Capítulo 9- Os (Não) Elegidos III

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— Te convoquei para perguntar se sabe o que foi aquilo que aconteceu ontem. — José questionou ao senhor que trajava a mesma veste mística esverdeada que ele, o antigo Bruxo da Natureza.

O forte sol da tarde de Quintos banhava o corpo físico do jovem loiro que repousava sentado onde havia estado antes com Salazar. Entretanto encontrava-se de pé em seu subconsciente, junto do homem de longa trança no imenso espaço de vastidão branca.

— Acredito que esteja se referindo ao evento que ocorreu com você e a guerreira sarama... — Florêncio pronunciou massageando a barba pequena. — Em minhas teorias, creio que seja uma amostra de sua quinta habilidade...

O mais velho tomou os olhos arregalados do outro como uma deixa para que cessasse sua fala. Aguardou seu pronuncio, no entanto, ele nada articulou, via-se impactado demais para dizer algo. Notando que o menor precisava de explicações quanto à notícia súbita, tornou a esclarecer:

— Este poder se molda a partir do porquê o bruxo foi escolhido como tal. Você se tornou uma opção por se colocar no lugar dos outros e entender o que as pessoas sentem, então me parece plausível que sua habilidade tenha sido desbloqueada com a ajuda da controladora de emoções.

— A pergunta é: o que esta habilidade faz de verdade? — indagou, consumido pela curiosidade.

— Bem, foi para cá que você trouxe a guerreira sarama e este é seu subconsciente — elucidava os fatos de forma clara à medida que caminhava pelo imenso salão límpido apoiado em seu cajado de madeira, assim como o mais novo fazia.

— Eu podia sentir as emoções dela, como sinto as suas agora. Conseguia escutar os pensamentos como se fossem meus...

— Então é isso, sua última capacidade é se conectar com alguém através da consciência — concluiu quando estacionaram um em frente ao outro. — Se treiná-la, pode se tornar uma habilidade bastante útil.

— Acho que vou pedir algumas dicas ao meu irmão... — alegou pensativo. Não expressava sua costumeira animação, talvez estivesse sendo afetado pelas lamúrias do luto.

— Francamente, eu tinha como certeza o seu entusiasmo quando descobrisse seu derradeiro poder, porém, parece que ele não lhe animou muito — comentou suas percepções o antigo Bruxo Natural.

— Eu sinceramente esperei que fosse ser algo mais... — Não encontrou palavras para descrever o que pensava em relação ao fato de descobrir, tão de repente, que conseguia partilhar pensamentos e emoções.

— Melhores? — O adolescente de dezoito anos confirmou com um aceno de cabeça. — Não existem poderes melhores, nem piores, somente poderes e a forma como eles são usados. Então o que lhe resta é praticar... Pratique.

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No dia seguinte, após a refeição matutina, o rapaz buscou mostrar mais ânimo para treinar. Não receberia auxílio do dragão telepata, pois esse exercia o seu próprio treino e ainda ajudava sua amiga a aprimorar sua capacidade sonora. Por isso o bruxo procurou a assistência de sua namorada, a qual, naquele instante, encontrava-se junto dele, os dois sentados na cama de seu aposento luxuoso. De frente para o outro, jaziam com as pernas cruzadas e os olhos fechados, como se meditassem.

— Vai conseguir, eu acredito em você, amor... — murmurou depois de vinte minutos na mesma posição.

— Deve se concentrar também, temos que nos conectar, então preciso de foco e não de apoio moral — retaliou sem paciência.

— Tudo bem, tudo bem. Vamos lá. — Ergueu as mãos em defesa, mesmo que nenhum visse tal gesto, uma vez com as pálpebras fechadas.

Quem sabe precisaria de uma situação específica para usar sua capacidade singular, pensou nisso antes de tomar as mãos de Safira para si. O toque a fez sorrir, todavia, depressa apresentou seriedade para trazer a concentração.

— Amor, me conta alguma coisa da sua vida, algo que te emocionou muito. — Recriar as circunstâncias de quando se conectou antes talvez fosse a resposta.

— Bem... Acho que o dia mais emocionante de minha vida foi quando lutei ao seu lado pela primeira vez... — As recordações de José o fisgaram sem perceber, levando-o ao dia em que morreu. — Naquela manhã, eu senti quase todas as emoções em seus ápices. Realização pelo protesto, indignação pelos policiais, raiva de meu padrasto, senti medo e adrenalina. Sofri com a tristeza de sua morte, experimentei incerteza e confusão pelo que seu pai e Tamires me contaram. Depois disso, quando você voltou para mim, não houve nada além de alegria, confiança e amor.

