Capítulo 20- Pergunte Ao Tempo I
Depois de uma boa noite de sono, era chegada a hora de seguir viagem, pois a jornada não estava completa. Entretanto os planos do jovem bruxo não seguiam junto aos do guardião. Sem demora e depois da refeição matutina, o adolescente imediatamente o colocou em prática.
— Bom dia, Maria! — cumprimentou José, entrando na câmara que havia a esfera, a qual permitia a mulher ver cada ser humano na Terra.
— Bom dia, querido! — devolveu enquanto ele se aproximava esgueirando-se. — Está tudo bem?
— Estou ótimo! Só meio curioso com uma coisa... — Não perderia nem um segundo que não fosse necessário para manter sua atuação impecável. — Mas antes, onde está Noel?
— Ele deve estar se organizando para fazer a viagem até a União Soviética — detalhou estranhando a sensação que emanava do loiro presunçoso. Maria vistoriava algumas pessoas no globo gigante e brilhante. — Essa era sua curiosidade?
— Não — respondeu sorrindo, vagando pelo recinto. — Só queria saber se você também é uma guardiã.
— Como assim? — indagou sem lhe dar tanta atenção, focada no que estava fazendo. — Não entendi.
— É que você e Noel trabalham juntos, certo? — Ela não fez nada além de assentir com a cabeça. — Então, por que só ele é considerado um guardião?
— Aah! É que apenas ele faz essas viagens perigosas e salva as pessoas — tentou se explicar, mas sem muita convicção —, como um guardião de verdade.
— Mas quem é que fica de olho em tudo? — interviu com um olhar esverdeado incisivo.
— Eu, porém...
— A senhora deveria ser uma guardiã também. — Somente naquele momento, Maria virou-se para o rapaz e ela parecia estar de acordo com o que lhe era dito. — Quem mais, além de você, consegue achar qualquer pessoa neste mundo?
— Ninguém... — sussurrou em resposta.
— Quem pode saber se alguém estiver em perigo, vigiando todos os continentes do planeta? — continuou com sua voz mansa e persuasiva.
— Apenas eu.
— Então mostre!
— Eu consigo encontrar e vigiar a todos! — afirmou altiva voltando-se para a esfera e, quando apontou para ela, a imagem começou girar, como se a rotação da Terra tivesse acelerado dezenas de vezes mais. — Desde crianças até adultos!
O globo, então, mostrou várias pessoas de diferentes idades numa velocidade que fazia os olhos do garoto arderem á medida que tentavam acompanhar as figuras.
— Sem importar à cor, a raça, a religião ou até a posição social. — Continuava mudando incrivelmente rápido. — Pode me falar qualquer pessoa e eu te mostrarei.
— Safira.
— Muito bem, aqui está ela. — A mulher acalorada girou o dedo indicador e a imagem rodou ligeira, parando na moça que tinha a pele escura banhada pela noite. Ela se encontrava sentada num tronco, perto da fogueira que crepitava. Sentiu falta da maciez daquela superfície macia que o lembrava do toque das nuvens quando sobre o tapete voador.
Mal poderiam imaginar que, há algumas horas, a senhorita havia enfrentado um exército de múmias e uma serpente enorme, já que estavam mais preocupados com um dragão que fazia quase toda a Antártida tremer.
— Posso te mostrar teu pai também.
Contornou mais uma vez e o globo rapidamente apresentou o lugar onde José morou desde quando suas lembranças alcançavam. Tudo ainda se mostrava igualmente recordava, da floresta que dividia espaço com a moradia, até o gramado que Safira fez crescer para presentear Joseph. Ele se encontrava sentado numa cadeira, balançando seu corpo e focando no desenho que caprichava na tela sobre seu colo.
O que ele está fazendo? — O rapaz se questionou. Imaginava que, como um ajudante do planeta Terra, o deus estaria em alguma missão como fazia antes, mas se enganou. Com isso, a nostalgia o atingiu junto da saudade, no entanto, não havia tempo nem espaço para aqueles sentimentos quando a curiosidade se tornava destaque.
