Capítulo 20- Pergunte Ao Tempo III
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Após um pesadelo com bruxas enrugadas e esqueletos reanimados, José despertou numa cama aconchegante do que arriscou ser uma pensão mexicana. Sentia uma pontada dolorosa na cabeça, que o fazia cerrar os olhos verdes quando esses encontravam muita claridade. O sol reinava no céu e penetrava pela janela entreaberta que permitia adentrar no aposento uma música animada, típica daquela cultura, a qual ele não entendia por não ser fluente em espanhol.
— Tamíres? — Erguendo seu corpo e se sentando no acolchoado, o adolescente de dezessete anos chamou.
— Oi. — O loiro de cabelo curto escutou ecoar de algum outro cômodo. — Estou aqui na sala.
Ele, então, levantou-se com ligeira dificuldade e dirigiu-se à passagem.
— Tenho que parar com essa mania de desmaiar... — O jovem falava à medida que abria a porta e deparou-se com a mesa da sala simplória com algumas comidas. — O bom é que sempre tem o que comer quando acordo.
— Venha logo antes que eu coma tudo — alertou a espectro, engolindo.
— Foi você que fez? — questionou sentando de frente para ela e vislumbrando a refeição diversificada.
— Não.
— Aah... E o que é? — Tamíres revirou os orbes.
— Guacamole e outras especiarias mexicanas — respondeu, e o bruxo não fez cerimônia em saborear tudo. — E sobre os seus desmaios constantes, eu acho que você deveria se conectar mais aos Runks, em vez de usar sua própria energia de forma exagerada.
— Eu sei disso. — Apressou-se em refutar. — Só não sei como fazer isso — concluiu soltando o nacho que segurava e baixando a cabeça.
Tendo a melhor amiga e parceira de seu pai à sua frente, conseguiu encontrar segurança em desabafar o que seu interior escondia por tanto tempo. O pavor que, ironicamente, tinha receio de sentir. Com isso, continuou:
— Ainda não sei como fazer algumas coisas e, às vezes, ainda sinto medo de não conseguir. Naquela hora em que eu e Llorona nos atacávamos..., ela podia ter vencido.
— Poderia, mas não venceu — interviu na lamentação sem esbanjar muita paciência, enquanto ainda provava das iguarias apimentadas.
— Sim, mas nem sempre vou ter a sorte de vencer. — Estava desanimado demais para altear a voz, como fazia quando se via sendo contrariado.
— Você acha que foi sorte? — A espectro interrogou incisiva, com oratória mais forte que o gosto do guacamole.
— E o que mais seria?
— Quem sabe sua força de vontade? — respondeu com uma pergunta retórica. — Llorona lutava por si mesma, você batalhava por todas aquelas pessoas e por todos que ela poderia vir a matar.
— Então eu tive sorte por controlar a energia vital contra alguém que mata as pessoas — contrapôs olhando-a em suas íris em tom de rubi.
— Se engana ao pensar assim. — Tamíres parou de comer. — Numa disputa entre água e fogo, quem é o vitorioso? — O garoto tentou se lembrar do duelo entre Yara e Fire, mas não teve a resposta, deu de ombros apenas.
— Depende...
— Exatamente! — interviu espantando-o, o qual, sem entender, apenas a escutou. — Ninguém evapora o rio com um fósforo, nem apaga um incêndio jogando um balde de água. Então não depende do seu poder em si, mas do quanto você quer vencer e do quanto se esforça para isso.
— Uol! — expressou-se voltando a comer, fazendo Tamíres sorrir sem muita graça. — Não sabia que tinha isso dentro de você.
— Como assim?
— É que a primeira impressão que me passou... Digamos que não foi das melhores. — Usando toda sua gentileza possível, o bruxo explicou-se.
— E foi a primeira impressão que permaneceu?
— Não, com certeza, não — alegou sorrindo.
— Fico feliz em saber, mas, em minha defesa, vocês eram adolescentes prepotentes e desgovernados que não mediam as consequências — comentou ajeitando-se na cadeira de forma serena.
— Eu falo coisas boas e você fala mal de nós? E ainda somos adolescentes... — rebateu ligeiramente alterado.
