Capítulo 9- Os (Não) Elegidos I

À medida que os espectadores vibravam cada vez mais, a adrenalina suavizava no corpo dos doze feras restantes na arena quilométrica. José, só então, permitiu que os dois competidores se movessem, coibindo sua telecinesia.

— Vocês dois foram incríveis — parabenizou seus amigos e, sem mais delongas, girou seu cajado de madeira. A existência dos três se desfez em folhagens, deixando aquele local de forma súbita.

Atendendo ao pedido do Bruxo Elétrico, o rapaz de cabelo amarelo ajudou o mesmo a tirar todos os participantes da caldeira do vulcão adormecido. Em meros minutos, não se viam mais sob o pedaço de cidade que ainda flutuava, elevado aos céus, eles se encontravam de pé, em frente às cadeiras do luxuoso salão de banquetes do palácio no centro da capital olimpiana.

O jovem bruxo terráqueo permanecia de pé, à frente do assento na ponta mais próxima da saída do recinto bem iluminado. Transitava sua visão preocupada e aliviada entre o deus pirocinético ao seu lado direito e seu irmão gélido na esquerda. O primeiro trazia algumas feridas, pelas quais o sangue cor de ouro derivava, e o segundo apenas buscava entender os pensamentos daqueles que também haviam sido elegidos.

A pequena garota de vestido alaranjado agradecia mentalmente por estar entre o draconiano à sua direita e o velhinho careca de longa barba branca; eram os três com menos lesões entre os feras.

Os poderosos que seguiam na lateral direita após o homem de pele escura e capa preta eram: o moço prodígio de cabelo marrom que também não havia sido tão machucado; e a mulher de pele preta que dominava as dimensões espelhadas, a qual mantinha a classe, assim como o olhar fixo no senhor de barba à sua frente.

— Sentem-se, por favor. — A fala de Salazar pareceu um delírio coletivo, como se não fosse ele a pronunciar na outra ponta do banquete noturno, entretanto, um mero sussurro na mente de cada um deles. Nenhum fera se acomodou, somente os dois bruxos.

O loiro curioso se questionava o porquê de todos jazerem em silêncio, como se não houvessem conquistado uma vitória merecida. Talvez só estejam cansados demais para comemorar... Seja lá o que fosse o motivo, fazia o clima pesar, e ficou ainda mais denso quando lágrimas surgiram nas íris carmesim da marciana manipuladora de emoções que, ao lado direito da dama de veste azul cristalina, permanecia de pé como os outros, porém, com a cabeça baixa.

Depois dessa, entre os humanos, havia o ser místico de quatro patas e uma armadura avermelhada que se rompia em várias partes, o centauro não mostrava tantos sentimentos infelizes quanto os outros, o que despertava o leve repúdio do rapaz franzino que era veterano naquele recinto. Talvez ele até ousasse se sentar, no entanto, cadeiras não foram feitas para acomodar corpos equinos.

Até a guerreira víbora deixou sua personalidade satírica para apresentar respeito pelos não elegidos, seu corpo frio permanecia inerte ao lado do senhorzinho e á frente da ígnea chorosa. Depois dessa, esquecendo o fato de não ser mais a serva mestra, a manipuladora aromática buscava emanar um odor relaxante, todavia, seu chakra chegava ao fim.

Alguns se mostravam gravemente feridos, como o cantor famoso que não recuava seus olhos dourados da mulher que o deixou naquela condição, a guerreira ignur à sua frente, a qual apresentava o mesmo estado físico. O torneio havia acabado antes que seu duelo épico ganhasse uma decisão, por isso estavam ali, cada um de um lado, nas pontas mais longe do rapaz de veste mística esverdeada.

A primeira fera a tomar seu lugar foi a guerreira com martelo de guerra ao lado do centauro. Seguindo a deixa dela, os outros fizeram o mesmo. Em consonância ao silêncio com que faziam seus movimentos sem esforço, José se questionava sobre a tonalidade do sangue que alguns levavam sobre a pele ferida.

— Bem... — O suspiro do bruxo com longo cabelo preto reivindicou os olhares. — É inegável o fato de que todos aqui mostraram habilidades incríveis e total aptidão para estarem neste recinto...

Eu queria ter esta certeza... — O pensamento da moça a fazia lembrar-se das mortes que executou na arena.