— Agora, Tamíres — sugeriu o garoto.
— Tamíres? — Maria questionou sem entender o porquê da proposta que considerou aleatória.
— Não conhece ela?
— Conheço, é só que...
— Vai dizer que não consegue vê-la? — interrogou incisivo, elevando a sobrancelha.
Ela então estralou os dedos e a esfera mais uma vez embaçou toda a imagem para depois mostrar perfeitamente a espectro que caminhava por algum lugar em ruínas, cheio de construções em pedregulhos aos pedaços.
— Onde é isso? — indagou José, observando os olhos vermelhos de Tamíres, os quais pareciam procurar algo.
— No centro do Novo México — respondeu inspecionando-a com atenção.
— Viu só?! Você é capaz de fazer... isso e ainda pode realizar o que Noel consegue. — Voltou ao foco do planejado, só precisava de mais uma informação. — Quem não pode tocar um sininho e fazer todos dormirem, não é mesmo?
Castigava-se mentalmente a cada palavra que enunciava, mas buscava forças na vontade de descobrir aquilo que escondiam dele, e rogava ao destino para que as respostas da conclusão de seus atos valessem o preço dos meios que usava para chegar a elas.
— Exatamente, sou capaz de fazer muitas coisas e ainda consigo concretizar as mesmas que ele! — Deixou a esfera de lado e voltou-se ao jovem. — Qualquer um pode mirar com um cajado e lançar um raio, ou se teletransportar, já que é só jogar uma esfera no ar e pensar para onde quer ir ou em alguma pessoa!
— Eu voto em você como guardiã. — O bruxo pronunciou sorridente e a mulher começou rir junto. — Mas agora acho que o Noel já deve tá me procurando para irmos. Tchau, Maria.
— Espera! — chamou atenção dele assim que se voltou à saída. — Eu sei porquê fez isso, José.
— Espero que não ache que foi só para te colocar contra Noel — retrucou apressadamente, defendendo-se.
— Não, você nunca... Espera, como assim, só? — inquiriu desconfiada.
— Modo de dizer — respondeu com uma risada sem graça.
— Tá certo — concluiu sem se mostrar convencida, mas não iria insistir. — O que eu sei é que você veio aqui fazer essa cena toda somente para que eu lhe mostrasse como estão Safira e Joseph. Eu te entendo, sei que se preocupa, mas podia ter me pedido, eu mostraria com todo prazer — informou num sorriso gentil.
— Desculpa — redimiu-se baixando a cabeça, porém, sem o mínimo indício de remorso. — E obrigado, agora eu realmente preciso ir — completou e dirigiu-se até a abertura.
— Faça boa viagem! — Desejo que consiga o que anseia...
Foi a última coisa que escutou depois que se retirou daquela câmara. Devia ir ao local onde Noel guardava suas ferramentas e aparatos tecnológicos. Seguindo seus instintos e a voz rouca que ecoava pelos corredores, ele logo encontrou o que poderia ser considerado um arsenal. Era uma sala cheia de esferas colocadas em prateleiras nas paredes, algumas pedras e outros aparelhos tecnológicos.
—... e você sabe quantos anos tem? — questionou o guardião, enquanto analisava Dragon, o qual se encontrava sentado na mesa metálica no meio da sala.
Eu não sei nem quanto tempo fiquei preso no gelo... — respondeu telepaticamente e notou o jovem loiro esgueirando na porta.
— Então, para os dragões, você estava no estágio adulto ou...
Adolescente — esclareceu prestativamente o fera.
— Quer dizer que vai ficar maior que aquilo? — José entrou em cena rodeando por perto das paredes. Noel virou-se abruptamente para ele, transparecendo surpresa, mas logo voltou seu olhar para as escamas que preenchiam o ombro do poderoso que avaliava.
Isso mesmo.