— Porém com mais responsabilidade agora — interviu convicta. — Pelo menos, você parece estar; Safira, eu não sei. Onde ela está, aliás?
— Ela teve a rota de sua jornada mudada assim como a minha... E, em nossa defesa, você não era tão amigável assim também! — Parou de comer, já cheio e enjoado daquela refeição apimentada.
— Você tem razão...
Tenho? — José perguntou-se mentalmente. Na realidade, ele já entendia aquele fato, mas não imaginava a imponente poderosa temporal declarando estar errada.
— Eu temia que vocês interferissem nos meus ofícios com Joseph, e foi exatamente isso que aconteceu...
— Aah! Entendo — redimiu-se disfarçadamente. — Bem, ele ainda está onde você o deixou, deve estar te esperando para retornarem à suas missões perigosas em dupla.
— Quê?! Ele ainda está lá? — A espectro indagou levantando-se.
— Sim.
— Então tenho que ir até meu amigo! — exclamou alterada.
— Espera! — O rapaz retomou a atenção dela, acalmando-a. — Ainda tenho que te perguntar uma coisa, que foi o real motivo de eu ter vindo te procurar.
— Então pergunta, oras! — retrucou sentando na cadeira, contra sua vontade.
— Você era amiga do meu pai...
— Ainda sou.
—... e parece conhecer muita gente — introduziu na pergunta. — Por acaso saberia algo sobre meu passado?
— Como assim? — interrogou sem fazer a mínima ideia do assunto abordado.
— Eu também não sei direito. Deve ter alguma coisa a ver com meu pai, ou com Malléphycus — informou vagamente e sem muita certeza.
— Ajudou em zero por cento. — Tamíres afiava a língua quando percebia estar perdendo seu tão precioso tempo.
— Na verdade, pode ser alguma coisa que vai acontecer ainda e não que aconteceu — ponderou tentando manter o foco.
— Bem, eu não sou vidente e suas informações estão fazendo o contrário de ajudar — continuou com seu tom sarcástico. — Desajudando, atrapalhando. Se houver porcentagem negativa, então ela define sua ajuda. Confundindo, desfavorecendo...
— É tipo uma profecia!
— Dificultando... Profecia? — Estacionou abrupta a espectro.
— Acho que sim, mas ninguém quis me contar sobre o que ela fala — relatou com indignação no discurso.
— E por que acha que eu vou? — contestou levantando a sobrancelha.
— Porque... Você é muito gentil? — afirmou na tentativa falha de persuadi-la. — Parece muito inteligente e sabe o que faz...
— Pedi motivos e não elogios.
— Eu te ajudei com a assassina. — Apressou-se em relembrar como se cobrasse um favor.
— José, este é um assunto muito sério, de extrema importância e sigilo — afirmou seriamente. — E é por isso que eu não vou te contar nada...
— Mas eu tenho que...!
— Vou te mostrar. — interferiu na exaltação do bruxo.
— Como vai fazer isso? — perguntou o adolescente, inclinando-se para frente no assento.
— Abra seus olhos! — José, então, assistiu os orbes da poderosa arregalarem e ficarem escuros por completo, como se a pupila tivesse engolido todo o globo ocular subitamente.
— Tamí... — Estava espantado com aquela cena inesperada, mas quando tentou fazer algo levantando da cadeira, as sombras que inundaram as íris da espectro afundaram todo o cômodo, preenchendo o espaço inteiramente em poucos segundos. Até que nada podia ser visto, além da mais pura penumbra.
— Há uma profecia sim... Sobre os irmãos poderosos. — Era a voz de Tamíres, só que muito mais compassada, convicta e ecoante. — E ela fala sobre o passado, além de prever o que acontecerá — continuou lentamente, causando um leve receio no jovem. — Começou com um Sentimento que surgiu numa hora específica, a qual o fez se tornar extremamente poderoso, como nenhum outro.
Naquele momento, para a sorte de José, algumas luzes apareceram e foram tomando forma na vastidão sombria em que vagava. Brilhos ofuscantes ganhavam formato de estrelas, outras esferas coloridas faziam o papel dos planetas e, majestosamente, o sol iluminava tudo que o bruxo conseguia vislumbrar.