Você merece estar aqui tanto qualquer um de nós — alegou mentalmente o telepata que segurou a mão dela com ternura. Da mesma forma como as feras serpente e ratazana faziam com suas mãos por baixo da mesa.

— Vejo que estão todos exaustos, então serei breve. — O marciano salientou quando a guerreira sarama deixou o choro para produzir barulhos com a narina. — Todos vocês agora são parte do grupo mais poderoso de todo o universo: os Guerreiros Ferozes. E serão anunciados como tais somente amanhã, por isso descansem esta noite. Meus parabéns...

Sempre a mesma conversa... — O velhinho cervo-real já havia ouvido aquelas palavras dezenas de vezes. — Agora ele vai teleportar num piscar de olhos.

•••

— Como Fire e Dragon estão? — Safira indagou quando se encontrava sobre a cama luxuosa num dos aposentos daquele castelo antigo, junto de seu namorado com pijama quadriculado, o qual mantinha o antebraço bem desenvolvido por baixo dos cachos castanhos da senhorita.

— Amor, eles agora são os guerreiros macaco e dragão...

— Eu sei, mas não é tão simples chamar as pessoas como animais... — retrucou com seu modo de percepção.

— Sabe que eles eram e ainda podem se tornar animais, não é? — Ergueu uma sobrancelha, voltando seu olhar cômico para ela.

— Eu sei, ainda sim... — A realidade era que aquilo só relembrava o fato de que os habitantes dos dois planetas apresentavam culturas e costumes diferentes. — Mas então, como os guerreiros estão?

— Acho que aliviados por terem vencido... Mas todos pareciam muito abatidos para comemorar. — Fitavam o teto que era enfeitado com lustres simples e encanações que pareciam parte da decoração metálica.

— Entendo...

A noite de Secundos chegava ao fim e dava lugar à madrugada de Tercius. A capital flutuante do Monte Olimpo era envolvida por uma nuvem de areia, principalmente por estar numa elevada altitude. Enquanto isso, outro casal de poderosos, além daquele juvenil, conversava envolvido em lençóis vermelhos.

— Naquele nevoeiro, eu enxerguei você... Acho que foi o que me deu forças para combater a escuridão. — O pirocinético declarou. Seus corpos imitavam a mesma posição que a dos adolescentes. O fera já havia se restaurado quase por completo, depois de visitar a enfermaria da construção, na qual habilidades curativas eram usadas.

— Eu quase surtei naquele momento, e quando você teve que duelar com o dragão...

— Descobri hoje que é você meu combustível — interrompeu a fala dela com um sussurro malicioso e aproximou seus rostos como havia feito com aquela Yara que encontrou na névoa.

— Não — segurou o corpo quente do homem, impedindo o toque súbito de seus lábios —, não podemos fazer isso. Por enquanto, tenho que ser a Sereia que apaga seu fogo, meu Sol.

Os apelidos haviam sido idealizados num momento em que o lado meloso deles havia falado mais alto, contudo, ninguém além deles poderia sequer imaginar que tais nomeações existiam naquela relação.

— Tudo bem... — Com um suspiro, regressou a sua posição anterior. Depois de experimentar a ilusória sensação de ter os lábios da dama de cabelo colorido junto aos seus, nem mesmo as cicatrizes do Torneio Feroz doíam tanto quanto tê-la ali e não poder tocá-la. Era simplesmente inquietante.

•••

A manhã de Tercius trazia uma parcial alegria, todavia, um tsunami de condolências inundava toda a felicidade. Como poderiam comemorar a vitória de doze sobre a morte de milhares? Era mais que compreensível tal sentimento. Alguns estrangeiros ainda desrespeitavam o silêncio no qual toda Marte se via submergida, entretanto, nada mais escandaloso que alguns fogos de artifício.

Pouco antes das nove horas, todos aqueles que desejavam prestigiar os elegidos Guerreiros Ferozes se encontravam em frente ao castelo, o qual se dividia em uma composição rochosa do alicerce até alguns recintos mais elevados e uma arquitetura metálica que dominava os andares mais altos, principalmente as torres.

O gigantesco pátio de fronte ao palácio contava com uma multidão de ígneos, terráqueos, jupterianos e netunianos. Além da aglomeração na esplanada ladrilhada, havia steágnos, balões e mais outras engenhocas sobrevoando o local que jazia na ligeira penumbra causada pelas nuvens de poeira, cujas extensões vagavam ainda mais acima do voador pedaço quilométrico de terra.

