Capítulo 7- Mostrem-se, Feras IV
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Primus perdia seus poucos minutos restantes, assim como os ansiosos perdiam o sono. Era quase impossível dormir sabendo que horas mais tarde estariam numa arena de batalha, ou amigos, familiares e conhecidos o fariam, que pessoas iriam morrer lutando pelo poder. Enquanto Secundos já começava cronometrar seu início, a capital flutuante do Monte Olimpo parecia dormir com os olhos abertos, contando os segundos para que o embate tivesse início.
Outros não dormiam por motivos diferentes, como aqueles que organizavam o gigantesco vulcão para que sediasse o evento histórico. Mesmo sem a grande ajuda da serva mestra, buscaram dar o melhor de si. Refizeram o colossal terreno, deixando o mais plano possível; ampliaram as arquibancadas para cima, visando que houvesse mais assentos; e protegeram toda a quilometragem da arena com um campo de força invisível.
Uma exceção entre muitos era o guerreiro medo-ecoante, seu corpo pálido simplesmente não cansava, então não necessitava de descanso, por isso permanecia ali sentado, apenas existindo. Ao mesmo tempo em que ele filosofava sobre a morte, a pequena ígnea na cama ao lado buscava apoio nos conselhos ruins do seu amigo, dezenas de metros acima.
... Mas, se quiser, posso te cobrir de gelo e te libertar só quando eu já tiver matado todos os oponentes... — ofereceu mentalmente o homem sentado na cama de um dos aposentos reais.
Não precisa — agradeceu com um sorriso esforçado —, mas Xanthe me ajudou com isso. Tenho que dar tudo de mim e me esforçar ao máximo para mostrar que sou digna.
Também tem que se esforçar em lembrar que nós perdemos nossos antigos nomes — lembrou enquanto balançava a cabeça, negando as frutas no cálice que uma das servas robóticas o oferecia persistentemente.
É que me parece meio estranho — pensou virando na cama.
Eu não acho...
Claro, você é o grande guerreiro dragão! Fala isso porque não se transforma numa ratazana e nem num galo sem graça...
Bem... Isso é verdade... Mas isso não torna vocês piores e, muito menos, eu, melhor, apenas diferentes. — Ouviu isso de seu irmão quando conversavam sobre as espécies de poderosos e achou um bom momento para falar o mesmo. — Além de que o que importa é nosso interior, então, no final das contas, nós dois somos parecidos.
Nossa, claro! Um enorme dragão alado como um foguete é a mesma coisa que um galo, quase idênticos, certo? — Revirava os olhos obscuros.
Sim...?
Tenho que te explicar sobre a ironia...
Espera. — O telepata encostou suas costas na cabeceira, ouvindo outros pensamentos reivindicarem sua atenção.
Irmão...? Pode me ouvir?
Posso sim — confirmou depois de escutar José o convocando. — Muito obrigado pela ajuda novamente!
Vocês estão bem? — Ainda lhe parecia estranho agir como irmão mais velho, por ser mais novo e menor que o dragão, contudo, era como se sentia, com certo cuidado em relação ao outro. — Maximus me contou que você ficou num quarto de luxo.
Na verdade, todos em Marte já possuíam aquela informação, bastava apenas que ativassem o televisor no canal que transmitia aquilo que era gravado pelas câmeras de todos os aposentos reais.
Eu estou bem, este quarto é bem legal... Tem uns humanos de metal que não cansam de me oferecer comida... — O relato do marciano de tranças brancas fez o loiro sorrir ao lado de Safira, na cama de um dos quartos na residência de Monkka.
É o José, não é? — questionou sua amiga olimpiana. — Diz a ele que agradeço muito pela ajuda de mais cedo.
A mensagem foi repassada com as exatas palavras e o mesmo tom da pequena, fazendo o rapaz se sobressaltar.
Essa é a voz da Xiang?! — indagou, espantado com a recente habilidade do fera telepático.
Guerreira do galo agora — declarou com orgulho a garota de cabelo preto e olhos afinados.