Ele via tamanha beleza como se estivesse flutuando no espaço, mesmo tendo consciência de que era tão-somente uma miragem, sentia-se realmente lá, por mais que nem seu corpo estivesse visível. De modo repentino, constatou à sua frente um Sentimento bom que percorria solitariamente o espaço, como se não tivesse rumo, ele vagava flutuante esbanjando sua luz.
— Entretanto, por mais que fosse um Sentimento bom, seu poder era grande demais para ser portado por qualquer ser vivo. Indeciso entre qual raça se transformaria e qual seria digna de um domínio tão grande, o Sentimento resolveu se dividir. — O adolescente não conseguia emitir nenhum som, por isso apenas escutava a voz etérea.
Com isso, o glóbulo azul-claro na visão do jovem bruxo se dividiu em dois. Um emitia uma intensa claridade alva e o outro era tão escuro quanto o próprio espaço sombrio em que estava.
— O primeiro deles escolheu o planeta que estava mais perto, Júpiter, o planeta Ar e lá ficou conhecido como Luxyus, o espectro da luz. De alguma forma, esse herdou toda a bondade daquele Sentimento dividido, restando apenas às trevas para o outro. — Enquanto a história era contada, a visão mostrava exatamente a mesma coisa, detalhadamente. — O segundo decidiu ir para Marte, o planeta Fogo, no qual se tornou um fera sombrio, que mais tarde poria não só os poderosos como também os humanos em perigo. O...
Por alguma razão, todo o ambiente esfriou abruptamente em poucos segundos, o que cessou a voz da espectro. Deixando aquele momento ainda mais agonizante, o próprio espaço começou congelar, formavam-se pedras de gelo ao redor do sol, que eclipsavam sua luz. E, quando tudo voltou à escuridão, José sentiu uma mão em seu ombro.
Despertou, por fim, contudo, sua visão embaçada não o permitia entender completamente o que acontecia e seus ouvidos não captavam com eficácia os sons que se embaralhavam. Desnorteado, viu apenas um homem de branco o puxar para dentro de um vórtice colorido e, em poucos segundos, ele já se percebia sentado numa cadeira.
Voltando ao normal dos devaneios proféticos, constatou estar na câmara de Maria, descansando seu corpo num assento e tendo à sua frente os três que deixou ali sem satisfação de para onde iria.
— Eu adverti que não deveríamos interromper! — A mulher de vermelho exclamava exaltada para seu marido, enquanto analisava o garoto acomodado.
— Ele ainda não está pronto para saber! — Noel retrucou andando de um lado ao outro. Dragon apenas observava a cena um pouco mais afastado, buscando compreender melhor a personalidade dos humanos.
— Mas intervir poderia ter colocado a saúde dele em risco! — devolveu abrindo, com gentileza, um olho do rapaz loiro que ainda parecia aturdido.
— Ele já está bem, olhe só! — Deixou de coçar a barba para apontar José, o qual estava assentado de costas para a esfera gigante.
— Cadê... Cadê a Ta-Tamíres? — Recuperou-se um pouco mais e tentava falar enquanto arfava.
A mulher esquisita pensava em viajar até alguém que chamava em sua consciência de: meu amigo Joseph. — Dragon tomou a conversa, apressando-se em sanar a dúvida por telepatia.
— O que você foi fazer junto àquela espectro?! — O guardião aproximou-se arrebatado.
— Noel! — Maria interveio em sua exaltação.
— Você sabe muito bem o que fui buscar! — O jovem passou de abatido para igualmente exaltado. — As respostas que todos me negaram!
— E, pelo visto, conseguiu! — rebateu sarcasticamente. — Conseguiu colocar sua vida em risco.
— Não consegui graças a sua ignorância e esta sim me pôs em risco! — replicou à altura.
— Eu estava tentando te proteger! Como acha que fiquei após saber que o jovem Bruxo da Natureza colocado sob minha guarda simplesmente sumiu?! — inquiriu retoricamente e José não falou mais nada. Cabisbaixo, apenas ponderava suas ações, enquanto Noel começou rodeá-lo indo para perto do globo reluzente.
