Capítulo 2- Ascende O Protetor I

Safira tirava o corpo de José de cima dela com dificuldade, e seus olhos automaticamente marejaram ao percebê-lo sem vida, aquele que havia lhe estendido à mão em vez de apontar o dedo jazia morto em seus braços trêmulos.

Ele deu a vida por mim... Deveria ter sido eu... — Seus pensamentos a castigavam. Arfava catatônica.

Aos prantos, levou um momento para perceber a poeira causada pela granada cessada no ar, como se fosse uma pintura do espaço. O vento, que antes circulava por ali, havia parado de repente. Aguçou sua audição e escutou o silêncio, como se nada estivesse em movimento além dela.

Até que duas pessoas se aproximaram sem que os constatasse e essas a surpreenderam em suas lamúrias, as quais a fazia esquecer-se de tudo que ocorria antes.

— Joseph?! E-eu, José... Ele! — A garota gaguejava exasperada ao ver o pintor.

— Está tudo bem, senhorita! — O homem tentou consolá-la com um sorriso enquanto se ajoelhava para estar mais perto do filho. Uma mulher estranha o acompanhava, a qual parecia flutuar magicamente em suas roupas esvoaçantes, sem sequer tocar o chão. — Agora precisamos sair da...

— Tudo bem?! Mas ele está morto! — retaliou incrédula, indicando o jovem em seus braços enquanto se lamentava. — Fui tentar usar essa maldita maldição ao meu favor e agora José está morto!

— Você não é amaldiçoada, querida — interviu a mulher de roupas róseas, atraindo a atenção. — É uma poderosa, tem habilidades, assim como eu e Joseph.

— E ele não parece morto para mim. — O homem de olhos acinzentados tomou seu filho nos braços, e Safira constatou a respiração pesada do rapaz, deixando-a perplexa.

— Mas como?! Ele estava morto, tenho certeza! — O grisalho o deitou no chão gramado, segurando sua cabeça, e a ativista pôs-se a tentar acordá-lo.

— Não é possível! — Joseph mostrou sua descrença, teorizando o que aquilo poderia significar. Só há uma forma de um humano voltar à vida assim.

— A não ser que seja. — Sua amiga flutuante redarguiu...

Em outro plano existencial... Para José, aquele momento se mostrava tenebroso e isso era bem perceptível para qualquer um que o assistisse tremer.

— A morte não é tão ruim assim, não é mesmo? — perguntou sorrindo a misteriosa figura encapuzada que flutuava como um fantasma.

— Eu morri?! Onde estou? E quem é você? — O adolescente questionou, muito assustado e curioso ao mesmo tempo.

— Você vai perceber que estas perguntas não fazem mais sentido agora. Mas se deseja tanto saber... meu nome é Hugo — sanou com uma reverência de cabeça.

— Hugo? — Surpreendeu-se com a afirmação, não era bem o tipo de resposta que desejava ouvir naquele momento de tensão.

— Exatamente, eu sou a personificação dos Runks, a energia da vitalidade, fundamental para todos os seres vivos — explicou didaticamente, como se falasse a coisa mais fantástica já dita.

— Runks?! Sério? Não, não, não. Isso não pode estar acontecendo. — Do garoto transparecia uma grande quantidade de descrença, andava de um lado ao outro à medida que negava com a cabeça.

— O que não pode estar acontecendo, José? — Hugo interrogou curioso, buscando parecer educado.

— Isso! — Nervoso, o loiro apontou para todos os cantos que conseguiu e, consequentemente, não indicou lugar nenhum, já que nada era visível naquele instante.

— É claro que está acontecendo — o sujeito desconhecido tentou, por baixo do capuz dourado, acalmá-lo —, apenas na sua mente, mas, com certeza, está acontecendo sim.

— Na minha mente... Espera! Era você nos meus sonhos?! — Recordava das últimas vezes que dormiu.

— Sim, você foi a escolha mais plausível para se tornar o próximo protetor da...

— Me diz logo se eu vou para o céu ou para o inferno e deixa de zombar com a minha cara, por favor! — José exclamou um pouco alto, havia uma vontade louca de acabar logo com aquele tormento dentro dele. Até tentaria se beliscar para acordar, mas tudo parecia muito real para que desacreditasse.

— Não use tal linguagem comigo e muito menos aumente o tom da sua voz! Pode até ser o escolhido para se tornar um bruxo, mas ainda exijo respeito! — Hugo o repreendeu enquanto inchava de desprezo. — Você vai voltar exatamente para onde estava — finalizou suavizando a fala.