Ah é, verdade... — Lembrou-se da primeira regra do torneio, a de esquecer os antigos nomes dos participantes, Maximus havia explicado o porquê de ela existir. — Quando aprendeu a fazer isso, irmão?
Minha amiga me auxiliou a aprender uns dias atrás. Bem legal, não é?
Sim... Agora me falem que ideia louca foi essa de competir no torneio! — bradou mentalmente. Até que demorou em repreendê-los pela atitude, antes precisava saber se estavam bem.
Nós conhecemos os riscos, irmão, mas precisamos fazer algo para melhorar nosso lar — argumentou com tom convincente.
Víamos todos vocês treinando e fazendo algo, por isso tomamos essa iniciativa — complementou a outra. Era difícil levar a sério aquela voz tão fina que soava em sua consciência.
Eu sei como é, mas... Os riscos são muito altos, vocês podem... — O bruxo concluiu seu pensamento, entretanto, o fera recusou-se a escutar o final, ou transmiti-lo para a jovem ígnea.
E por que acha que estamos sem conseguir dormir?! — interrogou o dragão que sentia um incômodo que não sabia explicar, nem entendia a origem de sua inquietação interna.
Tudo bem! Tudo bem...
A noite seguiu com menos sossego quando a presença da consciência de Safira juntou-se a conversa telepática, que consistia basicamente em censura aos feras imprudentes. Não possuía certo grau de aproximação como José tinha do irmão, no entanto, isso não a impedia de sofrer insônia com a mesma preocupação.
Em algum instante da primeira hora de Secundos, o terráqueo pediu para que o deus do fogo fosse convocado também. Gostaria de pedir um favor ao homem, todavia, antes ele precisaria de uma explicação:
Por que ninguém me falou nada sobre um dragão?! — Foi a primeira coisa que proferiu no momento em que foi contatado pelos outros.
Boa noite para você também...
Era meio que um segredo. — O loiro de pijama azul revelou rindo com a ironia de sua namorada e a exaltação do marciano pirocinético.
Um segredo até para mim?
“A mulher do mar, a garota das plantas, um dragão do gelo e o Bruxo da Natureza indo para um planeta chamado Fogo...” Recordava-se da fala do monge indiano da Terra, contudo, não chegava a imaginar que seria tão real. Talvez ele só estivesse se referindo ao poderoso com um título, foi o que pensou.
Não escondemos, apenas... não contamos. O nome dele era Dragon, o que você esperava? — refutou com lógica, fazendo o homem finalmente compreender o porquê da nomeação que antes lhe parecia tão estranha.
É... Isso explica muito. — Não podiam lhe contar um segredo que não era deles, e o dono do mesmo não lhe devia satisfação alguma. Foi o que mentalizou para conformar-se. — Mas eu vou precisar de explicações!
Garanta que todos fiquem bem e contaremos tudo no final do torneio... — Era a voz da consciência de Yara, a qual o telepata convocou com urgência para trazer calma ao guerreiro macaco.
Boa noite, minha sereia! Não sabia que estava aí... — Era mágica a forma como mudava seu tom e seu jeito quando raciocínio com a dama.
“Minha sereia”? E ainda fala que eu e Safira que somos melosos... — censurou mentalmente, revirando os olhos verdes.
Eu escutei seu pensamento! — exclamou o musculoso, despertando algumas risadas. — Mas e então, por que foi que me chamaram mesmo?
É que eles não confiam em nós dois, e acham que não sabemos nos cuidar sozinhos! — bradou a ígnea que surrava o travesseiro para deixá-lo mais confortável para sua cabeça.
Não é bem isso. Apenas queremos garantir a segurança de vocês — declarou o jovem bruxo.
Desculpe-me, mas eu acho, sinceramente, que eles não precisam de minha proteção...
Viu só?! Ele sabe o que diz! — A menor até ergueu seu corpo na cama, de tanta animação por causa da confiança que lhe foi depositada pelo deus, instigando o mesmo sentimento nela.
Obrigado pelas palavras — agradeceu o dragão.
