Capítulo 17- Dracon Gelado I

Dia 18 de Janeiro. A manhã de terça-feira trazia consigo várias nuvens que deixavam escapar alguns poucos raios de sol. Os poderosos que se encontravam na grande ilha da Nova Zelândia já haviam feito à refeição da manhã e caminhavam até a praia. Na verdade, os dois homens já deveriam ter se teleportado para Antártida, mas José insistia em ir com sua namorada até o começo do mar, onde se despediriam e as poderosas se dirigiriam ao Egito.

— Vocês vão se ver novamente, não é como se fossem para planetas diferentes! — Yara tentava convencer os dois jovens, que ainda insistiam em reclamar do plano.

— Mas nunca ficamos longe em nossa jornada. — José contestou, enquanto andavam pela margem da vegetação, já chegando à costa.

— Jornadas têm disso mesmo, não vai demorar muito para que estejam juntos outra vez...

Enquanto isso, Safira discutia consigo mesma a possibilidade daquele plano não ser tão ruim assim. Estava mesmo de acordo com a separação de seu amado? Recordou de quando Pattrícya chamou o casal para falar com seu namorado sobre o torneio do Jogo Egrégio; e de quando Fire King lhe disse para não deixar o bruxo de corpo mole... Então chegou a conclusão:

Eu sou quase como uma sombra dele... — Isso não a fazia amá-lo de outra forma, mas apenas perceber que a distância momentânea poderia não ser tão ruim como pensavam.

A discussão dos outros dois não interferia na conversa de Noel e Aurora, os quais cursavam um pouco mais atrás do trio.

— Quando vai admitir que está ficando velho demais para isso? — A espectro interrogou com humor.

— Apenas no dia que eu morrer e você sabe que isso está longe de acontecer — refutou, quando chegaram à parte de areia, dando a visão ao oceano.

— Se você continuar fazendo isso, talvez não dure tanto...

— Sabe que não vou parar. — O de traje tecnológico alteou um pouco a voz, atraindo a atenção dos demais. — E já tivemos esta conversa.

— Exatamente. Tivemos essa conversa ontem — concordou a de cabelos coloridos, mas referiam-se a coisas distintas. — Vão seguir o plano e ponto final.

Depois que os olhares saíram do homem e pousaram na capitã, eles retornaram para o guardião, enfim.

— Vamos lá, Aurora — estimulou com persuasão, retirando o gorro vermelho de sua cabeça e desacoplando o orbe azul-escuro de sua ponta. Em seguida, entregou a espectro, que o recebeu com receio.

— Por mais que eu concorde com seus atos e desaprove seus meios, ainda lhe acho o ser humano mais loucamente incrível — comentou num sorriso que mostrava a dualidade em sua opinião.

A guardiã abriu a palma com a esfera e apontou para essa com o indicador da outra mão. Quando todos a rodearam para observar, da ponta de seu dedo foi emitido um pequeno raio colorido e reluzente. Cada feixe de luz era absorvido efetivamente pelo globo.

— E eu não conseguiria sem você, muito obrigado por isso. — Noel incitou, fazendo-a revirar os olhos por seus elogios, os quais sabia serem apenas para instigá-la a ajudar.

— Aliás — Yara tomou a palavra —, você bem que podia vir conosco, Aurora. Seria de grande ajuda.

— Infelizmente vou passar esta, não poderei ir. — Apressou-se em responder, mascarando sua infelicidade em tomar tal decisão. — Tenho muito que fazer aqui na ilha...

A espectro indicou, com a cabeça, a vegetação que se estendia pela colina, a qual possuía um rastro de árvores caídas, todas derrubadas por Taniwha. Depois que avaliaram o resultado trágico do embate de dois dias antes daquele, regressaram a vista para a de vestido reluzente que já terminava de aprisionar seu poder dentro daquela esfera.

— Eu vim apenas me despedir de vocês e agradecer pelo que fizeram por mim, muito obrigada... — Mirou os olhos de todos e devolveu o orbe para Noel. — Agora vou me apressar em arrumar essa bagunça toda antes que os moradores daqui surtem. — Virou para distanciar-se e todos se olharam, sem falar nada, ainda preocupavam-se com ela e sua segurança.

— Acho que eu posso te ajudar nisso... — Safira deu um passo à frente e todos a fitaram, inclusive a espectro, que se voltou com certo ânimo em ouvir aquelas palavras.

A moça estendeu suas mãos aos arvoredos derrubados e, quando os olhos verdes brilharam, toda a vegetação começou se mover. Algumas árvores se reconstituíam, pondo-se de pé novamente, outras se apoiavam nas que estavam próximas e assim tudo era regenerado.

— Incrível! — exclamaram, pasmos com a habilidade magnífica da senhorita.