— Como assim? Eu vou ressuscitar?! — O jovem inquiriu estupefato. Ele disse "bruxo"?

— Basicamente isso. Entretanto saiba que nada mais será como antes... — Aquilo soou misterioso, como tudo até aquele momento. — Enquanto estamos aqui, Safira e outros dois poderosos te esperam, então temos que ser rápidos...

— Poderosos? — José transmitia a imagem de não estar compreendendo o que acontecia através dos seus piscantes olhos verdes.

— Não me interrompa... — Hugo respirou fundo, lembrando-se de todas as vezes que teve de passar por aquele mesmo processo com outros protetores e começou falar novamente. — O antigo Bruxo da Natureza pereceu e você foi eleito para sucedê-lo. Agora precisará aprender a usar seus poderes e cuidar do planeta Terra com eles.

Mas nem me candidatei pra nada... — O rapaz de cabelos loiros escutava cada palavra, decorando-as, mesmo que não entendesse a metade delas.

— Cada bruxo possui cinco habilidades. Receberá minha ajuda hoje para descobrir as duas primeiras, as mais fáceis; as outras, você deve desvendar por conta própria.

— Bruxo? Cinco habilidades! — Nele não havia expressão alguma enquanto falava, além da enorme curiosidade.

— Ótimo, pelo visto compreendeu corretamente. Agora saiba que não poderá deixar que nenhum ser humano normal perceba que você possui poderes. Entendeu? — O ser reluzente interrogou com uma aparência ameaçadora.

— Entendi, com certeza, entendi! — O moço desejava somente dar fim aquilo o mais rápido possível. Não fazia a menor ideia do que ele queria dizer com "ser humano normal".

— Muito bem. Agora...

— Um momento — o interrompeu, buscando ter controle sobre a situação que corria sem que a entendesse —, então eu vou ressuscitar, me tornar um protetor do planeta Terra e terei poderes mágicos? — Fez um exato resumo do que lhe foi dito e a personificação dos Runks assentiu com graça. — Mas, e se eu recusar? E se eu não quiser essa vida?

— Bem, quem não escolhe a vida, opta pela morte... — Suas palavras sucintas atingiram o loiro abruptamente.

Se aceitasse, sabia que sua vida jamais seria a mesma de antes, nunca mais seria normal. Mas não era exatamente isso que desejava? Uma vida de aventura e tão anormal quanto a dos heróis nos livros? Diante da proposta, o receio se apresentou em seus orbes esverdeados, por isso Hugo usou lábia e persuasão.

— Isso é uma segunda chance... Para você que nunca se aventurou de verdade, nem pôs os pés para fora do Oregon, jamais teve a chance de revelar do que é capaz... E nem sequer beijou uma garota. — A última frase tomou o olhar constrangido do adolescente que teve o rosto branco pintado de vermelho. — Sou a energia da vitalidade, sei da vida de todo mundo...

— Sabe até demais!

— Sei também que essa é a sua oportunidade de mostrar que não errei em te escolher como protetor da Terra! De lutar por seu lar, pela vida e por seu amor... — concluiu e aguardou a resposta que viria do jovem pensativo.

— Eu aceito. — Selou seu destino naquelas palavras que traçariam seu futuro imprevisível.

— Então faça o juramento: Eu... — José demorou um pouco, mas compreendeu o que deveria fazer.

— Eu, José — imitou aliviado, percebendo que havia feito o certo.

— Sucessor do Bruxo da Natureza... — Hugo continuou sem intenção de terminar.

— Sucessor do Bruxo da Natureza...

Repetiu, porém, o homem de vestes douradas não pronunciou nada mais, então o rapaz entendeu o que devia ser feito e, como se tivesse certeza do que falar, começou a pronunciar:

— Eu, José, Sucessor do Bruxo da Natureza, prometo que cuidarei do planeta Terra com todas as minhas forças e, mesmo quando não puder me levantar, vou protegê-lo de qualquer ameaça. Juro que, como próximo Bruxo da Natureza, buscarei conhecimento e irei zelar toda a vida deste planeta na presença dos Runks.

— Eu achei esplendidamente magnífico! — Hugo respirou lentamente. — Agora deve ir, me orgulhe com seus atos.

Repentinamente, a existência começou sumir, a claridade escurecia e o solo que também era branco, deixava de existir de forma gradativa. Tudo se rachando ao meio, com fendas escuras.