Fire! — A palavra foi usada com uma carga excessivamente pesada de censura pela guardiã aquática, que prendia o cabelo colorido para dormir. — Eles são novos demais e vão enfrentar uma batalha até a morte.
A terráquea seria a favor da participação deles se não tivesse visto os outros feras que teriam de encarar e não previsse o quão brutal poderia ser aquele evento, imaginava um massacre sanguinário e esperava a cada momento que estivesse errada.
Você tá falando da Canção da Morte — rebatou a própria citando seu apelido, por mais que não gostasse dele — e de um dragão milenar...
Você ainda é adolescente e o dragão ainda não tem nem um ano como humano... — contestou Safira, sendo a mais calma no momento, talvez por causa do sono.
Na verdade, havia três formas de calcular a idade de um fera: a como animal; aquela que seu corpo humano possuía; e a que contava o período desde que se tornou um poderoso. Usando a contagem de tempo na Terra:
O dragão podia ter milhares de anos, todavia, sua idade humana mostrava um homem de vinte e sete anos; como ser humano, contava com pouco menos de um, desde quando foi abençoado por um Sentimento na Antártida. Assim como a guerreira do galo, que foi abençoada quando era uma ave de três anos ou menos e adquiriu a forma de uma criança com idade humana de oito. Somando a essa os seis anos desde quando havia se tornado uma poderosa, daria os exatos quatorze que possuía.
Mas nós...!
Eu entendo... — O chimpanzé interrompeu a fala da garota exaltada, buscando as melhores palavras para se pronunciar. — Sei que estão muito preocupados, e eu garanto que farei tudo ao meu alcance para ajudar. Mas...
Mas? — Yara inquiriu com prestativa atenção.
Não posso fazer muito, pois, a cada momento, os competidores estarão sendo julgados em sua bravura. Um fera que depende da proteção dos outros não será digno de se tornar líder de Fogo — alegou o deus pirotécnico que tentava relaxar sobre a cama de molas.
Mas eles não podem interferir no torneio, podem? — indagou o rapaz loiro, pensando em outra solução plausível.
Legalmente não... — A resposta gerou ainda mais incertezas e inseguranças. — Existem muitos modos para manipular o evento e fazê-lo parecer uma “decisão do destino”. — Nenhum deles viu as aspas que ele gesticulou com a mão, todavia, elas foram, de alguma forma, transmitidas aos outros.
Isso não está me cheirando bem...
Tenham mais confiança em nós! — A guerreira do galo clamou depois do lamento de Safira.
Eles têm fé em nós — o dragão declarou com convicção, pois sabia o que os outros pensavam —, eles não confiam nos outros concorrentes. Mas prometo que darei tudo de mim para me sair vitorioso.
E eu também!
Eu vou buscar ao máximo uma forma de auxiliá-los e... Argh!
O que foi isso?! — Yara vociferou mentalmente depois de ouvir o alto gemido do namorado, o som ecoou em todas as consciências.
O homem pôs-se a explicar. Ele recebia uma massagem relaxadora, deitado com as costas descobertas para cima na cama, era raro vê-lo sem a capa de pelos pretos. A técnica de relaxamento era aplicada por um austêmoto vestido como serviçal doméstica, que apertava com força as costas marcadas de cicatrizes do poderoso, o qual agradecia cada segundo aquelas mãos robóticas.
Os aposentos reais eram disponibilizados com o privilégio de alguns austêmotos para servir as feras mais aclamadas. Ao contrário dos quartos nobres, onde todos tinham mais liberdade, já que não eram alvo das câmeras, nem da insistência dos robôs domésticos, todavia, ainda sofriam com a mesma ansiedade.
Sendo comprovado pela guerreira ratazana, a qual tentou driblar a insônia com uma profunda meditação, que fazia sentada de pernas cruzadas sobre sua cama, buscando manter calma sua mente. No entanto sua concentração foi interrompida pelo sibilar que invadiu seu cômodo repentinamente, junto de ruídos como barulho de rastejo.