— Agora você pode ir com a gente — concluiu a poderosa, sorrindo para a espectro que parecia reluzir mais que o normal, assim como suas íris violetas encantadas.

— Muito obrigada...

— Tá, tá! Vamos logo. — Noel interviu, apressado para ver sua mulher e poder tomar um bom banho.

Pela milésima vez nas últimas horas, José e Safira se abraçaram e beijaram-se apaixonadamente, como se fosse a última vez. A de cabelos verdes aparentando estar muito mais conformada com a separação do que seu namorado entristecido.

Enquanto Yara revirava os olhos, a guardiã flutuante abraçava Noel e os adolescentes despediam-se dramaticamente. Trocaram e a garota abraçou o homem de vermelho, assim como o bruxo e Aurora se despediram.

— Não precisa se preocupar, eu vou cuidar de Safira. — A reluzente cochichou no ouvido do loiro de longa trança.

— Bem, boa sorte para vocês. Nos veremos em breve. — O guardião destacou a última palavra para os dois jovens. Estando ao lado do rapaz e de frente para as três poderosas.

— Boa sorte. — Os outros acenaram em sincronia.

Jogou uma esfera que havia desacoplado de seu cinto, para trás. Logo em seguida, um vórtice escuro surgiu à suas costas, sugando um pouco da areia da praia. Os dois giraram no calcanhar e andaram até o portal até que finalmente desapareceram daquela ilha.

Quando atravessaram a passagem, constataram uma sala cheia de areia. Na frente havia uma porta dupla; à suas costas, uma grande abertura no chão estava cheia de água e ali um barco pirata flutuava.

— Finalmente, casa... — Noel respirou fundo de alívio, ainda continha alguns ferimentos.

O orbe azul-escuro, na qual a espectro colocou seu poder, já havia voltado para seu gorro, assim como o vórtice já tinha sido desfeito e o guardião pegou a esfera colocando-a no cinto. Ele fitou seu relógio e os ponteiros giraram rapidamente, voltando treze horas, para se ajustar de acordo com sua localização, marcando, assim, 18h00min.

— Querido! — As passagens foram abertas bruscamente e Maria apareceu correndo. Num instante, já estava abraçando seu marido. — O que aconteceu?

— Bem, digamos que houve um imprevisto — respondeu, sorrindo de leve, assim como o jovem.

— Por que estão tão feridos e abatidos? — A mulher disparou em perguntas, separando-se do homem e analisando o estado em que os dois se encontravam. — Cadê as meninas? Elas estão bem? E...

— Maria! — Noel interviu, altivo, enquanto José apenas os olhava com curiosidade. — Está tudo bem agora, estamos todos bem. Agora precisamos nos acomodar e te explicaremos tudo.

— Vocês precisam é de um banho, isso sim — retrucou, abanando com a mão.

Com isso, não demoraram muito para que já estivessem jantando confortavelmente, no salão com a grande mesa no centro. Por mais que tivessem saboreado o café-da-manhã há poucas horas, a mulher insistiu que jantassem aquele banquete. O bruxo não reclamou. Assim que começaram a refeição, a senhora de vermelho retomou ao interrogatório.

— Como você não sabe? — O anfitrião questionou-a, da cadeira na ponta da mesa. — O que aconteceu?

— Eu não sei, alguma coisa estava interrompendo meus poderes. — Ao seu lado direito, Maria explicou-se. — Não conseguia enxergar nada além de várias cores reluzentes. Pude ver vocês apenas no fim da madrugada passada da Nova Zelândia.

— Então, deve ter sido por causa dos poderes de Aurora...

— Como assim?!

Os dois explicaram todo o acontecido, enquanto a mulher interrompia com suas questões. O adolescente aproveitava o tempo em que o homem estava com a boca cheia para deixar a história mais intensa, modificando alguns fatos. Entretanto Noel rapidamente o repreendia e logo desmentia, além de omitir algumas outras coisas, para não preocupar sua esposa ainda mais.

Demoradamente, terminaram a refeição, assim como a história de sua viagem conturbada.

— Você deixou as três irem sozinhas para o Egito?! — Maria exclamou e logo foi censurada pelo homem.

— O que tem de errado lá? — indagou José, apressadamente, com inquietação.

— Não é o quê, é quem. — A senhora se mostrava indignada. — O guardião de lá é um... Um crápula, não liga para ninguém além dele mesmo.

— Achei que essa fosse aquela Freya... — O bruxo comentou, enquanto Noel apenas observava a cena, sem chance de se pronunciar.

— Ela é outra que deveria ser...

— Maria! Eles podem ter a personalidade questionada, mas são guardiões necessários. — O senhor finalmente interviu. — E não falamos essas coisas de baixo jargão, acalme-se. José se inspira em nossa gentileza...