— E na sua forma humana, você não deveria ser um adolescente também? — interrogou bem mais próximo, até que avistou o sino que o fez dormir, estava em cima de um pequeno pedestal com uma cúpula de vidro protegendo-o de qualquer coisa que tentasse tirá-lo dali.
Dragon não possuía a certeza se sabia responder corretamente, por isso voltou seu olhar ao senhor de barba marrom, como se pedisse ajuda.
— Bem, não necessariamente — revelou pensativo. — Ainda é só uma teoria, mas acho que, como a diferença de idade dos animais normais para os humanos é só de alguns anos, então essa regra pode ser aplicada. Porém, nós estamos falando de centenas de anos de diferença, deve não ter o mesmo efeito em dragões.
— Se você fosse um dragão adulto, então seria um humano idoso. — O bruxo zombou fazendo os presentes imaginar tal possibilidade. À medida que os pensamentos se estendiam, alguns segundos de silêncio os seguiram enquanto Noel tentava retirar uma escama para análise.
— É... Não era para você estar organizando suas coisas para a viagem? — José aproximou-se mais, querendo observar o que ela fazia, mas o guardião estava focado demais para responder. — O que você tá fazendo?
— Para que o Dragon seja meu grande guardião e faça as viagens comigo, eu preciso saber o máximo que posso sobre ele — respondeu vagamente, fazendo o fera sentir uma leve dor depois de arrancar a escama. — E você, está precisando de algo?
— Não, não! Vim apenas ver por que estava demorando tanto — revelou o rapaz sem disfarçar sua leve exaltação. — Já vou indo, tenho o que arrumar também — proferiu sua deixa e dirigiu-se à porta, entretanto, voltou-se novamente aos outros dois. — Noel... Por que a Maria não vai com você nas missões?
— É muito perigoso, não posso deixá-la correr esse risco — respondeu girando nos calcanhares para olhá-lo. — Além de que ela se mostra muito mais necessária vistoriando tudo de longe.
— Ah, entendi... — Quase me arrependi do que fiz...
— José! — Noel atraiu atenção dele quando retornava a saída, assim como Maria. — Sei o que veio fazer aqui. Está ansioso para ver Safira, não é mesmo?
— Acha que vou pegar uma bomba de teleporte pra ir até ela?! — inquiriu como já se protegesse de uma acusação.
— Não — contestou achando graça na imaginação fértil do moço que buscava camuflar seu nervosismo. — Veio me apressar para que essa viagem acabe mais rápido e você volte para ela.
— Aah, foi, mais ou menos, isso aí!
— Seremos rápidos, prometo — revelou e deu-lhe as costas.
— Mal posso esperar — fingiu entusiasmo, o que não era difícil pra ele, e apressou-se em sair daquele recinto.
Eu sei o que vai fazer, humano inquieto — José ouviu em sua mente e estacionou ali mesmo na passagem. Era a voz da consciência de Dragon —, desejo boa sorte.
Agradeceu mentalmente e apressou-se até seu quarto. Quando chegou, adentrou trancando a porta em seguida. Depositou a mão no bolso de sua calça e de lá tirou um orbe azul-escuro, que foi fácil “pegar emprestado” usando sua telecinesia furtiva.
Sem cerimônia, jogou-a no ar enquanto concentrava-se no lugar que esperava chegar. Depois que o vórtice apareceu, ele entrou sumindo sem deixar rastro, além de seu aposento bagunçado por causa do vácuo que o portal criava.
•••
— José! — Noel adentrou abruptamente na câmara da esfera gigante, na qual Maria ainda se encontrava. — Você viu José? Não encontro ele em lugar nenhum!
— Não é você o guardião?! — contrapôs volvendo-se para ele à medida que esse se aproximava.
— Quê?!
Ele foi atrás de respostas... — Os dois escutaram em suas mentes e perceberam Dragon na entrada, o qual andava até eles com certa plenitude.