Aquela também havia sido a data mais emocionante da vida do moço, afinal, não era todo dia que ressurgia dos mortos. Se havia alguma lembrança que podia aflorar seus sentimentos, era aquela. Esperançoso, permitiu que as pálpebras de seu olho direito se afastassem, assim constatou que continuavam no cômodo do castelo.

— Não entendo! — exclamou deixando o foco e as palmas da senhorita de pele cor de carvalho escuro. — Deveria ter funcionado.

— Se exaltar não vai fazer com que consiga isto mais rápido. — Residir na Floresta Encantada junto de Meredyth aparentou ter a feito adquirir certa serenidade. Via seu namorado levantar para caminhar sem rumo pelo quarto.

— Eu trago uma missão, tenho que estar pronto quando chegar a hora de cumpri-la. — Se tornar mais forte estava se tornando a meta de sua vida. — Se não consigo me conectar nem com minha própria namorada, com quem mais eu poderia?

— Quem sabe se tentar outra vez com a guerreira sarama...

— Esta é uma ótima ideia! — declarou intervindo no sussurro sugestivo. Rapidamente, direcionou seu corpo à porta de entrada. — Nem sei por que não pensei nisto ant...

Antes que sua palma tocasse a maçaneta, batidas na madeira escura interromperam tal movimento. Alguns poucos segundos se passaram em silêncio. Só depois que ouviu mais batidas, o rapaz de olhos azuis abriu a porta. Era um dos servos daquele palácio.

— O guerreiro macaco está convocando o Bruxo da Natureza e a senhorita Safira para presenciarem a torre da ponte interplanetária...

— Que horas? — O loiro interviu na formalidade do marciano.

— Neste exato momento...

Sem mais delongas para pensar, o jovem estirou a mão para a adolescente de cabelo verde cacheado, a qual deixou a cama e juntou suas palmas em grande velocidade. Na mão do moço surgiu seu cajado, o qual foi girado para que transformasse seus corpos em folhas rodopiantes que depressa esvaneceram.

— Jovens, sempre apressados. — O serviçal revirou os olhos, em seguida, fechou a porta do aposento à sua frente...

No arco da grande passagem aberta que levava a torre do portal interplanetário, eles ressurgiram. Não havia teto, as paredes de pedra possuíam aberturas como janelas e, no centro do chão, a esverdeada runa circular se desfazia.

— Arya! — Foi a primeira entre as pessoas que Safira notou ali. Correu até ela e a abraçou, assim como Yara já fazia. Sua amiga aerocinética tentava manter o sorriso, mesmo que o cansaço da viagem fosse maior que sua resistência. — Bem-vinda.

— Viemos ver sua batalha no Torneio Feroz, chegamos atrasados? — Pierre declarou, apresentando um estado melhor que o da dama de vestes lilases e azuis.

— Não muito... — O deus pirocinético recebeu com um abraço seu amigo de manto terroso e cabelo branco como os pelos de um urso polar. — A parte mais difícil já...

— Maninho. — Entre os adultos, a pouca estatura da ruiva com pouco mais de um metro se perdia. Os dois homens interromperam o abraço quando o guerreiro percebeu sua pequena irmã ali entre eles, Ruby.

— Minha pequena... — Direcionou-se a ela com um grande sorriso, até estacionar quando decifrou o semblante de indignação misturado ao desgaste na face da garota.

— “Vai ser uma viagem rápida de poucos dias” você disse! — recitou as exatas palavras dele antes que entrasse no portal da Área 50 com destino ao Brasil. — “Já, já estarei de volta aqui” foi o que falou antes de passar um ano sem dar notícias! Quando você ia me ver, Fire? Eu tive que mudar de planeta pra ver meu irmão!

— Desculpa, irmãzinha... — A menina o fazia ficar ainda mais meloso que sua namorada hidrocinética. — Ocorreu um enorme imprevisto e...

Foi silenciado pela rapidez com que ela o abraçou em sua cintura. Enquanto isso, o geocinético cumprimentava o bruxo.

— Pierre me contou o que aconteceu e está acontecendo. — A mocinha mantinha o aperto, sentindo as mãos do seu irmão em suas costas. — É verdade que vai lutar num torneio?

— Na verdade, já lutei — constatava o gesto de afeto se desfazendo enquanto a menina diminuía a força —, agora só restam os duelos decisivos...

