Capítulo 19- Calmaria III
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— José! — O bruxo acordou em seu aposento da base secreta, com uma sonolência embaçando sua visão. Quando o foco voltou, ele constatou Noel sentado na cama em que repousava. — Boa noite.
— Boa... noite? — inquiriu com a voz embargada.
— Você dormiu por alguns dias...
— Quê?! — exaltou-se erguendo o corpo.
— Brincadeira, foram somente algumas horas — revelou sorrindo, e o garoto revirou os olhos, permanecendo pensativo em seguida.
— Aquele sino faz as pessoas dormirem — palpitou como uma afirmação e o guardião assentiu.
— Como acha que nenhuma criança consegue me ver?
— E por que você não dormiu? — interrogou o jovem branco e sua resposta foi dada pelo simples fato de Noel apontar para o fone em seus ouvidos. — Aah...
— Tento sempre estar preparado...
— Espera, por que não usou isso com Aurora?
— Não sabia que precisaria, por isso não levei — explicou-se achando desnecessário. — Além de que não funcionaria, já que espectros não dormem. — José arregalou os olhos.
— Mas ela dormiu quando tiramos as trevas dela.
— Na verdade, ela desacordou, é diferente — retrucou levantando-se. — Bem, só vim avisar que a janta já está na mesa.
— Droga! — A exaltação do mais novo chamou novamente a atenção de Noel, que já se dirigia à porta.
— O que foi?
— Perdi o almoço!
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— E o Dragon, como está? — questionou o jovem de olhos esverdeados indo com o guardião até o salão com a mesa grande.
— Ah, ele vai ficar... — Quando o homem abriu as portas duplas, deparou-se com Maria por trás da cadeira do fera, ensinando-o a usar as talheres corretamente. — Ele está muito bem — concluiu e os dois começaram a rir.
— Você está bem, querido? — A mulher de casaco vermelho interrogou para José, enquanto ele se sentava. — Às vezes, o Ho-ho-ho deixa as pessoas um pouco desnorteadas.
— Eu estou ótimo — declarou sorrindo e já enchendo o prato.
— O que você me diz da minha proposta, Dragon? — Noel inquiriu relembrando-o do que lhe foi sugerido. — Quer ser meu guardião?
Eu ainda não sei direito o que isso significa, então preciso de um pouco mais de tempo — respondeu na mente de todos.
— Exatamente, ele tem que aprender muita coisa antes de poder conviver em sociedade. — A senhora ponderou persuasiva e, de certa forma, entusiasmada.
— Maria, espero que não esteja planejando o que acho que está. — O homem repreendeu quase usando um código secreto para isso.
— Não sei do que está falando. — Fez-se de cínica. — Mas se for o que eu acho que está pensando, então não acha que deveríamos poupar as crianças dessa conversa?
Crianças?! — José e Dragon esbravejaram mentalmente, compartilhando a repreensão pela palavra usada.
— Depois falamos então...
— Muito bem, assim mesmo! — Maria interrompeu-o comemorando o fato do fera ter aprendido comer corretamente e sentou-se ao lado de seu marido.
Não demorou muito para que o guardião levantasse, retirando-se do jantar e, quando chegou à abertura do salão, parou.
— Vamos, José — chamou-o virando-se para olhá-lo.
— Estou meio de barriga cheia para uma missão, sabe? — respondeu afastando-se um pouco da mesa e depositando a mão na barriga.
— Achei que quisesse saber sobre meus poderes — persuadiu convincente, e o garoto curioso pôs-se de pé num instante.
Com isso, saíram pelos corredores para uma parte da instalação que se mostrava ser novidade para o rapaz.
— É... Noel, não quero parecer intrometido — o jovem não possuía certeza se perguntar era certo —, mas, do que você e Maria estavam falando?
— Coisas pessoais, bruxo — respondeu secamente e adiantou-se para a porta dupla no final do corredor. Abriu-a e entrou tendo o adolescente em seu encalço, o qual ficou maravilhado vendo aquela sala imensa, assim como todas as outras.
— O que... é... isso?! — Como na câmara de entrada daquela instalação, eles se viam numa passarela na parte mais elevada do que parecia uma fábrica e, muito abaixo, havia dezenas de esteiras rolantes carregando brinquedos de um lado do âmbito até o outro.
— Aqui é onde começa o meu trabalho, vou te explicar... — começou andar até o encontro das altas passarelas que se cruzavam no centro da sala. — Como sabe, o Papai Noel entrega brinquedos, mas eu não. Aqui nós melhoramos os brinquedo favoritos de cada criança no mundo.
— Como assim, melhoram? — Franziu o cenho.