Como se fosse a resposta para todas as perguntas, Maria apenas apontou o globo e ele mostrava Tamíres andando entre os destroços do que antes foi uma grande civilização. Entretanto, como se tivesse sido construída à sua volta, realmente havia uma cidade enorme, o Novo México, que amanhecia junto com a aurora do dia.
A espectro caminhava procurando algo em cada parte dos pedregulhos despedaçados e as coisas que a sociedade moderna colocou ali. Aquele local deveria estar cheio de turistas e visitantes, mas, por algum motivo, só havia a espectral dama flutuante.
Repentinamente, José apareceu bem atrás dela, assustando a mulher que quase o atacou em reflexo.
— Como você...?! O que está...?! De onde...? — Exaltada, dirigiu-se até ele inflamando sua presença ameaçadora. Suas vestes em tons rosa esvoaçavam ao vento frio.
— Entrei num portal que peguei de Noel, para vim te perguntar uma coisa! — atirou as palavras recuando alguns passos até que suas costas encontraram uma pedra grande.
— Jovens — pronunciou com desprezo e ignorou-o seguindo seu caminho. Não tenho tempo para isso...
— Você pode me ajudar? — José alteou a voz seguindo no encalço dela.
— O que você quer, Bruxo da Natureza?! — questionou rispidamente, sem prestar muita atenção, aproximando-se de uma parte mais elevada das ruínas, como uma escada de mármore desgastada.
— Quero que me ajude a descobrir o que aconteceu no passado, ninguém quer me contar nada. — Ele andava bem atrás da espectro, mas ela parou abruptamente como uma estátua. Com isso, José também estacionou, todavia, continuou a falar. — É sobre o que aconteceu com Joseph, ou com Malléphycus, não sei direito...
— Sshh...
—... Perguntei a todos os que pareciam saber, mas ninguém disse uma palavra sequer. — Tamíres não movia um músculo na tentativa de apurar sua audição, porém, o bruxo apenas tagarelava olhando as ruínas por ali.
— Sshh!...
— O Noel disse que só o tempo resolveria tudo, então me lembrei de você. — O guardião bateu com a palma em sua própria testa, na sala do globo reluzente. — Você conhece meu pai, deve saber algo...
— Garoto, faça silêncio! — Voltou-se para ele com rispidez.
— Ah, é! O que você está fazendo? — questionou olhando-a em seus olhos escarlates repreendedores.
— Caçando uma assassina — respondeu, e o jovem estancou sua respiração, desacreditado. Depois que todo o ambiente mergulhou no silêncio, foi que perceberam a névoa que se espalhava pelo chão e o clima congelante que lembrava morbidez. — Há alguns dias, uma série de assassinatos chamou atenção para este lugar, por isso o fecharam, e tive ajuda especial para isolar toda a área, até que eu acabe com isso.
— Mas não devíamos chamar reforços antes que ela nos mate também? — interrogou o adolescente que não escondia seu pavor, olhando para todos os lados. Isso não estava no que planejei, não mesmo...
— Está com medo, bruxo? — interrogou sorrindo e voltou-se à parte mais plana daquele local, bem acima de onde seriam as escadas.
O questionamento o fez perceber que ele era o reforço, o Bruxo da Natureza deveria ser quem ajudava e combatia os poderosos nocivos. A coragem o alcançou quando inflou seus pulmões e cerrou os olhos esverdeados. Poderia deixar as perguntas e suas curiosidades para serem sanadas depois, era hora de pôr sua bravura em prova uma vez mais.
— Além de que ela já sabe que estamos aqui...
— Como você sa...? — José deteve sua indagação quando se virou e percebeu a figura hermética bem à frente deles.
— Os pobres passarinhos voaram de tão longe e caíram no ninho errado — começou mostrando sua face pálida que contrastava com os olhos sombrios, tirando o manto negro da cabeça, o qual se estendia sobre todo seu corpo —, agora vão ter que morrer...
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