Todos voltados à altiva sacada real, que se apresentava imponente na frente da construção antiga, podiam ver Salazar entre doze poderosos. Também se encontravam ali alguns componentes da alta classe de Fogo e outras pessoas importantes como foram considerados o Bruxo da Natureza e as duas poderosas terráqueas. Mesmo com o microfone na mão, o homem de pele bronze, como os milhares de marcianos ali presentes, nada falou, deixou que o silêncio gritante fosse sua saudação inicial antes de se pronunciar:

— Lembrem-se dos vossos parentes, pois agora não são combatentes... — Como o cântico místico de iniciação, aquele dava fim ao torneio. Todos que o sabiam acompanharam a voz do bruxo, fazendo o sussurro retumbar em cada coração.

— Apenas descansam em verdejantes terras, levando consigo o legado das feras... — Era como imaginavam o céu, ou, pelo menos, a maravilhosa vida após a morte. — E, quando seus filhos vierem a nós, serão recebidos no grande Torneio Feroz...

José notou um detalhe que parecia fazer parte dos costumes deles: não apresentar seus pêsames ou condolências a qualquer um que tenha perdido algum familiar. Na realidade, todos aparentavam se esforçar ao máximo para não manifestar em público nenhum sentimento negativo, somente a consideração.

— Bem... — O ígneo retomou a fala ecoante. — Os Guerreiros Ferozes foram eleitos, contudo, seus títulos ainda precisam ser escolhidos. Quem será o chefe desta equipe, o nosso novo Olímpio? Isso ficará decidido com os duelos entre os doze competidores que acontecerão no Coliseu Ignição no próximo dia de Primus. Enquanto isso, eles terão muito tempo para aprimorar suas excelentes habilidades, e vocês para... recordar de seus íntimos...

Havia quem dissesse que aquela semana de espera servia apenas para que o Monte Olimpo gerasse mais lucro sobre os estrangeiros de seu mundo, e o próprio Fogo ganhasse também com os vindos de outros planetas. Alguns alegavam que o pretexto de que os feras precisavam treinar e que a aflição da perda devia ser sentida era somente uma farsa para gerar suspense quanto aos embates finais.

No entanto não podiam mais refutar tais fatos quando viam o esforço que cada um dos concorrentes fazia quando se colocava sob a pressão do treino. E conseguiriam contestar o luto menos ainda quando passavam por um dos corredores em específico daquele castelo, o qual ficou conhecido naquele mesmo dia como: Caminho das Falsas Lágrimas.

Em um dos aposentos daquela parte da edificação milenar era onde a dama manipuladora das emoções mantinha sua tristeza contida, todavia, sua habilidade nunca se mostrou tão descontrolada. Qualquer um que ousasse atravessar o corredor do quarto dela acabava sendo atingido por uma súbita angústia, e as lágrimas depressa surgiam em seus olhos. Era impossível resistir aos efeitos negativos da aflição impulsiva da guerreira sarama.

Tudo isso por que ela havia perdido seu melhor amigo na arena. O necromante pálido de olhos brancos vazios pereceu em campo de batalha. Entre tantos assuntos que transitavam de boca em boca, aquele era um dos mais citados: “Como alguém, supostamente imortal, pode morrer?”. Enquanto alguns faziam tal questionamento errôneo, os dois bruxos se indagavam: “Como alguém que já está morto pode morrer?”.

Em consonância a reverberação da dúvida, uma coisa se fazia certa: muitos o viram entrando em campo de embate, porém, nenhuma pessoa assistiu sua morte; das centenas de milhares de espectadores, ninguém podia afirmar com certeza ter testemunhado ele perecer, nem mesmo Manish com seus ágeis e vigilantes olhos.

Enquanto os curiosos buscavam explicação, a mulher mantinha a isolação, o mesmo isolamento no qual o guerreiro medo-ecoante permanecia sem deixar que nenhum de seus sentimentos se manifestasse de seu interior vazio. Com a penumbra da noite de Tercius se aproximando, a marciana desejava que pudesse ser como seu melhor amigo perecido, que tivesse a capacidade de conter suas emoções.

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