de trinta e nove anos levantou-se afastando a cadeira da mesa e foi em direção a José com intuito de levá-lo ao quarto, porém, seu objetivo estacionou quando a campainha foi tocada. Ele parou por um momento tentando escutar tudo ao seu redor.
— Senhor Joseph?! Está aí? — Uma voz feminina chamou através da porta envernizada, na qual alguém batia com insistência. — Só queremos conversar um pouco!
Safira começou tremer, assustada com a situação, sabia que não podia ser vista por mais ninguém a partir do momento em que “morreu”. O anfitrião parecia ter tudo sob controle, mesmo que uma inquestionável surpresa transparecesse em seu semblante.
— Calma, querida. Irei cuidar de tudo — sussurrou, para que apenas ela pudesse escutar, tentando tranquilizá-la rapidamente. — Mantenha a calma, não se mova e nem faça barulho algum, entendeu?
A jovem confirmou com a cabeça e permaneceu sentada, tentando ao máximo ficar imóvel. Joseph foi até a entrada da casa, respirando fundo com receio, deu as costas para ela e estralou os dedos, virando-se novamente à passagem que abriu em seguida. Eram dois policiais fardados.
— Boa noite, senhor. — A agente cumprimentou, seguida de seu companheiro. — Eu sou Eduarda e esse é meu parceiro Joab, viemos aqui falar sobre seu filho... Podemos entrar?
— Boa noite, o que aconteceu? — Joseph pronunciou lentamente, como se encontrasse alguma dificuldade em fazer. — Podem entrar sim, fiquem à vontade.
Ele deu um pouco de espaço, os policiais entraram atentos a cada detalhe da residência e o homem de olhos cinzas fechou a porta assim que eles passaram por ela. Ficaram de pé, pois pareciam tensos demais para se acomodarem.
Safira tomou um susto. Depois de vê-los entrar, percebeu que seu corpo estava magicamente invisível, até para ela mesma, assim como o de José. Reparou também, que Joseph se encontrava com um semblante ótimo, como se nada tivesse acontecido ali, constatou também uma falsa preocupação.
Isso explica muita coisa e cria novas perguntas ao mesmo tempo... — pensou ela.
— Podem sentar. — O anfitrião apontou às cadeiras, bem convidativo, descansando o peso do corpo em seu lugar anterior.
— Obrigado, mas só viemos mesmo falar sobre seu filho... — O agente respirou fundo e foi direto ao ponto. — Bem, ele participou, hoje pela manhã, de uma manifestação e foi atingido acidentalmente... Morrendo logo em seguida...
Houve um curto momento de silêncio, a tensão se expandiu de modo quase imperceptível. Joseph baixou a cabeça e pôs-se a fingir um choro, passando a mão no rosto e no nariz. Safira percebeu que lágrimas caíam dos seus olhos, mas sabia que elas eram falsas.
— Onde está o corpo? Onde está o corpo do meu filho?! — inquiriu em um contido pranto forçado.
— Senhor! — A policial chamou atenção, olhando do seu parceiro ao pai de José. — Seu filho foi atingido em cheio por um explosivo, ainda estamos tentando descobrir como aquilo foi possível, mas não existem restos mortais dele.
Uma verdade, granadas não costumavam fazer o corpo da vítima simplesmente sumir... A realidade era que os dois estavam ali apenas para descobrir o paradeiro dos jovens mortos, por isso transitavam o olhar por cada detalhe do local. Seus superiores mantinham o ceticismo como escudo.
— O quê?! Quer dizer que... — Ele passou a os olhar, frenético, pulando de cada agente para o outro e começou um escandaloso lamento encenado. — Meu filho não vai ter um enterro digno?!
O que mais poderiam dizer para consolá-lo? Não que ele precisasse realmente...
— Meus sentimentos ao senhor... — Eduarda parecia preocupada. — Espero que fique bem.
— Infelizmente não estou, mas obrigado... — agradeceu esfregando o nariz e fingindo que tentava controlar a respiração. — Houve mais vítimas além de meu filho?
— Houve sim, só mais uma. — A agente revelou, surpresa com a pergunta. — A filha do prefeito.
— Eu disse para meu filho não se misturar com essa gente! — Joseph exclamava na tentativa de passar credibilidade. — Eu sabia que iria acabar dando tudo errado.
— Senhor! Se me permite dizer, os policiais também estavam contra o prefeito, mas tinham medo do que poderia acontecer com eles. — Joab tentou explicar o ocorrido. — Seu filho e Safira são heróis...
— Como assim? — O pintor questionou genuinamente curioso.
— Se não me engano, estão tentando transformar a floresta em uma reserva ambiental. — Eduarda informou querendo acalmá-lo. — Graças à bravura dos dois jovens e a insistência dos manifestantes.