— O que está acontecendo? — José indagou assustado, mas logo compreendeu e acenou educadamente para o encapuzado. — Até mais, espero um dia te ver novamente.

— Sempre estive e estarei com você a cada momento de sua vida — afirmou, sorrindo em resposta. — E... bem-vindo ao nosso mundo, Bruxo da Natureza, José.

Hugo soprou forte, um sopro de cor dourada cintilante e muito brilhante. Tornou-se uma ventania que destruiu toda a existência e varreu tudo que havia do mais puro branco, esse escurecendo gradativamente, até que a visibilidade se tornou ausente.

Naquela escuridão, o garoto se viu perdido. Percebia-se paralisado de medo, deitado e sendo sacolejado. Até que tudo foi ganhando cor e nitidez.

— José! — Era Safira, ela o remexia muito, tentando acordá-lo. — José?!

— Oi, oi! — O jovem se encontrava desnorteado, buscando o apoio que seu corpo enfraquecido não possuía.

Tudo permanecia no mesmo lugar de antes, como se nada tivesse ocorrido ali e nenhum segundo passado. A poeira ainda cobria toda a área em que eles estavam como uma cúpula, e duas outras pessoas também presenciavam aquele local.

— Eu estou bem, obrigado, Safira. — O rapaz teve de intervir em sua assistência, pois ela não a cessava. — Quem são esses...? — Ainda sofria com tontura, mas sua visão logo melhorou. — Pai?!

— Olá, filho, você está bem, pelo que vejo. — Joseph sorria agachado ao seu lado, escondendo o semblante de preocupação que lhe moldava. — Você deveria estar em casa, mocinho!

— E quem é você? — Apontou a outra figura ali, estranhando mais a forma dessa do que sua presença inusitada. Recebendo ajuda para se pôr de pé.

— Sou Tamíres, uma velha amiga de seu pai. — Foi direta, pois parecia estar se concentrando em alguma coisa que precisava manter o foco. — A explicação ficará para depois... Agora, vocês dois, escutem-me! — Referia-se aos dois jovens espantados, os quais prestaram assistência. — Esta barreira de poeira nos esconde. Fora dela, o tempo está parado...

— Não estou entendendo! — José alegou interrompendo-a.

— Joseph está controlando a poeira, eu manipulo o tempo. — Tamíres sanou com um pouco mais de rispidez e zero paciência. — Esta tarefa não é nossa, mas é de vocês dois, então daremos mais um pouco de tempo para que se preparem.

Que tarefa? José aparentava não saber o que fazer e Safira se via no mesmo barco.

— A missão dos dois é não deixar que o prefeito consiga o que quer, precisam impedir que eles avancem e destruam a floresta. — Joseph explicava quando destacou o dedo indicador, citando unidade. — Com apenas um pequeno detalhe: vocês não podem ser vistos de forma alguma. Acho que posso ajudar um pouco nisso. Estão prontos?

O questionamento os fez caçar o olhar um do outro. Estavam um de frente para aquele para o qual se declararam horas atrás, muito próximos. Foi quando finalmente puderam ter a certeza do que sentiam, aquela pequena granada os fez perceber que seus sentimentos eram como uma explosão. Que a vida podia ser curta demais para não estar eternamente com quem se ama.

Ele se sacrificou por mim...

Não há mais dúvida em relação ao que sentimos...

Entreolhavam-se, tendo o mesmo anseio, enquanto ambos os corações palpitavam em sincronia, findavam a distância entre seus lábios e experimentavam a reciprocidade refletindo dos olhos verdes aos azuis. Mais do que viram, sentiram.

— Eu te amo — afirmaram em uníssono. O momento não era o mais propício para aquilo realmente, porém, depois do que presenciaram, poderiam não haver mais oportunidades tendo como futuro algo tão imprevisível.

E se beijaram calorosamente no frio da aurora do dia, em um amanhecer de beleza tão estupenda quanto seu amor. Um beijo que aqueceu até o coração mais gelado, aqueceria até mesmo o intenso frio congelante de Júpiter.

Poderia ser somente uma simples frase de livro fictício, mas era real: a rotação e a translação estacionaram, assim como o próprio tempo e espaço, os dando mais vontade de continuar ali. No entanto, havia muito que se resolver ainda...

José não sabia quais eram seus poderes, se é que tinha algum; muitos menos se Safira possuía-os também, porém, isso não importava, naquele momento eles poderiam enfrentar qualquer coisa juntos, independente do que fosse.

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