Capítulo 14- A Todo Vapor I
A névoa densa já havia se dissipado por completo. José se deparou com Fire parado ao lado de fora da moradia de seu recém-descoberto pai, assim que abriu a entrada.
— Vamos? — King convocou num sorriso cortês depois de cumprimentar com um “bom dia” sucinto.
— Bom dia — retribuiu segurando a porta aberta.
— Quem é que está aí? — O anfitrião surgiu, repentinamente, atrás do jovem.
— É só meu amigo — informou, afastando-se para proporcionar mais espaço à abertura.
— Qualquer amigo seu é também meu amigo — comentou com ânimo, aproximando-se. — Eu sou Edson, qual seu nome?
— Eu me chamo... Francisco. — Sabia que seu nome não era nada comum, então usou algum aleatório que ouviu no porto. — Mas infelizmente não posso entrar, estou ocupado e José também...
— Ora, vamos logo! — Puxou-o para dentro em insistência e fechou a porta.
O bruxo acordou Safira e o anfitrião despertou Jhennifer. Assim as duas jovens apressaram-se em preparar o café-da-manhã. Enquanto isso, os outros três conversavam à mesa da sala de estar.
— O que faz da vida, Francisco? — O homem indagou fitando-o, incisivo.
— Bem, atualmente estou trabalhando como guia turístico para esses dois jovens — respondeu indicando José, que apenas observava o interrogatório.
— E por que eles estavam sozinhos? Onde você estava? — interrogou indiscreto.
— Eu estava procurando um navio para que seguíssemos a viagem — informou convincente. — Era para eles terem procurado um hotel ou uma pensão, mas, pelo visto, encontraram algo melhor — terminou sorrindo.
— Para onde vocês vão?
— Pare com essas perguntas, senhor Edson — interviu Jhennifer, mansamente, entrando na sala com um prato cheio de tapiocas com recheios diversos. A poderosa de cabelo castanho-escuro levou xícaras e uma garrafa térmica. — Vamos comer.
— Já tomei o café-da-manhã. — O deus relatou quando a moça lhe indicou a comida na mesa —, muito obrigado.
— Onde você comeu? — Safira perguntou sentando-se ao lado de seu namorado.
— Na casa de um... amigo.
— Ah, é! Cadê o... Carlos? — O bruxo indagou na tentativa de que o pirocinético entendesse.
— Quem é Carlos? — Edson inquiriu antes que King falasse algo.
— É um amigo de trabalho — contou com veracidade. — Ele concluiu a mis... A tarefa dele e encontrou outra para fazer hoje pela manhã.
— Bem — o anfitrião da casa tomou a palavra —, então vamos comer, antes que esfrie.
Saborearam o desjejum enquanto conversavam sobre o atual governo do Brasil. O trio de estrangeiros apenas escutava, já que não faziam parte daquela nação. Ficaram sabendo que aquele país estava sendo governado por um ditador, Getúlio Vargas, que havia começado a governar em 1930, dez anos atrás. Entretanto a conversa acabou, assim como a comida preparada, e os dois jovens foram arrumar as coisas para seguir a viagem.
— Notou que o Fire está meio diferente? — Ajeitando os lençóis da cama em que dormiram, a senhorita indagou ao namorado, o qual prontificava as roupas em sua bolsa.
— É... Ele parece que está menos... Fire — comentou sorrindo e começaram gargalhar.
Pararam de súbito quando Edson apareceu na abertura do cômodo. Não parecia muito confortável com a despedida, por mais que não os conhecesse de verdade. A tristeza que transparecia de seus olhos cansados mostrava quão devastadora poderia ser a solidão. Num mundo tão grande de liberdade, sentir-se sozinho nele seria como se tornar prisioneiro da amargura.
— Bem, já vou descendo... — Safira proferiu, andou até o homem na porta e o abraçou com ternura. — Muito obrigada por nos acolher em sua casa. Te espero lá embaixo — concluiu antes de se retirar.
O quarto, então, mergulhou num silêncio perturbante que o jovem de calção marrom e camisa creme insultou mentalmente.
— É... Foi um prazer te conhecer, espero nos vermos novamente... — Deu início o homem, aproximando-se cabisbaixo.