— Ali. — Apontou para a parede à sua frente e uma imagem apareceu como uma tela gigante. Era de uma bebê que parecia ser alemão, dormindo num berço com seu urso de pelúcia roxo. Repentinamente, um vórtice surgiu bem em cima da pelúcia e sugou-a para dentro. — Ah, agora ali! — O guardião indicou o início das esteiras e, só naquele momento, José percebeu vários portais pequenos fechando e abrindo. Todas as vezes que abriam, um brinquedo diferente era expelido para sua esteira correspondente.
— Vocês roubam os brinquedos?! — exaltou-se vendo o ursinho sendo levado lentamente até a parede do outro lado, assim como vários outros. Os objetos nas esteiras entravam numa passagem quando chegavam à parede contrária àquela por onde chegavam.
— Basicamente — retrucou já deixando aquele local e se dirigindo à passagem que parecia levar ao mesmo destino dos brinquedos. — Vamos ver a segunda parte do trabalho.
Mais uma vez, José apressou-se em segui-lo. Quando passaram pela porta dupla, constatou estarem exatamente na parte por onde entrou pela primeira vez naquele alojamento. As passarelas industrializadas faziam vários outros caminhos, além de seguir em frente.
— Aqui, os brinquedos são reparados, modificados e melhorados. — O anfitrião explicava enquanto o bruxo avistava vários braços mecânicos trocando muitas peças dos objetos infantis.
— Por que vocês fazem isso? Não entendi o sentido ainda. — Via o ursinho perder os olhos e o nariz desgastados, e serem trocados por novos.
— José, muitos pais não têm condições ou consciência para comprar brinquedos bons, ou são enganados com pirataria — relatou com um pouco de tristeza na voz. — Sem saber, eles acabam optando por aqueles feitos com materiais baratos que prejudicam a saúde da criança. Aqui, nós trocamos tudo isso por materiais realmente adequados e de maior durabilidade.
— É... Não seria mais fácil trocar por um brinquedo novo? — indagou simplificando a situação.
— É aí que entra a parte três do processo e ela exige que a criança tenha apego ao objeto em questão, não podendo ser qualquer um — explicou se dirigindo a outro acesso duplo na parede, que também era o destino dos brinquedos. — E é aqui que eu entro no procedimento com meus poderes.
Aquela parte era ainda mais incrível que as outras. Nela não haviam as plataformas que se cruzavam no meio da sala, pois uma esfera gigantesca e colorida flutuava no centro, igual a usada por Maria. As esteiras levavam os brinquedos de um canto a outro do recinto, depois sumiam por uma passagem na parede. No entanto enquanto levados, os objetos eram alvos de um raio de luz emitido rapidamente pelo globo, o brinquedo começava a brilhar e logo cessava.
— O que é isso? Vocês tão tipo marcando eles?! — interrogou o bruxo, inclinando-se no corrimão da passarela que se estendia apenas pelas paredes.
— Vem aqui, vou explicar — chamou-o andando para o lado direito da plataforma metálica até que chegaram ao meio da outra passarela, perpendicular a que estavam. — Acredito que Joseph já te contou sobre os feras deficientes — afirmou como uma indagação, e o jovem de olhos verdes assentiu. — Então, como sabe, foram desenvolvidos alguns aparelhos para remover os poderes desses animais, entretanto, eu desenvolvi outra máquina. Uma que guarda esse poder usando auroras austrais.
— Por isso vai até Aurora... — Tentava encaixar as informações em sua cabeça.
— Exatamente, vou todos os anos pedir para que eu possa remover o meu chakra...
— Quê?! O seu? Como assim? — exaltou-se fazendo o homem rir.
— Retiro quase todo meu poder de mim mesmo e armazeno ali. — Indicou a esfera brilhante. — O real motivo do meu trabalho é dividir um pouco do meu poder com cada criança do mundo.
— Mas deve haver algum dano colateral, não?
— Se eu tirar demais, posso perder todo minha habilidade e talvez até morrer, já que o chakra também é uma fonte de energia necessária para viver — respondeu com plenitude. — Restando uma fagulha da minha energia, ela pode se regenerar completamente.
— Então você se mata um pouquinho todos os anos... — José refletiu filosoficamente. Isso explica a Aurora estar tão receosa em ajudar lá na praia...
— É por uma boa causa.
— Uma causa nobre. Imagino que Maria deve discordar, mas apoiar ao mesmo tempo — comentou para descontrair um pouco, mas não funcionou muito.
— Ela sempre me ajuda — informou sorrindo com o canto da boca. — Esbanjo sorte em tê-la.
— Estava pensando aqui — o bruxo buscou mudar de assunto —, se outra pessoa fizesse o que você faz e oferecesse poderes aos humanos, isso...
— É um crime contra a nossa gente — completou com seriedade.
— Mas você...
— Tudo com autorização e supervisão — retrucou antes que argumentasse.
— Quem te supervisiona? A Maria? — A curiosidade fluía por cada átomo dele.
— A própria personificação do chakra.
— Gostei! — Permaneceram ali apreciando o globo lançar raios de luz colorida nos objetos, até que o adolescente retrocedeu de seus pensamentos profundos. — Ah, o senhor não me contou qual seu poder.