— Nós entendemos que queira saber de tudo, querido — a senhora assumiu o rumo do diálogo tentando acalmar os ânimos —, mas não precisa fazer essas coisas. Tudo vai ser explicado em seu devido momento.
— Entendi... Desculpa — redimiu-se ainda de cabeça baixa e seu corpo foi consolado pelo abraço da mulher de cabelos amarelos ondulados. Depois levantou o olhar transparecendo a curiosidade de sempre. — Eu sei que vocês descobriram onde eu estava há muito tempo, então por que não me buscaram antes?
— Na verdade..., eu soube desde o primeiro momento que tramava alguma coisa — relatou Maria, sorridente, desvencilhando-se dele. — Só precisei que Dragon me dissesse o que tinha em mente para eu descobrir o que queria realmente.
— Como soube? — O mais novo indagou franzindo o cenho.
— Não só vejo cada pessoa, como também sei o que eles estão sentindo — informou. Noel não discorria nada mais, somente presenciava fisicamente já que sua mente vagava por outros problemas.
— Eu achei que estava caindo naquela história de querer ser uma guardiã — comentou fazendo-a rir, o que despertou o guardião de seus pensamentos em um efeito dominó.
— Ela não pode ser uma guardiã como nós, pois já é a comandante dos guardiões. — Chamou atenção às costas dele.
— Aah! Bom, isso... Não vem ao caso. Quero saber por que não me buscaram antes — repetiu o questionamento virando a cabeça para olhar o homem.
— Queríamos que ajudasse Tamíres, ela parecia precisar — sanou Maria. — Não sabíamos que iria perguntar isso a ela e tínhamos a certeza de que ela não ia fazer... o que fez.
— José. — O guardião reivindicou a palavra indo para sua frente, próximo ao jovem. — Agora nos diga: até que parte da profecia conseguiu ver?
— Até quando Malléphycus apareceu do Sentimento dividido — informou meio assustado com a abordagem incisiva. — E teve o outro também...
— Luxyus? — interrogou Noel, receoso.
— Sim, exatamente...
— Você só viu esses? Digo, isso? — Foi a vez de Maria sanar seus questionamentos.
— Acho que sim. — A resposta pereceu aliviar alguma carga que os dois carregavam nos ombros. — Agora vão me explicar tudo que vi, ou vão querer eu que busque respostas sozinho?!
— Nós não...
A fala do homem foi interrompida pelo estalo agudo que ecoou no recinto, produzido pelo bater das costas de José contra a cadeira de forma brusca.
— O que tá acontecendo?! — inquiriu perplexo, sentindo seu corpo colado ao assento, como se estivesse amordaçado inteiramente por cordas invisíveis.
Antes que ouvisse a resposta, a cadeira, de alguma forma, virou para trás, sentindo algo parecido com um puxão forte. O bruxo percebeu seu corpo indo junto e preparou seus músculos para a dor que seria causada pela queda abrupta. Entretanto a madeira não tocou no chão, mas atravessou ele, desafiando sua existência. O rapaz teve a sensação de ser engolido pelo solo e, num giro completo tendo os pés traseiros da cadeira como eixo central, ele retornou a superfície, sendo seus olhos ofuscados pela claridade novamente.
Estou começando a odiar esses teletransportes...
Com seu corpo ainda reprimido, permitia-se vislumbrar a selva que o rodeava. O verde excessivo era bastante estranho naquela flora, a qual deixava entrar os raios de sol que já se extinguiam no crepúsculo do dia.
— Noel?
— Ele não vai chegar tão cedo aqui na Índia. — Ouviu uma voz masculina à suas costas...
Olá poderosos! Estão gostando? Espero que sim. Peço que deixem o voto aqui e comentem o que estão achando da história, além é claro de compartilhá-la.
Quando José vai descobrir tudo o que não lhe contaram? E o que será que está faltando ele saber? O que acharam do pouco da profecia mostrada? O que vai acontecer agora que nosso herói foi pra Índia?...
-José JGF
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