— Pobre de mim, se eu fosse me inspirar na sua gentileza.

— Eu não estou em meus melhores dias...

— Isso não explica você estar assim. — Sua mulher entrou na discussão.

— Mas eu não sou assim e você não é diferente de mim...

— Não esperava que fossem perfeitos — o rapaz requisitou o rumo da conversa com o tom manso que Joseph usava para lhe repreender quando fazia algo errado —, meu pai sempre me contou a verdade, mesmo que eu a fantasiasse. Disse que vocês tinham defeitos, mas que eram incríveis mesmo assim.

Seu plano de acabar com o clima ruim usando elogios funcionou muito bem.

— É... — Noel recuperou-se da contenda. — Voltando ao assunto principal... Eu acho que as meninas vão se dar bem, não há o que temer, elas são poderosas — terminou com serenidade.

— Eu não tinha o que temer a um tempo atrás, até você ser atacado... — Maria retaliou afiada, levantando-se. — Vou ficar de olho nelas. — Começou se encaminhar até a porta.

— Espera. — José chamou antes que saísse e ela voltou sua atenção ao jovem. — Você descobriu o que eram aqueles tremores?

— Que tremores? — indagou o guardião, alertadamente.

— Poucos dias depois de você sair, algumas vibrações começaram abalar todo o solo de tempos em tempos — esclareceu fitando seu marido e traçou seu olhar ao bruxo em seguida. — Não consegui descobrir o que era, mas, seja lá o que fosse, parou de me atormentar.

— Tomara que não seja nada sério...

— Mesmo que não seja, temos que investigar. — Noel declarou depois da rogação de José e levantou-se.

— Não agora, já está tarde, vocês devem descansar!

 Ela é igual meu pai, não tem senso de horário — pensou, esboçando um sorriso despercebido.

— Já descansamos o suficiente...

— Não me faça insistir, querido. — Maria contrapôs sorrindo com semblante pernicioso. — Vou olhar como as meninas estão, enquanto vocês vão descansar.

Por conseguinte, ela se retirou do recinto iluminado por lustres e pela lareira. Os outros dois logo saíram também, mas com um rumo diferente do dela. No caminho para os aposentos, o mais novo encontrou a oportunidade certa para sanar suas dúvidas.

— É... Noel — reivindicou a atenção, enquanto caminhavam sem pressa —, uma profecia prevê o futuro com absoluta certeza?

— Profecias não preveem o futuro — corrigiu, sabendo onde tudo iria parar. — Elas fazem mais que isso. Contam a história da vida das pessoas. Guardam os segredos do passado e os...

— Mistérios do futuro — completou prestativamente. — É, eu soube dessa parte.

— Então sabe que não podemos falar sobre o deseja ouvir.

— Por quê?! — Parou bruscamente, com os ânimos elevados. — Se não querem me contar sobre essa profecia, nem o que me espera no futuro, digam, pelo menos, o que ocorreu no passado. — Noel franzia o cenho, perplexo com a exaltação do garoto.

— Você não está pronto...

— E quem decide se estou pronto ou não? — inquiriu encarando-o, incisivo e um pouco agitado. — Meu pai me contou várias coisas que eu acreditava serem apenas invenções, mas eu precisei morrer para saber que eram verdade! E aposto que ele não me contou nem a metade. Soube pela Pattrícya que ele é um deus; meu outro pai que me contou várias coisas que ele deixou passar! Não duvido que até Malléphycus saiba mais sobre mim do que eu mesmo. Quando pergunto, não me falam, mas quando não espero, tudo vem à tona!

— Pronto? — Noel indagou com serenidade e José assentiu respirando fundo. — Terminou o desabafo?

Esperou um tempo para que o jovem se acalmasse e voltaram a andar.

— Sabe, bruxo, não tenho um filho por motivos pessoais, mas, se eu tivesse, Joseph seria uma grande inspiração para mim, ele é um grande exemplo de pai. Você pode não entendê-lo agora, mas pelo menos, confie nele. — O rapaz baixou a cabeça e o guardião o amparou botando a mão em seu ombro caído. — Não posso tomar a responsabilidade dele de te contar a verdade, mas acho que só o tempo vai resolver tudo em sua vida.

O tempo! É obvio! — O bruxo então ergueu a cabeça, seus olhos brilhavam como se tivesse descoberto todos os mistérios do universo.

Despediram-se e foram para seus respectivos quartos. Naquela noite, o adolescente quase não dormiu com as milhares de coisas que efervesciam sua cabeça. Não fazia seu estilo planejar o que deveria fazer a seguir, mas precisaria de um plano bem elaborado para sanar aquilo que o movia, sua curiosidade.