— Eu disse que teria que descobrir, não que eu contaria — lembrou-o sorrindo, mantendo o segredo. — Vamos, José, tenha criatividade.
— É um pouco difícil, eu não sou adivinho. — Olhava os brinquedos buscando inspiração.
— Não estaria pensando em bebês com cajados mágicos e bombas de teletransporte, não é mesmo? — Noel questionou sem conter o riso.
— Você, por acaso, ler mentes? — redarguiu e os dois começaram a gargalhar. Quando era criança, devo ter ganhado o poder dele também, certo? Lembrou-se de quando pediu um boneco de natal, mas um Papai Noel falso lhe presenteou com carrinhos e bois, então ele criou seu próprio boneco usando os pincéis de Joseph. — Criatividade, seu poder é a criatividade.
— Muito bem! — parabenizou mostrando a sua famigerada face terna. — O Senhor Pincel era seu brinquedo favorito, ainda mais por que foi quem criou ele, usando a criatividade que lhe dei.
— Em qual objeto meu foi colocada sua habilidade?
— É uma história bem engraçada. — Tentou amenizar as futuras surpresas. — Você possuía vários brinquedos e gostava de cada um igualmente, mas não tinha nenhum preferido. Então, uma noite enquanto dormia, coloquei meu poder em você. — De alguma forma, José cerrou e arregalou os olhos ao mesmo tempo.
— Você me sequestrou?!
— Com consentimento de Joseph, mas foi isso basicamente — relatou trazendo seus risos à tona.
— Eu ainda tenho esse poder?
— Não, ele não dura muito tempo se não for através de um objeto — sanou, fazendo o rapaz entristecer-se. — Aah e aquele pincel também era o brinquedo favorito de seu pai.
— Um pincel?! — estranhou a escolha simplista até demais.
— Sim, até você transformar ele em um boneco. — Voltaram a gargalhar. — Aliás, eu posso lhe dar um novo amuleto de criatividade, caso queira.
— Eu quero, mas eu gostaria que você fizesse uma coisa a mais...
Explicou toda a história por trás de seu desejo em alguns longos minutos e depois de mais uns minutos de espera, um diamante entrou naquela sala pelas esteiras rolantes.
— Achei muito cortês da sua parte dar isso para Edson. — O guardião colocou a mão em seu ombro, sabendo que as lembranças invadiam sua mente como um tsunami. O raio também saiu da esfera e instalou-se no diamante, o qual seguiu o caminho sumindo em seguida. — Seus pais formavam um casal incrível, um modelo de amor mútuo...
— Obrigado, Noel! — agradeceu sorrindo de lado para segurar as emoções que afloravam em seus olhos levemente marejados.
— E onde estão as alianças que ele te deu? — questionou o homem de íris azul-cianas.
— Aqui. — Tirou uma caixinha do bolso do casaco preto.
— Leva isso consigo o tempo todo? — perguntou levantando uma sobrancelha.
— Sim. — Com um sorriso meio constrangido, José respondeu.
— Eu acho isso fofo. — Pegou-a das mãos dele, tirou as alianças e entregou a caixinha ao dono. — Espero que isso seja de grande ajuda nas jornadas pela vida dos dois. — Quando concluiu, levantou-as em direção a esfera e essa disparou um raio de luz fortíssimo que atingiu as duas alianças. — Pronto.
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— Durma bem — Noel desejou quando se dirigiam ao quarto do garoto —, amanhã, nós acordaremos muito cedo, pois temos coisas para fazer. Boa noite.
— Boa noite. — Chegaram ao aposento dele, o qual o bruxo abriu, já se pondo para dentro.
— José? — Atraiu sua atenção e ele voltou-se para o guardião. — Normalmente, você perguntaria o que iremos fazer.
— E, normalmente, as pessoa não me contam o que eu quero saber. — Sua resposta trouxe sorrisos sem graça e certa tensão, a qual acabou no instante que se despediram com um aceno e o moço fechou a porta atrás de si. — Mas eu irei atrás de respostas...
Naquela noite, ele dormiu um pouco mais tarde que o previsto, um vez que seus pensamentos maquinavam a todo vapor, sem deixá-lo pregar os olhos, mesmo que já estivesse deitado na cama confortável. Sua idealização poderia colocá-lo em perigo, mas sua curiosidade era inevitável e a busca por respostas estava impregnada em seu sangue. Não descansaria até descobrir o que escondiam dele e já sabia a quem perguntar...
E aí?! Estão gostando? espero que sim. Venho pedir que mostrem apoio através da estrelinha e compartilhando. E comentem o que estão pensando em relação a trama, feedback é sempre bem-vindo.
O que acharam dos poderes de Noel? E do presente que ele dá as crianças? Qual será esse plano misterioso de José? De quem será que ele vai atrás agora?
-José JGF
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