O abraço permitiu que o homem não deixasse a pequena cair quando ela desmaiou de súbito, tomando a atenção dos outros. Mantiveram a calma por já saberem que aquela era uma consequência normal.

— Só vieram vocês três? — Yara interrogou à amiga liberta dos cumprimentos, recordando-se da espectro da luz.

— Sim, insisti que Aurora viesse conosco, contudo, ela alegou que não deixaria a Terra enquanto pudesse haver algum poderoso em perigo. — Arya piscou seus olhos dourados para espantar a fadiga, porém, essa logo a alcançou.

Assim como as duas mulheres interviram na queda da guardiã egípcia, José usou a telecinesia para que o terráqueo musculoso não sofresse nenhum hematoma quando perdeu a consciência.

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— Então você perdeu seu nome...

Pierre pronunciou enquanto os guardas abriam as enormes portas duplas que davam acesso ao salão das refeições. Os três novos estrangeiros planetários já haviam repousado durante o dia e esbanjavam um apetite imensurável. Como seriam tratados iguais nobres e faziam parte dos conhecidos de um Guerreiro Feroz, podiam matar a fome naquele recinto luxuoso.

— Exatamente, agora sou chamado de guerreiro macaco. — O ígneo declarou com orgulho quando se aproximaram da mesa farta. A escuridão do anoitecer não penetrava aquelas paredes de pedras claras polidas e iluminadas pelos lustres.

— Mas vai ser sempre meu maninho! — Ruby buscou ficar perto do homem de capa preta.

O jovem bruxo sentou na cadeira da ponta mais próxima. Na lateral esquerda ficaram Safira, Pierre e Arya; na direita se acomodaram Yara, o deus e sua irmãzinha.

— Como que está a Terra? — O loiro inquiriu, afinal era ele o responsável por aquele planeta, deveria ser a ele a cuidar da Terra.

— A mesma rotina de sempre... — A aerocinética de cabelos escuros respondeu, dando mais atenção as porções de alimentos que pousava em seu prato. — Guerra, morte, bombardeios, declarações de guerra, ameaças, ação frenética, trincheiras, salvamentos da guerra...

A cada vírgula, somava algo a mais em sua refeição, até perceber os olhares franzidos que lhe julgavam.

— Então, maninho, finalmente encontrou alguém pra cuidar de você. — O sorriso travesso da ruiva de roupa vermelha contagiou os outros quando o ígneo engasgou-se com a comida.

— O nível de constrangimento nunca esteve tão alto. — Entre o gargalhar, comentou para os outros o homem branco musculoso.

— Minha pequena, esta é...

— Yara. — A menina interviu na apresentação que seu irmão faria depois de beber água.

— Nos conhecemos quando fui visitar a Arya na Área 50. Ruby e suas amigas são bem... enérgicas. — A guardiã tomou cuidado para não usar nenhum sinônimo de “fofas”, sabendo que as garotas não viam aquilo como elogio.

— E você parece uma ótima cunhada, por isso, têm minha aprovação. — Ergueu o polegar em direção à dama, trazendo mais risos à tona.

— Onde está o homem dragão que viajou convosco? — A pergunta da egípcia direcionada a José não foi ouvida por aquelas que conversavam sobre as manias do Deus e nem pelo próprio, que tampava os ouvidos. No entanto, a indagação ganhou uma resposta quando as portas às costas do bruxo se abriram.

— Boa noite. — O homem de máscara alva e sua amiga de vestido laranja enunciaram em uníssono.

—... e ele já deixou de chupar o dedo enquanto dorme? — A fala aguda da mais nova se destacou naquele momento, fazendo os cumprimentos aos recém-chegados serem dados em meio às gargalhadas.

— E a mamãe Maria e o papai Noel, como vão? — Depois de se acomodar ao lado de Arya, o telepata indagou. Poderia simplesmente vasculhar a mente deles e descobrir, porém, sua ética falava mais alto às vezes.

— Acho que eles sentiram tanta falta de vocês dois — a aerocinética indicou aqueles que se consideravam irmãos — que estão transformando a base ártica no mais novo abrigo para poderosos.

— Estão recebendo poderosos refugiados da guerra de todos os cantos. — Pierre continuou. — Ajudaram muito na superlotação das outras áreas secretas, principalmente a nossa, a de Londres e Moçambique... Estamos conseguindo contornar os efeitos das trevas de Malléphycus.

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