•••

— Bom dia. — Entrando no mesmo salão que jantaram à noite passada, saudou o garoto.

— Bom dia. — Os anfitriões devolveram, sentados à mesa, a qual estava repleta de comida.

Ele sentou e juntou-se a eles na refeição.

— Quando você vai investigar aqueles tremores? — inquiriu para o homem de traje escarlate, tentando controlar seu interesse desmascarado.

— Nós vamos depois que terminarmos aqui — respondeu, deixando-o indisfarçavelmente incomodado com a informação que atrapalharia seus planos recentes, contudo, também havia certa empolgação em descobrir o que seria forte o suficiente para fazer quase todo o continente gelado tremer.

— O que vai levar? — indagou sua esposa, pousando a xícara de porcelana na mesa.

— Acho que o de sempre...

— É bom levar um tradutor. — Ela opinou. José apenas escutava, enquanto se deliciava com o desjejum.

— Acha que foi uma fera que causou os tremores?

— Me parece o mais provável...

Terminaram de comer e, quando iam saindo do âmbito, Noel estendeu a mão para o lado convocando seu bastão que estava escorado na parede, esse voou até ele em seguida.

— Por que você não fez isso pra pegar o cajado lá na ilha?! — O jovem inquiriu, quando se dirigiam à saída daquela instalação.

— Como eu disse, meu chakra estava quase todo no próprio cajado, pois eu havia concentrado meu poder para atacá-la. Então não tinha como invocá-lo para mim — esclareceu achando graça na exaltação repentina.

Antes que chegassem à entrada, um caminhãozinho de brinquedo os acompanhou, com alguns equipamentos tecnológicos em sua caçamba, como aqueles que Noel usou no embate contra Aurora. Ele apanhou tudo que jazia nele e colocou em sua pequena bolsa presa a cintura.

— Boa sorte. — Quando se aproximaram da passagem, a mulher desejou.

Somente depois que passaram pelo campo do holograma de montanha gelada, perceberam a frieza que fazia fora da base. Enquanto o bruxo tremia de frio e agradecia por estar usando roupas volumosas, o guardião olhou para os lados e pressionou um botão em seu relógio.

— Tem alguma ideia da direção de onde veio os tremores? — indagou ao microfone que se estendia até sua boca, acoplado no headphone em sua cabeça.

— Não, eu não... — José respondeu olhando à sua volta.

— Obrigado, Maria...

— Ah, pensei que estava falando comigo. — O adolescente se explicou sorrindo e batendo os dentes.

— Maria também não sabe de onde...

Antes que terminasse sua frase, outro tremor abalou todo o gelo sob seus pés. Um pouco longe dali iniciou-se uma forte nevasca, como se um borrão branco apagasse tudo e se expandisse cada vez mais. Os dois olharam aquilo e ficaram abismados com seu aparecimento súbito.

— Tenho um palpite de por onde devemos começar investigar. — O bruxo cruzou os braços para se aquecer. Por mais que usasse trajes brancos e adequados, ainda assim sentia a friagem lhe castigar, Noel usava a veste vermelha de sempre.

Puseram-se a caminhar, rumando para a nevasca que cada vez mais se aproximava. Depois de alguns minutos andando por aquela planície de gelo, eles finalmente foram engolidos pela tempestade de flocos de neve e continuaram em persistência, mas com sua empolgação abalada em absoluto.

Em alguns momentos de toda sua jornada, o garoto buscava recordar como sua vida era anteriormente, para entender que tudo era possível a partir do fato que, meses antes, nunca imaginaria que um dia estaria ao lado do Noel numa nevasca da Antártida. Ainda pensou em invocar o cajado e usar seu poder para se aquecer um pouco mais, no entanto, lembrou que Yara havia lhes notificado que isso seria uma péssima ideia.

— Maria disse que não está vendo mais a gente, estamos sozinhos nesta — avisou o guardião, olhando para todos os lados, mas sem enxergar muita coisa.

— Espero que estejamos sozinhos de verdade... — O mais novo distinguia apenas o ponto vermelho andando à sua frente.

Os flocos brancos de neve brilhavam ao serem levados pela corrente de ar e entrarem em contato direto com a claridade do sol. Entretanto, toda a claridade cessou por poucos segundos acima deles, como se algo detivesse a luz solar.

Alguma coisa grande e rápida, que passou velozmente por cima deles, de sua retaguarda até a frente e pousou num estrondo a alguns metros dos dois cautelosos. Num instante, toda a nevasca parou bruscamente e foi baixando aos poucos. José e Noel cerravam os olhos para enxergar melhor e, em meio à agonia, avistaram a possível causa dos abalos sísmicos.




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