— Também espero... — O clima tenso só piorava a situação. — Amei te conhecer e aprender um pouco com você. E obrigado por nos abrigar...
As palavras do rapaz foram interrompidas pelo forte abraço de seu esquecido pai adotivo. Algo afirmava ao grisalho que devia fazer aquilo e que aquele garoto era muito especial. Só não sabia o porquê, e isso o martirizava por não lembrar.
— Eu queria te entregar uma coisa. — O anfitrião o afastou um pouco e mostrou uma caixinha azul. — Quando voltei de minha última viagem, aquela para os Estados Unidos, eu trouxe isso... Porém não me recordo o que significa, como todo o resto...
— Ah! Também tenho uma coisa para te entregar. — O bruxo se virou, revirou seus pertences na mochila que estava sobre a cama e voltou-se para o pai. — Dizem que pode guardar almas, então quero que se lembre de mim quando olhar para isso e saiba que nunca mais estará sozinho.
José abriu a palma e o diamante se mostrou. Edson o entregou a caixinha e, quando o adolescente abriu, vislumbrou duas belas alianças. Eram feitas de prata, com uma pedrinha branca brilhante encrustada em cada uma. O homem recebeu a pedra que reluzia e a admirou com fascínio.
— Muito obrigado — agradeceram ao mesmo tempo, ainda observando os presentes. Olharam-se e esperaram o outro se pronunciar. — Mas não posso aceitar...
— Isso deve ser muito valioso — argumentou indicando a pedra.
— Esses anéis, com certeza, também são.
— Estou falando de um valor sentimental e essas alianças... não... não significam muito para mim. — A voz cansada manifestava sua confusão.
— Esta joia tem, tem muito valor sentimental. E é por isso que eu quero que guarde consigo. Sinto que deve ficar com você e não comigo — retrucou sorrindo.
Mesmo que tivesse sido Joseph a lhe presentear com o diamante, ele não era seu, pois sempre pertenceu ao brasileiro esquecido, estava destinado a possui-lo.
— Sendo assim, então aceitarei... — Olhou um pouco para a joia e voltou seu olhar para a caixinha aberta nas mãos do loiro. — Espero que Safira também aceite, irei torcer por vocês.
Olharam uma última vez para o que entregaram e depois ao que ganharam. José imaginou que Edson pediria seu pai em casamento naquele dia em que todo o sonho teve fim. Sentiu uma forte dor no coração consumir seu espírito.
Eles iam se pedir em casamento no mesmo dia, mas tudo acabou antes mesmo que isso acontecesse... — Sua mente foi preenchida por uma sensação angustiante.
Lágrimas romperam de seus orbes verdes e Edson as notou com os olhos cinza igualmente marejados. Abraçaram-se uma vez mais, e o aposento se encheu de Runks, os quais rodeavam os dois batendo suas asas.
Entretanto algo ainda mais curioso também sucedeu. O bruxo observou um glóbulo azul claro cintilante sair do abraço deles. Concluiu que aquilo seria um Sentimento bom. Era mais brilhante que a simples miragem de Joseph e simplesmente mais incrível. Os Runks dourados circularam a esfera azulada com graça e sumiram gradativamente. Por último, aquele Sentimento vagou pelo cômodo e saiu pela janela de vidro do quarto.
— José! — Ouviram Safira chamar com receio, do andar de baixo. — Nós temos que ir.
Apertaram um pouco mais o abraço firme, para que eternizassem aquela sensação em suas mentes e nunca mais esquecessem. Desfizeram o laço entre seus braços e se afastaram com cautela. Não havia nada mais a ser dito, nada que eles não pudessem transmitir com o olhar.
O mais novo apanhou a bolsa em cima da cama, na qual Edson sentou com pesar. Andou até a porta do cômodo, virou-se para o homem sentado, o qual o avistou. Os dois se despediram num sorriso genuíno, por fim.
Te amo, pai...
Desceu as escadas e se despediu da gentil Jhennifer. Os três viajantes saíram, novamente juntos, ao porto.
— Por que seus olhos estão inchados? Estava chorando? — Fire indagou assim que saíram da casa. O trio tentava andar lado a lado, desviando das pessoas que transitavam pelas largas calçadas de São Paulo.
— Longa história... — respondeu sem muito ânimo. — E você? Percebi que está um pouco diferente também.