Todos pararam por um momento, a tensão tornava o ar mais denso, Joseph já parecia "melhor". Safira não se mexia um centímetro sequer. Os policiais deixavam transparecer sua insatisfação por estarem naquela situação.
— Acho que é só isso mesmo... — O agente quebrou o silêncio, dando um passo para trás e a deixa para saírem dali.
— Boa noite novamente, senhor, já vamos indo. — A policial estendeu a mão em direção a Joseph, o qual se levantou e apertou com gentileza.
— Boa noite para vocês, vamos, vou levá-los até a porta — falou mostrando educação, mesmo que não fosse três metros da mesa onde estava até a saída.
Joab abriu a porta e saiu pela passagem, seguido por sua parceria, a qual tinha Joseph logo atrás. O policial se distanciou um pouco da casa sem a necessidade de disfarçar que não queria estar ali. A agente, no entanto, parou ainda na varanda e olhou o pai desconsolado que se encontrava parado do lado da abertura, escorado na mesma.
— Meus sentimentos e até mais ver — despediu-se o observando, aparentemente preocupada com o estado emocional do pai da vítima.
— Até... — retribuiu com um sorriso, que qualquer pessoa que tivesse visão poderia saber que foi forçado.
Eduarda se virou, começou a andar e apressou o passo para acompanhar seu parceiro, que já se projetava muito na frente. Assim que Joseph constatou que se foram, fechou a entrada e respirou fundo, parecendo tirar dos ombros um grande peso.
Seu rosto regressou ao normal, um pouco vermelho e inchado, por causa da conversa com o novo bruxo e não pelo que ouviu daqueles que se foram. Safira percebeu que sua própria cor havia retornado e que conseguia enxergar José.
— Você está bem? — O homem inquiriu, indo em direção à moça e botando as costas da mão na testa dela. — Está pálida.
— E-eu estou — declarou gaguejando, não conseguia maquiar o espanto pelo que havia visto e ouvido. — O que aconteceu aqui?
— Espere um pouco, você precisa se hidratar. — Ele afirmou indo à cozinha. Abriu a geladeira, pegou uma garrafa d'água, despejou o líquido em um copo que jazia em cima da mesa e levou-o para Safira. — Acalme-se um pouco.
— Tá bem... — Recebeu o copo com as duas mãos tremendo e bebeu tudo. — Estou melhor agora, pode falar...
Joseph não mais lhe dava atenção, pegando José no colo sem muita dificuldade aparente, o que botava em prova a sua capacidade física.
— Amanhã eu falo sobre isso, já está tarde — explicou já no pé da escada, carregando seu filho nos braços. — Você já foi alvo de muitas informações por hoje, deve descansar agora.
— Pelo visto, vou ter que esperar por amanhã mesmo... — concluiu revirando os olhos, levantando-se e seguindo o anfitrião da casa.
— Você pode dormir no meu quarto — ofereceu, quando já se viam no segundo andar, indicando a última entrada do corredor. — Vou deixar José na cama dele e voltar lá para baixo, fique à vontade.
— Obrigada, senhor, novamente — agradeceu voltando-se da porta para Joseph. — Boa noite.
— Por nada, mas não me chame de senhor, por favor. — Ele corrigiu sorrindo, virando para Safira. — Agora tenho que ir, porque esse menino é pesado. Bons sonhos.
Eles foram para os lugares designados naquela noite: Safira entrou no derradeiro cômodo e trancou a porta; José foi levado para seu quarto por seu pai e foi colocado cuidadosamente sobre a cama.
Eu ainda vou ser invencível... Tenho que descobrir como me transformar numa deusa. — A ganância da jovem podia se explicar no fato de temer seu passado e recear ainda mais um futuro semelhante. Precisava ser forte, necessitava do poder...
— Seu pai sentiria muito orgulho de você. — Sentado na cama ao lado de seu filho, Joseph declarou. — Assim como estou sentindo agora.
— Eu... amo... vocês. — José sussurrou assustando o homem desprevenido que o olhou atenciosamente e percebeu que ele falava enquanto dormia em um sono muito profundo.
— Eu também te amo, filho — devolveu sorrindo, aproximou-se do loiro e ofereceu-lhe um beijo na testa. — Bons sonhos.
Retirou-se do quarto, fechando a porta depois de sair, e seguiu para o andar de baixo. Ficou no meio da sala e, com um aceno de sua mão em direção à parede embaixo da escada, fez surgir uma porta da cor ciana. Abriu-a e passou pela mesma. Ela dava numa escada que descia para um porão, por isso lá dentro jazia a escuridão. Depois que atravessou a passagem, essa se fechou e desapareceu por completo, sem deixar vestígios.
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