Abriu os olhos, até então fechados, e percebeu várias cobras adentrando o recinto por diferentes cantos como tubulações, frestas, encanações... As peçonhentas variavam de tamanho, mas todas começaram se amontoar a frente da cama, formando um grande aglomerado de serpentes que se entrelaçavam e ganhavam mais volume. Depois de minutos, ainda chegavam mais, e uma forma humanoide já podia ser avistada pela marciana de cabelos brancos e íris cinza.
— Nossa... Que cheiro forte é esse? — As cobras de sua cabeça foram as últimas a tomar seus lugares e a guerreira víbora surgiu de costas, mas virou-se depressa.
O forte aroma doce era resultado da tentativa de fazer o ambiente se tornar o mais agradável possível, porém, era facilmente perceptível o exagero da mulher sentada.
— Os quartos nobres não são vigiados, por que não entrou pela porta? — questionou a ígnea acomodada de braços estirados para os lados e com um semblante pleno, entretanto, incisivo.
Os corredores eram rondados por austêmotos, dos quais ela perceberia o cheiro metálico, se seu cômodo não tivesse impregnado com aquele que exalava excessivamente. Começou emitir a fragrância doce somente depois de constatar pelo olfato que sua amada também havia ido para um daqueles quartos nobres.
— Isso não importa! — A outra investiu indo até perto do acolchoado com sua costumeira frieza totalmente ausente. — O que pensa estar fazendo aqui?!
— Eu quero servir melhor o meu lar e...
— Você já faz isso muito bem, não precisa se matar para servir melhor! — Baixou o tom, mas esse ainda era firme e oscilante.
— Está dizendo que não sou capaz de vencer, é isso?! — Não alterou sua voz, mas avançou rapidamente, até se ver de pé na frente da outra.
— Não foi isso que eu disse... — As pupilas verticais dos olhos violetas tremulavam como seu coração.
A marciana se martirizou mentalmente pela sua estupidez que se resumia em preocupação. Desviou o olhar dos orbes cinzas, porém, seu rosto foi reerguido pelas mãos macias da serva mestra.
— É só que... — E se sua amada morresse? Ou pior: tivessem de duelar entre si... Nem havia tido a chance de se despedir antes daquele momento. Deu-lhe as costas com os pensamentos corroendo sua mente, mas não perderia o tempo restante. — Ah, quer saber? Me beija logo!
Disparou outra vez contra a ígnea, selando seus lábios com desejo infindável que as entorpeciam como um veneno mortal. A velocidade a fez cair por cima da esbelta de vestido anguloso, a qual desabou sobre a cama que rangeu. Os beijos ficavam mais ferozes a cada instante que os provavam, como se fossem tão necessários quanto o próprio oxigênio.
Elevavam seus corpos para mais perto da cabeceira enquanto se desfaziam de algumas peças de roupa; panos leves e claros, outros em tons escuros de violeta. O aroma do ambiente ficou excessivamente prazeroso à medida que a adrenalina era saboreada pelas línguas que se entrelaçavam, trocando saliva.
— Já imaginou se acabarmos tendo que duelar...? — pronunciou a serva entre as carícias que lhe entibiavam.
— Já imaginei... — As lembranças de seus próprios pensamentos a fizeram perder um pouco da inquietante vontade que a consumia segundos antes.
— Eu, com certeza, venceria — declarou para seu amor tão sorrateiro quanto uma naja. Usou do bom humor e da sensualidade para trazê-la de volta ao clima quente.
— Você sempre me vence... — proferiu com malícia.
Olá, feras ferozes! Espero que estejam curtindo essa história e conseguindo entender, às vezes sinto que possa ser difícil a compreensão... Se não conseguir entender, pode perguntar. Comente o que está achando, vote nesse capítulo e compartilhe essa obra.
Qual a ferocidade do Torneio Feroz? Estarão todos prontos para esse embate? Por que o fera medo-ecoante permitiu que a garota fosse até seu quarto? O galo e o dragão têm mesmo noção do perigo que correm? E a pergunta que não quer calar: quem serão os doze escolhidos?...
-José JGF
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