— Eu não estou diferente! — contestou no mesmo instante.
— Você está menos explosivo... Já está com saudades do Curupira, é isso? — Os dois jovens não controlavam as risadinhas.
— Não é isso! — retaliou altivo, chamando atenção dos civis apressados. — Não estou diferente!
— É! Esse é o Fire que conhecemos. — Safira zombou e caiu nas gargalhadas junto com seu namorado, King também sorriu.
Para aqueles que mantinham a consciência longe do corpo, o porto surgiu à frente deles num passe de mágica. Encaminharam-se em direção ao maior cais. Foram até sua ponta, mas não havia ninguém os esperando ali.
— É... E agora, o que fazemos? — José questionou vistoriando ao seu redor.
— Queria saber também...
— Calma! Temos que esperar só um pouco e...
— Fire! — A dama de cabelo colorido apareceu, coberta pelo pano marrom, indo do porto em direção a eles com uma caixa em seus braços. — Me ajuda aqui.
Apressaram-se até ela e King tomou, com cortesia, o caixote das mãos dela. Começaram caminhar de volta até o vértice do cais. O deus andava à frente.
— Muito prazer, eu sou Safira. E você deve ser o motivo do novo comportamento do deus do fogo. — A senhorita se apresentou apertando a mão da mulher, a qual mostrou incompreensão.
— Como assim? — interrogou confusa. Espera, um deus?...
José e sua namorada não contiveram as gargalhadas que atraíram a atenção do fera.
— Eu ouvi isso! — King repreendeu com rispidez.
— Bem, eu sou Yara. É um prazer conhecê-los — apresentou-se apertando a palma do bruxo. Porém segurou-a com força e encarou-o nos olhos intensamente, como se conseguisse analisar sua alma.
— E... Eu sou José — cumprimentou, tendo a estranheza estampada no cenho franzido, sem entender o porquê ela o olhava daquela forma.
— Muito bem... — pronunciou soltando o adolescente, ainda com um olhar avaliador.
— O que faço com isso? — O homem de pele bronze indagou quando chegaram ao fim da plataforma de madeira.
— Coloque ali. — A guardiã indicou a tábua da ponta do cais e lá foi colocada a caixa. Ela foi até o caixote e o empurrou com o pé, derrubando-o no mar profundo.
— O que...?
— A água sabe para onde levar... — A mulher interrompeu Fire e se desfez do tecido escuro que a cobria. Deixando seu corpo à vista, o cabelo cobrindo o corpo e o pano azul amarrado à cintura como uma saia improvisada. — Vamos...
— Pra onde? — Os jovens questionaram em uníssono, temendo a resposta previsível.
— Para lá. — Yara apontou para o fundo da baía. — Vão me dizer que não sabem nadar?
— Eu sei...
— Eu também. — A moça respondeu depois de seu namorado, com isso, todos se voltaram para o pirocinético, o qual os encarou com consternação.
— Que foi?! Eu sou do fogo e não da água — revelou recuando um passo.
— Eu te ajudo...
— E nossas coisas? — Safira indagou indicando as mochilas que carregavam. Entretanto a hidrocinética mostrou não entender o problema apresentado. — Vão molhar!
— Ah! Isso? Depois eu seco tudo, vamos logo — alegou, foi até a borda e tocou a água do oceano, o qual vibrou sutilmente com um simples contato. A poderosa se ergueu da beirada e pulou de cabeça no mar.
— Não sei se eu quero ir, porque... — A relutância de King foi interrompida pelo avanço acelerado do casal juvenil.
Corriam enquanto sorriam largamente e saltaram estancando a respiração. Adentraram a água de modo a ficarem em pé, movendo os braços e pernas, sem saber o que fazer ou para onde nadar. O deus se jogou da plataforma sem jeito e com receio.
Assim que o trio juntou-se ali, tentando acalmar o fera que afundava, constataram a falta da capitã. Ainda encontravam-se próximos a superfície, por isso conseguiam enxergar, mesmo que com dificuldade, pois a luz do sol iluminava perfeitamente. Foi quando perceberam algo se movendo em alta velocidade longe dali e se aproximar ainda mais rápido. No momento em que findou a distância, descobriram que era Yara.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top